29/5/2012 Rússia Today TV,
Transcrição traduzida pelo pessoal
da Vila Vudu
Assista também:
1. 16/4/2012, Assange
entrevista No.1 – “Hassan Nasrallah (Hezbollah)”
4. 8/5/2012, Assange
entrevista No.4 - Nabeel Rajab e Alaa Abd El-Fattah (líderes populares da
Primavera árabe)
JULIAN
ASSANGE: Bem
vindos a uma edição especial de nosso programa. Normalmente esses diálogos
desenrolam-se no local onde estou sob prisão domiciliar, mas hoje, dada a
quantidade de gente envolvida no movimento Occupy, decidimos fazer o programa
aqui no velho prédio do Deutche Bank de Londres que está controlado por amigos
deOccupy. Temos aqui Marisa Holmes de Occupy New York; Alexa O’Brien de Occupy New York e do “Dia da Ira” dos EUA;
Aaron Peters de
Occupy
Londres; Naomi Colvin de Occupy Londres; e David Graeber de Occupy New York.
Gostaria
de dividir o programa em duas partes. Na primeira
parte, quero entender como o movimento Occupy ganhou vida. Que tipo de gente estava
envolvida na base política para organizar o movimento, para divulgar suas
questões e difundir o movimento. Depois, me interessa ver para onde o movimento
está andando.
David,
de onde, em sua opinião, veio esse movimento que, no final, levou à ocupação da
Praça Zuccotti e depois se estendeu pelo resto dos EUA?
DAVID
GRAEBER:
Creio
que houve um tipo de movimento global, que, creio, começou em Túnis, e parece
ter-se entendido pelo Mediterrâneo: Grécia, Espanha. Na realidade, é o mesmo
movimento que sacudiu os EUA. E muita gente da Grécia e da Espanha, que esteve
envolvida nos primeiros dias e mesmo antes da ocupação da Praça Zuccotti, são
parte dele. Por isso, acho que há um tipo de agitação
global.
JULIAN
ASSANGE:
Alexa,
você esteve envolvida no Dia da Ira nos EUA, em maio de 2010. Para você, é o
momento de fazer uma transição do ciberespaço para o “espaço de encontros”, ou
há algum outro caso análogo prévio?
ALEXA
O’BRIEN: Bem,
creio que sim, definitivamente. Quero dizer, sim, estamos ligados à parte
superior e ao enxame de ativistas e atividades menores, nos meios sociais; e a
transformação na organização dos meios também desempenhou seu papel, ano
passado, em Occupy Wall Street.
JULIAN
ASSANGE: É
claro que havia uma inspiração, para vocês, na primavera árabe?
AARON
PETERS: Bem,
esse é assunto do qual não se fala muito. Em 2008, o Egito passou a ser o país
n. 1 para o Banco Mundial, em relação a reformas e no mundo em desenvolvimento.
Em termos de reformas liberais, o Egito era insuperável na África do Norte e no
Oriente Próximo, do ponto de vista do Banco Mundial e do Fundo Monetário
Internacional. O maior fenômeno que se vê aqui é que... Depois da II Guerra
Mundial, o estado nacional via-se como uma espécie de depositário da
responsabilidade democrática. Desde o fim dos anos 1970s, tudo isso estava
desaparecendo. E em alguns lugares nunca existiu, não é? Agora, é fenômeno
global. Agora reconhecemos que os resultados da política pública não estão
acontecendo no plano nacional e que os criadores das políticas realmente não
estão nos parlamentos nacionais, estão do outro lado; e aqueles que ditam as
políticas não são responsabilizáveis de modo algum, ou não são os representantes
democráticos. E é um fenômeno global. Está acontecendo na Índia, na China, nos
EUA e no Reino Unido.
ALEXA
O’BRIEN: Nós
não só temos uma crise financeira global, temos uma crise política global,
porque nossas instituições não funcionam mais.
