quarta-feira, 13 de junho de 2012

Assange entrevista No. 9: “Cypherpunks” (Parte 2)


12/6/2012, Russia Today TV, vídeo 27’54”
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Assista também:

Veja antes:

Mais sobre esse assunto em:
13/11/2011, redecastorphoto – “30 anos de hacking político” com Sabine Blanc e Ophelia Noor entrevistando Andy Muller-Maguhn. 



Comentado por um Anon da Vila Vudu:
Alô-alô, Senador Azeredo, vê se apreeeeende, sô:
“O problema não é a pornografia (infantil ou não infantil). O problema é a exploração de crianças. Sem a internet não haveria a quantidade imensa de provas que temos hoje de que o crime existe em grande escala. Tirar as imagens da Internet (ou tentar tirá-las) é tentar esconder, tentar não ver. É ideia ridícula. 
Só com internet absolutamente livre se pode aprender sobre a sociedade em seu conjunto. Pode-se aprender, por exemplo – e já sei que, quando concluir essa frase estarei enterrando qualquer sonho de vir a fazer carreira na política –, quem lucra com a exploração de crianças, pode-se saber quem são as vítimas, pode-se saber quem quer censurar o quê, e por quê.
É inadmissível e não faz sentido algum tentar enfraquecer a internet, paralisar a sociedade toda... porque a internet mostrou um crime que, antes dela, podia ser mais facilmente ocultado. É muito fácil ‘mostrar’ que a exploração infantil não existe; que o crime está(ria) controlado. É falso: censurar a internet favorece o crime e os criminosos, e não ajuda a sociedade.”
[Jacob Appelbaum, na entrevista a Assange, a seguir]


JULIAN ASSANGE: Aqui estão Andy Muller-Maguhn, membro do coletivo alemão de hackers Chaos Computer Club; Jeremie Zimmermann, um dos cofundadores do grupo francês La Quadrature du Net, que defende a livre circulação do conhecimento na internet; e Jacob Appelbaum [2], pesquisador independente de segurança de computadores, norte-americano, ativista que atualmente trabalha no projeto Tor, que visa a criar um sistema que assegure o anonimato online.

PARTE 2

JULIAN ASSANGE: Calma. Esperem aí...

JEREMIE ZIMMERMANN: Espere, espere, acho que... Antes de você recomeçar com seus argumentos negativos, acho que... Gostaria de concordar com você; acho que são problemas estruturais e vitais para qualquer coisa que nós defendamos, e essa é uma mensagem que temos a responsabilidade de transmitir ao público, porque entendemos a coisa como hackers que somos, como técnicos que constroem a Internet a cada dia e que brincam com ela.

ANDY MÜLLER-MAGUHN: Sabem, há uma coisa boa sobre governos em geral: nunca são unitários, sempre são uma pluralidade. Isso, afinal, é que nos salvará do Big Brother [Grande Irmão, personagem de 1984 (1949), de George Orwell], porque vai haver gente demais querendo ser o Big Brother, todos brigando entre eles.

JULIAN ASSANGE: Não acredito nisso, Andy. Acho que houve um tempo em que havia elites nacionais que competiam entre elas. Agora, estão todas conectadas e subindo a perspectiva...

ANDY MÜLLER-MAGUHN: Estão se conectando, sim, nisso você tem razão. Mas não tenho certeza de que não vão proteger nosso rabo, mas há uma possibilidade de conservarmos nossa própria identidade..., quero dizer que temos de nos apegar à nossa própria infraestrutura. Isso é o mais importante a aprender aqui.

JEREMIE ZIMMERMANN: Acho que, por isso, as guerras de copyrights, de direitos de autor são tão essenciais. Porque com as tecnologias de redes de usuários, desde Napster em 99, o pessoal entendeu que, ao compartilhar arquivos entre usuários...

JULIAN ASSANGE: ... você comete crime. Você é criminoso.

JEREMIE ZIMMERMANN: Não, constrói-se uma cultura melhor. O pessoal que faz isso...

JULIAN ASSANGE: Não. É crime. Você é criminoso.

JEREMIE ZIMMERMANN: Isso é o que eles dizem.

