quarta-feira, 27 de junho de 2012

Assange entrevista No. 11: Noam Chomsky & Tariq Ali


26/6/2012, Russia Today – 11º Programa - Episódio 10, 26'49"
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


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JULIAN ASSANGE: Durante os dois últimos anos, surgiram novas formas de revolução. Falo hoje com dois gigantes da esquerda intelectual: Noam Chomsky, linguista muito conhecido e pensador rebelde, e com Tariq Ali, cronista de revoltas de rua e especialista em história militar. Quero saber o que pensam esses incansáveis ativistas. Em que direção caminha o mundo? Em que direção deveria caminhar?

Noam, Tariq, o período 2011-2012 foi momento histórico de imensa envergadura para os movimentos de independência em muitas partes do mundo. Vocês pressentiram que o momento se aproximava?

TARIK ALI: Não, não, não pressenti nada. Acho que ninguém pressentiu. O mais interessante é que as revoluções árabes brotaram numa parte do mundo onde os analistas diziam que lá “as pessoas não se interessam pela democracia, que os muçulmanos são geneticamente hostis à democracia”...

JULIAN ASSANGE: É.

TARIK ALI: ... e lá surgiram os levantes, que logo se alastraram, porque foi a ocupação da Praça Tahrir no Cairo que inspirou ativistas nos EUA, até na Rússia. Quem esperaria que haveria movimentos populares também na Rússia, desafiando a autoridade do estado? A ‘primavera árabe’ foi muito contagiosa e continua a contagiar, de diferentes formas.

JULIAN ASSANGE: Noam Chomsky?

NOAM CHOMSKY: Não, não posso dizer que pressenti ou previ alguma coisa. Sempre assumi que, mais cedo ou mais tarde haveria reação popular, contra a violenta guerra de classes que a última geração moveu contra todos os pobres, e guerra de classes muito consciente: a classe empresária, que sempre foi consciente dos próprios interesses e que, de fato, teve êxito na promoção dos seus interesses. Nos EUA, por exemplo, todos sabemos, a geração anterior criou riqueza, mas riqueza que não se distribuiu pela sociedade e foi só para o bolso de uns poucos. Hoje, a desigualdade nos EUA é um abismo, 1/10 da população, principalmente gerentes de fundos de investimentos, diretores executivos de grandes empresas... Estou falando dos EUA, mas os fenômenos são mundiais. O Egito talvez seja um dos locais mais impressionantes.

O movimento que levou às manifestações da Praça Tahrir há um ano chamou-se “Movimento 6 de Abril”, porque dia 6/4/2008 houve muitas manifestações de trabalhadores nas principais fábricas egípcias, manifestações de apoio aos sindicatos, etc. Um pequeno grupo de profissionais de tecnologia queria participar... e participaram, de onde estavam,, usando os veículos de comunicação social. O movimento de 2008 foi sufocado pela ditadura, mas esse grupo de profissionais conservou até hoje o nome “Movimento 6 de Abril”. É sinal claro de o quanto as manifestações de massa que vimos são profundas. Sim, havia gente preparada, muita gente trabalhou para que acontecesse o que aconteceu, muita gente. Para muitos era só uma tentativa de começar a fazer alguma coisa. Quero dizer: mesmo que nós aqui não tenhamos previsto, houve, sim, muita preparação. Em Túnis aconteceu o mesmo. Você me pergunta se previ o que viria, não, eu não previ, mas está acontecendo em todo o mundo, com previsões ou não, de um modo ou de outro.

JULIAN ASSANGE: Tariq?

