12/6/2012, M K
Bhadrakumar*, Asia Times Online
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Logo da SCO = OCX |
A Organização de Cooperação de
Xangai/Shanghai Cooperation Organization (SCO) sempre foi a soma total
das concordâncias possíveis que houvesse, em cada momento, no relacionamento
entre China e Rússia. Daí advieram sempre as potências e as fragilidades do
grupo. Na reunião da SCO, em Pequim, semana passada, foi novamente o que
se viu.
No décimo ano de existência, a
identidade da SCO – que inclui China, Cazaquistão, Quirguistão, Rússia,
Tadjiquistão e Uzbequistão – ainda está em mudança. É muito menos que uma
aliança formal, mas é muito mais que mero “balcão de conversa”. Ainda não tem
“líder” e orgulha-se do próprio novo formato multilateralista, mas, de fato,
nada se move na agenda da SCO sem o aceno de concordância de China e/ou
Rússia.
A Rússia admitiria a Índia como
membro pleno, mas a China não admite; Cazaquistão, Tadjiquistão e Quirguistão
admitiriam o Irã, mas Rússia e China não admitem; a China quer a Turquia como
“parceiro de diálogo”, e a Rússia não faz objeções; ambas, Rússia e China querem
o Afeganistão como “observador”; e Cabul, sem dúvida, já está “dentro”.
A SCO não tem agências de
“implementação”, mas já é voz que se ouve cada dia mais. O foco primário da
organização sempre foi a Ásia Central, mas começa agora a lançar redes por toda
a Eurásia e pelas regiões vizinhas. Um dos objetos da cooperação é a atividade
antiterrorismo, mas sem estrutura unificada de “comando e controle” e, tudo
considerado, cabe a cada país membro cuidar individualmente dos próprios
problemas. A Organização de Cooperação de Xangai não é bloco militar, mas os
exercícios militares ajudam a aumentar a coesão estratégica interna e a
aprofundar a cooperação para defesa e segurança de todos.
Em termos genéricos, ainda é
possível encontrar argumentos para mostrar que a SCO é organização que
quase não tem efeito algum no plano prático; mas também já se tem de conceder
que se constituiu uma massa crítica, e que o agrupamento vai ganhando cada dia
mais tração.
Esse ano, a reunião da Organização
de Cooperação de Xangai, em Pequim (6-7/6/2012) atraiu especial atenção. Quatro
fatores podem ter contribuído para o inusitado interesse com que a reunião foi
acompanhada em todo o mundo.
Vladimir Putin |
Para começar, a volta de Vladimir
Putin ao Kremlin como presidente “eletrificou” a política regional e mundial. Os
jurados ainda estão deliberando sobre se Putin “tenderá” na direção dos
“orientalistas” que há entre as elites da política externa da Rússia,
distanciando-se assim dos “ocidentalistas” que quase sempre dominam a cena; ou
se Putin apenas fará uso seletivo do “orientalismo”, para ganhar alavancagem em
relação ao ocidente, de cujo campo cultural a Rússia faz parte; ou se navegará
em rota mediatriz entre o oriente e o ocidente, para tirar o máximo proveito
possível, para a Rússia, do crescimento chinês e para, ao mesmo tempo, colher
qualquer benefício possível, para a Rússia, das rusgas que surjam no
relacionamento China-ocidente, enquanto a Rússia concentra-se na própria
regeneração como potência mundial independente e um dos grandes “equilibradores”
que há no sistema internacional.
Em segundo lugar, até que haja
mais clareza sobre as novas lideranças em Washington e Pequim ,
permanecerá alguma névoa sobre o futuro das relações entre as grandes potências.
É preciso esperar ainda mais ou menos um ano. A Rússia, por assim dizer, chegou
um pouco adiantada à festa e tem de esperar no saguão, porque a noite ainda é
criança, e EUA e China ainda vasculham os guarda-roupas cavernosos, para ver o
que encontram de aproveitável para compor a toalete mais adequada.
Ao mesmo tempo, as relações
respectivas de Rússia e China com os EUA estão na chuva (por diferentes
motivos), o que torna indispensável que os dois países partam à procura um do
outro e se deixem ver de mãos dadas. Em terceiro lugar, a realidade geopolítica
no solo pátrio da Organização de Cooperação de Xangai é que EUA e OTAN
(Organização do Tratado do Atlântico Norte) estão já no estágio final de
implantar presença militar de longo prazo na Ásia Central.
