14-20/6/2012, Sayed
Abdel-Maguid, Al-Ahram Weekly, n.
1.102, Cairo
Traduzido pelo pessoal da Vila
Vudu
Abdel-Maguid |
Ankara. A secretária de Estado dos EUA
Hillary Clinton tem muitos amigos em Istambul, cidade que visitou como
primeira-dama do governo Clinton e, mais recentemente, como alta funcionária do
governo Obama. Contudo, se olhasse pela janela de seu quarto de hotel na direção
do Bósforo, veria o descontentamento que cresce nas ruas. Na famosa Praça
Taksin, em Istambul, secularistas protestam contra o apoio que o governo de
Erdogan tem garantido às políticas dos EUA para a Síria; para muitos
manifestantes, o que se vê acontecer hoje na Síria é efeito de plano dos
norte-americanos, para gerar o caos na região.
A
Associação da Juventude da Anatólia, que faz oposição cerrada ao Partido Justiça
e Desenvolvimento, de Erdogan, não tem dúvidas de que o inferno que os sírios
enfrentam hoje é, pelo menos em parte, efeito das políticas viciosas do atual
governo turco.
Manifestantes
que se reúnem próximo ao Monumento à República, em Istambul, chamam a atenção de
todos os países árabes para o risco de não defenderem a Síria contra os EUA e
para o que, para eles também, é efeito das políticas dos EUA para a
região.
Alguns
manifestantes acusam a CIA de apoiar o Exército Síria Livre, que combate contra
as unidades legais do exército sírio.
Em
praticamente todas as muitas manifestações de rua que agitam Istambul, veem-se
secularistas preocupados com o futuro da região. Muitos são conhecidos
opositores das políticas do primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan, cujo modelo
de governo parece atender a todas as expectativas de Washington para a
Turquia.
Endorgan e Obama... tête-à-tête |
Tantos
discursos de apoio ao governo de Al-Assad talvez soem estranhos a ouvidos
ocidentais, sobretudo vindos de grupos secularistas, tradicionais opositores de
governos apresentados no ocidente como de fundamento religioso, ou totalitários
ou repressores. E essa não é a única anomalia que se vê na Turquia nos últimos
dias: Israel também não vê com bons olhos a “mudança de regime” que os EUA
tentam promover na Síria.
Resultado
desse cálculo regional, as políticas de Washington para a Síria não estão
encontrando o apoio que Clinton esperava recolher na Turquia: grande parte da
população turca culpa os EUA pela desgraça dos sírios; e Israel mais teme do que
deseja o fim do governo de Assad.
Para
o ex-ministro das Relações Exteriores da Turquia, Yasar Yakis, Israel está vendo
com preocupação o rumo que as coisas vão tomando na Síria. Com a Fraternidade
Muçulmana já tendo alcançado a maioria no Parlamento egípcio, Israel prefere
continuar a enfrentar o governo laico de Assad a ter de enfrentar mais um
governo islamista também na Síria.
A
Fraternidade Muçulmana já começa a fazer barulho contra a influência de Israel
no Sinai. Um governo de inclinação islamista na Síria devolveria à pauta a
questão das Colinas do Golan – diz Yakis.
Parte
significativa da elite turca está incorporada a esses protestos, porque os
confrontos sectários que estão sendo estimulados na Síria, onde sunitas estão
sendo empurrados contra xiitas, podem facilmente contaminar a Turquia e servir
de combustível, num cenário mais amplo, para alimentar o movimento secessionista
dos curdos.
Muitos
turcos já temem que, se não se encontrar saída negociada para a Síria, a crise
que daí advirá lançará ao caos toda a região.
Pela
primeira vez, os diplomatas turcos parecem incapazes de formular ou defender
qualquer política clara para a Síria. Ankara, que apoiou o levante inicial da
oposição síria, talvez não encontre meios para perseverar em suas políticas
atuais. Também no Parlamento turco já há forte oposição às políticas do ministro
de Relações Exteriores de Erdogan, Ahmet Davutoglu, e vários partidos já falam
abertamente em mudança no ministério.
A questão dos curdos
Os curdos se espalham por 6 países |
A
questão curda também é fonte de graves preocupações; e, desde o início da crise
síria, vem aumentando na Turquia a influência do Partido dos Trabalhadores do
Kurdistão (PKK). O PKK, com correligionários no norte do Iraque e aliados
potenciais na Síria, passa a ter de ser ouvido mais atentamente.
Causou
alarme entre os políticos turcos a notícia de que membros do Partido Baath que
governa a Síria ter-se-iam reunido com líderes do PT curdo nas Montanhas Qandil.
Para muitos, ainda é bem viva a lembrança de quando Ankara e Damasco
constituíram uma frente unida contra os separatistas do PKK.
Agora,
em vez de
Síria e Turquia manipularem o PKK, é o PKK quem vai ganhando
posição mais forte. Membros do PKK têm mantido encontros regulares com o
presidente do Curdistão Iraquiano, Massoud Barzani – que já declarou que tem
dois milhões de curdos sírios dispostos a levantar-se para depor o governo de
Al-Assad na Síria.
Circulam
também informações de que Barzani estaria treinando curdos sírios, em preparação
para guerra de guerrilhas.
O
governo sírio, por sua vez, também alarmado ante o risco de um levante dos
curdos, prometeu autonomia e autogoverno aos curdos, em troca de desistirem dos
projetos de agitação popular em suas áreas. Essas propostas
foram apresentadas ao Partido Curdistão Democrático sírio, que se sabe que
mantém laços íntimos com o PKK turco.
Agora,
com os sauditas já tendo oferecido apoio aos sunitas sírios, e o Irã prometendo
apoio aos xiitas sírios, a Síria já se precipita para uma perigosa guerra
sectária – resultado absolutamente diferente do que os políticos turcos
esperavam.
Ainda
outra dificuldade diz respeito hoje aos alevitas, grupo étnico minoritário que
vive na Turquia, estimado em cerca de mais de 10% da população nacional. Os
alevitas não são alawitas, como a família al-Assad que governa a Síria, mas os
dois grupos são frequentemente confundidos, porque ambos juraram fidelidade ao
profeta Ali, fonte inspiracional de todo o Islã xiita. E nem alevitas nem
alawitas confiam em sunitas.
Há
quem preveja que no caso de haver confrontos entre alawitas e sunitas dentro da
Síria – os quais podem começar a qualquer momento, e até por acidente – os
alevitas turcos abracem a causa dos alawitas sírios; mais um motivo pelo qual há
quem recomende cautela máxima a Ankara, nas operações que envolvam a
Síria.
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