TARIK ALI: Acho que Noam tem razão. Acho que, de fato, o que estamos vendo acontecer, além da economia neoliberal, é uma espécie de contração da política. Tenho dito, já há algum tempo, que o que estamos vendo na política ocidental não é nem a extrema esquerda nem a extrema direita, mas uma política de ‘extremo centro’, no sentido de serem políticas de centro radical. E essas políticas de extremo-centro abarcam o centro-direita e o centro-esquerda e coincidem nos fundamentos: provocar guerras por todo o mundo; ocupar países; punir os mais pobres com as medidas de ‘austeridade’. Não importa que partido esteja no poder, nos EUA, no ocidente... tudo se repete quase exatamente como antes. Um regime sucede o outro, um regime depois do outro, uma continuidade que afeta o funcionamento dos meios de comunicação, que foram ficando cada vez mais rasos, mais estreitos, diversificação nenhuma, ninguém discute, todos concordam, os principais meios de comunicação não oferecem debates reais. Essa política de ‘centro radical’ leva diretamente à ditadura do capital. Os países árabes tiveram ditadores apoiados pelo ocidente durante muito tempo. Agora, a velocidade e a magnitude das revoltas populares pegaram todos eles de surpresa. Acho que nenhum de nós poderia ter previsto o que viria.

JULIAN ASSANGE: Creem que a falta de previsibilidade, de fato, influiu para o êxito dessas revoltas?

TARIK ALI: Sem sem dúvida.

JULIAN ASSANGE: Se tivessem sido previstas, teriam sido impostos alguns mecanismos, para impedir que acontecessem?

TARIK ALI: Sim, e teriam sido mecanismos radicais: teriam tentado deter as pessoas, massacrar, torturar, prender, meter na cadeia os ativistas. Mas tudo muito rapidamente escapou a qualquer controle, e os EUA, com os franceses, na Tunísia e no Egito, por exemplo, não conseguiram controlar nada. Quero dizer que também foram apanhados de surpresa. Para subverter o processo, só se reuniram depois de seis meses de bombardeio, pela OTAN, contra a Líbia. Foi quando conseguiram recuperar, pelo menos em parte, o controle, novamente, sobre o mundo árabe. Mesmo assim, tudo continua extraordinariamente instável. E há gente que diz “Mas nem houve tantas mudanças”. É verdade. Mas, mesmo assim, uma coisa, pelo menos, mudou: as pessoas, as massas, deram-se conta de que, para fazer mudanças, é preciso mobilizar-se, agir, ser ativos. Essa é a grande lição dessas revoltas.

JULIAN ASSANGE: Gostaria de considerar quantas opções existem, na realidade. É ilusão pensar em opções, em novos regimes, se são obrigados a atuar segundo a situação que os rodeia, algo que é uma limitação básica nas relações com outras nações? Se se pensa, por exemplo, que Cuba está a 150 quilômetros de Miami, a 150 quilômetros de uma superpotência agressiva que difunde propaganda em Cuba, introduziriam a censura? Introduziriam uma polícia nacional como método para impedir que a independência de Cuba fosse anulada? Acho que essas são as questões que as nações que estão em luta terão de enfrentar, não só para derrotar seus governos, mas também para conseguir, depois, ser nações independentes das potências ocidentais.

NOAM CHOMSKY: Bem... Cuba é caso muito específico. Quero dizer: até certo ponto, Cuba tem características de outros pequenos países, mas é caso único. Há 50 anos os EUA se dedicam a estrangular e derrotar Cuba. O conselheiro para assuntos latino-americanos de Kennedy disse que “O problema está na ideia de que Castro pode tomar os assuntos nas próprias mãos, o que pode fazer com que os outros países, em circunstâncias semelhantes, tentem seguir o mesmo caminho. Se começar a acontecer, rapidamente se arruinará todo o sistema norte-americano de controle.” Por essas razões, que ainda persistem, os EUA começou por mover uma massiva campanha de terror. Cuba é o país que mais sofreu ações terroristas em todo o mundo, terror internacional. E, além do terrorismo, o estrangulamento econômico, de um modo extraordinário.

JULIAN ASSANGE: Se você é um povo que quer ser independente, que quer ter um estado independente (talvez, adiante, possamos falar de outras formas de independência), se se quer ser estado independente que desafia a OTAN, ou se, se se está perto da China e você desafia a China, ou a Rússia, no caso das ex-repúblicas soviéticas... Essas ações sempre custam caro. Para Cuba, provavelmente, o preço seja uma situação de estado de guerra...

