13/6/2012, Quinn Norton, Wired, Threat Level
blog
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Sobre: OLSON,
Parmy. We Are Anonymous. Inside the
Hacker World of LulzSec, Anonymous, and the Global Cyber Insurgency, New
York: Little, Brown & Company, 2012, 498 pp.
$26.99
Quinn Norton |
Não
é fácil escrever sobre os Anonymous.
É uma não-organização de
“gozadores-que-viraram-ativistas-que-viraram-hackers-que-se-complicaram-feio-com-a-Polícia-no-drama-da-lei-tem-de-ser-respeitada” [1] — história difícil de
compreender-capturar e difícil de narrar.
Trabalhar
sobre grupo clandestino caçado pela Polícia obriga a fazer escolhas não óbvias.
Um dos hackers sem nome, mas citado longamente no livro We Are
Anonymous [2] de Parmy Olson, jornalista
chefe da sucursal de Londres da revista Forbes, disse-me uma vez que os
anons “são dissimulados por natureza”
– e são. (Como sei que é a mesma pessoa? Reconheci o modo de se expressar.
Depois, perguntei).
Os
anons mentem, quando não há qualquer
razão para mentir. Tecem longas narrações fictícias, que são uma espécie de
performance artística. Depois, nas horas mais inesperadas e menos
recomendáveis, dizem a mais pura verdade, destruindo-se, eles mesmos, no
processo. São imprevisíveis. O furor niilista com que Olson descreve o modo de
vida dos anons mais jovens atira para
todos os lados, inclusive para dentro de casa, e os tiros muitas vezes espirram
sobre jornalistas como Olson e eu, por motivos que nada têm de óbvios.
É
impossível “seguir o dinheiro” no não-grupo dos Anonymous, ou analisar as
estruturas do poder, ou buscar uma linha geral de pensamento constitutivo, num
coletivo que jamais, praticamente, os tem. Mesmo assim, é preciso escolher
alguns itens nos quais se creia, um por quê, um como se enquadram num quadro
maior. Usam-se o contexto, as circunstâncias, os instintos mais viscerais e
muito do que os hackers chamam de “engenharia social”, para extrair as
evidências necessárias para escrever jornalisticamente sobre o coletivo, para
cumprir nosso papel nessa história.
Que
ninguém se engane: os jornalistas temos um papel nessa história. Você não pode
simplesmente não se envolver. É impossível não ser parte da coisa, se a coisa
usa a imprensa e todos os veículos para falar e pensar sobre ela mesma.
Por
tudo isso, o que torna tão frustrante o livro We Are Anonymous [3] de Parmy Olson é que ali a
narrativa segue em frente, como se nenhuma dessas questões existisse.
Mas
Olson e eu, como a professora Biella Coleman; como a ex-correspondente da rede
CNN, Amber Lyon; como Brian Knappenberger, cineasta documentarista; e até como
Adrian Chen, da revista Gawker, nunca conseguimos nos impedir de dar uma
cara à coisa, enquanto a coisa vai-nos dando, também a nós mesmos, uma cara.
Somos o veículo que o coletivo usa para se autodefinir, e sempre acabamos por
guardar para nós alguma partícula (ou muito) daquilo que o coletivo se vai
tornando. É sempre assim, sejam quais sejam as regras que definamos para impedir
que aconteça. Somos órgão da Cabeça-de-Enxame. Somos a paisagem-de-Schrödinger
da mídia, e nossas observações afetam fatalmente o resultado observado.
Por
isso precisamente é vitalmente importante expor as regras pelas quais
trabalhamos e nossos métodos. Que nomes dar aos que tenham nome e, mais
importante, que nomes manter secretos? Para não ter de lidar com essa questão
ética tão absolutamente complicada, tomei a decisão de não identificar ninguém;
nomes, só dos que, como dizem os Anons, já sejam “nomefodidos” (ing.
namefagged [4] e vídeo). Olson escreve centenas
de páginas sem sequer um aceno para essa questão.
