15/6/2012, Pepe Escobar,
Asia Times Online THE ROVING
EYE
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Lord knows, I should’a been gone
Deus sabe, eu deveria ter
ido
Lord knows, I should’a been gone
Deus sabe, eu deveria ter
ido
And I wouldn’t’ve been here,
E não estaria
aqui
down on the killin’
floor
Por baixo, no campo de matança
Howlin’Wolf [Lobo que uiva]*,
Killing Floor**
Pepe Escobar |
Tão fácil como alguém, num
cubículo no deserto de Nevada, aperta um botão e incinera uma festa de casamento
de pashtuns no Waziristão Norte, agora, com um clique, qualquer um pode baixar
um arquivo leve [359 KB], disponível no website Amazon por apenas $8,99 – frete wireless incluído – e aprender tudo que há para
aprender sobre aviões-robôs comandados à distância. Tudo que seja “dronado” na
escuridão, um dia virá à luz. [1]
O livro Terminator Planet: The First History of
Drone Warfare, 2001-2050 [2] [Planeta Terminator: A primeira história da
Guerra de Drones, 2001-2050] foi
organizado e editado por Tom Engelhardt – editor e animador da página TomDispatch e “um tesouro nacional”,
na correta avaliação do professor Juan Cole da Universidade de Michigan – e Nick
Turse, editor-associado da página TomDispatch e autor de um estudo seminal, de
2008 – The Complex: How the Military
Invades Our Everyday Lives [O
Complexo: Como os militares invadem nossa vida diária] [3].
O novo livro recém-lançado reúne
todo o trabalho de pesquisa de Tom e Nick revisado e atualizado, em que se
detalha o universo hiperdistópico da
DroneLândia ao longo dos últimos anos – e expõe-se tudo, das bases
secretas do Império dos
Drones às operações de
“dronagem” ampla geral e irrestrita contra territórios estrangeiros; um
exercício ao estilo de Philip Dick [4] sobre uma mais que plausível guerra massiva
de drones contra a África Oriental em 2050; e um
posfácio que leva o inimitavelmente perfeito título de “America as a Shining
Drone Upon a Hill" [EUA,
drone luminoso lançado
contra uma colina] [5].Mas é muito melhor que qualquer ficção
porque tudo, no livro de Turse e baseado em fatos e documentado.
Qual é o prato do dia? MQ-1 Predator ou
MQ-9 Reaper?
MQ-9 Reaper |
Esse
arquivo digital que se pode comprar tornou-se ainda mais crucialmente
importante, agora que a opinião pública nos EUA e no mundo já sabe que o
presidente Barack Obama dos EUA é, diplomado, o Dronador-em-chefe; o Juízo
Final; e o Grande Inquisidor digital por cujas mãos muçulmanos suspeitos (até
agora, pelo menos, só muçulmanos suspeitos) alcançarão as virgens do Paraíso,
via assassinato predefinido [orig.
targeted assassination].
Obama
tem sua própria lista de “gente a assassinar”,
kill list, cheia de termos da novilíngua. Obama pode optar entre
“ataque-personalidade” [“personality strike”] (mata só um suspeito) ou
“ataque-assinatura" [“signature strike”] (mata todo o grupo). As
“nominações” são examinadas por Obama e seu produtor-associado e czar do
contraterrorismo, John Brennan. A lógica é extraída diretamente de Kafka:
qualquer um que ande por perto de suposto “terrorista”, é “terrorista”. Só
depois de morto se pode saber com certeza quem foi morto.
E
o Óscar Humanitário de “Melhor Assassinato Predefinido sem Dano Colateral” vai
para… o esquadrão da morte da Casa Branca de Barack Obama.
MQ-1 Predator |
Predefinidos
– e diluídos – nesse processo sinistro são também uma montanha de conceitos
ultrapassados como soberania nacional, cláusulas e princípios pétreos da lei
norte-americana e internacional e qualquer categoria que, até o colapso da União
Soviética era usada para definir “guerra” e “paz”. De qualquer modo, essas
categorias já começaram a ser diluídas durante o governo Bush – que “legalizou”
as sessões de tortura e a ação dos esquadrões da morte da CIA e das “Operações
Especiais” dos EUA, em todo o mundo.
Qualquer
jurista que se dê ao respeito terá de extrair daí a conclusão inescapável: os
EUA são hoje estado pária, que vive à margem da lei internacional,
estado-bandido dos puros, com O Império dos
Drones consagrado como
expressão máxima da guerra de sombras.
