12/6/2012, Russia Today TV, vídeo 27’54”
Traduzido
pelo pessoal da Vila Vudu
Assista
também:
1. 16/4/2012, Assange
entrevista No.1 – “Hassan Nasrallah
(Hezbollah)”
4. 8/5/2012, Assange
entrevista No.4 - Nabeel Rajab e Alaa Abd El-Fattah (líderes populares da
Primavera árabe)
7.
29/5/2012, Assange entrevista No. 7 –
“Movimento Occupy London”
Veja
antes:
8. 6/6/2012, Assange entrevista No. 8: “Cypherpunks”
(Parte 1)
Mais
sobre esse assunto em:
13/11/2011, redecastorphoto – “30
anos de hacking político” com
Sabine Blanc e Ophelia Noor entrevistando Andy Muller-Maguhn.
Comentado por um Anon da Vila
Vudu:
Alô-alô,
Senador Azeredo, vê se apreeeeende, sô:
“O problema não é a pornografia
(infantil ou não infantil). O problema é a exploração de crianças. Sem a
internet não haveria a quantidade imensa de provas que temos hoje de que o crime
existe em grande escala. Tirar as
imagens da Internet (ou tentar tirá-las) é tentar esconder, tentar não ver. É
ideia ridícula.
Só com internet absolutamente
livre se pode aprender sobre a sociedade em seu conjunto. Pode-se
aprender, por exemplo – e já sei que, quando concluir essa frase estarei
enterrando qualquer sonho de vir a fazer carreira na política –, quem lucra com
a exploração de crianças, pode-se saber quem são as vítimas, pode-se saber quem
quer censurar o quê, e por quê.
É inadmissível e não faz sentido
algum tentar enfraquecer a internet, paralisar a sociedade toda... porque a
internet mostrou um crime que, antes dela, podia ser mais facilmente ocultado. É
muito fácil ‘mostrar’ que a exploração infantil não existe; que o crime
está(ria) controlado. É falso: censurar a internet favorece o crime e os
criminosos, e não ajuda a sociedade.”
[Jacob Appelbaum, na entrevista a
Assange, a seguir]
JULIAN
ASSANGE: Aqui
estão Andy Muller-Maguhn, membro do coletivo alemão de
hackers
“Chaos
Computer Club”;
Jeremie Zimmermann, um dos cofundadores do grupo francês
“La
Quadrature du Net”, que
defende a livre circulação do conhecimento na internet; e Jacob
Appelbaum
[2],
pesquisador independente de segurança de computadores, norte-americano, ativista
que atualmente trabalha no projeto Tor, que visa a criar um sistema que
assegure o anonimato online.
PARTE
2
JULIAN
ASSANGE: Calma.
Esperem aí...
JEREMIE
ZIMMERMANN: Espere,
espere, acho que... Antes de você recomeçar com seus argumentos negativos, acho
que... Gostaria de concordar com você; acho que são problemas estruturais e
vitais para qualquer coisa que nós defendamos, e essa é uma mensagem que temos a
responsabilidade de transmitir ao público, porque entendemos a coisa como
hackers que somos, como técnicos que constroem a Internet a cada dia e
que brincam com ela.
ANDY
MÜLLER-MAGUHN: Sabem,
há uma coisa boa sobre governos em geral: nunca são unitários, sempre são uma
pluralidade. Isso, afinal, é que nos salvará do Big Brother [Grande
Irmão, personagem de 1984 (1949), de George Orwell], porque vai haver
gente demais querendo ser o Big Brother, todos brigando entre eles.
JULIAN
ASSANGE: Não
acredito nisso, Andy. Acho que houve um tempo em que havia elites nacionais que
competiam entre elas. Agora, estão todas conectadas e subindo a perspectiva...
ANDY
MÜLLER-MAGUHN: Estão
se conectando, sim, nisso você tem razão. Mas não tenho certeza de que não vão
proteger nosso rabo, mas há uma possibilidade de conservarmos nossa própria
identidade..., quero dizer que temos de nos apegar à nossa própria
infraestrutura. Isso é o mais importante a aprender aqui.
JEREMIE
ZIMMERMANN: Acho
que, por isso, as guerras de copyrights, de direitos de autor são tão
essenciais. Porque com as tecnologias de redes de usuários, desde Napster em 99,
o pessoal entendeu que, ao compartilhar arquivos entre usuários...
