“Why
weren’t they grateful?” (Resenha)
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Sobre: BELLAIGUE,
Christopher de. Patriot of Persia:
Muhammad Mossadegh and a Very British Coup [Patriota da Pérsia: Muhammad
Mossadegh e um Golpe BB (Bem Britânico], Londres: Bodley Head, 310 pp, £20.00,
ISBN 978 1 84792 108 6
Não
somos liberais do tipo que a CIA consegue assassinar, como Allende e
Mossadegh
(Aiatolá Ali
Khamenei, aos EUA, durante a revolução iraniana, em
1979)
Pankaj Mishra |
Em
1890, um ativista muçulmano itinerante de nome Jamal al-din al-Afghani estava no
Irã, quando o então governante iraniano, Naser al-Din Shah Qajar, entregou uma
concessão de tabaco a um comerciante britânico chamado G.F. Talbot; de fato,
garantiu-lhe total monopólio para comprar, vender e exportar tabaco. Al-Afghani
pôs-se a protestar, tentando chamar a atenção de todos, e criticou veementemente
a medida, aprovado por um coro de intelectuais seculares e de comerciantes
conservadores. Para Al-Afghani, depois daquela concessão, os plantadores locais
de fumo estariam para sempre entregues aos infiéis, sem qualquer defesa; disse
que ali começava o fim de todos os pequenos comerciantes de tabaco.
Imediatamente organizou grupos de pressão – o que foi inovação política até
então jamais vista em Teerã –, que enviavam cartas anônimas às autoridades e
funcionários e distribuíam panfletos e cartazes pelas ruas, conclamando os
iranianos à revolta. Na primavera seguinte, houve grandes protestos de rua nas
principais cidades.
Com
a ajuda do telégrafo, também recentemente aparecido no Irã, as manifestações de
massa que receberiam o nome de Tobacco Protest [Protestos do Tabaco]
foram tão cuidadosamente planejadas e coordenadas como só voltariam a ser 100
anos depois, na Revolução Islâmica de Khomeini, quando gravadores e cassettes de fitas gravadas tiveram
papel semelhante ao do telégrafo, e as mulheres participaram em massa.
Al-Afghani
também escreveu ao Grande Aiatolá Mirza Hassan Shirazi em Najaf, oferecendo ao
clérigo xiita enormemente popular e influente, mas alheio à vida política, uma
primeiríssima lição xiita sobre o que seriam os “ajustes estruturais’que as
empresas financeiras ocidentais, dali em diante, imporiam aos países pobres:
“Não sei o que faça para que
entendais o que é o Banco!” – escreveu Afghani. “Banco é entregar as rédeas do governo ao
inimigo do Islã, escravizar o povo àquele inimigo, render-se a ele; e entregar
todo o poder e todo o domínio nas mãos do inimigo estrangeiro.”
Al-Afghani
talvez exagerasse. Mas sabia bem, pelo que vira acontecer na Índia e no Egito, o
quão rapidamente acontecia de comerciantes e banqueiros ocidentais aparentemente
inócuos converterem-se em diplomatas e soldados. O Xá já depusera aos pés da
Europa e dos imperialistas europeus ainda informais a relativa imunidade de que
gozava o Irã.
Em
1872, com os capitais do país já saqueados e com um massivo déficit no
orçamento, o Xá entregara outro monopólio, dessa vez para construir estradas
férreas, rodovias, fábricas, barragens e minas, a outro cidadão britânico, o
Barão Reuter (fundador da agência de notícias de mesmo nome). O próprio Lord
Curzon ficou boquiaberto quando, vinte anos depois, foi informado sobre os
termos da concessão; descreveu-a como “a mais completa rendição de todos os
recursos de um reino, entregues a mãos estrangeiras, com a qual alguém algum dia
sonhou – e muito menos alguém algum dia obteve – em toda a história.” Houve
protestos da Rússia, vizinha do Irã e principal concorrente da Grã-Bretanha na
região, e a concessão foi cancelada; e Reuter, aliás, já tinha outros ferros
aquecendo no fogo.