Incinere os
fiéis
Ler Terminator Planet evoca inevitavelmente o intercurso
incestuoso entre Hollywood e o Pentágono. Ainda que se desconte a paranoia &
piração que é marca registrada dos produtores e roteiristas de Hollywood, basta
rodar outra vez as séries
Robocop e Terminator para saber que a coisa pode terminar muito
mal.
RQ-170 Sentinel |
E
ainda nem se falou sobre a Revolta dos
Drones. Pelo menos até agora. Mas em 2010 já houve um aperitivo
das sumarentas possibilidades nesse campo, quando um avião-robô comandado a
distância modelo RQ-170 Sentinel foi pousado, mediante complexa operação de
invasão de programas de computador, por iranianos, em solo do Irã ; em seguida o drone Sentinel foi desconstruído e reconstruído –
engenharia reversa –, para delícia de iranianos, russos e chineses. O Pentágono,
histérico, negou que lhe tivessem passado a perna (digamos assim).
A
ideia de que um Império de
Drones venha algum dia a
controlar o que o Pentágono chamava, antigamente, de “arco de instabilidade”
entre o Oriente Médio e a Ásia Central – sob comando do Grande Petróleo – é
risível.
Risível
é, também a ideia de que um Império de
Drones ativo no AfPak,
Iêmen, Somália e logo em todos os pontos do “arco de instabilidade” salve a
mãe-pátria, da Jihad, da Lei da
Xaria, de um novo Califato implantado por fanáticos e todas as anteriores.
Especialmente
agora, quando o próprio Pentágono já embarcou na nova retórica – e está focado
no movimento “de pivô” para encarar o potencial concorrente-parceiro que
realmente conta, a China.
E
as brigadas do Exército dos EUA (e
commandos das Operações
Especiais), de 2013 em diante, farão rodízio pelo mundo – com ênfase na África –
segundo um conceito pentagonês de “força regionalmente alinhada”.
RQ-4 Global Hawk |
E
o ComandoSul [orig. Southcom]
anunciou que os drones Predator, Reaper e Global Hawk serão
alocados na América do Sul e Central para “operações antidroga, de
contraguerrilha e de vigilância naval”.
O
Império dos Drones tem de ser global, mas os drones só são efetivos, se a inteligência em campo
for efetiva. Basta um exemplo simples. De fato, no AfPak, não é Obama quem
decide sobre sua lista de “gente a assassinar”. Quem decide é o serviço secreto
do Paquistão, ISI – que fornece à CIA a informação que mais corresponde às suas
próprias contingências. E, isso, enquanto o Pentágono e a CIA continuam a operar
sob a ilusão galáctica da absoluta supremacia da tecnologia norte-americana –
mesmo que não consigam neutralizar, sequer, uma inflação de “Dispositivos
Explosivos Improvisados” [Improvised Explosive Devices, IED], de
tecnologia ultrabaixa.
Tio Sam quer ferrar you!
Os
norte-americanos também devem preocupar-se com o Império de Drones Interno –
agora que o dolorosamente impopular Congresso dos EUA e o presidente Obama já
deram plena autorização para a “integração” dos drones no espaço aéreo dos EUA, até 2015; em 2020,
já serão, no mínimo 30 mil. No momento, o Pentágono tem “apenas” 7.000
drones (há dez anos, não
chegavam a 50).
Deve-se
supor que tenha havido pressão massiva pelo
lobby das empresas
fabricantes de drones, como a
General Atomics, para a aprovação das novas leis. Há até uma bancada [orig. caucus] “dronista” no Congresso, de
55 congressistas (e crescendo), e um
lobby global constituído
de 507 empresas em 55 países: a Associação Internacional para Promoção de
Veículos Não Tripulados [orig.
Association for Unmanned Vehicles International] – que, na
essência, dita as regras.
Os
sobretons orwellianos – e à Philip Dick – são visíveis: trata-se de vigilância
24 horas por dia, sete dias por semana, sobre vastas porções da população dos
EUA, via radar, câmeras de infravermelho, imagens térmicas, “farejadores” sem
fio e, crucialmente importantes, armas para controle de tumultos urbanos. Melhor
sempre examinar cuidadosamente os céus, cada vez que pensar em sair de casa para
protestar nas ruas. E podem esperar: em breve aí estarão os drones movidos a energia nuclear, que
podem permanecer vários meses sem pousar; meses, não apenas dias.