Nem a SCO (que já existe há
quase uma década) nem Rússia ou China individualmente foram capazes de impedir
que EUA e OTAN prosseguissem na trilha que definiram. A realidade emergente
exige que a SCO faça grandes ajustes. Dito claramente: o apito-aviso dos
marinheiros que chegam ao porto toca cada vez mais alto e forte, e Rússia e
China sentem que não será fácil manter as raparigas da Ásia Central
recatadamente ocupadas dentro de casa.
Em quarto lugar, não importa quais
sejam os rumos tortuosos que tome o impasse afegão, a corrida pelos recursos
naturais do Afeganistão já começou. China e Índia já disputam os recursos
minerais intocados daquele país, mas a coisa ainda é incipiente.
A Nova Rota da Seda dos EUA é
tentativa mal disfarçada de fixar a liderança de Washington – enfileirada com a
Índia – no processo de integrar a Ásia Central, rica em recursos, ao mercado
mundial, mediante o desenvolvimento de vias de comunicação que cruzem o sul da
Ásia. Brevemente, New Delhi hospedará uma conferência internacional de grupos
empresariais envolvidos ou interessados no Afeganistão; é iniciativa indiana,
mas o evento será oficialmente anunciado em Washington.
Erguendo a cabeça por cima do
parapeito
Como essas subcorrentes se
comportarão, ninguém sabe no momento, e China e Rússia estão provavelmente
fazendo a coisa certa, ao posicionar a SCO como corpo de coordenação para
os estados regionais, na esfera da cooperação econômica e de segurança. Equivale
a dizer que China e Rússia perceberam como mais necessário e de maior serventia
agruparem-se, do que qualquer outro modo possível de “conter” a estratégia de
“contenção” dos EUA em relação a ambas.
Por sua vez, a divulgação sem
precedentes da parceria sino-russa durante a visita de estado de Putin à China
pouco antes da cúpula da SCO deu ainda mais peso e eloquência aos
procedimentos de grupamento. A reunião, nessas circunstâncias, estava destinada
ao “sucesso”, e o único ponto ainda por discutir seria como garantir substância
tangível ao sucesso da história.
Os EUA forçaram o ritmo de
operação da SCO, com vários movimentos de provocação contra Rússia e
China. Os EUA deram boas-vindas ambivalentes à presidência de Putin, movidos
pela crença simplória – ou mero pensamento desejante [wishful thinking],
dependendo do ponto de vista do analista – de que o sistema político russo
padeceria de doença terminal; essa ideia arrastou Washington e cruzar todas as
linhas vermelhas das relações entre estados e a intervir acintosamente na
política doméstica russa, não raras vezes com declarada animosidade contra a
personalidade política de Putin.
É difícil acreditar que tudo que
disse o embaixador dos EUA em Moscou, Michael
McFaul , desde que chegou à cidade, tenham sido exibições
solo de professor bem intencionado que simplesmente ignorasse o b+a=ba do
código de conduta do hiper codificado mundo da diplomacia. (Afinal, já ocupou
posição importante na Casa Branca, antes de ser nomeado para Moscou).
Aqueles rompantes podem não ter
acertado diretamente o plexo do “reset” EUA-Rússia, mas eram parte da
implantação já decidida no governo dos EUA dos planos para instalar o sistema de
defesa de mísseis antibalísticos [orig. anti-ballistic missile defense system
(BMD)] nos países da OTAN, ignorando os protestos da Rússia. E recomeçou o
velho jogo de jogar a Georgia contra a Rússia. (A mais recente visita da
secretária de Estado dos EUA Hillary Clinton a Tbilisi coincidiu com a chegada
de Putin a Pequim, na 4ª-feira passada).
Mais importante que isso, os EUA
fizeram de tudo para minar os esforços dos russos para iniciar um diálogo
político dentro da Síria, ao estimular (clandestinamente) a Arábia Saudita e o
Qatar a incitar a violência e a sistematicamente desqualificar a missão do
enviado da ONU, Kofi Annan.