Ocorrida
apenas oito anos depois de os britânicos ocuparem o Egito, a concessão do tabaco
chamou a atenção de al-Afghani, como prática obscena. Expulso do Irã pelo Xá,
al-Afghani manteve ativo fogo de barreira de cartas para todos os principais
clérigos xiitas nas cidades santas da Mesopotâmia, implorando que saíssem do
estado de apatia política e se mobilizassem para lutar contra o Xá. Poucos meses
depois, Shirazi escreveu sua primeira carta ao Xá, sobre tema político,
denunciando os bancos estrangeiros e o poder crescente que acumulavam sobre a
população muçulmana; e as concessões comerciais que os europeus recebiam. O Xá,
desesperado para manter o apoio que lhe dava a Ulema, enviou emissários
para tentar seduzir Shirazi. O clérigo, além de não ceder, respondeu com uma
fatwa – que declarava pecado de anti-islamismo o ato de fumar, até que
fosse cancelado o monopólio dado aos britânico para o comércio do tabaco. O
gesto foi surpreendente bem-sucedido – até o palácio do Xá foi convertido
em
território sem-cigarros. E o Xá afinal capitulou, aceitou as
condições de uma aliança entre clérigos, intelectuais e capitais autóctones e,
em janeiro de 1892, cancelou a concessão do tabaco.
Muhammad
Mossadegh era, nesse momento, o filho mais velho, de nove anos, mas de
inteligência precoce, de um alto funcionário da administração do Xá. Homa
Katouzian, autor de uma primeira biografia em língua inglesa, atribui sua
oposição consistente a “qualquer concessão a qualquer potência estrangeira” à
permanência de uma memória infantil da fúria popular que varreu o Irã contra
aqueles primeiros ataques europeus à soberania nacional iraniana. Mossadegh,
filho de família nobre, e que, ainda criança, recebeu o título nobiliárquico de
mussadiq al-saltaneh, “garantidor da monarquia”, viria a ser, por
improvável que parecesse, o líder da transição no Irã, da monarquia dinástica,
para a política de massas. Depois daqueles eventos da infância, Mossadegh
viveria o resto da infância e toda a adolescência até chegar à idade adulta, num
cenário de efervescência política que, antes daquele momento, ninguém jamais
vira na Ásia.
Intelectuais
e ativistas asiáticos começaram a desafiar o poder arbitrário dos imperialistas
ocidentais e seus aliados nativos no final do século 19. Na primeira geração,
havia agitadores e organizadores sociais polemistas, como al-Afghani, que
agregaram à sua volta jovens anti-imperialistas cheios de energia, mas
desorganizados, em
Cabul, Istambul , Cairo e Teerã. A geração seguinte já produzia
homens como Mossadegh, que foram expostos às práticas e hábitos ocidentais, ou
formados e treinados em instituições de estilo ocidental, e eram talvez mais bem
aparelhados para oferecer aos seus incansáveis compatriotas ideologia e
políticas coerentes de nacionalismo anticolonial.
Christopher de Bellaigue |
Na
biografia escrita com astúcia política por Christopher de Bellaigue, Mossadegh
não é o “velho tonto esperto” ou a “Xerazade birrenta” de tantas incontáveis
matérias jornalísticas ou memórias, mas filho “daquela geração de asiáticos
educados no ocidente que voltaram para casa, bigodes primorosamente aparados,
para vender liberdade a seus compatriotas”:
“Servidores aplicados de uma mesma
amante, La
Patrie, esses turcos, árabes, persas e
indianos liderariam os movimentos anticoloniais e transformariam o mapa do
mundo”.
Mossadegh
era espírito mais democraticamente orientado que Atatürk, por exemplo: de
Bellaigue diz dele que foi “o primeiro
líder liberal do moderno Oriente Médio ou da América”. Mas foi menos
bem-sucedido que seus heróis, Gandhi e Nehru; estava próximo dos 70 anos e era
hipocondríaco, quando afinal se tornou Primeiro-Ministro do Irã, em 1951.