Como
Olson escolheu as fontes nas quais confia, e em que casos? E nem uma palavra,
tampouco, sobre métodos. Suas observações não aparecem em nota ou referência,
mas escondidas na narrativa. É como se ela não estivesse escrevendo o que
escreve. Embora essa seja tradicional regra da escrita jornalística, no estranho
caso de escrever sobre os Anonymous qualquer tentativa de fingir-se de anônimo e
impessoal abala a credibilidade do/a jornalista e do jornalismo. Em ambiente no
qual todas as fontes declaram que estão mentindo, o jornalista tem o dever de
declarar ao mundo, abertamente, todas as suas próprias crenças e fés
pessoais. O jornalista “nomefodido” é, nessa situação, a única
fonte legítima de opinião que pode aspirar a ser legítima e merecer
credibilidade. A isenção jornalística passa a ser aí, além de mito, erro: se o
jornalista não se expõe pessoalmente, se não declara que crê no que creia...
quem (e sobretudo: por quê?) precisaria acreditar em algum jornalista?
Os
sistemas sociais da internet, dos quais os Anonymous são exemplo altamente
evoluído, rompem as vias da causa&consequência estabelecidas. Em vez de
buscar o especialista ou a mais alta autoridade presente para colher
“declarações”, a alma da matéria pode estar, de fato, em qualquer palavra e
nunca se sabe em qual palavra estará. Procurar a fonte “certa” ou a “melhor
fonte” nos Anonymous é, frequentemente, muito mais como investigar um
assassinato; e muito menos como escalar a cadeia de comando à caça de uma
entrevista ou de alguma “declaração” ou do “furo”.
Mediafag |
Os Anonymous expuseram os
jornalistas [viados-da-mídia, mediafags, como eles dizem] como
especialistas em “fala-escudo” [5]. As frases bombásticas e as
declarações hiperbólicas têm de ser reproduzidas exatamente como saem das telas
ou da boca de cada anon, não podem
ser copiadas de jornais, depois de já convertidas em discurso indireto. E ,
mesmo com todos esses cuidados, ainda assim se cometem erros e publicam-se
“conclusões” ou inferências que escapam a qualquer controle e entram no nosso
texto jornalístico.
Um
pouco disso existe em qualquer jornalismo, por melhor que seja, mas em mundo no
qual nada “precisa” ser verdade, porque tudo é permitido, como o mundo dos Anons, é constante ameaça existencial a
pesar sobre todo o jornalismo. Por isso, precisamente, tão poucos jornalistas
dedicam qualquer legítima atenção jornalística aos Anonymous.
O
jornalismo é parte de um mundo de instituições, hierarquias e tradições sociais
que são codificadas por estados-nação e por empresas. Criamos leis e regras para
controlar os que sejam autorizados a chegar aos assuntos que contam, para que
seja possível concentrar nosso poder de fogo midiático nos pontos em que
queremos que ele se concentre. O mecanismo visa a criar um mundo previsível no
qual todos possamos viver a salvo (ou viver da ilusão de que ali estamos a
salvo) dos caprichos da natureza. As ferramentas que há, para o jornalismo que
há, foram concebidas para esse mundo – o qual, por sua vez, modelou nossa
retórica e nossas narrativas. É o que explica que jornalistas gostemos tanto de
identificar as pessoas pelos títulos (presidente, deputado, bispo, comandante),
pela idade, pela religião ou por etnias, localizando nossos personagens numa
hierarquia – para que o leitor convença-se de que o veículo que lhe fala ouviu
gente “importante”, o que, por contaminação, gera a ilusão de que o leitor seria
igualmente importante.
As
técnicas do jornalismo contemporâneo são a teoria da história de alguns, em
letra de forma, em redação esperta, compacta e rápida, para leitura veloz e
superficial.
Os
Anonymous rompem todos esses pactos – e são terrível dor de cabeça.
Contudo,
para jornalistas forçados a escrever sobre eles, o surgimento do grupo Lulzsec – clube fechado e exclusivíssimo
de uma elite de hackers que vivem e trabalham como o resto do mundo
normal, embora incluídos no grande coletivo – foi como dádiva caída do céu.
Afinal, ali estava o atalho para construir matéria de vasta repercussão popular.
E muitos jornalistas reagiram com o previsível entusiasmo.
Essa
é a via pela qual Parmy Olson consegue fugir do problema de escrever sobre os
Anonymous: escreveu sobre os Anonymous, sem escrever realmente sobre os
Anonymous.
Seu
assunto é outro: Olson escreve só sobre Lulzsec. Nas 414 páginas do livro de
Olson, só se considera o coletivo mundial quando é inescapável, para explicar a
formação, dentro do grande coletivo, de um pequeno grupo de seis personagens,
que estiveram nas manchetes por poucas semanas no verão de 2011, atraindo
atenções como nenhum outro grupo de hackers jamais atraíra.