Quanto ao Afeganistão, Washington
continua a só muito seletivamente envolver Moscou – primeiro, em relação à
operação da Rede Norte de Distribuição [orig. Northern Distribution
Network], que facilita o suprimento das forças da coalizão liderada pelos
EUA no Afeganistão – , ao mesmo tempo em que desdenha as aberturas russas para
alguma política ampla de cooperação. O sentimento de indignação de Moscou ficou
muito evidente, quando a Rússia respondeu “não” ao apelo da OTAN, em Chicago,
para que contribuísse com $10 milhões para financiar a construção das forças
armadas afegãs.
E o atrito também aumentou na
tateante relação entre EUA e China, depois da decisão de Washington de
“reequilibrar” suas forças com vistas ao movimento “de pivô” na direção do
Pacífico Asiático. Também contra a China, vê-se já um robusto movimento dos EUA,
de intervenção nos negócios internos chineses.
A China também dá sinais de
preocupação crescente com a implantação do sistema norte-americano de mísseis de
defesa no Pacífico Asiático. Comentaristas russos já lembraram que, com a
implantação do sistema ABM [Anti Ballistic Missiles] dos EUA, a limitada
capacidade nuclear dos chineses seria “neutralizada” muito antes que a muito
superior capacidade estratégica dos russos.
Basta dizer que a SCO
(leia-se: Rússia e China) decidiu que é hora de pular fora do domínio dos
problemas regionais e erguer a cabeça por cima do parapeito eurasiano. Um
comentarista russo observou que
“Os tempos mudaram e a Organização
de Cooperação de Xangai mudou também, com os tempos. As crises no Oriente Médio,
inclusive as que foram disparadas pela Primavera Árabe; o papel que os países
ocidentais desempenharam lá; a retirada das tropas dos EUA do Iraque, e, muito
mais importante, também do Afeganistão, exigiram ampla revisão das abordagens da
OCX e levaram a organização a ampliar seus esforços de política
exterior”. [1]
Mas
aí há exagero e falta foco. No momento, o que está acontecendo é que graças à
posição consolidada da Organização de Cooperação de Xangai em algumas questões
internacionais que interessam diretamente a Rússia e China, os dois países
decidiram fortalecer mutuamente as respectivas ‘mãos-de-jogo’, na oposição às
maquinações dos EUA – seja quanto aos mísseis de defesa, seja quanto à
segurança no Pacífico Asiático.
Criar
“valioso espaço de segurança”
O
que significa isso? Em artigo publicado no Diário do Povo de Pequim,
Putin escreveu que “sem a participação de Rússia e China, sem que se considerem
os interesses de Rússia e China, nenhuma questão ou tema internacional pode ser
discutido ou implantado”.
De
fato, já está acontecendo exatamente assim no caso da Síria, em relação ao qual
Rússia e China demarcaram o limite: não haverá intervenção militar externa na
agenda da mudança de regime em Damasco; mantém-se o apoio à missão de Annan; e
fim da violência dos dois lados, para que seja possível “estabelecer um diálogo
político amplo”; e “acordo pacífico e justo, sem intervenção do exterior.”
Na essência, o que está acontecendo,
para citar trecho de um editorial do jornal Global Times, do Partido
Comunista Chinês, é que
“A
mudança, de uma estratégia adversária, para uma estratégia de ampla parceria,
cria valioso espaço de segurança para essas duas potências [China e Rússia].
Dadas as incertezas do espaço internacional futuro, essa é rara e valiosa
garantia de segurança, a partir da qual os dois atores poderão desempenhar
influentes papéis globais.
Simultaneamente,
as duas potências estão abertas para o ocidente. O engajamento econômico de
ambas com o ocidente é maior que o intercâmbio comercial entre elas. O ocidente
tem influência cultura sobre ambas e nos dois países as respectivas elites
defendem que se dê prioridade aos laços com o ocidente.
Não há dúvidas de que o ocidente é
importante para Pequim e Moscou (...). Não há contradição entre as respectivas
políticas. Ao contrário, quanto mais próximas estejam China e Rússia, mais
oportunidades terão para desenvolver relação de igualdade com o
ocidente”. [2]
Sergei Lavrov |
Evidentemente,
a China prefere o abraço visível com a Rússia que não exige concessões, deixando
ampla flexibilidade para agir em outros pontos. O que se pode
ver é que as expectativas políticas dos chineses no momento estão abaixo do
ponto ao qual a Rússia gostaria de ver chegar a Organização de Cooperação de
Xangai. Nas palavras do ministro de Relações Exteriores da Rússia Sergey Lavrov,
“a Organização de Cooperação de Xangai é hoje grupo bem firmemente costurado, de
gente que pensa de modo semelhante, firmemente dedicada a desenvolver ativamente
um diálogo político confiável, de igualdade e mutuamente vantajoso, de
cooperação econômica e humanitária, e para expandir as relações internacionais”.