Foi
destino de Mossadegh ser liberal democrata num momento em que, como Nehru
observou, vendo o modo como os navios de guerra britânicos comandavam o curso da
política egípcia, “democracia em país
oriental parece significar só uma coisa: mais um instrumento para exercer sobre
nós o poder imperialista”.
Embora
mais focados e com melhores recursos que al-Afghani, líderes moderados
secularistas como Mossadegh tornaram-se vítimas fáceis dos imperialistas
ardilosos. Jamais tiveram mais que uns poucos aliados “simbólicos” no ocidente;
e foram desprezados no oriente, pelos fundamentalistas e linha-dura, que,
adiante, assumiriam a tarefa pós-colonial de reconstruir a dignidade e força
nacionais em vários locais do mundo.
O
Aiatolá Khomeini, por exemplo, sempre falou com desdém de Mossadegh e de seu
fracasso, por não ter cuidado de proteger o Irã contra o avanço do ocidente.
Todos,
liberais e radicais iranianos sabem, de cor, muitos casos em que o país foi
humilhado pelo ocidente no século 19, quando era dominado por britânicos e
russos. Os eventos do início do século 20 minaram ainda mais a autonomia
política do Irã, num momento em que as instituições políticas iranianas estavam
sendo liberalizadas (havia parlamento recém estabelecido, como resultado da
Revolução Constitucionalista de 1905-7).
Na
Ia. Guerra Mundial, Grã-Bretanha e Rússia primeiro ocuparam, depois dividiram o
país, para manter afastados os exércitos germano-otomanos. Nem o fim da guerra
trouxe qualquer alívio. O Exército Vermelho ameaçava pelo norte, e os
britânicos, já retalhando os territórios do Império Otomano, viram ali a
oportunidade para anexar o Irã. Lord Curzon, então secretário do Exterior e
convencido, nas palavras de Harold Nicolson, de que “Deus selecionou
pessoalmente a classe superior britânica como instrumento da Vontade Divina”,
impôs um acordo anglo-iraniano que, na prática, destruiu quase toda a soberania
do Irã.
Conta-se
que Mossadegh chorou, ao saber do acordo. Em desespero, decidiu emigrar para a
Europa, com projeto para não voltar. Verdade é que Curzon, que nunca se destacou
como arguto analista do humor dos nativos, subavaliara a reação local contra o
acordo. O acordo foi denunciado; membros pró-britânicos do Majlis
[Parlamento] foram fisicamente atacados. Ante tal oposição, Curzon endureceu
ainda mais:
“Essa gente tem de aprender, custe o que
custar, que não sobrevivem sem nossa ajuda. Não me incomoda esfregar no chão
esses narizes arrogantes”.
Apesar
da dureza de Curzon, a firmeza dos iranianos fez naufragar o tal acordo por
“Vontade Divina”. Mas outro acordo mais terrestre e igualmente desigual já
ligava Irã e Grã-Bretanha.
Prescientemente,
comprando ações da empresa de petróleo APOC (Anglo-Persian Oil
Company) em 1913, Winston Churchill já garantira que 84% dos lucros da
empresa fossem remetidos à Grã-Bretanha. Em 1933, Reza Khan, soldado autodidata
que se aproveitou do caos pós-guerra para chegar ao poder, fundou nova dinastia
reinante (para profundo desgosto de Mossadegh) e renegociou um novo acordo com a
APOC, acordo que, como logo se viu, foi notavelmente idêntico ao
anterior.
Durante
a IIa. Guerra Mundial, tropas britânicas e russas derrubaram o antigo Xá,
caracterizadamente pró-germânico, e coroaram Muhammad Reza, filho dele.
Durante
esses anos, a política britânica foi manifestação diária, sempre repetida, do
que de Bellaigue chama, sem exagerar, de “desprezo profundo pela Pérsia e pelos
persas” – desprezo que explica e oferece a fagulha que incendiaria, não só o
real nacionalismo iraniano, como, também, a inamovível certeza, entre os
iranianos, de que a Grã-Bretanha é “força maléfica”.