NOAM CHOMSKY: Se se olha o mundo em volta, veem-se problemas semelhantes, mas nunca tão graves como os que Cuba enfrenta. Veja, mais para o sul, a América do Sul. Um dos desenvolvimentos mais espetaculares e mais importantes do século 20 foi que, pela primeira vez, desde que os conquistadores europeus chegaram, pela primeira vez em 500 anos, a América do Sul, afinal, deu passos importantes na direção da independência, na direção da integração continental. Não resta nenhuma base militar dos EUA na América do Sul, o que, por si só, já é fenômeno que diz muito.

JULIAN ASSANGE: E você, Tarik, o que pensa?

TARIK ALI: Acho também que, nas últimas décadas, as mudanças mais importantes que o mundo viu aconteceram na América do Sul. Estive na Venezuela, Bolívia, no Brasil... O ambiente ali é absolutamente diferente. Muita gente diz “Pela primeira vez, nos sentimos verdadeiramente independentes”. Sejam quais sejam as fragilidades desses governos (e alguns têm, sim, fragilidades), são estados soberanos e atuam como tais. Quando Chávez, por exemplo, fala aos EUA, é direto e claro. Uma vez, Chávez me disse: “Fiz um discurso na ONU e, depois, representantes de vários países, que não podem dizer isso em público, aproximaram-se para me dar parabéns. Disseram ‘Obrigado, o senhor falou por todos nós’”. E Chávez continuou: “Disse a eles que eles podiam dizer o que quisessem! Que podiam falar também. Que ninguém poderia impedi-los de falar”... Mas sabe como é...

JULIAN ASSANGE: É evidente que pensam que não podem falar.

TARIK ALI: Pensam que não podem. Mas hoje, o padrão de Chávez começa a ser o padrão para quase toda a América Latina, com exceção da Colômbia, do México, em parte, do Chile. Nos outros lugares, as pessoas sentem-se independentes, pela primeira vez. Acho que esse será um enorme problema para os EUA. Os norte-americanos estão obcecados com o mundo árabe e com a China, agora, também com o Irã. Mas os EUA já não estão conseguindo controlar a América do Sul, já faz uma década, um pouco mais.

NOAM CHOMSKY: Isso preocupa imensamente os EUA. Até o Conselho de Segurança, entidade máxima de planejamento, já alertou: “Se não conseguirmos controlar a América do Sul, como vamos conseguir impor ordem, com êxito, sobre o resto do mundo?” declaração que implica que continuam a querer governar o mundo inteiro. “Se não conseguimos controlar nem o quintal de casa, como controlaremos o mundo”. Mas há questão mais profunda que essa. No caso do Oriente Médio, uma das grandes preocupações dos EUA e das outras tradicionais potências imperiais, particularmente Grã Bretanha e França, o que mais os preocupa agora é que o Oriente Médio também está escapando do controle dos EUA. É muito sério. É muito mais sério do que perderem a América do Sul.

TARIK ALI: Concordo plenamente. Por isso invadiram a Líbia, Noam, não tenho dúvida alguma. Invadiram a Líbia, tentando restabelecer o controle.

NOAM CHOMSKY: Concordo, mas acho que tudo isso é passado. Se se olha, por exemplo, o que aconteceu na ‘primavera árabe’: os países chave para as potências imperiais, os que produzem petróleo, estão sob governos duríssimos. Na Arábia Saudita, no Kuwait, nos Emirados Árabes, que são regiões importantes pela produção de petróleo, não eclodiu nenhuma revolta semelhante. A intimidação, pelas forças de segurança apoiadas pelo ocidente, foi e é terrível. As pessoas realmente têm medo de sair às ruas em Riad. O ocidente, em grande parte a França na Tunísia, e a Grã-Bretanha no Egito, seguem o padrão tradicional. Há um plano de jogo, um manual,  já pronto, para o caso de alguns ditadores favoritos perderem a capacidade de governar. O que se faz é apoiá-los até o último minuto. Quando se torna impossível apoiá-los (quando, por exemplo, o exército também se volta contra o ditador), então conseguem que os intelectuais ponham-se a fazer solenes declarações sobre a democracia, e começam a tentar repor no governo o sistema antigo, se lhes parecer que ainda seja possível. Foi o que os EUA fizeram com Somoza, Marcos, Duvalier, Mobutu, Suharto. Quero dizer: é rotina. Ninguém precisa ser gênio para ver o que os EUA fazem.