LulzSecs |
Mas nem os seis Lulzsecs são adequadamente investigados.
Olson deve ter passado semanas mergulhada em postados antigos – embora nem
sempre se possa saber onde encontrou os postados aos quais teve acesso nem como
(nem se) fez qualquer movimento para comprovar a autenticidade do material que
encontrou. Jornalistas de tecnologias, todos nós, mais dia menos dia temos de
enfrentar o problema de confiar em postados ou arquivos cuja origem não se
consegue rastrear com precisão, encontros em chats, e-mails
repassados. Como fornicação e agiotagem [6], esse é mais um dos pecados sobre
os quais todos concordamos que não nos podem paralisar, nem merecem laudas e
laudas de reportagem. Mas Olson peca vezes demais. Usa, sem qualquer registro ou
resguardo crítico, fontes como o Chanarchive – página que alguns
/b/tards do próprio 4chan
criaram para arquivar discussões que consideram particularmente interessantes.
Olson
alcança velocidade de cruzeiro quando começa a contar detalhadamente a história
dos Lulzsecs, narrando evento após
evento sobre esse específico grupo secretivo. É quando renuncia a qualquer
ambição de analisar e faz reportagem de eventos – seu forte.
Trata-se,
exclusivamente, de uma conversa com Jake Davis — conhecido pelo apelido
“Topiary”, o talentoso porta-voz e agente de retórica dos Lulzsecs. Nessa seção intermediária, o
livro melhora dramaticamente, e é o que o livro inteiro deveria ter sido: relato
jornalístico escrito por jornalista que conseguiu bom acesso até bem perto dos
Lulzsecs.
Mas
nem essa melhor parte do livro chega a ser bem-sucedida, porque não passa de
biografia não comentada do jovem Jake Davis. A autora dá a impressão de passar
adiante cada historieta que ouviu da fonte, sem qualquer análise sobre se a
historieta contribui ou não para melhor compreensão do que seja o grupo e do
significado do grupo. São estradas vicinais que levam a lugar nenhum e acabam de
repente. E isso, num vasto exercício de acreditar em tudo que Davis diz.
Davis
se autoacusa de um crime depois de outro, sem parar, em dúzias de páginas de
arremedo de diálogo, mas Olson jamais se pergunta por que ele lhe estaria
contando tudo aquilo. Davis admite incontáveis vezes que costuma mentir a
jornalistas... E nem assim Olson lhe faz a pergunta óbvia (ou, se perguntou, não
perguntou na presença de testemunhas, quer dizer, dos leitores): “E aqui, você
está mentindo ou não?”
Essa
é parte das razões pelas quais We Are Anonymous dá a impressão de relato
mal construído, mal acabado, apesar das quase 500 páginas. Os eventos não são
narrados em sequência cronológica, mas não se sabe que outra lógica rege a
narrativa e, a menos que já se conheça detalhadamente os eventos ali narrados,
fica-se sem saber quando aconteceu o quê. Mais um mês de edição bem feita e
menos umas 150 páginas produziriam livro muito melhor.
Ataque DDoS |
Por
exemplo, há uma estranha repetição de historietas “técnicas”. Num desses casos,
somos informados mais de uma vez que “ataque DoS” é parecido com
“ataque DDoS”, sem o D de “Distribuído”. Não é só a repetição: é repetir
informação errada. O ataque “DoS” [Denial of Service/Negação de
serviço] é, de fato, parecido com o ataque “DDoS” [Distributed Denial
of Service/Negação de serviço distribuída] sem o D inicial, mas só quanto
aos resultados. As técnicas são muito diferentes e exigem recursos muito
diferentes.
Ataque DoS |
As
explicações técnicas são forçadas e repetitivas, no livro de Olson. Redigidas em
tom descuidado de quem não conhece bem o idioma em que trabalha e que não se
interessa por conhecê-lo melhor, para conseguir ser o mais precisa e clara que
possa, as explicações técnicas são o ponto mais fraco do livro, e pintam muito
mal a paisagem na qual vivem os Anonymous (inclusive os LulzSecs). Ataque DDoS significa
inundar uma página-alvo com pedidos de acesso e com mensagens-lixo; é como 15
pessoas querendo passar ao mesmo tempo por uma porta giratória estreita, uma
catarata de visitantes – tudo explicado num único pequeno parágrafo no capítulo
5.