Quando,
em 1978, o Xá acusou Khomeini de ser agente britânico, caluniou-o da forma mais
viciosa, tentando uma operação de difamação para a qual não houvesse remédio
possível. Mas a acusação saiu-lhe pela culatra e gerou o primeiro grande
protesto de massa contra o Xá.
A
empresa APOC, rebatizada como Anglo-Iranian Oil Company,
AIOC, em 1935, alcançou lucros de $3 bilhões de dólares entre 1913 e
1951, dos quais só $624 milhões permaneceram no Irã. Em 1947, o governo
britânico arrecadou £15 milhões em impostos só sobre os lucros da empresa; ao
governo iraniano coube só metade disso, a título de royalties. A empresa
também alijou da administração os cidadãos iranianos; e impediu Teerã de fazer
qualquer tipo de auditoria em suas contas.
O
crescente sentimento anti-britânico finalmente obrigou Muhammad Reza a nomear
Mossadegh como Primeiro-Ministro no início de 1951. Entre os nacionalistas
iranianos já havia então partidos secularistas, partidos religiosos e partidos
comunistas, além de partidos da esquerda não comunista. Mossadegh – o qual, como
narra de Bellaigue, “foi o primeiro e único estadista iraniano a reunir em todo
de si todas as linhagens nacionalistas” – tratou imediatamente de nacionalizar a
indústria do petróleo.
Dezenas
de milhares de iranianos saudaram, nas ruas, os funcionários enviados de Teerã
para ocupar as unidades da empresa britânica em Abadan; os carros cobertos de
poeira eram beijados. Um desses carros pertencia a Mehdi Bazargan, que, mais
tarde, seria o Primeiro-Ministro da República Islâmica do Irã.
O
embaixador dos EUA relatou que Mossadegh era apoiado por 95% da população; o Xá
confessou a Averell Harriman, diplomata que o visitava, que não se atrevera a
dizer uma palavra contra a nacionalização. Mossadegh sentia-se carregado nas
asas da história. “Centenas de milhões de
asiáticos, depois de séculos de exploração colonial, chegaram agora à
independência e à liberdade” – Mossadegh discursou na ONU, em outubro de
1951; os europeus reconheceram os direitos à soberania e à dignidade nacional de
indianos, indonésios e paquistaneses. Por que continuavam a ignorar o Irã?
Foi
apoiado por ampla coalizão de novos países asiáticos. Até os delegados de
Taiwan, que ganharam direito a um assento na ONU à custa da República Popular da
China de Mao, lembraram os britânicos de que “passou o tempo em que o controle sobre a
indústria do petróleo do Irã poderia ser partilhado com empresas
estrangeiras”.
Outros
regimes pós-coloniais também rapidamente nacionalizariam as respectivas
indústrias de petróleo, o que lhes deu controle sobre os preços internacionais e
deixou as economias do ocidente expostas a choques severos. Mas a Grã-Bretanha,
enfurecida com a impertinência de Mossadegh e desesperadamente carente da renda
que lhe advinha do, então, maior investimento britânico no exterior, nada via e
nada ouvia.
A
Grã-Bretanha já não tinha meios para manter o império, mas, como de Bellaigue
anota, em vários locais, “sobretudo no
Irã, prosseguia o desfile dos louros de bochechas rosadas, em ternos e coletes
bem cortados, como se nada houvesse mudado”. Muitos deles trabalhavam como
diretores da Anglo-Iranian Oil
Company – e, como um deles confessou, eram “perdidos, resmungões, mesquinhos, sem
qualquer ideia comum que os unisse, confusos, acovardados, de mente estreita,
caolhos”.
Ainda
convencida de que os britânicos “haviam
prestado grande serviço aos iranianos por ter encontrado e extraído
petróleo”, a Grã-Bretanha rejeitou uma proposta, apoiada pelos EUA, de que
os lucros fossem divididos igualmente entre iranianos e britânicos; e lançou
campanha devastadoramente efetiva de bloqueio contra a economia do Irã. “Se hoje nos curvarmos a Teerã, amanhã nos
curvaremos a Bagdá” – como publicou o Express, na velha lógica de
Curzon.