ANDY MÜLLER-MAGUHN: Não, não, não...

JEREMIE ZIMMERMANN: Mas você constrói uma cultura melhor para você mesmo. Todo mundo usará Napster. Deixe-me concluir, por favor...

ANDY MÜLLER-MAGUHN: A história da raça humana e a história da cultura é a história da cópia de ideias [JEREMIE
ZIMMERMANN: Exatamente, exatamente], modificando e processando ideias sempre além e além. Se você chama isso de “roubar”, então você está...

JULIAN ASSANGE: Desde 1950, vivemos numa cultura industrial. Nossa cultura já chegou ao ponto de ser uma espécie de produto industrial.

ANDY MÜLLER-MAGUHN: Chama-se “restringir teus pensamentos”. Bem...

JEREMIE ZIMMERMANN: Estamos alimentando o troll, nessa sala. Porque você está brincando de advogado do diabo, e, aliás, está se saindo muito bem, isso sim.

JACOB APPELBAUM: Alguém tem de fazer isso. Quero dizer, é estupidez tão evidente...

JEREMIE ZIMMERMANN: Sim, é uma estupidez que, no idioma político, chama-se “roubar”. Mas o que quero destacar é que qualquer um que usou o Napster em 99 gostou da música, virou fã e, depois, começou a ir a concertos e acabou convertendo-se numa espécie de conselheiro, dizendo a todos: “vocês deveriam ouvir essas pessoas, deveriam ir ao concerto”, e tal e tal. E quando se trata de compartilhar cultura, é exatamente a mesma coisa que compartilhar conhecimento. Temos exemplos dos serviços descentralizados e o fato de compartilhar entre usuários, entre indivíduos, melhora as coisas. O exemplo clássico é o advogado do diabo, que você estava fazendo, quando uma indústria vem e diz: “isso é roubo e isso significa matar todo mundo, os atores, matar Hollywood, matar o cinema, os gatos [risos, risos], o diabo, todo mundo”.

Eu não posso concordar com o advogado do diabo que você estava encarnando. Alguns membros conservadores do Parlamento Europeu já estão entendendo. Entendem que os indivíduos, quando partilham coisas, quando compartilham arquivos, sem lucrar com isso, não devem ser processados, não têm de ser presos, não têm de ser castigados.

JULIAN ASSANGE: Todos falamos da privacidade da comunicação e do direito de publicar e isso é bastante fácil de entender, a discussão tem longa história e, de fato, os jornalistas adoram essa discussão, porque é um modo de eles protegerem os interesses deles. Mas se comparamos esse valor e o valor da privacidade e da liberdade da interação econômica... de fato, cada vez que se vê uma interação econômica, cada vez que a CIA detecta uma interação econômica, podem ver que foi esse grupo, desse local até aquele local, e têm as cifras, o valor e a importância da interação. Então? Na realidade, a liberdade, ou a privacidade, das interações econômicas não é mais importante que a liberdade de expressão [interações privadas]?

ANDY MÜLLER-MAGUHN: Essa doeu...

JULIAN ASSANGE: Do simples ponto de vista dos serviços de inteligência: se você tem 10 milhões de dólares de orçamento para a espionagem, você pode controlar os correios eletrônicos de todo mundo e você pode fazer vigilância total das interações econômicas. Se fosse você, preferiria fazer o quê?

ANDY MÜLLER-MAGUHN: Ora... eles raciocinam assim: “OK, agora, todos os pagamentos e o setor bancário passarão pela internet e, assim, vigiamos as suas duas “interações” ao mesmo tempo...” [risos] É exatamente o que já fazem. 

ANDY MÜLLER-MAGUHN: Nos telegramas, havia uma informação curiosa, que dizia que o governo russo tentou negociar um modo para que os pagamentos com cartões Visa e MasterCard de cidadãos russos em território russo, fossem processados na Rússia. Visa e MasterCard não aceitaram.

JULIAN ASSANGE: Bom... O poder da embaixada dos EUA e da empresa Visa, combinados, bastou para impedir, até, que a Rússia criasse seu próprio sistema de cartões de crédito e nem...