O
arquivo digital assinado por Tom e Nick é leitura absolutamente necessária e
essencial para contextualizar o processo pelo qual se vai delineando um estado
de vigilância que já existe de fato, no qual todos são suspeitos por definição,
e o único “vencedor” é o complexo militar-industrial. De Motown [6], cidade-motor, chegamos
a Dronetown,
cidade-drone:
“Nowhere to
run to, baby, nowhere to hide…”[7] [Não há para onde fugir,
baby, não há onde se
esconder..]
Que tal Obama & as Dronellas
[8]?
*Sobre o blueseiro de Chicago [1910-1976],
categoria máster, ver em: Howlin' Wolf
** Ouve-se,
com letra e tradução (ruim) em: Killing
Floor
Notas
dos tradutores
[1]
Há aí um rico jogo de palavras, quase completamente intraduzível, entre All things
done [“O
que é feito”/”O que alguém faz”] e All things drone” [alguma
coisa próxima de “Tudo que é dronado”]. A primeira expressão é parte de uma
frase bíblica muito citada, que aparece em Isaías 29:15 (“Ai dos que tentam
esconder do Senhor Deus o que fazem, as maldades que praticam na escuridão e
dizem: “Ninguém nos pode ver! Ninguém sabe o que estamos fazendo!”). A frase, em
inglês, cria um eco semântico muito produtivo com os versos da epígrafe: “Deus
sabe”/”Deus sabe”. A tradução que oferecemos é uma, dentre várias possíveis, e
pode ser melhorada. Todos os comentários e correções são
bem-vindos.
[2] Sobre o livro, ver Amazon: Terminator
Planet: The First History of Drone Warfare, 2001-2050 (A Tom Dispatch
Book)
[3] TURSE, Nick, The Complex: How the Military Invades Our
Everyday Lives, New York: Henry Holt and Company, 2008, 304 pp. Páginas.
Em THE
IRON TRIANGLE ,
lê-se o primeiro capítulo.
[4] Philip Dick
[1928-1982], contista e romancista norte-americano, autor dos livros que deram
origem aos filmes Blade Runner, Caçador de Andróides (1982) e Minority Report -
A Nova Lei (2002), dentre outros.
[5] Outra vez, jogo de palavras quase
intraduzível entre Shinning city on a
Hill [cidade brilhante pousada sobre numa colina] e Shining Drone Upon a Hill [drone
brilhante sobrevoando uma colina]. A primeira expressão está, para a história
dos EUA, pode-se dizer, como “Independência ou Morte” está para a história do
Brasil: como expressão fundacional, desde antes de os primeiros puritanos
ingleses atracarem na Nova Inglaterra. Apareceu num sermão feito a bordo do
navio Arbella, em que o pastor Winthrop leu para os companheiros de aventura um
trecho de Mateus 5:14-15, com o qual o pastor articulou sua visão do que seria a
colônia puritana no Novo Mundo, “uma cidade brilhante pousada numa colina”, que
serviria de exemplo para o mundo, de sociedade realmente governada por deus.
Para vários historiadores, variações secularizadas dessa utopia religiosa
puritana europeia, que está na origem da sociedade e da história dos EUA,
contribuem para alimentar o mito do excepcionalismo norte-americano – a
diferenciação e uma almejada superioridade em relação à sociedade inglesa da
qual saíram os Pais Fundadores. Nos anos 1980s, imediatamente depois da Guerra
do Vietnã, o presidente Ronald Reagan empreendeu várias campanhas de propaganda,
tentando reintroduzir, nos discursos políticos, a imagem dos EUA como “cidade
luminosa pousada sobre uma colina” Mais informações ver: “CITY ON A
HILL”, em inglês.
[6]
Motown
é
redução da expressão “motor town” [cidade-motor/“cidade dormitório”],
Chicago. Deu nome a uma gravadora, Motown Records,
fundada na cidade, em 1959.
[7]
É título e verso de
Now here to hide [Não há lugar para esconder-se], gravado por
Martha Reeves & The Vandellas. A gravação está incluída no vol. 1 de “Motown
Singles Collection 1959-1971” [singles lançados pela
gravadora Motown naquele período], de 1992. Pode ser ouvida a seguir:
[8]
Trocadilho com o nome do conjunto de cantoras que acompanhava Martha Reeves [as
Vandellas]. Ver nota [7].
Macacos me mordam se não foi uma dessas geringonças que explodiu WTC
ResponderExcluir