O
retorno de Churchill a Downing Street
em 1951 levou os neoimperialistas a endurecer ainda mais: o Daily Mail
exortou o governo a “agir imediatamente,
antes que a podridão se alastre”. Rapidamente foi construído um consenso
anti-Mossadegh, que envolveu também os liberais.
Em
1891, al-Afghani já contestara a imagem criada por Reuter, segundo o qual os
iranianos lutariam por soberania como fanáticos religiosos; e perguntara-se se a
coisa teria algo a ver com o interesse comercial britânico. Em 1951, o
Observer de David Astor apenas requentava e repetia “notícias” e
palavreado de Reuter, para proteger interesses britânicos. Em 1951, o jornal
apresentava Mossadegh como “fanático”, “um trágico Frankenstein”... obcecado por
um nacionalismo xenófobo”.
Nas
palavras de de Bellaigue: “Havia
inquietação em todo o mundo branco, ante o show de má vontade oriental, de Mossadegh”.
O ministério de Relações Exteriores britânico iniciou campanha de propaganda
para convencer os norte-americanos da justeza da causa britânica; a imprensa dos
EUA, obedientemente, alinhou-se.
O
New York Times e o Wall Street Journal compararam Mossadegh a
Hitler, mesmo quando seu populismo às vezes autoritário enfrentava oposição do
Parlamento, cada vez mais dividido, além de uma crescente oposição interna, de
comerciantes, proprietários de terras, monarquistas, militares e clérigos de
direita e extrema-direita (alguns dos quais abririam a cerca para dar passagem
aos primeiros aventureiros da CIA e do MI6).
Já
tendo inventado e proclamado o “século americano”, o Time de Henry Luce
dedicou particular atenção ao Irã-mercadoria: pregou que “os russos devem
intervir lá, passar a mão em todo o petróleo e declarar a Terceira Guerra
Mundial”. Os britânicos, já decididos a derrubar Mossadegh, logo se puseram a
explorar a crescente obsessão dos norte-americanos com o expansionismo
soviético: o Irã seria bom teste de como denegrir o nacionalismo asiático:
associando-o ao comunismo soviético. Encontraram audiência receptiva nos irmãos
Dulles (um, secretário de Estado; o outro, diretor da CIA no novo governo de
Eisenhower), em 1953.
Trabalhando
com fontes persas, de Bellaigue oferece informação de primeira qualidade sobre a
“Operation Ajax” – o golpe montado pela CIA/MI6 que mudou o regime de Mossadegh
e implantou lá o Xá Reza Pahlavi, em agosto de 1953, como imperador (quase)
inamovível do Irã.
A
história de como EUA e Grã-Bretanha destruíram todas as esperanças dos iranianos
de construírem para eles mesmos um estado liberal moderno já foi várias vezes
contada. Mas as lições de 1953 ainda estão longe de terem sido bem aprendidas.
Já
em 1964, Richard Cottam, assessor político da embaixada dos EUA nos anos 1950s
e, depois, professor e especialista em Irã, alertava para a evidência de que as
“distorções” introduzidas por jornalistas, intelectuais e professores no que se
sabe sobre a era Mossadegh beiram “o grotesco; e até que essa era possa ser
analisada sob luz menos falsa, praticamente não há esperança de que os EUA
construam política externa menos simplória, mais sofisticada e de melhor
qualidade, para o Irã.” (E poderia ter acrescentado: para todo o Oriente Médio.)
O New York Times deu destaque às renovadas esperanças imperiais,
imediatamente depois do golpe que mudou o regime e derrubou Mossadegh:
“Países
subdesenvolvidos e ricos em recursos aprenderam a lição, pagando o alto preço
que têm de pagar todos quantos, como o Irã, se deixem tomar por nacionalismo
fanático”.