AARON
PETERS: Sim,
exatamente.
DAVID
GRAEBER: E
isso é um dos pontos do movimento global pela justiça: esses movimentos
administrativos recém criados, mecanismos políticos globais planetários...
JULIAN
ASSANGE: Como
a
WTO
(Organização Mundial do Comércio, OMC),
DAVID
GRAEBER: Como
a OMC, como o FMI... Em geral, supunha-se que, nos EUA, as pessoas nem sabiam
que essas organizações existiam, mas, na realidade estavam governando o mundo.
Quero dizer... É a primeira burocracia planetária realmente efetiva criada em
nome de um certo tipo de ideologia de mercado livre que se supõe que seja contra
a burocracia, mas, na verdade, as coisas são exatamente ao contrário. Por tanto,
as revoltas sempre são em nome da democracia, porque é algo que faz falta,
obviamente. A crise financeira simplesmente trouxe essas questões para dentro de
casa, sobretudo quanto à dívida. E aí ficou muito claro que as dívidas dos
grandes jogadores de cassino podem ser completamente renegociadas, mediante e
por esses mecanismos globais, mas as suas, as minhas dívidas não podem, porque
seus políticos estão comprometidos com eles, não com você.
JULIAN
ASSANGE: Quero
agora passar diretamente a um tipo de gênese das práticas, pois essas grandes
questões, grandes temas, acontecem num determinado cenário, num pano de fundo.
Se voltarmos ao início, vemos que alguns dos elementos-chave de Occupy New York, como vimos na pesquisa para
preparar esse programa, são, por exemplo, o modo de dizer as coisas. A frase era
“Conseguimos 99%”; a expressão, de fato, não era “Somos os 99%”. E então
apareceu esse prólogo de apresentação de competências que, aparentemente, teve
seus resultados.
DAVID
GRAEBER: É
um exemplo perfeito de processo coletivo. Penso que tenha acontecido algo assim:
alguém disse “Por que não fazemos algo desse 99%?” E outro, talvez, me parece,
os espanhóis, disseram “Nós somos os 99%”. E depois, acho que Chris acrescentou
a parte “somos”. Cada pessoa contribuiu com uma palavra. E, todos juntos, o
resultado foi bom.
JULIAN
ASSANGE: Naomi,
você viu esse tipo de processo iterativo? Algo foi construído, e não nasceu,
como inspiração no cérebro de uma única pessoa. Parece ter sido algo que
envolvia de fato todos esses processos.
NAOMI
COLVIN:
Creio
que você tem razão. Creio que há diferentes fluxos identificáveis que se unem
em
Occupy, e Occupy é quase um momento galvanizador, quando se
estão fazendo, de fato, coisas bastante diferentes, e entende-se que eles podem
cooperar e criar algo que é realmente extraordinário. Se nos fixamos
especialmente em
Occupy Londres, claro, o exemplo de Occupy Wall
Street é o fato desencadeante, a ideia de que esta coisa extraordinária
tenha podido acontecer do outro lado do Atlântico, bem onde nunca se esperaria
que fosse possível. E se pensa “Então, temos de fazer algo também
em Londres”.
E há o aporta também do que aconteceu em outros lugares da
Europa, no último ano. O que está acontecendo em Londres é impossível, sem o
exemplo do que acontece na Espanha. Realmente, é a hora em que tudo se
junta.
JULIAN
ASSANGE: Até
que ponto, na prática, o movimento dos Indignados na Espanha
alimentou, no que tenha a ver com o apoio logístico ou a quantidade de gente na
rua, o movimento
Occupy
New York?
MARISA
HOLMES: Bom,
muitos dos
Indignados estavam em New York, por uma ou outra razão, e, dia
17/9, bieram às primeiras assembleias gerais. E, sim, nos deram a base e o
contexto do que estávamos fazendo. Aprendemos muito com eles.