Simultaneamente,
em questões chaves como os mísseis de defesa ou o Afeganistão, Rússia e China
continuarão a agir independentemente. Praticamente não há coordenação possível
entre Rússia e China para qualquer plano prático, enquanto a Rússia planeja sua
resposta “assimétrica” à instalação pela OTAN do sistema de mísseis
antibalísticos de defesa dos EUA.
Pode-se
dizer que a última palavra ainda não foi dita sobre a cooperação entre Rússia e
o ocidente para a defesa com mísseis. A verdade é que ainda há tempo para que
Rússia e OTAN acertem suas diferenças, porque há período gestacional de anos,
antes da plena instalação e operação do sistema; durante esse tempo, os dois
lados também trabalharão em outras áreas de cooperação que ajudam a ampliar a
confiança mútua.
Viktor Yesin |
Alexander Rahr, conceituado analista
alemão das questões russas, diz que “Acho que a Rússia fará todo o possível para
fortalecer relações de confiança com o ocidente. Talvez, depois de essa operação
de retirada do Afeganistão das tropas da OTAN através da Rússia estar concluída;
depois de passada a campanha eleitoral nos EUA; e com o presidente Obama
mantendo-se na presidência, seja possível voltar aos assuntos de
cooperação.”
De fato, há vozes de semelhante otimismo cauteloso também do lado dos russos. Influente na comunidade estratégica russa, o general Viktor Yesin, que foi chefe das Forças de Foguetes Russos Estratégicos [orig. Russian Strategic Rocket Forces Staff], diz que:
De fato, há vozes de semelhante otimismo cauteloso também do lado dos russos. Influente na comunidade estratégica russa, o general Viktor Yesin, que foi chefe das Forças de Foguetes Russos Estratégicos [orig. Russian Strategic Rocket Forces Staff], diz que:
“O
problema não pode ser resolvido de forma direta. O princípio do
“queremos-tudo-e-já” induz a impasses na negociação e ao consequente confronto.
Não atenderia aos interesses da Rússia, da OTAN e do resto do mundo, porque
minaria a estabilidade estratégica e a segurança internacional.
Uma via para solução mutuamente
aceitável baseada em concessões aceitáveis para por um acordo de cooperação
Rússia-OTAN para mísseis de defesa. O acordo deve incluir um mapa do caminho,
i.e. do progresso a obter passo a passo na direção de uma infraestrutura
europeia conjunta, ou pelo menos interconectada, de mísseis de defesa, e da
construção de mútua confiança, com previsibilidade e transparênci; o que só será
possível se os dois lados saírem, das palavras, aos atos”.
Yesin
sugeriu que é possível para Rússia e OTAN iniciar o estabelecimento de centros
conjuntos, pelos quais trocarão informações e planejamento conjunto,
desenvolvendo já a cooperação para os mísseis de defesa.
Pé ante pé, no Hindu
Kush
Hu Jintao |
O
Afeganistão será o caso-teste crucial para a eficácia da Organização de
Cooperação de Xangai em mundo em transformação. Se a coisa se pode expressar
numa única declaração, terá de ser o que disse o presidente chinês Hu Jintao na
reunião em Pequim, expressão carregada de significado, sobre o Afeganistão:
“Continuaremos
a observar o conceito de que assuntos regionais devem ser conduzidos pelos
países da região, e a Organização [de Cooperação de Xangai, SCO]
deve ter papel importante na reconstrução pacífica do Afeganistão”.
O
que atraiu grande atenção para a declaração de Hu é que a China jamais antes
falara da ideia de desempenhar papel político na solução o problema afegão.
Infelizmente, Hu não elaborou sobre o que tivesse em mente, e a impressão que
resta é que provavelmente manifestou opinião de outros líderes da Organização de
Cooperação de Xangai, expressas em discussões a portas fechadas com a China,
quando tenham dado vazão à preocupação profunda sobre o rumo que tomem as coisas
no Afeganistão.