JULIAN
ASSANGE: ...
você comete crime. Você é criminoso.
JEREMIE
ZIMMERMANN: Não,
constrói-se uma cultura melhor. O pessoal que faz isso...
JULIAN
ASSANGE: Não. É
crime. Você é criminoso.
JEREMIE
ZIMMERMANN: Isso é
o que eles dizem.
ANDY
MÜLLER-MAGUHN: Não,
não, não...
JEREMIE
ZIMMERMANN: Mas
você constrói uma cultura melhor para você mesmo. Todo mundo usará Napster.
Deixe-me concluir, por favor...
ANDY
MÜLLER-MAGUHN: A
história da raça humana e a história da cultura é a história da cópia de ideias
[JEREMIE
ZIMMERMANN: Exatamente,
exatamente], modificando e processando ideias sempre além e além. Se você chama
isso de “roubar”, então você está...
JULIAN
ASSANGE: Desde
1950, vivemos numa cultura industrial. Nossa cultura já chegou ao ponto de ser
uma espécie de produto industrial.
ANDY
MÜLLER-MAGUHN: Chama-se
“restringir teus pensamentos”. Bem...
JEREMIE
ZIMMERMANN: Estamos
alimentando o troll, nessa sala. Porque você está brincando de advogado
do diabo, e, aliás, está se saindo muito bem, isso sim.
JACOB
APPELBAUM: Alguém
tem de fazer isso. Quero dizer, é estupidez tão evidente...
JEREMIE
ZIMMERMANN: Sim, é
uma estupidez que, no idioma político, chama-se “roubar”. Mas o que quero
destacar é que qualquer um que usou o Napster em 99 gostou da música, virou fã
e, depois, começou a ir a concertos e acabou convertendo-se numa espécie de
conselheiro, dizendo a todos: “vocês deveriam ouvir essas pessoas, deveriam ir
ao concerto”, e tal e tal. E quando se trata de compartilhar cultura, é
exatamente a mesma coisa que compartilhar conhecimento. Temos exemplos dos
serviços descentralizados e o fato de compartilhar entre usuários, entre
indivíduos, melhora as coisas. O exemplo clássico é o advogado do diabo, que
você estava fazendo, quando uma indústria vem e diz: “isso é roubo e isso
significa matar todo mundo, os atores, matar Hollywood, matar o cinema, os gatos
[risos, risos], o diabo, todo mundo”.
Eu
não posso concordar com o advogado do diabo que você estava encarnando. Alguns
membros conservadores do Parlamento Europeu já estão entendendo. Entendem que os
indivíduos, quando partilham coisas, quando compartilham arquivos, sem lucrar
com isso, não devem ser processados, não têm de ser presos, não têm de ser
castigados.
JULIAN
ASSANGE: Todos
falamos da privacidade da comunicação e do direito de publicar e isso é bastante
fácil de entender, a discussão tem longa história e, de fato, os jornalistas
adoram essa discussão, porque é um modo de eles protegerem os interesses deles.
Mas se comparamos esse valor e o valor da privacidade e da liberdade da
interação econômica... de fato, cada vez que se vê uma interação econômica, cada
vez que a CIA detecta uma interação econômica, podem ver que foi esse grupo,
desse local até aquele local, e têm as cifras, o valor e a importância da
interação. Então? Na realidade, a liberdade, ou a privacidade, das interações
econômicas não é mais importante que a liberdade de expressão [interações
privadas]?
ANDY
MÜLLER-MAGUHN: Essa
doeu...
JULIAN
ASSANGE: Do
simples ponto de vista dos serviços de inteligência: se você tem 10 milhões de
dólares de orçamento para a espionagem, você pode controlar os correios
eletrônicos de todo mundo e você pode fazer vigilância total das interações
econômicas. Se fosse você, preferiria fazer o quê?
ANDY
MÜLLER-MAGUHN: Ora...
eles raciocinam assim: “OK, agora, todos os pagamentos e o setor bancário
passarão pela internet e, assim, vigiamos as suas duas “interações” ao mesmo
tempo...” [risos] É exatamente o que já fazem.
ANDY
MÜLLER-MAGUHN: Nos
telegramas, havia uma informação curiosa, que dizia que o governo russo tentou
negociar um modo para que os pagamentos com cartões Visa e MasterCard de cidadãos russos em
território russo, fossem processados na Rússia. Visa e MasterCard não aceitaram.