Esse
tipo de jornalismo desrespeita, para começar, a cultura técnica. É como
popstar britânico cantar como criança africana; é sequestrar e descartar
tudo que realmente faria alguma diferença. Desse tipo de atitude brotou e
disseminou-se a ideia de que todos os hackers adolescentes seriam malucos
de porão. É frustrante desserviço que o jornalismo presta a um grupo cada dia
mais diversificado, que já tem de enfrentar não só o preconceito e a
discriminação das forças da ignorância, mas também a violência policial dos
estados mais repressivos, inclusive dos EUA, embora, noutros lugares, a
repressão seja ainda mais violenta.
Por
exemplo, tome-se a sequência de eventos, no capítulo 21, em que os LulzSecs hackearam o FBI associated
Infraguard, quando Olson narra o modo como Sabu apagou o conteúdo de um
servidor: “E, fácil, digitou rm -rf /*. Um código simples, mas mal afamado: quem
digite esse código no back end do próprio computador apaga, de fato, tudo
que haja no sistema. Nenhuma janelinha popping up para perguntar “Você
tem certeza?” Aconteceu. Muitos trolls conseguiram que suas vítimas
digitassem o código ou apagassem o crucial arquivo32 de sistema do
Windows”.
Se
você não tem nenhum saber técnico, a coisa parece bobagem. Se você tem algum
saber técnico, você tem certeza de que é bobagem. “rm” é comando UNIX, não é
“código”, faz command line interface (o que em nenhum caso abriria
janelinhas...). E nada tem a ver com Windows. E o 32 é diretório, não é arquivo.
Esse exemplo é excepcional, do pior que há no livro; mas não é caso isolado.
É
exigir demais, esperar que jornalistas que escrevam sobre os Anonymous conheçam
a diferença entre UNIX e Windows? Ou que saibam explicar o que é um endereço
IP [Internet Protocol]? A mídia especializada, com certeza,
responde que “sim”, há 15 anos; é esperar demais, nessa e em todas as demais
áreas da cobertura jornalística em áreas tecnológicas. Ninguém tem qualquer
direito de exigir que jornalistas entendam as complexas tecnologias sobre a
quais vivam de escrever. É privilégio histórico dos jornalistas ganhar a vida
escrevendo o melhor que possam sobre o que conheçam o melhor que possam. OK. Mas
tem limite. Com os geeks ocupando o planeta, a ignorância vai-se tornando
cada dia menos historicamente admissível.
Vivemos
pressionados pelos prazos, com orçamentos cada dia mais apertados, com demandas
sempre crescentes por informação atualizada. Mas, de um limite em diante, a
coisa vira negligência; em seguida, cruza a fronteira e converte-se em
exploração. O jornalista ser explorado não o autoriza a explorar o leitor.
Estamos lendo mal o mundo. Estamos tratando mal o leitor.
Nada
me faz pensar que Olson seja esse tipo de jornalista negligente e exploradora,
mas é o que se vê, incorporado, no jornalismo que oferece nesse
livro-reportagem. Os Lulzsecs/Antisecs atraem leitores; mesmo
sem qualquer sutileza ou análise. Mas também atraem – assim como há quem diga
que eles próprios procuraram por isso – jornalismo-espetáculo, de
sensacionalismo, a mais antiga profissão no ramo de escrever para viver.
Todos
os clichês dos postados fast-food que reagem à propaganda pelo Twitter estão presentes em We Are Anonymous.
Por todos os lados, chovem apoios, disparam-se comandos de
resposta-repetição, e muita gente dos e à volta dos Anonymous deve estar
terrivelmente machucada, porque parecem sempre dispostos a se chutarem e se
espancarem, eles mesmos, o mais que possam.
Em
geral, para o bem e para o mal, esses pecados literários são deixados sem
comentar, na era da moderna narrativa de não ficção. Mas, nesse caso, eles
saltam à vista, pelo contraste muito visível com a linguagem vibrante dos anons
que a reportagem cobre.
A
linguagem dos Anonymous é imprópria, de baixo calão, mas é deliberadamente o que
é. Suas metáforas estão vivas, são criativas e efetivas, porque os anons nunca param de tentar romper a
linguagem e o pensamento convencionais. De tanto querer fazer e tentar, acabaram
por aprender a fazer. Quando distorcem uma imagem, distorcem como querem e o
quanto querem, e para um objetivo determinado.
