Ali Asghar
Soltanieh, Embaixador do Irã na Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) |
8/6/2012, entrevista a Kaveh
L. Afrasiabi, Asia Times Online
Traduzido pelo pessoal da Vila
Vudu
Dois dias de
conversações entre as potências mundiais e o Irã em Bagdá, no final de maio,
produziram poucos resultados tangíveis, exceto o acordo para outra encontro
marcado para Moscou, a iniciar-se dia 17 de junho de
2012.
Na 2ª-feira
(4/6/2012), o Diretor Geral da Agência Internacional de Energia Atômica – AIEA,
Yukiya Amano informou que a Agência reunir-se-á com o Irã dia 8/6/2012.
Ali Asghar
Soltanieh, Embaixador do Irã na AIEA,
conversou com Kaveh L Afrasiabi, em entrevista exclusiva ao jornal Asia Times
Online.
Kaveh Afrasiabi |
Kaveh
Afrasiabi:
Senhor embaixador, os membros do alto comando da AIEA acabam de concluir reunião
de dois dias. No que tenha a ver com o Irã, o que houve naquela
reunião?
Ali
Asghar Soltanieh: Foi
reunião de rotina dos diretores da AIEA, na qual se discutiram várias questões,
novos membros, suprimento nuclear, implementação de acordos, agenda de futuras
reuniões, etc. Quanto ao Irã, mais uma vez os membros do Movimento dos Não
Alinhados, mais de 100 países, apoiaram o Irã e os direitos nucleares do Irã, em
declaração que foi lida pelo embaixador do Egito. O Irã também apresentamos uma
declaração, tentando manter o foco no atual estado de coisas, identificando
pontos que tenham de ser rediscutidos, as tendências mais preocupantes. E
recomendamos que haja avanços construtivos.
Especificamente,
lembrei os presentes de que alguns governos ocidentais operam para manipular a
AIEA e afastá-la do cumprimento de sua real tarefa. Tentam converter as
“salvaguardas construídas a partir do material nuclear existente” em
“salvaguardas construídas a partir de informações recolhidas por espiões” –
quando a AIEA é organização internacional de caráter técnico, onde não trabalham
espiões nem agentes de inteligência. Por causa desse desencaminhamento da
Agência, os inspetores estão sendo obrigados, por alguns estados-membros, a
envolver-se em atividades e práticas de espionagem, recebendo informação
produzida pelos serviços de inteligência de alguns países, ou acusações de que o
Irã estaria envolvido em atividades nucleares.
Nada
disso é aceitável, e esse tipo de atitude está minando a relação de confiança
que todos entendemos que deva haver entre o Secretariado da AIEA e os
estados-membros.
Quanto
ao Irã, depois de recente visita que o diretor-geral fez a Teerã, estamos
tentando inaugurar um novo capítulo nas nossas relações com a AIEA, razão pela
qual foi marcada nova rodada de conversações para 8 de junho, para discutir uma
modalidade que permita abordagem estruturada que cubra todas as questões de
preocupação que constam do Anexo ao relatório da AIEA de novembro de 2011 sobre
o Irã.
KA: Como
o senhor reage às matérias recentemente publicadas na mídia ocidental, segundo
as quais o Irã terá “limpado” e em seguida destruído um prédio suspeito no
complexo militar em Parchin e removido a terra da área próxima? [1]
AAS: Infelizmente,
temos visto muitos exemplos desse tipo de boato sem fundamento, baseado em
informação de inteligência deficiente e negligente e repetido pela mídia
ocidental, durante os últimos dez anos, e mais. Em 2004, por exemplo, acompanhei
os inspetores da AIEA a um local que fora citado em relatórios de espiões,
baseados em imagens de satélites e, naquela época a notícia era sobre uma mina
secreta de urânio, instalações de enriquecimento e toda a parafernália. Daquela
vez, os inspetores confirmaram claramente que as alegações eram falsas e no
local funcionava uma fábrica normal, sem coisa alguma de
“suspeito”.
KA: Então,
a solicitação da AIEA, para visitar o complexo militar em Parchin está na
agenda, nesse novo quadro de cooperação?
AAS: Como
eu já disse, todas as questões levantadas no relatório de novembro de 2011 serão
cobertas pela nova modalidade.
KA: Uma
vez que os pedidos da AIEA vão além do que determina o atual acordo de
salvaguardas com o Irã, essa nova modalidade não implicará uma implementação
de facto, pelo Irã, do invasivo Protocolo Adicional? E, sendo assim,
quais as chances de que o Irã adote formalmente, no futuro, o Protocolo
Adicional?
AAS: Bem...
O Irã estava implementando o Protocolo Adicional já há dois anos, até que o Irã
foi injustamente denunciado ao Conselho de Segurança da ONU. O Parlamento
Iraniano, então, ordenou que o governo limitasse a cooperação com a AIEA,
mantendo-se nos estritos limites do acordo de salvaguarda. Portanto, qualquer
possibilidade de readotar o Protocolo Adicional depende de resolverem-se as
questões com o Conselho de Segurança da ONU.
KA: A
implementação da nova modalidade poderia levar à possibilidade de o arquivo
nuclear do Irã passar a receber tratamento “de
rotina”?
AAS: Estamos
determinados a trabalhar intensamente com o secretariado da Agência,
especialmente com o diretor-geral, na esperança de resolver rapidamente a
questão. Como tenho dito e repetido, o arquivo do Irã foi, infelizmente,
politizado; e está sendo manipulado. Todos os dias, questões antigas e
irrelevantes ressurgem na pauta de discussão.