JULIAN
ASSANGE: Bom...
O poder da embaixada dos EUA e da empresa Visa, combinados, bastou para impedir,
até, que a Rússia criasse seu próprio sistema de cartões de crédito e nem...
ANDY
MÜLLER-MAGUHN: Isso
significa que os pagamentos que os cidadãos russos fazem, em lojas russas, em
território russo, são processados em centros de dados norte-americanos...
JULIAN
ASSANGE: Se
Putin compra uma Coca-Cola...
ANDY
MÜLLER-MAGUHN: É
assim que o governo dos EUA mantém o controle jurisdicional, ou, pelo menos, o
controle interno.
JULIAN
ASSANGE: Quer
dizer que, se Putin compra uma Coca-Cola, Washington é informada em 30 segundos.
ANDY
MÜLLER-MAGUHN: Essa
situação não é satisfatória, independente de se gosto ou não gosto dos EUA.
Haver um centro onde se armazenam todos os pagamentos é problema grave e
fenômeno perigoso, porque, de fato, isso induz ao crime, convida ao crime e
pode-se fazer qualquer tipo de uso desses dados.
JACOB
APPELBAUM: Bom...
Se se fala de sistema computadorizado, se há coisa que todos os
criptopunks sabem é que um sistema computadorizado define a situação
política. Se você tem uma estrutura centralizada, ainda que seja dirigida pelas
melhores almas do planeta, sempre pode ser usada pelos [safados] e esses
safados, com o poder que têm, fazem o que os programadores criadores originais
nunca fizeram nem fariam.
E
não importa para que lado você olhe. O que se vê nos sistemas financeiros que
há... mesmo que as pessoas tivessem a melhor das intenções. Não muda nada. Quero
dizer é que o sistema computadorizado é a verdade, a verdade da internet no que
tenha a ver com comunicações. Os chamados “sistemas de interceptação legal” –
que é o jeito bonito de dizer que nos espionam –, claro, acho que o produto foi
criado...
JULIAN
ASSANGE: “Interceptação
legal” é eufemismo...
JACOB
APPELBAUM: Sim,
como assassinato legal. Você ouviu falar dos ataques aéreos por controle remoto
contra cidadãos norte-americanos, ordenados pelo presidente dos EUA, Obama?
Ouviu que mataram o filho de 16 anos, de Anwar al-Awlaki, no Iêmen? Foi
assassinato legal. Bom, a chamada interceptação legal é a mesma coisa.
Simplesmente acrescentam a palavra “legal” a qualquer coisa, e a coisa vira
legítima, porque é o Estado que faz.
O
que os criptopunks queríamos fazer era criar sistemas de compensação
recíproca, de modo realmente livre, e onde fosse possível interferir. Nos
assuntos financeiros é onde é mais perigoso trabalhar. Quero dizer... Há uma
razão pela qual quem criou o dinheiro eletrônico, Bitcoin, nunca foi
identificado, é invenção anônima.
ANDY
MÜLLER-MAGUHN: É
muito mais complicado, com o dinheiro. Há as chamadas leis contra lavagem de
dinheiro e outras. E nos dizem que as organizações terroristas e do narcotráfico
usam mal...
JACOB
APPELBAUM: São a
desculpa que dão...
ANDY
MÜLLER-MAGUHN: ...que
estão usando mal a infraestrutura, para cometer crimes. De fato, seria muito
interessante se houvesse mais empresas de supervisão, se isso resultasse em que
os gastos fossem transparentes e toda essa conversa... Mas, então, a pergunta é:
“Que proveito se tem, com garantir total anonimato, mas só para o sistema
monetário? Ninguém, afinal, sabe o que realmente acontece. O que acontece, de
fato? Acho que aqui e ali haveria situações interessantes, se todos se
acalmassem e dissessem com calma: “Sabem, posso falar alto, posso falar no
Parlamento, mas também posso subornar políticos que…
JEREMIE
ZIMMERMANN: Você
está descrevendo os EUA, não é? Aqui, acho, há um problema grave.
JULIAN
ASSANGE: Você
tem certeza de que seja um problema, Jeremy? Talvez seja atributo positivo,
assim essas indústrias continuam produtivas...