DAVID
GRAEBER: Até
egípcios havia aqui. Recebemos e-mails do Egito, dizendo “Vou a New York especialmente para essa ação”.
Então, acho que, em termos de aprendizado interativo, posso dizer que, pelo
menos para mim, vendo o que estava acontecendo na Europa, como você diz, sim, a
informação deles foi decisiva, a forma das ocupações saiu, diretamente, daquele
movimento.
JULIAN ASSANGE: Naomi, em Occupy Londres havia uma placa na rua em que se lia “Praça Tahrir”,em
frente à Igreja de St.Paul.
JULIAN ASSANGE: Naomi, em Occupy Londres havia uma placa na rua em que se lia “Praça Tahrir”,
NAOMI
COLVIN: Foi
das placas mais fotografadas. Não tenho ideia de quem a pôs lá, mas, sim, eu
diria que sem dúvida havia gente ali que identificavam o que estavam fazendo e a
inspiração da primavera árabe. Em termos de quantidade de gente na rua, foi o
movimento europeu o que mais trouxe coisas para nós, em Londres, simplesmente
porque todos estamos na Europa.
JULIAN
ASSANGE: Estou
interessado nisso, porque me interessa, de modo especial, uma questão
filosófica, a questão específica da filosofia da técnica e o domínio da técnica.
Independentemente do que se tente fazer ou se faça politicamente, numa direção
ou noutra, se quisermos vencer, temos de fazer com eficiência. E para fazer com
eficiência, temos de adotar técnicas eficientes. E então, cada um, não importa o
que esteja organizando, passará a adotar técnicas eficientes. Afinal, são as
técnicas que vencem. David?
DAVID
GRAEBER: Mesmo
assim, acho que não são só os meios de comunicação social, quando se fala em
técnicas. Já desde os anos 1970s, há uma tradição, no mínimo, de criar novas
formas de democracia direta, de consenso de facilitação, de descentralização,
dos modos de decidir. Tudo isso é prática, mas, ao mesmo tempo, não é. Há uma
espécie de síntese, mediante a qual a coisa se autodefine, contra o modo como se
atua nos meios sociais. Um tipo de sinergia. Então, por um lado você está
difundindo informação de alguns tipos de meios de comunicação sociais, mas, ao
mesmo tempo, há algumas formas de democracia profundamente personalizadas e
aquelas tradições. E, porque tivemos que traçar tudo, a gente acabou por
encontrar meios de fazer e instituições. O “Microfone do Povo”, que é ideia que
se foi desenvolvendo durante anos, foi decisivo.
JULIAN
ASSANGE: Esta
cultura metodológica que visualmente ficou muito conhecida entre o pessoal
de
Occupy, o “Microfone do Povo”, Mic Check, é um pouco como teatro de
rua. Por um lado parece ser prático, numa assembleia geral, aquelas coisas como
agitar as mãos, em gesto de saudação... Quando vi pela primeira vez, pareceu-me
forçado, afetado, nada eficiente (risos). Mas, entendo eu, se é uma multidão de
pessoas, e é preciso que todos escutem todos... A ideia é boa, dá bom resultado.
Aaron, você estudou o surgimento dessas técnicas? Quanto às técnicas, houve
algumas inovações?
AARON
PETERS: Se
se recupera a noção do meme, da
mimética, há um argumento que sempre existiu sobre como os humanos compartem
identidades, como criam identidades novas, como as interiorizam. Mas a questão,
sobre esses novos tipos de comunicação é que este processo se acelera
rapidamente. Acho que realmente há uma relação, especialmente entre os mais
jovens, na prática
online
e
offline, em que se vê que não estão interessados no que dizem os
líderes, não estão necessariamente interessados em modelos de benefícios. Estão
interessados em criar valores, mas muitas vezes é a criação de valores que vai
mais longe, além do motivo do benefício, além da ação para fazer algo. Estamos
num tipo de ação coletiva voluntária.