Há
alguns anos, tivemos outro acordo, um plano de trabalho com a AIEA, que previa
que os arquivos do Irã fossem tratados como os demais, de outros países, depois
que as principais questões tivessem sido equacionadas. As principais questões já
foram de fato resolvidas e inteiramente a favor do Irã. Infelizmente, as coisas
não avançam exclusivamente porque a AIEA é manipulada por alguns
governos.
Yukiya Amano |
O
Irã garantiu à AIEA uma das mais completas e amplas inspeções que a AIEA jamais
fez, em toda a sua existência: já são mais de 4.000 homens/dia de inspeções,
além das 100 inspeções “surpresa” que o Irã recebeu. Todas essas inspeções
confirmaram que sequer um grama de material nuclear foi algum dia desviado para
finalidades militares no Irã. Há, inclusive, vários relatórios assinados pelo
atual diretor-geral e pelo anterior a ele, que o
confirmam.
Digo-lhe
bem francamente: a única razão pela qual o arquivo do Irã permanece aberto e
eternamente em discussão, são alegações fantasiosas, politicamente motivadas,
que alguns poucos países ocidentais insistem em apresentar e reapresentar
repetidas e repetidas vezes. Como esses são os mesmos países que influenciam a
AIEA e a usam para seus próprios objetivos políticos. Mas ainda não perdemos a
esperança. Continuamos a esperar que a AIEA consiga reorientar-se e passe a
agir, em relação ao Irã , de modo mais
técnico, mais profissional e mais equilibrado, sem se deixar comandar por
interesses políticos e pelo alarido da imprensa.
KA: Como
o senhor recebeu as recentes notícias, na imprensa dos EUA, de que o presidente
Barack Obama teria autorizado um ciberataque, com o vírus Stuxnet, contra
o Irã? [2]
AAS: Nossa
posição é muito simples: nem o [vírus] Stuxnet nem o [vírus] Flame [outra arma
de ciberataque, também muito
noticiada] [3]
nem qualquer ato de sabotagem ou atentado contra nossos cientistas etc. terá
jamais qualquer efeito contra a decisão do Irã de exercer seus direitos
nucleares, nos termos do Tratado de Não Proliferação Nuclear do qual somos
signatários. De fato, essas ações ilegais contra o Irã só reforçam nossa decisão
de continuar a fazer avançar o programa nuclear iraniano para finalidades
pacíficas.
KA: O
senhor já várias vezes criticou a atitude dos que dirigem a AIEA, que seria
preconceituosa e viciada, sempre contra o Irã. O senhor realmente espera que a
Agência, dessa vez, tenha atitude mais
equilibrada?
AAS: Sim,
sem dúvida, esperamos. A recente visita do diretor-geral ao Irã foi passo muito
positivo. E estamos decididos a cooperar com a AIEA, de modo a que se gerem
relatórios menos problemáticos sobre a realidade no Irã, para que se evitem
conclusões precipitadas, antes de concluídos os indispensáveis estudos técnicos
(como se viu acontecer no caso do relatório sobre o enriquecimento de urânio a
27%). Mas, à luz dos progressos na discussão da modalidade, esperamos receber
agora abordagem menos belicosa, mais amigável.
KA: Que
conexão há entre as conversações Irã-AIEA e as conversações paralelas
multilaterais entre o Irã e as nações do [grupo] “P5 +1” [os cinco membros permanentes
do Conselho de Segurança da ONU, mais Alemanha], marcadas para continuar
em Moscou, no final de junho?
AAS: A
questão é muito simples. O outro lado, nas negociações entre o Irã e o “P5
+1” insiste,
há vários anos, em falar da questão nuclear; agora, pela primeira vez, em
Istambul [onde se realizou uma rodada dessas conversações, em abril], o Irã fez
uma concessão e aceitou discutir o tema. É perfeitamente natural, portanto,
esperar que a disposição do Irã, de cooperar amplamente com a AIEA, seja
considerada nessas conversações.
KA: O
senhor vê com otimismo a próxima rodada das conversações, marcadas para
Moscou?
AAS: Como
disse na declaração que divulguei hoje, acho recomendável que os dois lados, que
se preparam para voltar a encontrar-se em Moscou, trabalhem construtivamente,
quero dizer, que se evitem declarações e comentários que criem ambiente
negativo, já antes de as conversações serem retomadas. Para que as conversações
sejam produtivas no encontro de Moscou, é importante que a atmosfera não esteja
poluída pela animosidade que se cria com alegações fantasiosas e golpes de
propaganda. Temos de investir na construção de confiança, que já é um primeiro
resultado dessas conversações. No momento, estão sendo preparadas uma agenda
provisória e alguns primeiros acertos preparatórios, para facilitar a discussão
em Moscou e para que cheguemos a resultado
produtivo.
Notas dos
tradutores
[1] A notícia pode ser lida no Jerusalem Post, 4/6/2012, que cita a
agência Reuters como fonte, a qual, por sua vez, diz que o diretor-geral da AIEA
disse que satélites mostram que teria acontecido assim (em “IAEA sees
demolition at Iran site, new talks set”)
[2] A notícia surgiu no New York
Times, dia 1/6/2012, em: “Obama
Order Sped Up Wave of Cyberattacks Against Iran”
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