TARIK ALI: Mas, Julian, acho que o verdadeiro problema é que a própria democracia enfrenta hoje problemas muito sérios – por causa das grandes empresas. A prova é que já há dois países europeus, Grécia e Itália, onde os políticos já entregaram os pontos. Nesses países, os políticos já abdicaram, já disseram: “os banqueiros que governem...”

JULIAN ASSANGE: É.

TARIK ALI: O que quero dizer é... E onde isso tudo vai parar? O que estamos vendo é que a democracia, cada dia mais, está ficando vazia de conteúdo. É uma carcaça vazia. E isso é o que enfurece os mais jovens, que dizem “Não importa o que nós façamos, não importa quem elejamos, não importa em quem votemos... Nada muda nem mudará”. Daí estão nascendo todos os protestos de rua que se veem, em todo o mundo.

JULIAN ASSANGE: Você acha que esse problema está nos meios de comunicação? É problema estrutural? Pode-se dizer que os veículos têm hoje mais poder que os governos, e podem controlar tudo? Pode-se dizer que é resultado de haver telecomunicações mais sofisticadas? Quero saber: o que está movendo aqueles jovens?

TARIK ALI: São movidos... por uma democracia que se petrificou. Mas os meios de comunicação chegaram a ser um pilar, o pilar central, hoje, do sistema. Mais hoje do que foram durante a Guerra Fria. Naquele momento, os EUA queriam mostrar aos russos e chineses que “nosso sistema é melhor que o de vocês”...

JULIAN ASSANGE: É.

TARIK ALI: ... Agora, acham que já não precisam mostrar coisa alguma, que não haveria o que provar. Então... fazem o que querem.

JULIAN ASSANGE: Usaram a liberdade de expressão como porrete para bater na União Soviética. Agora, já não é necessário. Acho que... mantiveram esse tipo de aliança entre liberais e militares e a elite ocidental, todos unidos por interesses comuns, para comprovar a supremacia do Ocidente sobre a URSS. Agora, se rompeu esse tipo de aliança muito antinatural.

TARIK ALI: (a) Rompeu-se; e (b) no mundo ocidental, eles já controlam de tal modo e a tal ponto, que podem até assassinar, sem ser punidos. Quero dizer: Obama assinou uma lei, segundo a qual o presidente dos EUA tem pleno direito de ordenar o assassinato de um cidadão norte-americano, sem precisar prestar contas e sem agredir a lei. Sem acusação, nem processo, nada! Obama pode fazer hoje o que nenhum presidente dos EUA jamais foi autorizado a fazer, em toda a história...

JULIAN ASSANGE: É.

TARIK ALI: ... Nem na Guerra Civil. O grupo que planejou o assassinato de Lincoln – os conspiradores foram julgados por tribunal, houve processo, acusação, defesa, por mais culpados que se soubesse que eram. Não é admissível que alguém tenha ‘direito’ de ordenar um assassinato. Esse é um ataque às liberdades civis extremamente preocupante. E afeta realmente a democracia.

JULIAN ASSANGE: Se consideramos o modo como a América Latina adotou a tecnologia, foi mais ou menos como nos EUA em 1970. Os movimentos sociais que estão acontecendo na América Latina são resultado de interações tecnológicas? É impossível para um país mais industrializado adotar o modelo de um país menos industrializado. Será que... Seria preciso descartar a industrialização? Seria preciso [prescindir da industrialização] para fazer [o que os países menos industrializados] estão fazendo?

TARIK ALI: Não acho. A maioria dos estados ocidentais se desindustrializaram (felizmente) e converteram a China em potência econômica que domina o mundo, como os britânicos dominaram no século 19. A China é a fábrica do mundo...

JULIAN ASSANGE: É.

TARIK ALI: Enquanto a mão de obra vai diminuindo no ocidente, vai triplicando [na China]. Passou de um bilhão nos anos 70s e 80s, para mais de três bilhões hoje, por causa do que está acontecendo na China, na Índia, em partes da América do Sul. Acho é que as chamadas “potências avançadas” têm muito que aprender das boas coisas que estão acontecendo na América do Sul, por que não?