JULIAN
ASSANGE: As
técnicas que se viram em ação em Occupy Londres imitaram o exemplo
do que já fora feito emOccupy New
York, ou são mais antigas?
NAOMI
COLVIN: Acho
que há uma tensão interessante entre o modo como o consenso funciona na rede, e
o que acontece quando você se fixa em como funciona a consciência coletiva. É um
consenso, mas muito menos estruturado. E há uma interessante tensão entre o que
pode ser um modo como pensam as pessoas que vieram ocupar, e uma espécie de
consenso, digamos assim, mais tradicional, um trabalho baseado em decisões
estruturadas de forma consensuada, um trabalho de base. É uma tensão que se pode
examinar em
Occupy
Londres, sem resolvê-la plenamente.
ULIAN
ASSANGE: Podemos
explicar por que o movimento Occupy não poderia ter acontecido há dez anos.
Esses movimentos de protesto brotaram em Seattle e Genebra e tal e
tal, mas em seguida tivemos um 11/9, e foi o final do que havia antes. OK.
Pode-se entender que nada disso tenha acontecido há dez anos. Mas por que não
aconteceu há cinco anos?
AARON
PETERS: Creio
que, bem... Em primeiro lugar, os movimentos sociais que estão à nossa volta
nascem da queixa e da sensação que as pessoas têm de estarem sendo ofendidas.
Acho que o que está acontecendo seria impossível sem a crise econômica global.
Falo de uma crise que poderia implicar o fim do capitalismo como o conhecemos.
Com problemas enormes para a distribuição de alimentos. O problema das
sociedades complexas é que quando algo não vai bem, vai muito mal.
JULIAN
ASSANGE: Vocês
então acreditam que nada disso teria acontecido, sem a crise econômica de 2008?
Que foi um fator desencadeante?
AARON
PETERS: Porque
há acampamentos em
cidades dos EUA que não são parte do movimento Occupy. São
pessoas que simplesmente não têm casa, perderam as casas onde moravam. Isso é um
sintoma político e é também uma força.
JULIAN
ASSANGE: David,
o movimento
Occupy
estava sendo cozido em fogo baixo, na primeira semana, ou dez dias, antes
da violência começar?
DAVID
GRAEBER: Pode-se
dizer que sim.
JULIAN
ASSANGE: Falo
da violência policial, mas é violência. E a violência e ferramenta de
marketing muito efetivo. Os filmes de Hollywood estão
cheios de violência.
ALEXA
O’BRIEN: Eu
vivia lá, morei no Parque durante a primeira semana e posso dizer que lá,
ninguém estava “em fogo baixo”. Protestávamos durante todo o dia, toda a semana,
ocupamos Wall Street, passávamos ali
da manhã à noite, havia duas assembleias gerais por dia. Estávamos...
JULIAN
ASSANGE: Mas
não foi isso que os meios de comunicação mostraram. E o movimento só se tornou
efetivo, quando começou a violência.
ALEXA
O’BRIEN: Acho
que sim, mas nossa meta nunca foi...
JULIAN
ASSANGE: Estou
sugerindo que talvez devam basear-se na experiência desse evento. Que talvez uma
das coisas que devam fazer seja provocar a violência policial, se querem...
DAVID
GRAEBER: Realmente,
não temos de provocar coisa alguma. A violência sempre acontecerá (risos).
ALEXA
O’BRIEN: Nós
não provocamos a violência policial, sofremos diretamente a...
JULIAN
ASSANGE: Tomem
todas as providências para gravar a violência policial!
ALEXA
O’BRIEN: Tomamos
a direção da não violência. Fomos e ocupamos uma praça, para ter uma assembleia
geral e começamos a falar sobre o mundo em que estamos vivendo e sobre as
estruturas que o governam. Acho que por estarmos ali e exercermos de forma
direta o processo democrático representávamos uma ameaça. E a política teve de
responder.