Apesar
de informado muitas vezes por Kennett Love, o Times nunca fez qualquer
menção ao papel protagonista que teve a CIA na “mudança do regime” de Mossadegh:
aquela foi a primeira grande operação da agência, então desconhecida do grande
público, de toda a Guerra Fria. Nas boas vindas que deu ao Xá, quando visitou os
EUA em 1954, o Times exultava:
“Hoje, Mossadegh está onde tem de
estar – na cadeia. O petróleo voltou a fluir para os livres mercados do mundo”.
“E o Irã”, continuava o Times, “marcha rumo a novos e auspiciosos
horizontes”.
A
imprensa-empresa nos EUA, que descrevia Mossadegh como “o Führer
iraniano” aplaudia agora os projetos do Xá, de modernização faraônica. Foi
resultado, pelo menos em parte, de o Xá garantir hospedagem de potentado aos
figurões da imprensa-empresa nos EUA cujos nomes apareceram na lista divulgada
pelos revolucionários iranianos em 1979 (Walter Cronkite, Barbara Walters, Peter
Jennings e Mrs. Arthur Sulzberger).
Fortalecido
por esse apoio, o antes tímido Xá começou a manifestar sintomas da síndrome que
al-Afghani identificara em um dos predecessores:
“Por
bizarro que pareça, não há dúvidas de que, após cada visita à Europa, o Xá
aprofunda as ações de tirania contra o próprio povo”.
A
imprensa-empresa nos EUA tinha pouco tempo a perder ouvindo iranianos médios.
Mas os iranianos médios, já em 1953, como escreve de Bellaigue, viam os EUA como
“novos cúmplices do Xá, na injustiça e na opressão”.
Empresas dos EUA ganharam fatia de
40% da produção de petróleo no Irã, depois de o regime de Mossadegh ser
derrubado por golpe [“mudança de regime”]. No início da década dos 1960s,
intelectuais iranianos, muitos deles forçados ao exílio, já haviam começado a
pesquisar para descobrir como aconteceu de – nas palavras de Jalal al-e Ahmad,
em Gharbzadegi [1] – os movimentos dos EUA terem
permanecido absolutamente encobertos e ignorados, enquanto outros entravam e
saiam do Irã; a ponto de “os iranianos só
nos termos dado conta do que acontecera, depois de todas as torres de petróleo
de empresas ocidentais já terem empalado nossa terra”.
A
hostilidade dos iranianos contra os EUA só aumentou, ao tempo em que a CIA mantinha
negociações regulares com torturadores e carrascos da polícia secreta do Xá. Até
que a hostilidade saltou à tona, em 1979, chocando políticos e formadores de
opinião nos EUA, que tentaram encontrar explicações para a revolução iraniana,
como também tentaram encontrar explicações para o 11/9, em “interpretações” do
Islã.
Nenhum
daqueles políticos e formadores de opinião percebeu que, como acontecera nos
Protestos do Tabaco de 1891 e no levante nacionalista que levou Mossadegh ao
poder, já se constituíra uma ampla coalizão nacional iraniana disposta a
combater contra o Xá e seus aliados estrangeiros.
Verdade
é que, nos primeiros dias da revolução iraniana de 1979, os mossadeghistas (como Bazargan) apareciam
em posição tão sólida e destacada quando seus aliados islamistas e socialistas.
Mas dois fatores fizeram pender a favor dos revolucionários islamistas radicais
a balança da indignação popular e do correspondente poder revolucionário: Jimmy
Carter ofereceu asilo ao Xá em 1979; e só os estudantes islamistas encontraram
meios para impor resposta/retaliação à altura da ofensa (e atacaram a embaixada
dos EUA em Teerã).
A
guerra brutal que Saddam Hussein impôs ao Irã durante oito anos, cinicamente
auxiliado pelos EUA, forçou a República Islâmica a entrincheirar-se e ajudou a
polir a imagem popular do Grande Satã. Sempre sob pressão, reformadores liberais
que se reuniam em torno de Mohammad
Khatami foram novamente enfraquecidos quando George W. Bush,
repentinamente, decidiu incluir o Irã no seu “eixo do mal”. Depois disso, as
invasões e ocupações pelos norte-americanos nas vizinhanças do Irã só fizeram
confirmar a percepção dominante entre os iranianos de que o ocidente é
incompetente e incapaz, tanto culpado do que Khomeini definiu comoistikbar i
jahani (“arrogância global”).