Na
análise final, não se vê com clareza que papel a Organização de Cooperação de
Xangai possa desempenhar no grupamento regional. Ambos os países, Rússia e
China, já descartaram intervenção direta no Afeganistão. Por outro lado, a OTAN
não manifestou qualquer interesse em trabalhar com a OCX no Afeganistão e, de
fato, tem-na visto como uma espécie de pretendente-aspirante surgido na paisagem
regional, sobretudo, para conter a influência da aliança ocidental – e dos EUA –
na Ásia Central. Seja como for, a possibilidade de o Afeganistão ser posto sob a
órbita de China ou Rússia sempre será profundamente incômoda para Washington e
seus aliados na OTAN.
Toda
a estratégia da
Nova Rota da Seda dos EUA de que Washington fala de tempos em tempos visa a
trazer para o centro do palco os dois países regionais que, até agora, têm
operado como principais equilibradores – Índia e Paquistão. Mas o projeto dos
EUA tem enfrentado ventos de proa. Por outro lado, a China tem fortes laços com
o Paquistão (e a Rússia também está fortalecendo seu relacionamento com o
Paquistão); e os laços dos EUA com o Paquistão estão em cacos.
Além do mais, a Índia em nenhum caso
agirá por procuração dos EUA, dado o desejo obsessivo de preservar a própria
autonomia estratégica nas questões-núcleo de política externa, como as que
impactam suas relações com Rússia ou China. Durante a visita do secretário de
Defesa dos EUA, Leon Panetta, a Delhi, semana passada, o lado indiano sugeriu
que se repense a estratégia dos EUA para “reequilibrar” suas forças no Pacífico
Asiático. Nas palavras de declaração do próprio ministério:
“Quanto às preocupações com a
segurança no Pacífico Asiático, [o ministro da Defesa da Índia] Arackaparambil Kurian Antony
reconheceu que a Índia apoia irrestrita liberdade de navegação em águas
internacionais para todos. Ao mesmo tempo, sobre questões bilaterais entre
países, destacou que é desejável que as partes envolvidas resolvam, elas mesmas,
o próprio contencioso, nos termos da lei internacional. O ministro Antony
destacou a necessidade de fortalecer a arquitetura multilateral de segurança no
Pacífico Asiático, e de andar a passo confortável para todos os países
envolvidos.”
Celso Amorim e Arackaparambil Kurian Antony |
Mais
uma vez, a OTAN insiste em negociar diretamente com os estados da Ásia Central
sobre as vias de trânsito para a retirada de material e equipamento de guerra,
do Afeganistão. É abundantemente claro, agora, que os EUA (e a OTAN) manterão
dezenas de milhares de soldados no Afeganistão, mesmo depois de 2014.
Não
estão fugindo da região. Não surpreendentemente, os estados da Ásia Central
mostram-se inclinados a impor difícil barganha aos EUA e à OTAN; e esses, por
sua vez, manifestam disposição favorável para aceitar o mais que seja possível
da ‘lista de desejos’. Os países da Ásia Central esperam, obviamente,
assistência financeira adicional dos países da OTAN, mas sem perder de vista a
importância de lançar os pilares de uma parceria de longo prazo que seja
mutuamente benéfica.
Mas
em primeiro lugar e acima de tudo, também têm havido demandas de que a OTAN
deixe por lá pelo menos parte de seu equipamento militar. O Quirguistão,
especificamente, já manifestou interessem nos aviões-robôs tripulados a
distância. E a Rússia permanece entrega a conjecturas sobre até que ponto os EUA
acederão a essas demandas centro-asiáticas.
Na
essência, uma relação duradoura de cooperação militar entre a OTAN e os estados
centro-asiáticos poderia estar a ponto de começar – e pela primeira vez na era
pós-soviética – entre a OTAN e os países da Ásia Central. Armas da OTAN que
sejam deixadas por lá terão de ser reparadas e adaptadas, e as forças da Ásia
Central terão de ser treinadas para usá-las. Os passos sequenciais poderiam
incluiu a permanência de forças especiais da OTAN, em algum momento, depois de a
relação ter-se consolidado.