Anonymous IRC |
Quando @AnonymousIRC se autodescreve como
“cavaleiro sem cabeça montado num cavalo ASCII [7] com um halo de Gato Nyan
[8] e espada de Lulz em bainha de tolerância”, a imagem
é construída para fundir a cuca de quem leia. E funde. Mas é imagem construída e
você vê o que é para ver. A escrita dos Anonymous encheria de orgulho o George
Orwell do clássico Politics and the English Language (A política e a
língua inglesa [9]), não porque obedeça aquelas
regras, mas porque sabe por que e quando desobedecê-las e escapar delas. É má
sorte, que a prosa de Olson tenha de expor-se ao lado da prosa dos anons.
***
Os
Antisecs e, antes deles, os Lulzsecs, receberam vastíssima atenção
midiática de jornalistas como Olson e eu, atenção que chegou a deixar
marginalizados outros anon ops mais
efetivos, que trabalhavam no apoio a movimentos da Primavera Árabe e na
resistência política contra leis anti-internet, como a ACTA – mesmo no
caso em que essas operações foram conduzidas pelas mesmas pessoas. Olson e eu
cobrimos tudo isso, mas do jeito errado. Deveríamos, desde o início, ter sabido
ver os Antisecs como uma manifestação
dentre muitas, não como grupo que, afinal, poderia ser tratado pelos jornalistas
como estrelas do rock, grupo que facilita muito o trabalho jornalístico.
Muitos
anons, de visão mais criativa, cujo
trabalho encaminhou-se para objetivos mais claros (nem sempre louváveis, mas
objetivos e, sim, claros) acabaram afogados na gritaria niilista dos Antisecs e na incansável cobertura que
os jornalistas lhes dávamos. Àquela altura, os Antisecs pouco nos preocupavam.
Quando,
dia 3 de junho, anunciou-se que remanescentes daquele antigo exclusivo grupo
de hackers haviam capturado 3 terabytes de dados do governo,
inclusive material do FBI e do Departamento de Estado, a mídia deu de ombros. É
excesso, dados demais. Mais dados do que alguém pode ler e, menos ainda,
avaliar; e são dados inúteis, quando o noticiário diário já oferece tantas
notícias péssimas. Em ambiente no qual todos sabemos que o presidente tem sobre
a mesa uma lista de pessoas a serem assassinadas, entre as quais há cidadãos
norte-americanos, difícil supor que um .d0x traria algo que fizesse diferença.
Depois de milhões de logins e e-mails vazados e de bancos de dados
invadidos, estamos em crise de fadiga de dados.
Desse
oceano de vozes de Anonymous, todos experimentando novos modos de estar no
mundo, as únicas vozes que se ouvem no livro de Olson são as de um pequeno grupo
de hackers que sequestraram o palco onde todos deveriam poder ver uma
legião; que desafiaram os valores do coletivo; e que colidiram frontalmente
contra o muro da lei. Foi história que a própria mídia gerou, sem dúvida, mas
não é a verdadeira história dos Anonymous. Não é, sequer, história que faça
qualquer real sentido.
Notas dos tradutores
[1] 8/11/2011, redecastorphoto em: “Anonymous:
Introdução ao lulz”, Quinn Norton,
[2] OLSON, Parmy. We Are Anonymous. Inside the Hacker World of
LulzSec, Anonymous, and the Global Cyber Insurgency, New York: Little, Brown
& Company, 2012, 498 pp. $26.99.
[3]
Há crítica (preconceituosa,
jornalístico-conservadora) ao mesmo livro no New York Times em: “The
Secret Lives of Dangerous Hackers”, Janet Maslin,
31/5/2012.
[4]
Namefag [Substantivo
2 g . Verbo
necessariamente reflexivo derivado: Nomefoder-se]. Designa todos que se
deem nomes próprios nos postados no 4chan. O procedimento de nomefoder-se é considerado péssimo,
altamente não recomendável, embora o fórum /tg/ seja mais descontraído que outros,
nos quais três postados nomefodidos
levam a longos debates de mais de 300 postados, sobre os méritos e as
desvantagens do anonimato na rede. A regra geral é nunca se autonomefoder, a menos que seja
indispensável distinguir-se, pessoalmente, do enxame sem nomes [ing.
anonymous] e separar-se do enxame (comentário dos tradutores).