ANDY
MÜLLER-MAGUHN: [risos]
Em vez de me fazer de advogado do diabo, prefiro defender mais vodka ou whisky
para todos... [risos]
JACOB
APPELBAUM: Jeremy,
Jeremy! Será que Assange pode concluir a frase? Mestre dos Trolls [para
Assange], nos trolle à vontade, por favor [risos].
JULIAN
ASSANGE: As
indústrias que são produtivas, produzem riqueza para toda a sociedade, porque
são produtivas, têm dinheiro para assegurarem-se de que continuarão a ser
produtivas. E tem dinheiro e tem meios para continuar assim. E essa legislação
aleatória, a legislação aleatória que resulta da criação de mitos políticos, não
limita as suas atividades produtivas. E a melhor maneira de não limitar suas
atividades é comprar congressistas e usar a potência da própria indústria para
modificar a lei, para que a natureza da produtividade da indústria seja
preservada. Não é assim?
JACOB
APPELBAUM [para
ANDY MÜLLER-MAGUHN: Deixe comigo.] Agora eu respondo. Estão preparados?
[Responde a ASSANGE: “Não. Não é nada disso.”] (risos).
JULIAN
ASSANGE: Por
quê?
JACOB
APPELBAUM: Há
várias razões, e uma delas tem caráter extremamente negativo, realimenta o que
já é ruim. Por exemplo, acho que o principal financiador de campanhas políticas
no estado da Califórnia é o sindicato dos carcereiros. A principal causa pela
qual esse sindicato apoia políticas cada vez mais duras é a preocupação deles
com salvar o monopólio do poder que o Estado de Direito garante a eles, porque
quanto mais leis, mais crimes; com mais crimes, mais empregos para eles. Assim,
se essas pessoas promovem a criação sempre de mais prisões, e a prisão de mais
gente, com sentenças cada vez mais longas... O que, de fato, estão fazendo? O
que fazem é aproveitar-se das facilidades de que gozam pelo tipo de trabalho que
fazem e estender o monopólio que o Estado lhes dá para fazer o que a lei permite
que eles façam.
JULIAN
ASSANGE: E
assim vão transferindo a riqueza, de indústrias que realmente produzem, para
indústrias que nada produzem.
JACOB
APPELBAUM: É
possível resumir assim...
JULIAN
ASSANGE: Mas
isso talvez seja só uma pequena parte. Quero dizer, sabemos que todo o sistema
tem abusos, se você quer agentes livres, que só se envolvam na transferência de
riquezas... É só um pequeno elemento. De fato, a maioria das pressões, a maior
influência no Congresso, vem das indústrias produtivas, que se asseguram de que
as leis continuem a favorecer seus interesses, para que continuem a ser
produtivas.
ANDY
MÜLLER-MAGUHN: Acho
que você está esquecendo... Quero dizer: da pergunta: “qual é a política, aqui?”
Qual é o modo correto de propor essas coisas?
JULIAN
ASSANGE: Só
estou me perguntando se não poderíamos, de algum modo, padronizar a prática
atual nos EUA, desformalizá-la: simplesmente, compram-se senadores...
JEREMIE
ZIMMERMANN: Não,
não!
ANDY
MÜLLER-MAGUHN: Assumimos
que temos dinheiro, vamos assumir que temos dinheiro para comprar...
JULIAN
ASSANGE: É, e
que tudo está aberto, e que você tem a melhor oferta, e vamos a um leilão...
ANDY
MÜLLER-MAGUHN: Mas a
indústria das armas sempre teria mais dinheiro...
JULIAN
ASSANGE: Vamos
ao leilão. Acho que não fariam... Na realidade, acho que o complexo militar
industrial seria relativamente marginalizado, porque a habilidade deles [para]
operar atrás de portas fechadas, num sistema não aberto ao mercado em geral, é
de fato mais alta que a das demais indústrias.
JEREMIE
ZIMMERMANN: Esperem,
esperem, só quero...
JACOB
APPELBAUM: Não se
pode discutir a questão da transparência, da qual se acabou de falar, porque há
uma desigualdade fundamental…
JEREMIE
ZIMMERMANN: Sim,
mas, por favor...
JACOB
APPELBAUM: Não...
JULIAN ASSANGE: Jeremy, fale, Jeremy.
JACOB
APPELBAUM: Você
tem de falar da desigualdade fundamental! Você é o francês da sala. Fale!