DAVID
GRAEBER: Nada
aterroriza mais o governo dos EUA, do que a ameaça de uma fagulha democrática
nos EUA. Sempre reagirão com violência (risos).
AARON
PETERS: No
dia que ocupamos a Bolsa de Londres, eu estava fora da área policial e, mesmo
assim, contém umas 20 viaturas. Depois daquele dia, a mesma coisa repetiu-se
várias vezes. Ouvi os cachorros, quando saíam dos carros. Vi todo o pessoal do
serviço secreto e da inteligência, com câmeras, filmando tudo. E quando a
violência começou, com os espancamentos, à luz do dia, não havia uma câmera. A
Polícia entendeu que, se não nos fizessem parar, nós começaríamos a ganhar
terreno.
JULIAN
ASSANGE: Naomi,
você coordenava a campanha a favor de Bradley Manning. De fato, havia uma
relação inusual e interessante entre o número de pessoas que apoiavam WikiLeaks,
Bradley Manning ou os Anonymous e o
movimento
Occupy. Mas Bradley Manning foi convertido em exemplo. Não foi
apenas preso, e, depois, tudo voltou ao normal. Quero dizer que Bradley Manning
foi usado como caso exemplar para frear outras manifestações. A autoridade tem
de dar grandes exemplos do que acontece a pessoas acusadas de desobediência,
porque assim a autoridade mantém a autoridade. As cenas de televisão em que os
manifestantes são vítimas de violência, quando estão em posição mais fraca...
Não parece a vocês que aí também, no longo prazo, há um exemplo negativo?
NAOMI
COLVIN: Há
várias coisas a considerar. Acho que a primeira é o que aconteceu a Bradley em
Quantico [prisão]. Foi tratado muito mal. Um assessor especial da ONU afinal
apareceu e contou. Em termos de cobertura jornalística do conflito, acho que é
uma representação do que aconteceu nos primeiros dias em New
York. Foram as imagens que correram mundo. Não pelos
grandes meios de comunicação, mas divulgadas pelos cidadãos, que transmitiam
diretamente da ocupação. Acho que, sim, a presença da mídia tem uma certa
importância, para que a coisa aconteça à vista de todo o planeta. Mas o
movimento
Occupy
se autonoticiou todo o tempo. É uma grande força para inibir a violência.
MARISA
HOLMES: Se
não fossem as imagens transmitidas online, pela internet e pelas nossas
equipes de noticiário social, nunca teríamos chegado aos principais meios de
comunicação. Impulsionamos de modo importante o diálogo.
JULIAN
ASSANGE: Alexa,
fale-me da relação entre a lei e o movimento Occupy. Era uma das exigências do Dia
da Ira nos EUA e parece que tem de ser processo de acordo com os princípios
legais.
ALEXA
O’BRIEN: Sim.
Acho que a base de qualquer tipo de... no caso dos EUA, uma república
democrática, ou, pelo menos dizem que é república democrática, há diversas
instituições, a praça cívica, a imprensa, as eleições. E quando essas coisas
estão em mãos das pessoas, essas instituições mantêm uma certa salubridade,
porque se vigiam, umas as outras. Acho que em termos de lei, e falo só da minha
experiência... “Um cidadão, um dólar, um voto”, por assim dizer, é tão radical a
ponto de estar discutido numa revista de segurança da Austrália, para que me
relacionem com Al-Qaeda e eu receba mensagens de outros contratados da
segurança, relacionados com o FBI, que me dizem que tenha cuidado, que, não sei
como, tenho relações com a Al- Qaeda... Tudo isso sugere que se trate
essencialmente de uma técnica para me intimidar.
JULIAN
ASSANGE: David,
o movimento
Occupy, com esse nome, veio ao mundo como resultado de Occupy em New York, mas expandiu-se por todos os
EUA. Você pode comentar um pouco essa expansão de Occupy pelos EUA e pelo continente?