[5] Hedging language
ou Verbal Hedge
[fala-escudo]: Colunistas, repórteres e jornalistas em geral mostram-se cada dia
mais conscientes de que há risco de serem processados por crimes que cometam ao
noticiar. Resultado disso, são cada dia mais frequentes, em todos os veículos,
expressões que visam exclusivamente a proteger o jornalista e a empresa para a
qual trabalha, contra acusações criminais e processos por difamação e calúnia
(dentre outros crimes). Às expressões que se usam para essa exclusiva finalidade
defensiva, chama “fala-escudo”, porque visam a distanciar o jornalista e
a empresa jornalística de qualquer compromisso com o que esteja sendo divulgado
ou comentado. É onde a isenção jornalística vira arma e é usada contra o
consumidor do discurso jornalístico.
Por isso, abundam hoje matérias jornalísticas em que
tudo é dito “suposto”:
“Polícia
de SP abre inquérito para investigar suposto crime de racismo no
Twitter” (5/11/2012, Folha de S.Paulo);
“Suposta amante do executivo da Yoki
deve depor segunda-feira”
(15/6/2012, O Estado de S.Paulo);
“Foto
de suposta nova camisa reserva
do Corinthians vaza na internet”
(3/5/2012, O Estado de S.Paulo) – e esse, aliás, é exemplo extremo de uso
absolutamente absurdo, do absurdo “suposto”, porque se fica sem saber, até, o
que seria “suposto”: (a) “suposta nova (camisa)” ou (b)
“suposta camisa (nova)”; ou (c) “suposta (camisa nova)
reserva”; ou (d) suposta (nova camisa reserva) do
Corinthians)”?!
O
que se vê aí é, de fato, só e sempre, o suposto jornalismo do
Estadão suposto jornal [risos, risos, porque essa foi booooa!]. E “O
presidente sofre de suposta doença terminal”
(vários veículos, no Brasil, a propósito de doença dos presidentes Lula e
Chávez). Há zilhões de exemplos, mas bastam esses, por hora.
Esse
movimento discursivo de dissimulação exaure, de fato, a relevância jornalística
e social de qualquer notícia.
Mas
esse tipo de fala-escudo nem seria necessário, se o jornalismo, o jornalista ou
o repórter realmente investigassem os assuntos sobre os quais vivem de inventar
notícias. Essa fala-escudo, que mata qualquer notícia, seria desnecessária se
realmente houvesse o que noticiar, em cada notícia (suposta existente, mas que
não existe) que é noticiada.
Assim,
se a investigação policial já estiver completada, a notícia é: “fulano será
julgado por ter matado sicrano” (e não se falaria de “suposto assassino” – que é
perfeito absurdo lógico e também gera objeto para processo por calúnia e
difamação, dentre outros). Se já houver laudo médico, não há “suposta
doença” e a notícia é outra, que não foi noticiada.
Afinal de contas, em todos os casos, o que seriam,
no mundo, se existissem, uma “suposta amante”?! E/ou uma “suposta doença
terminal”?! E/ou uma “suposta camisa”?! \o/ \o/ \o/ \o/.
[6] Prôs que pensem que essas
proibições-tabu religiosas só tenham a ver com “fundamentalistas muçulmanos”,
acordem: deu na Bíblia (Deuteronômio 23-19: “Do teu irmão não exigirás juros
[...] e Colossenses 3-5: “Exterminai, pois, as vossas inclinações carnais; a
prostituição, a impureza, a paixão [...]).
[7
ASCII, American Standard Code for Information
Interchange/ Código Padrão Norte-americano para
Intercâmbio de Informação) é uma codificação de caracteres de oito bits
baseada no alfabeto inglês. Os códigos ASCII permitem “desenhar” em
computadores, equipamentos de comunicação, entre outros dispositivos que
trabalham com texto. Desenvolvido a partir de 1960, grande parte dos modernos
códigos de caracteres foram criados a partir do ASCII . Vê-se um dentre os quase infinitos possíveis “cavalos ASCII”.
[8
Pode ser visto em: “Nyan
Cat”
[9] Ensaio de 1946. Pode ser lido em
português europeu em: “A política e a língua
inglesa”
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