JEREMIE
ZIMMERMANN: Quando
você diz “vamos deixar que os atores dominantes decidam como será a política”,
posso responder a partir do que se viu na Internet nos últimos 15 anos, quando a
inovação era chamada “de baixo para cima”, onde novas práticas emergem quase do
nada, onde dois sujeitos, numa garagem, inventaram uma tecnologia que cresce
como...
JULIAN
ASSANGE: Praticamente,
praticamente para tudo, para a [empresa] Apple, para a [empresa] Google, para tudo, para a [empresa] YouTube...
JEREMIE
ZIMMERMANN: Para
tudo. Tudo o que aconteceu na Internet simplesmente disparou, explodiu depois de
permanecer desconhecido durante uns meses, ou anos. Ninguém podia prever qual
seria a inovação seguinte. Nesse contexto, minha opinião é que a política tem de
adaptar-se à sociedade, não o contrário. Temos a impressão, por causa das
guerras dos copyrights, que o legislador tenta mudar toda a sociedade,
adaptá-la a um padrão definido por Hollywood.
Dizem
que o que você faz quando você está na sua nova prática cultural é,
simplesmente, moralmente incorreto. Então, se você não quer parar, nós
inventaremos instrumentos legais para que você pare de fazer o que você acha que
seja bom. Esse não é o modo de fazer boa política. Quero dizer: não estou
convencido de que alguém esteja no caminho certo, se permite que os atores
industriais mais poderosos digam que política tenha de ser feita.
JULIAN
ASSANGE: E você
[para Appelbaum] pode falar um pouco, por favor, sobre sua detenção, num
aeroporto nos EUA? Por que você foi detido?
JACOB
APPELBAUM: Bom...
Disseram que foi porque... Eu não sei por quê. Mas, falando sobre o que você
estava dizendo, depende de pergunto, porque eles sempre me dão explicações
diferentes. Mas, normalmente, há uma parte da explicação que se repete sempre,
venha de onde vier. Em algum momento, eles dizem: “Porque nós podemos.” E eu
respondo, ok, não discuto a autoridade de vocês (mas, ok, discuto. Mas ali não
estava discutindo...). Quero saber, simplesmente, por que está acontecendo
comigo. Por que estão me prendendo. Mas... Claro, todos me dizem: “mas é
bem claro [o motivo pelo qual o prendem]. Você trabalha no [projeto] TOR, está
sentado ao lado de Julian... Queria o quê?”.
Há
gente que me diz literalmente: “Você esperava o quê, andando com essa gente?”
Também houve quem dissesse besteiras do tipo “lembre-se do 11/9. Essa é a causa
de tudo.” Ou: [você está sendo preso] “porque queremos que você responda umas
perguntas”, ou [você está preso] “porque aqui você não tem, praticamente,
direito algum; nós dizemos que você não tem, e está dito”. E fazem de tudo,
naquela situação. Por exemplo, proíbem que o advogado entre. Proíbem que você vá
ao banheiro, mas oferecem muita água. Acho que havia algum produto diurético, na
água, para convencer você de que você realmente deseja cooperar com eles,
seja como for. Fui preso por razões políticas. Para pressionar. Perguntavam
sobre minha opinião sobre a guerra do Iraque, sobre a guerra do Afeganistão...
Bom, você sabe, basicamente são sempre os mesmos passos. Eles repetiram as
táticas do FBI durante o Programa de Contrainteligência, por exemplo, quanto
tratavam, principalmente, de afirmar a própria autoridade através do
autoritarismo, para mudar as realidades políticas na minha própria vida e
pressionar para que, não só, eu mesmo as mudasse, mas, também, para que eles
pudessem conhecer, por algum tipo de acesso especial, o que se passava na minha
cabeça. E se apossaram de coisas que são minha propriedade. E eu não posso, não
tenho liberdade, sequer, para discutir todas as coisas que aconteceram comigo.
JULIAN
ASSANGE: Isso
foi o que aconteceu com você. Mas os chineses com os quais falo, quando falam
sobre o grande contra-ataque chinês... No ocidente falamos dessas coisas como
“censura”. E os cidadãos chineses estão sendo impedidos de sair e ler o que se
diz no ocidente sobre o governo chinês, o que os dissidentes chineses dizem
sobre a China. Mas a preocupação deles, de fato, não é a “censura”. Estão
preocupados porque, para conseguir censurar a Internet, tem de haver vigilância
na Internet, para controlarem o que as pessoas veem. Para saber o que é
permitido ver e o que é proibido ver, alguém está vendo tudo. Se alguém está
vendo tudo, pode estar gravando tudo... Isso é o que causa calafrios entre os
chineses.