DAVID
GRAEBER: Foi
notavelmente rápida. Fiquei estupefato, assombrado. Porque se sonha que essas
coisas aconteçam, mas, de fato, não se acredita que aconteçam. Posso dizer que,
em três semanas, havia uma 800 ocupações. Sim, algumas delas eram ocupações de
uma única pessoa, mas muitas eram ocupações grandes e algumas eram enormes,
muita gente, como em Missoula, Occupy
Saskatchewan no Canadá, crescendo muito rapidamente.
Tudo aconteceu muito depressa.
JULIAN
ASSANGE: Gostaria
de comentar o tema “ocupar um espaço”, quero dizer, por que é importante ocupar
um espaço?
NAOMI
COLVIN: Hum....
JULIAN
ASSANGE: Por
que não ficar em casa?
Você tem sua agenda, seus amigos, suas redes. Por que não
coordenar as coisas de casa, por trás do palco? Não será uma certa perda de
tempo montar barracas de campanha na rua, não poder fazer as coisas de modo mais
eficiente?
NAOMI
COLVIN: Bem,
isso nos leva de volta à questão de por que o movimento na rede leva à ação fora
da rede. Acho que há a necessidade humana natural de comunicar-se cara a cara. É
muito mais profundo. Acho que quando você trabalha na rede, é uma espécie de...
Trata-se de coordenar indivíduos autônomos, para que façam coisas, e tem-se a
sensação de ser parte de uma comunidade de pessoas que sentem a mesma coisa, ou
que estão preocupadas com as mesmas coisas. Mas não se está no espaço no qual,
digamos, todos querem estar e no qual todos querem falar, para recriar o tipo de
sociedade que todos desejam que exista sempre.
ALEXA
O’BRIEN: Acho
que também é uma experiência de ver quanta pressão você consegue exercer, seu
compromisso com o espaço, dentro do sentido do espaço cívico, quando o espaço
cívico é só um beco entre um shopping center e outro – o que se vê muito nos EUA. Além
disso, em muitas cidades pequenas há a necessidade que muitos sentem de criar
espaços públicos e não privados, que não estejam relacionados tampouco com o
trabalho de alguém, no qual as pessoas possam reunir-se e negociar com Carlisle
para comprar água, ou o que for.
JULIAN
ASSANGE: Mas,
David, não importa o lugar onde isso aconteça? E se todos se reunissem, por
exemplo, num bosque de sequoias da Califórnia?! (risos) De fato, o G-8 foi
transferido para Camp David, me parece, para gerar esse efeito.
DAVID
GRAEBER: Acho
que sim, que o lugar faz diferença. Acho que durante os últimos 30 anos, tem
havido agressões sistemáticas contra a noção de comunidade e contra a
“imaginação política”. E essa é uma forma de reivindicar as duas coisas, ao
mesmo tempo. Acho que a ideia de trazer alguma coisa de volta é muito
importante.
JULIAN
ASSANGE: É
mostra da soberania literal sobre uma área determinada? Controlamos fisicamente,
mediante nossa decisão política, esse espaço que ‘eles’ não controlam...
DAVID
GRAEBER: É
exatamente isso. Esse é o aspecto mais crítico dessa situação. Trata-se de uma
estratégia de duplo poder. Estamos falando da força. Não estamos discutindo
legalidades. Eles não estão discutindo legalidades. Nem nós. Eles e nós podemos
usar isso como arma, mas o que tentamos dizer é que é nosso espaço, esse espaço
é nosso... Somos o público e esse é um espaço público. Vamos ocupá-lo. E esse
simples ato desafiante já é muito criativo. Tudo deriva daí e tudo o que temos
feito derivou de termos iniciado nosso movimento com um gesto de não aceitar os
termos da ordem estabelecida e de desejo de criar ordem nova.