Em
nenhum momento estivemos mais próximos de guerra entre o Irã e os EUA, que nos
últimos meses, com políticos e jornalistas norte-americanos atentamente
dedicados a promover as sandices em tom de bravado de Binyamin Netanyahu.
Praticamente não se vê sinal na “grande” mídia, nem nos EUA nem na Grã-Bretanha,
de que alguém esteja prestando atenção ao trabalho de de Bellaigue e de outros
notáveis intelectuais iranianos.
Resenha
do livro de de Bellaigue publicada recentemente no The Guardian insistia que “o Xá levou
ao Irã prosperidade, segurança e prestígio que jamais tivera, desde o século
17” .
Mahmoud Ahmadinejad – político menor, oportunista, cujo apoio vem diminuindo e
que é consistentemente desaprovado pelo Supremo Líder, aparece pintado nos
jornais como o próximo Hitler.
Simultaneamente
os liberais ignoram os efeitos das sanções econômicas sobre os cidadãos comuns –
exatamente como já fizeram nos anos 1950s – e os governantes optam por não ver
que, agindo como agem, dão sobrevida a um regime já semidesacreditado. Isso,
porque as sanções e o ataque obcecado pelo ocidente contra o governo iraniano
reduzem (de fato, cancelam completamente) qualquer possibilidade de qualquer
mudança política ou econômica no Irã – motivo pelo qual também o “movimento
verde”, que se opõe ao governo da revolução popular islâmica, também se opõe às
sanções econômicas impostas pelo ocidente.
Os
aiatolás parecem estar sendo hoje sustentados no poder, de fato, pelas sanções
econômicas impostas pelos EUA; como os revolucionários cubanos parecem estar
sendo sustentado no poder, de fato, pelo embargo econômico imposto pelos EUA.
Mas
o tempo passa e os iranianos, a cada dia, veem mais claramente exposta a
hipocrisia dos EUA, que nada faz além de servir ao estado ilegal de Israel, o
único estado em
todo o Oriente Médio armado com bombas atômicas. Os iranianos
sabem, é claro, que os EUA, em 2005, firmaram acordo nuclear com a Índia. Se há
opinião que atravessa e impõe-se sobre todas as divisões políticas no Irã é a
defesa do direito do Irã a manter seus programas de pesquisa nuclear.
O
ocidente aspirante a progressista e avançado é incompetente para analisar
corretamente, dentre outras coisas, a força ainda não abalada do nacionalismo
iraniano, provado em longos combates. Mais
bizarro e perigoso é que ignoram o quanto e como a atitude do grupo e da classe
dominante no Irã foi-se endurecendo e radicalizando, depois de um século de
humilhações que o ocidente lhe impõe ou tenta impor.
Em
1979, durante a crise dos reféns norte-americanos detidos no Irã, o Aiatolá Ali
Khamenei, então jovem revolucionário e hoje Supremo Líder da República Popular
Islâmica do Irã, disse, em resposta a ameaças dos EUA, há 33 anos:
“Não
somos liberais do tipo que a CIA consegue assassinar, como Allende e Mossadegh”.
Sabia
do que falava.
Nota dos
tradutores
[1]
Termo pejorativo,
em persa. Apareceu no título [traduzido ao inglês como] Occidentosis: A
Plague from the West [Ocidentose: a praga que veio do ocidente], escrito por
Jalal Al-e Ahmad e publicado clandestinamente em 1962. Em inglês tem sido
traduzido por Weststruckness, Westoxification,
West-struck-ness”, “Westitis” (aprox. “ocidentalhagem” /
“ocidentalice” / “ocidentite”, no sentido de “canalhagem” / “canalhice
ocidental”, “ocidentose” / “infecção” / “doença ocidental”.
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