JACOB
APPELBAUM: Acho
importante lembrar que “censura” e “vigilância” não são problemas só de outros
lugares. Os ocidentais gostam muito de dizer que iranianos, chineses,
norte-coreanos têm direito ao anonimato, que precisam de liberdade e de todas
essas coisas que o ocidente teria, que nós teríamos aqui... É muito importante
saber que, na realidade, a coisa não acontece só nos regimes opressivos. De
fato, nenhum regime é opressivo para os que estão no topo do regime. Se você
está no topo da pirâmide, o regime não oprime você. Isso dá certo? Quero dizer é
que nós acreditamos que o Reino Unido é lugar perfeito. Achamos que... Em geral,
as pessoas pensam que a Suécia é lugar ótimo, muito bom... Até que você caia em
desgraça com o pessoal do poder – você sabe como é. – Se você cai em desgraça
com o pessoal do poder... a sua posição é sempre ruim. Mas... Afinal... Quero
dizer: eu estou vivo. Então... Fica assim provado que vivemos num país livre.
JEREMIE
ZIMMERMANN: Meu
ponto de vista é...
JULIAN
ASSANGE: Talvez
se deva falar sobre a censura...
JEREMIE
ZIMMERMANN: Na
Suécia?
JULIAN
ASSANGE: Não. A
censura da Internet no Ocidente.
ANDY
MÜLLER-MAGUHN: Com
WikiLeaks, o caso foi que não se podia ler nada. No processo contra você, nem a
acusação conseguia chegar aos documentos. E Bradley Manning…
JULIAN
ASSANGE: Sim. O
Pentágono implantou um filtro, para capturar todas as mensagens que contivessem
a palavra WikiLeaks. A acusação escrevia, requisitando vistas aos documentos, e
nunca recebia respostas, porque a palavra Wikileaks aparecia nos e-mails
e os e-mails não chegavam ao destino e ficavam sem resposta, e eles sem
poder ver os documentos... deles mesmos [risos].
ANDY
MÜLLER-MAGUHN: O que
nos leva a... [espere um momento] à pergunta realmente básica [Maguhn diz
“realmente básica” e faz gesto claro, e todos levam as mãos à cabeça e riem]: há
algo de essencialmente negativo, que esteja afetando a informação, do ponto de
vista da sociedade? Quero dizer: do ponto de vista da sociedade, que vantagens
haveria em termos internet centralizada/censurada? Isso protegeria alguém contra
alguma informação negativa, ou não?
Até
no caso da pornografia infantil, de que tanto se fala, sempre se pode
argumentar: “calma. A pornografia infantil é problema grave, implica abuso de
crianças. Para resolver o problema, temos de conhecê-lo. Para conhecer – seja o
que for – quanto mais livre a internet, melhor”. Assim sendo...
JACOB
APPELBAUM: Querem
fazer sumir a prova do crime.
JEREMIE
ZIMMERMANN: Acho
que a solução sempre terá de ser outra, não a censura. Quando se fala de
pornografia infantil, de fato, nem se deveria falar de pornografia. Trata-se da
representação de cenas de crimes de abuso de menores. Todos concordamos que
essas imagens têm de ser banidas da Internet.
JACOB
APPELBAUM:
Bullshit [*merda]. Me desculpem. Desculpem. Mas estou ouvindo essa
discussão, com vontade de vomitar. Acho frustrante ouvir o argumento de vocês.
Quero reavaliar tudo. Pode ser? [ANDY MÜLLER-MAGUHN
suspira]
Porque
vocês estão dizendo é: “quero apagar a história”. Eu talvez seja extremista
nesse caso (com certeza também em outros), mas me arrisco aqui. Aí está um claro
exemplo de o quanto é prejudicial essa ‘solução’ de eliminar a história. Foi
graças à Internet que o mundo soube que há uma epidemia de abusos de crianças em
toda a sociedade, em todo o mundo. Isso, precisamente, foi o que a Internet
ensinou, na questão da pornografia infantil: que há redes vastíssimas de abuso
de crianças. A pornografia infantil não é “resultado” da Internet. A internet
expôs ao mundo que o problema existe e é vastíssimo. Concordo: não se deve usar
a expressão “pornografia infantil”. O problema não é a pornografia (infantil ou
não infantil). O problema é a exploração de crianças. Sem a internet não haveria
a quantidade imensa de provas que temos hoje de que o crime existe
em grande escala.