JULIAN ASSANGE: Noam, existe um modelo? Um modelo que funcione?

NOAM CHOMSKY: Acho que... Concordo com Tarik – há, mesmo, muitos modelos –, mas... Não acho que as forças populares preocupadas com mudar suas sociedades devam procurar modelos. Acho que devem criar modelos. E é justamente o que está acontecendo. Então, na América do Sul, onde houve muito progresso, estão desenvolvendo modelos a serem adotados, por exemplo, na Bolívia. Uma das coisas mais impressionantes que aconteceu ali foi que a parte mais oprimida da população em todo o hemisfério, a população indígena, chegou ao campo político. De fato, o que aconteceu é que tomaram o poder político e agora trabalham para promover seus próprios interesses. Está acontecendo também no Equador e também, até certo ponto, no Peru. Estão desenvolvendo modelos novos e significativos. Há vários aspectos desses modelos, que o ocidente bem faria se tratasse de adotá-los rapidamente, em vez de só pensar em derrubar governos e tentar acabar com seus projetos.

JULIAN ASSANGE: Sempre se disse que “capitalismo e democracia caminham juntos”. A China parece ser exemplo perfeito de que... De fato, parece ser mais eficiente como estado capitalista que como estado democrático.

TARIK ALI: Ora... Eu nunca acreditei que capitalismo e democracia andassem juntos. Os chineses, hoje o país capitalista mais bem-sucedido do mundo, não parecem ser democracia exemplar a ser copiada, no modo de funcionar. Mas também historicamente, por séculos, o capitalismo funcionou perfeitamente sem democracia alguma, até o começo do século 20. As mulheres só passaram a ter direito de votar, depois da I Guerra Mundial; e o capitalismo operou perfeitamente, mesmo sem democracia alguma. Há muitos casos de casamento feliz entre democracia-zero e capitalismo em perfeito funcionamento. 

A fantasia de que capitalismo e democracia sempre andariam juntos é invenção da propaganda da Guerra Fria, para desqualificar os russos, os europeus do leste e os chineses. É ideia de propaganda, sem qualquer fundamento em fatos históricos.

JULIAN ASSANGE: Noam?

NOAM CHOMSKY: Acho que, em primeiro lugar, não vivemos em sociedades propriamente capitalistas. Só conhecemos uma ou outra variedade de capitalismo de Estado – onde o Estado é o principal capitalista. Por exemplo... Nos EUA a influência do Estado no capitalismo é gigantesca. Nós três, agora, estamos reunidos nessa teleconferência, graças a uma revolução tecnológica, Internet, computadores, satélites, microeletrônica etc. A maior parte de tudo isso foi desenvolvido em agências estatais. Nos anos 50s e 60s, nesse prédio onde estou agora, no Instituto Tecnológico de Massachusetts, o MIT, estavam em desenvolvimento praticamente todos ou quase todos os projetos que levaram aos objetos tecnológicos que conhecemos hoje – quase todos, ou muitos deles, desenvolvidos com financiamentos do Pentágono. Houve financiamento para praticamente tudo, invenção, criação, produção, compra, ao longo de décadas. Tudo que, depois, chegou ao setor privado para ser comercializado e gerar lucro dependeu, antes, do setor estatal. E antes disso...

JULIAN ASSANGE: Na década dos 30s, segundo literatura da época, os soviéticos também diziam que o sistema deles era mais eficiente; e que, como era o mais eficiente também na indústria, seria fatalmente dominante. E os nazistas, idem, diziam exatamente a mesma coisa do sistema de produção nazista, que quem investisse mais massivamente em tecnologia e produzisse indústria mais eficiente dominaria todas as forças em volta. Talvez, algum dia, cheguemos todos a entender o que todos tentaram; e consigamos ser condescendentes uns com os outros. Talvez se chegue à simples decência humana.