JULIAN
ASSANGE: Na
dominação desse espaço físico, ao criar seu próprio miniestado em Occupy, que
creio que seja o termo correto, quando você controla fisicamente uma área de
terra, quando você tem o monopólio da força coercitiva, você começa a erigir
certas estruturas de como tratar cada um e de como coordenar-se com cada um e a
escolher metodologias para tratar com a polícia, para tratar com os oportunistas
dentro do movimento
Occupy, para tratar com os doidos, para lidar com a questão do
lixo. As metodologias que foram pensadas para a tomada de decisões políticas e
para a abordagem prática das coisas... Vocês veem tudo isso como um pré-plano
para fazer frente à sociedade em geral, ou são, simplesmente, metodologias para
lidar, sobretudo, com o específico problema de como ocupar uma praça?
NAOMI
COLVIN: Não
acho que tenhamos tido, em momento algum, o monopólio da força dentro de Occupy. Teria
sido muito mais fácil (risos) se, de fato, tivéssemos o monopólio da força, se
tivéssemos chegado a tê-lo, mediante uma negociação. O que se faz numa situação
em que, mais ou menos, você sabe que pode acontecer qualquer tipo de coisa, de
transtorno, e não se tem o poder de coerção, só o poder da persuasão, o poder de
mostrar o que a maioria daquelas pessoas, naquele espaço, pensa. Não, nunca
tivemos a coerção. E isso também é educativo.
JULIAN
ASSANGE: No
caso de haver uma pessoa problemática, um louco, alguém que esteja estragando
tudo, o que fazem nesse caso? O que fazem com esse tipo de gente,
em Occupy?
Como se livram deles? Chamam a polícia?
DAVID
GRAEBER: Nunca
chamamos a polícia...
MARISA
HOLMES: De
fato, temos usado uma combinação de várias coisas: baixar a intensidade,
mediação e comunicação não violenta têm sido recursos para abordar os conflitos
internos.
JULIAN
ASSANGE: Então,
David, se a “coisa engrossa”, suponhamos que chego lá, não quero saber dessas
malditas regras, vocês não mandam em mim, quero tocar bateria quando me dá na
telha, quero falar quando me der na telha, quero andar nu pela praça quando me
der na telha... Não é preciso ter um leão-de-chácara que apareça e diga, “venha,
amigo, você está atrapalhando a maioria, não encha-o-saco”?
DAVID
GRAEBER: Há
muitas formas de pressionar.
JULIAN
ASSANGE: Por
exemplo?
MARISA
HOLMES: Por
exemplo, tivemos uma assembleia em que discutimos a situação dos bateristas
[orig. drummers. Há foto deles (NTs)]. Simplesmente
negociamos a questão no círculo da assembleia.
ALEXA
O’BRIEN: Claro
que há conflitos e tensões, que são naturais nos grupos humanos e também dentro
de
Occupy. O espaço que Occupy cria não é uma
espécie de utopia repentina. Não é.
JULIAN
ASSANGE: Aaron,
afinal: não é necessário algum mecanismo, algum processo, que exercite a força
coercitiva?
AARON
PETERS: Na
prática, todas as questões exigem resposta...
JULIAN
ASSANGE: Pessoal!
Vocês não estão dando conta desse problema. Estão incomodados! Genial!
AARON
PETERS: Não,
não estou incomodado. Essa é uma espécie de questão existencial.
JULIAN
ASSANGE: Se
é, todos deveriam, antes, passar por dez anos de psicoterapia...
AARON
PETERS: Pessoalmente,
não sou partidário disso.
JULIAN
ASSANGE: OK.
Os insuportáveis vão para a psicoterapia por dez anos. OK. Mas enquanto isso,
aparece outro, na maldita ocupação, e começa a criar problemas.
DAVID
GRAEBER: Houve
gente que foi excluída das reuniões e tal. Aconteceu, mas, de certo modo,
estamos tentando tratar algumas questões com delicadeza, e acho que ninguém está
querendo falar muito delas. E também houve uma espécie de tentativa,
intencional, de subversão. Houve tentativas de mandar gente para lá, não sei.