Tirar as imagens da Internet (ou tentar tirá-las) é tentar
esconder, tentar não ver. E é ridículo. Só com internet absolutamente livre se
pode ver e aprender sobre a sociedade em seu conjunto. Pode-se
aprender, por exemplo – e já sei que, quando concluir essa frase estarei
enterrando qualquer sonho de vir a fazer carreira na política – quem lucra com a
exploração de crianças, quem está, de fato, promovendo a exploração de crianças,
pode-se saber quem são as vítimas, pode-se saber quem quer censurar o quê, e por
quê. Ninguém poderá dizer que desconhecia o problema.
Em
nenhum caso, portanto, a resposta poderá ser destruir o veículo que mostra a
realidade, nem controlar o veículo. Trata-se, isso sim, de, sempre que haja
provas, de mostrar o crime e processar os criminosos que a internet tenha
documentado. É inadmissível e não faz sentido algum tentar enfraquecer a
internet, paralisar a sociedade toda... porque a internet mostrou um crime que,
antes dela, era muito mais ocultado. É muito fácil ‘mostrar’ que a exploração
infantil não existe; que o crime foi controlado. É falso: censurar a internet
favorece o crime e os criminosos, e não ajuda a sociedade.
JULIAN
ASSANGE: Andy,
entrevistei recentemente o presidente da Tunísia, e perguntei a ele o que seria
feito dos arquivos gravados do serviço de inteligência sobre Ben Ali, e ele me
disse: “bem... são muito interessantes e as agências de inteligência teriam
de... bem, há o problema de esses arquivos serem perigosos” e que seria preciso
trazê-los à luz do dia, um por um. Mas quanto a esses arquivos, ele entende que
o melhor para a coesão da sociedade na Tunísia é que sejam mantidos secretos,
para evitar o jogo de acusações. Você era adolescente quando a Stasi caiu, na
Alemanha Oriental. Você pode falar sobre os arquivos da Stasi e sobre o que você
pensa sobre revelar arquivos de segurança?
ANDY
MÜLLER-MAGUHN: A
Alemanha tem a agência provavelmente mais bem documentada do planeta, ou uma
delas. A segurança de Estado na Alemanha, da Alemanha Oriental, com todos os
seus manuais, documentos de procedimento, de instruções, de estudos internos, de
formação interna, todos esses documentos são mais ou menos públicos. Acho que é
lição a aprender, e o presidente da Tunísia deveria considerar que é preciso
distinguir duas coisas: uma é o registro pessoal, e seria esperar demais, que
sejam publicados todos os registros pessoais que a agência de inteligência
anterior reunira. Quero dizer que...
JULIAN
ASSANGE: Você
acompanhou a situação de Amn Dawla no Egito? Cerca de 100 mil pessoas invadiram
e saquearam os arquivos da Segurança e muitos materiais vieram à luz e
circularam. E, por dois dólares, compram-se fitas gravadas no mercado, ou são
arquivos que se podem baixar. E nem por isso a sociedade egípcia foi destruída.
ANDY
MÜLLER-MAGUHN: Claro
que não. Mas entendo que muita gente não deseje que se divulguem as informações
que a segurança obteve sobre elas. Não é difícil entender isso.
JACOB
APPELBAUM: Vamos
dar um passo atrás, na discussão. Essencialmente, você está dizendo que os dados
são “privados”; mas não são dados “privados”: são dados “censurados”. No meu
país, por exemplo, há 1 milhão de pessoas [agentes da CIA, do FBI] que têm
acesso a dados privados (não censurados)...
JULIAN
ASSANGE: 4,3
milhões...
JACOB
APPELBAUM: Não se
trata, aí, de nenhum tipo de “privacidade”?! Não são dados privados. O problema
está exatamente aí: os serviços de inteligência trabalham com dados que não são
absolutamente secretos. Não são secretos. O único segredo é o quanto eles sabem
da vida das pessoas. A vida das pessoas não tem segredo algum para eles...
JULIAN
ASSANGE: São
secretos para quem não tem poder. Não são secretos para os poderosos...
JACOB
APPELBAUM: Exatamente.