No
pé em que estão as coisas, os países da OTAN já começaram a encrustar-se no
espaço da Organização de Cooperação de Xangai, com a criação do Centro de
Coordenação para o Combate às Drogas [orig. Coordination Centre for Combating
Drugs (CARICC). Obviamente, só uma linha tênue separa o combate às drogas, o
combate à guerrilha e o combate ao narcoterrorismo.
Seja
como for, o CARICC mantém a China ao alcance do braço. Embora a Rússia
tenha sido incluída, Moscou sente-se desconfortável e solitária na barraca do
CARICC. A Rússia assiste sem nada poder fazer, enquanto os países da OTAN
– especialmente os que fundaram o CARICC, dentre os quais EUA, Reino
Unido, Itália, França, Turquia, República Checa – confraternizam alegremente e
vão tecendo redes com as agências de segurança dos países parceiros na região –
Azerbaijão, Cazaquistão, Quirguistão, Tadjiquistão, Turcomenistão e Uzbequistão
– e, assim, vão mergulhando na base de recursos de inteligência super sensível
(e zombando a matriz que a OCX, a duras penas, construiu para finalidades
exclusivamente suas).
Pode-se
dizer que boa parte do dilema em que está metida hoje foi criado pela própria
Rússia. Fato é que a Rússia não pode exigir dos estados da Ásia Central que
mantenham a OTAN longe dali, como se a aliança ocidental fosse alguma espécie de
pária, se já está criando sua própria “Aliança de Trânsito”, como é chamada, em
Ulyanovsk sobre o Volga, para operar como entreposto de transporte, atendendo
necessidades logísticas da OTAN.
Para
justificar essa aliança, Moscou alega que seria acordo de interesse meramente
comercial, que fará girar anualmente US$1 bilhão. Mas a Regra de Ouro em
situações desse tipo é “molho para pato, molho para ganso”: se serve para uma
finalidade, serve também para a outra. Ou, no mínimo, assim as capitais da Ásia
Central estão interpretando hoje a aliança entre Rússia e OTAN, no Afeganistão.
E sentem-se tentadas a criar pactos também ‘à moda afegã’, como os russos, para
enriquecer o próprio engajamento estratégico com os EUA.
Em
resumo, a OTAN já está atraindo países membros da Organização de Cooperação de
Xangai – inclusive a Rússia – para engajamentos seletivos em torno do
Afeganistão , mas sempre em termos estritamente individuais, e
ignorando sempre, atentamente, qualquer “direito pressuposto” que Moscou ou
Pequim tenham para representar alguma voz coletiva da região, nas questões de
segurança. A declaração de Hu Jintao, na reunião de Pequim, sugere que a
Organização de Cooperação de Xangai estaria trocando de marcha e partindo para
confrontar diretamente a OTAN e os EUA?
O
padrão passado mostra que a China insiste em manter seu papel no Afeganistão
limitado às questões de interesse econômico, e tem-se mostrado tímida no que
tenha a ver com meter os pés na arena política, embora Pequim jamais se canse de
repetir que é acionista na estabilidade e segurança no Afeganistão. Haverá,
nisso, alguma mudança à vista?
Waliullah Rahmani |
Poder-se-ia perguntar, para
argumentar: ainda que as políticas chinesas para o Afeganistão mudem
dramaticamente, até que ponto Pequim avançará, para garantir papel de destaque
para a OCX na operação de montagem das peças da paz no Hindu Kush? Não pode
haver dúvidas de que a OTAN jogará duro. Nas palavras de Waliullah Rahmani,
diretor do Kabul Center for Strategic
Studies:
“Creio que, nos próximos dois anos,
embora possa haver muito boa-vontade dos estados-membros da OCX para alcançar
maior papel na construção da paz, a atmosfera de reconciliação e construção da
paz entre o Afeganistão e a OTAN dificultará muito qualquer engajamento da OCX
(...). Fato é que não acredito que os países membros da OTAN manifestem alguma
real boa vontade em relação a atores tão grandes [leia-se: Rússia and China],
que gerariam vastas áreas de sombra no quadro do controle total da OTAN no
Afeganistão”.