Num certo momento, a polícia trouxe ex-prisioneiros, que acabavam de sair da
prisão, levou-os, em ônibus, para o parque. E disseram àquelas pessoas que ali
havia comida gratuita (risos). Esse tipo de sociopatia aparece naturalmente e
também “artificialmente”, num tipo de ação como nossos acampamentos. Houve
várias tentativas de subversão do movimento, muito diretas, que nos deram
ocasião para escolher: ou deixávamos que nos invadissem, ou nos convertíamos em
modelo de bem-estar social, e nos encarregávamos de cuidar daquelas pessoas.
Isso também começou a acontecer.
JULIAN
ASSANGE: Como Occupy Londres impediu que
os enganadores sociais patológicos, tipos que falam, especialistas em criar
intriga, gente que diz uma coisa a uma pessoa e outra a outra, que espalham
boatos de modo indecente, chegassem à cúpula ou aos palanques? Impediram? Ou
eles falavam à vontade?
NAOMI
COLVIN: Bom,
acho que... (risos)
DAVID
GRAEBER: Se
houvesse um comando, seria fácil chegar até lá, mas o movimento é horizontal. E,
assim, não é fácil. Refiro-me ao dano em grande escala que um sociopata poderia
causar. Sempre digo, sobre o anarquismo, quando me perguntam o que acontece às
pessoas que não se preocupam com ninguém, os estúpidos, os egoístas. Sempre
respondo que “Pelo menos, num mundo anarquista, eles não comandarão tropas
armadas”. De fato, essa gente pode, sim, causar muito dano, onde não haja meios
para controlar a ascensão aos postos de mando. Concordo com William F. Buckley [1],
que disse que, em lugar dos que disputam aos tabefes os gabinetes do Congresso,
ele preferia que os EUA fossem governados pelos primeiros 300 nomes da lista
telefônica (risos). Concordo com ele. Fariam melhor o serviço.
JULIAN
ASSANGE: Acho
que tanto faz o modo como cada um se governa a si próprio, mas temos de ser
capazes de enfrentar os que tentem nos governar de outro
modo.
ALEXA
O’BRIEN: Tem
toda a razão.
DAVID
GRAEBER: Por
isso é tão importante que haja um movimento internacional e é o que podemos ver.
Quero dizer que se tem a impressão de que o inimigo vai-se tornando cada vez
mais global, e a única forma de desafiá-lo é com movimentos globais. Nesse
sentido, é cada vez menos importante a competição entre os estados, haja
competição ou não.
JULIAN
ASSANGE:
Aaron?
AARON
PETERS: O
que temos é que toda a economia global, toda ela, está em transformação: com
toda essa dívida, os fundos fluem em direção ao sul, ao sudeste asiático. Quero
dizer que isso só pode acabar de um modo: o Ocidente acabou. Já é óbvio, exceto
para os políticos ocidentais.
AARON
PETERS: É
mais que evidente, mas acho que não está realmente claro...
DAVID
GRAEBER: Não
está claro. Eles realmente não sabem.
AARON
PETERS: Começamos
a falar dos acontecimentos de 1989 e do dinheiro que não sai das caixas
automáticas. O pessoal ri. Não sei. É muito claro que a festa acabou.
DAVID
GRAEBER: Só
tem sentido se esse 1% de ricos tenta apoderar-se de toda a riqueza, se é que
resta algo de riqueza... Mas parece pouco provável, se se olha a história, que
acabem com tudo.
Nota dos tradutores
[1] William Frank "Bill" Buckley Jr. [1925-2008],
autor e comentarista conservador americano. Fundou a revista National
Review, em 1955, e foi apresentador do programa Firing Line de 1966 até 1999,
muito popular nos EUA.
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