JULIAN
ASSANGE: Podemos
agora falar de um tema mais amplo: a Internet levou a uma explosão na quantidade
de informação disponível para o público, o que é extraordinário, simplesmente
extraordinário. As funções educativo-pedagógicas da Internet são simplesmente
extraordinárias. Por outro lado, as pessoas falam sobre WikiLeaks e dizem: “veja
aí, toda essa informação que o governo escondia e agora todos podem ler tudo, o
governo não pode mais guardar segredos etc.” Sempre respondo: ‘não, não é
assim’. WikiLeaks é a sombra de uma sombra. De fato, os grupos de poder tem
quantidade de informação tão grande, tão grande, que a quantidade de informação
disponível para o público vira pequena, mínima. O trabalho de WikiLeaks é uma
porcentagem, um fração desse material preservado para uso exclusivamente
privado, privilegiado.
Quando
se veem os acertos/conchavos entre os poderosos que cometem abusos, que conhecem
cada transação dos cartões de crédito no mundo, e estados que vivem à sombra da
informação, acertos e alianças que estão começando a ser construídas entre eles,
uns com outros estados e com setores privados etc.... Você acha que a internet é
isso? Que é uma ferramenta comum da humanidade, para que a humanidade fale com
ela mesma... ou é ferramenta que aumenta o poder dos poderosos? Como se trava
essa luta, Jeremy?
JEREMIE
ZIMMERMANN: De
fato, estes temas estão relacionados. Tentarei juntar essa discussão e o que
conversamos antes, porque quando falamos de concentrar o poder, falamos, mais
uma vez, de estrutura informatizada, de arquitetura; e quando falamos da censura
na Internet, o problema é a centralização do poder. Só assim se pode discutir a
que as pessoas terão acesso e se haverá informação à qual as pessoas não devem
ter acesso; há censura que o governo faz e há também censura privada. Eles
alteram a estrutura da Internet, de rede universal, para algo subdividido
[balkanizado] em pequenas sub-redes.
Mas desde o início estamos discutindo temas globais (se se
formará algum sistema definitivo, ou se o problema é a corrupção, seja no campo
da geopolítica, da energia, do meio ambiente, do que for. São problemas globais
que a humanidade hoje enfrenta). E temos uma, ainda temos uma ferramenta em
nossas mãos, que permite melhor comunicação, que é um modo de compartilhar
conhecimento, de possibilitar melhor participação no processo político e
democrático. Fato é que desconfio que a internet global e universal é a única
ferramenta que há.
JULIAN
ASSANGE: Para
resolver os problemas globais...
JEREMIE
ZIMMERMANN: ...para
dirigir esses temas globais e, por isso, é uma luta centralizada que temos de
lutar, que todos temos a responsabilidade de lutar.
JULIAN
ASSANGE: Temos
esta noção, graças aos criptopunks, de que o centro de tudo é o código.
Tudo que se pode fazer na Internet está definido nos programas. É possível fazer
o que se faz, porque os programas funcionam; por isso, a lei é o código.
JACOB
APPELBAUM: É.
Absoluta e completamente. A chave que, eu acho, as pessoas teriam de assimilar,
sobretudo se há por aí alguém de 16, 18 anos, que quer fazer do mundo um lugar
melhor... O que esse pessoal tem de saber é que se podem construir alternativas;
e que qualquer pessoa, absolutamente qualquer pessoa, sobretudo com acesso à
Internet, tem o poder de fazê-lo. Não se trata de terem algum dever de fazer
alguma coisa. Trata-se de os que queiram fazer alguma coisa têm, agora, poder
para fazer, podem fazer coisas que influirão na vida de muita gente,
especialmente se se fala de Internet. Construir estas alternativas significa uma
ampliação, um incremento que, pelo que entendo...
JULIAN
ASSANGE: Para
você, se você constrói alguma coisa, servirá para milhões, bilhões de pessoas.
JACOB
APPELBAUM: É
assim que vejo as coisas. Por isso estou aqui. Porque, se não apoio você no que
você fez e faz... que tipo de mundo eu estou construindo? Que mensagem passo?
Por que eu deixaria que esse monte de porcos me encurralassem? Não deixo, de
modo algum, nunca. Temos de construir e temos de mudar isso. Tenho de fazer.
Como disse Gandhi: “temos de ser a mudança que queremos ver no
mundo”.
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Fim da
entrevista
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