Por hora, o que se sabe é que, independente do ideal do sistema a que aspiremos, se um sistema novo não é comparativamente mais eficiente que o velho, o sistema velho, o mais eficiente, sim, dominará o menos eficiente e, imediatamente depois o incorporará, como mais um obstáculo ideológico a ser superado por quem prefira outro tipo de sistema.

TARIK ALI: É, acontece exatamente assim, mas só se o sistema mais eficiente for mais eficiente também militarmente. Hoje, por exemplo, os EUA são sistema econômico fraquíssimo, em frangalhos. EUA está naufragado na própria dívida interna, vive crise estrutural profunda, como Noam já explicou tantas vezes. Mas é país militarmente muito poderoso e usa a própria força militar para dominar outras regiões do planeta... Algumas delas talvez estejam em melhor situação econômica que os EUA... mas não têm a mesma força militar. Esse é o problema do mundo, hoje.

JULIAN ASSANGE: O conflito entre o desejo de fazer algo por razões ideológicas e a realidade prática é consequência de que o totalitarismo capitalista talvez seja o sistema mais eficiente. E que portanto dominará.

NOAM CHOMSKY: Não. O sistema capitalista, totalitário ou não totalitário, não é sistema eficiente. Veja a China. Teve crescimento espetacular mas... A China cresceu como linha de montagem. De fato, a China ainda é, sobretudo, a linha de montagem dos países industrialmente avançados que a cercam: Japão, Taiwan, Coreia do Sul. Mas veja, por exemplo, a Foxconn, essa enorme e horrível fábrica na China, cujas condições de trabalho são grotescas. A fábrica pertence a Taiwan, produz computadores Apple, iPods, computadores Dell, etc. O que aconteceu nos últimos anos é que a China serviu como linha de montagem para os países industriais avançados de sua periferia e para as multinacionais ocidentais. Claro que, mais cedo ou mais tarde, a China começará a subir os degraus do progresso tecnológico. De fato, já está acontecendo. A China já começou a inovar com células de energia solar e, nisso, já está à frente de outros países. E o mesmo acontecerá em outros campos. Mas é progresso longo e lento.

JULIAN ASSANGE: Tariq, você e Noam têm longo passado como ativistas. Quando se vê a atual geração de ativistas no Ocidente, que começa a radicalizar nas posições políticas, acho que é uma juventude ‘radicalizada pela Internet’. Acho que essa é a melhor maneira de descrevê-los. O que você gostaria de dizer a eles? Que experiência vocês acumularam nessas muitas batalhas ao longo de décadas, e podem transmitir a eles? Porque acho que num certo momento, talvez nos anos 80s ou 90s, a tradição de dissidência no ocidente sofreu uma interrupção. Tariq?

TARIK ALI: Cuido de não dar conselhos aos mais jovens, porque as gerações são muito diferentes umas das outras; e dado que o mundo também mudou muito, o único conselho universal que posso dar é que não se rendam. Estão passando por tempos difíceis e sabem, ou pelo menos sentem, que está tudo perdido. Com isso, muitos se tornam passivos. E a passividade muitas vezes leva ao desespero. Acho extremadamente importante para os jovens que estão crescendo hoje, que se deem conta de que têm de manter-se ativos: nada lhes será dado de bandeja. É minha única lição, frente aos novos radicais. Não se rendam. Tenham fé. Não acreditem no que ouçam. Sejam críticos do sistema que nos domina. Mais cedo ou mais tarde, se não for para essa geração, para a próxima, as coisas mudarão.

JULIAN ASSANGE: Noam?

NOAM CHOMSKY: Muitas coisas já mudaram ao longo desses anos. Muitas vezes, para melhor, e mudaram porque muita gente empenhada, dedicada, comprometeu-se com o que faz. A história não acabou. Há caminhos à frente e se pode fazer alguma coisa. E, sim, há problemas muito, muito sérios. Se tudo continuar pelo caminho que se vê hoje, o mais provável é que enfrentemos a destruição de qualquer possibilidade de sobrevivência digna, simplesmente porque o mundo consome combustível fóssil. Claro que é assunto sério. Parece... aqueles lêmures que, [quando falta comida], se atiram no precipício. 

********* Fim da entrevista **********

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