Dito
em outras palavras, a Organização de Cooperação de Xangai deve ponderar
atentamente, antes, o que o povo afegão espera do grupamento regional. Muito
obviamente, a opinião pública dominante deseja reconciliação com os Talibã, em
termos políticos; e a maioria da população absolutamente não acredita que se
possa pensar em qualquer tipo de estabilidade ou segurança sustentáveis, com
presença militar estrangeira de longo prazo no país, especialmente se for
presença de militares dos EUA. (Por falar nisso, o principal homem da Rússia no
Afeganistão, o embaixador Zamir Kabulov, está na mídia, dizendo que Moscou não
tem qualquer objeção a um pacto de segurança EUA-Afeganistão que implique os EUA
permanecerem no país depois de 2014).
Nesse
quadro, a Organização de Colaboração de Xangai será fortemente pressionada a
encontrar um denominador comum de todos os seus membros, para que se possa
engajar no Afeganistão. (Nem os estados asiáticos nem a Rússia, como todos
sabem, tem reservas suficientes para pôr sobre a mesa em Kabul, como a China.)
Mais uma vez, a Rússia pode estar inclinada a trabalhar sobre o elemento
político, mais do que sobre o elemento econômico. Além do mais, a China está
também mais bem posicionada, até aqui, que seus parceiros na OCX, porque há
tempos trabalha na linha da “amizade faça-chuva-faça-sol” com o Paquistão, para
salvaguardar seus interesses vitais no tabuleiro de xadrez afegão.
Seja
como for, já seriam necessários dotes extraordinários de clarividência para
saber, agora, o que acontecerá no Afeganistão; mais ainda para lidar com o que
venha a acontecer. A Organização de Colaboração de Xangai será convocada a
reagir, praticamente sem descanso, conforme as coisas evoluam, seja para que
lado for, no Afeganistão; e parece bem mal equipada para essas emergências, seja
em termos institucionais seja em termos políticos. Se se
consideram os dois atores chaves da OCX – Uzbequistão e Tadjiquistão –, se
alguma real crise desenvolver-se no Afeganistão, ambos já estarão, só por isso,
metidos em suficientes dificuldades.
A
persistente rixa entre os dois países debilita a capacidade da OCX para
desempenhar papel chave no Afeganistão. As relações uzbeques-tadjiques, que
sempre foram difíceis, complicaram-se ainda mais, recentemente, com Tashkent
determinando bloqueio econômico contra o Tadjiquistão. Ouvem-se conversas,
inclusive, de que Tashkent já estaria obrando numa estratégia calculada para
provocar “mudança de regime” em Dushanbe. Stephen
Blank , comentarista norte-americano escreveu recentemente, com
perfeita clareza:
“As
rixas uzbeques-tadjiques são como areia nas engrenagens do motor da Rota da Seda
e são vexame maior ainda, para a Rússia, criando um altíssimo risco de segurança
que poderá a qualquer momento ser explorado pelos narcotraficantes e pelos
islamistas extremistas”.
Enquanto
esses dois “estados de frente” continuam a brigar, como pensar em esforço
coletivo da OCX para conter traficantes e extremistas? Rússia e China enfrentam,
sem conseguir resolver, esse dilema, crucial para salvaguardar, antes de tudo,
os próprios interesses nacionais. Os dois pesos pesados regionais sabem que,
qualquer tática de pressão que adotem, pode levar Tashkent a jogar “a carta
norte-americana”.
A rixa uzbeque-tadjique é, sob
vários aspectos, um teste crucial pelo qual a OCX terá de passar. A capacidade
do grupo regional para agir no Afeganistão está diretamente associada à coesão
interna do grupo e ao compromisso político dos estados membros de realmente se
manterem alinhados a alguma estratégica comum para o Afeganistão. Não é
absolutamente questão de palavras. Assim, quando a poeira assentar, depois da
reunião em Pequim, restará a impressão de que a OCX optou pela saída mais
rápida, com mais uma declaração sobre a situação afegã, enquanto a caravana
EUA-OTAN avança sem ser incomodada.
Notas
de rodapé
[1] 16/5/2012, Rússia & Índia Report em: “SCO as a counter to NATO?”
[2] 8/6/2012, Global Times
News em: “Don’t undervalue
Sino-Russian friendship”
MK
Bhadrakumar*
foi diplomata de
carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética,
Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e
Turquia. É especialista em questões do
Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de energia e
segurança para várias publicações, dentre as quais
The
Hindu
Asia
Online e Indian Punchline.
É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista,
tradutor e militante de Kerala.
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