Publicado
em 24/06/2012 por Urda Alice
Klueger*
Lembro
perfeitamente daquele dia em que Fátima Bernardes
olhou soturnamente para a câmara e disse, na sua melhor voz de velório: “Hoje
faz quatro meses que começou o escândalo do mensalão!” Penso que em seguida ela
deve ter tido um orgasmo, depois daqueles quatro meses conseguindo levar o povo
de cabresto, quase todo o país de olhos, narizes e emoções concentrados em
Brasília e no Jornal Nacional, sem a menor chance de conseguir olhar para nada
que se passasse um pouco além das nossas fronteiras.
Este
é um dos grandes males de nosostros,
brasileños: para a esmagadora maioria da nossa população, o mundo
começa e acaba em Brasília, e o que acontecer além de Brasília não existe, o que
quer dizer que coisas assim também não existam em outros países – vi um livro
didático do Canadá que dava vontade de chorar: as crianças das escolas
canadenses descobrem que há o Canadá – ao redor existem animais selvagens e
alguns poucos homens ”selvagens” – portanto, para elas, nosostros
sequer existimos.
Portanto,
lá no começo do milênio ficamos quatro meses tão fascinados pelo escândalo do
mensalão que sequer nos demos conta do que ele queria esconder: no nosso vizinho
tão próximo, encostadinho, o Paraguai, naqueles quatro meses foram aprovadas
leis que permitiam a instalação de uma base estadunidense naquele país, que
concordavam que os soldados estadunidenses podiam roubar, matar, estuprar,
torturar, em território paraguaio, sem sofrer sanções – e naqueles quatro meses
a tal base foi devidamente instalada em Mariscal Estigarribia, norte do Paraguai
- pertinho pertinho do Brasil. Tem lá um aeroporto IMENSO (4.000 m de pista –
3,85 m
de espessura, em concreto), capaz de receber todo o tipo de aeronave e eu fui lá
vi tudo isso com estes olhos que a terra há de comer, e meu amigo que estava
junto até tirou fotos de tudo!
Portanto,
a qualquer momento qualquer aeronave pode subir, lá, e encher de bombas lugares
como São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília ou Porto Alegre, sem contar que fica
facilzinho facilzinho bombardear, também, lugares como La Paz, Caracas ou Buenos
Aires.
E
nós, aqui, bobos, a gemer de raiva orquestrados pela voz melíflua e fúnebre de
Fátima Bernandes, sem dar a mínima para o que acontecia do lado de lá da
fronteira. Alguém importante deve ter dado os parabéns à Fátima Bernardes,
elogiado sua atuação ao fazer um país inteiro ficar surdo e mudo para o mundo
por conta do fascínio dela, enquanto se armava a grande arapuca para a nossa
área!
(Em
tempo: acabo de consultar São Google, e lá tem de tudo sobre a tal base e o
aeroporto – embora também tenha gente lá dizendo que é tudo mentira. Mas que vi,
vi, e, inclusive, junto com outros passageiros de um ônibus, fui bastante
humilhada pelos tais soldados estadunidenses numa estrada ao norte do Paraguai,
ali por perto.)
Então,
agora, andava me coçando: o que é que estava acontecendo, DE VERDADE, por detrás
do caso Cachoeira, que há meses mantém, de novo, os brasileiros de cabresto, a
olhar para Brasília? Algo havia que ter, e coisa séria – cheguei a comentar tal
coisa com algumas pessoas. Procurava ver, mas não clareava – mas para o público
do Jornal Nacional estar tão fascinado pelo Cachoeira que acho que já nem se
importa mais com futebol, coisa grossa estava à vista, mas eu ainda não
conseguia enxergar.
Ontem, então, a coisa ficou clara,
claríssima: num sórdido golpe de estado que eu assisti passo a passo via Telesur (facilzinho de pegar via
Internet: clicar señal en vivo), o presidente Lugo, do
Paraguai, foi deposto pelo Congresso daquele país, e um títere foi colocado no
seu lugar. Lugo acatou, saiu – não quis ver sangue inocente derramado nas praças
de Assunción, aquela cidade tão linda e tão querida, que é um bálsamo para o meu
coração e um tesouro na minha vida , impedindo, assim, o massacre de milhares de
pessoas que já lá estavam para defender a legalidade da democracia e que já
estavam levando bala de borracha e gás
lacrimogêneo.
O
Condor volta a voar nas Américas. Faz três anos devorou Honduras; agora, foi a
vez do Paraguai – amanhã ou depois será a nossa vez.
Se
você ainda não sabe o que é a Operação Condor, sugiro que se informe, pois muito
sangue e muita lágrima já correu aqui na nossa Terra de Santa Cruz e em outros
lugares por causa dela, e parece que tudo se repete.
Com
São Google, hoje, não há como se manter ignorante de coisas assim, das quais
depende o nosso futuro. E quando o Jornal Nacional começar a falar demais no
mesmo assunto, ligue as antenas: alguma maldade MUUUUITO maior está para
acontecer.
Aqui,
choro, como chorei tanto ontem, pelo nosso irmão Paraguai que está tão dentro do
meu coração. Assunción, a linda e a
doce, onde estão as flores das árvores pejadas de História das tuas praças?
Ainda haverá primavera para ti, minha querida Assunción, ou só te restará ser o ninho
podre daquele Condor de voos baixos e rasantes, ao contrário dos livres voos dos
condores das altas montanhas?
Ah!
Assunción, minha querida, fico aqui
torcendo pela tua primavera. Ao se despedir, ontem, Lugo disse que o povo era
forte, forte, forte... Quem sabe possa voltar a primavera? Por enquanto, é tempo
de chorar, e choro.
Urda Alice Klueger* é escritora e historiadora brasileira. Licenciou-se e
especializou-se em História, pela FURB - Fundação Universidade Regional de
Blumenau. Lecionou como professora de História no ensino fundamental, em escola
pública, 2001 e 2002, e ensino médio em 2003. Atualmente, realiza pesquisa sobre
os sambaquianos,
antigos moradores de Santa Catarina, entre seis mil e dois mil anos atrás. A
pesquisa iniciou-se em 1997 e resultou no livro “O povo das conchas”. É membro da
Academia Catarinense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico de Santa
Catarina, da União Brasileira de Escritores e da Associação de Jornalistas e
Escritoras do Brasil. Participou de várias antologias, foi colaboradora de
várias revistas e jornais. Publicou cento e cinquenta crônicas no jornal A Notícia, de Joinville, aproximadamente
cento e trinta no jornal Expresso das
Nove, de Açores, Portugal e também foi cronista do jornal Diário Catarinense, de
Florianópolis.
Enviado por Raul Longo e
Direto
da Redação
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