ANDY MÜLLER-MAGUHN: Isso significa que os pagamentos que os cidadãos russos fazem, em lojas russas, em território russo, são processados em centros de dados norte-americanos...

JULIAN ASSANGE: Se Putin compra uma Coca-Cola...

ANDY MÜLLER-MAGUHN: É assim que o governo dos EUA mantém o controle jurisdicional, ou, pelo menos, o controle interno.

JULIAN ASSANGE: Quer dizer que, se Putin compra uma Coca-Cola, Washington é informada em 30 segundos.

ANDY MÜLLER-MAGUHN: Essa situação não é satisfatória, independente de se gosto ou não gosto dos EUA. Haver um centro onde se armazenam todos os pagamentos é problema grave e fenômeno perigoso, porque, de fato, isso induz ao crime, convida ao crime e pode-se fazer qualquer tipo de uso desses dados.

JACOB APPELBAUM: Bom... Se se fala de sistema computadorizado, se há coisa que todos os criptopunks sabem é que um sistema computadorizado define a situação política. Se você tem uma estrutura centralizada, ainda que seja dirigida pelas melhores almas do planeta, sempre pode ser usada pelos [safados] e esses safados, com o poder que têm, fazem o que os programadores criadores originais nunca fizeram nem fariam.

E não importa para que lado você olhe. O que se vê nos sistemas financeiros que há... mesmo que as pessoas tivessem a melhor das intenções. Não muda nada. Quero dizer é que o sistema computadorizado é a verdade, a verdade da internet no que tenha a ver com comunicações. Os chamados “sistemas de interceptação legal” – que é o jeito bonito de dizer que nos espionam –, claro, acho que o produto foi criado...

JULIAN ASSANGE: “Interceptação legal” é eufemismo...

JACOB APPELBAUM: Sim, como assassinato legal. Você ouviu falar dos ataques aéreos por controle remoto contra cidadãos norte-americanos, ordenados pelo presidente dos EUA, Obama? Ouviu que mataram o filho de 16 anos, de Anwar al-Awlaki, no Iêmen? Foi assassinato legal. Bom, a chamada interceptação legal é a mesma coisa. Simplesmente acrescentam a palavra “legal” a qualquer coisa, e a coisa vira legítima, porque é o Estado que faz.

O que os criptopunks queríamos fazer era criar sistemas de compensação recíproca, de modo realmente livre, e onde fosse possível interferir. Nos assuntos financeiros é onde é mais perigoso trabalhar. Quero dizer... Há uma razão pela qual quem criou o dinheiro eletrônico, Bitcoin, nunca foi identificado, é invenção anônima.

ANDY MÜLLER-MAGUHN: É muito mais complicado, com o dinheiro. Há as chamadas leis contra lavagem de dinheiro e outras. E nos dizem que as organizações terroristas e do narcotráfico usam mal...

JACOB APPELBAUM: São a desculpa que dão...

ANDY MÜLLER-MAGUHN: ...que estão usando mal a infraestrutura, para cometer crimes. De fato, seria muito interessante se houvesse mais empresas de supervisão, se isso resultasse em que os gastos fossem transparentes e toda essa conversa... Mas, então, a pergunta é: “Que proveito se tem, com garantir total anonimato, mas só para o sistema monetário? Ninguém, afinal, sabe o que realmente acontece. O que acontece, de fato? Acho que aqui e ali haveria situações interessantes, se todos se acalmassem e dissessem com calma: “Sabem, posso falar alto, posso falar no Parlamento, mas também posso subornar políticos que…

JEREMIE ZIMMERMANN: Você está descrevendo os EUA, não é? Aqui, acho, há um problema grave.  

JULIAN ASSANGE: Você tem certeza de que seja um problema, Jeremy? Talvez seja atributo positivo, assim essas indústrias continuam produtivas...

ANDY MÜLLER-MAGUHN: [risos] Em vez de me fazer de advogado do diabo, prefiro defender mais vodka ou whisky para todos... [risos]

JACOB APPELBAUM: Jeremy, Jeremy! Será que Assange pode concluir a frase? Mestre dos Trolls [para Assange], nos trolle à vontade, por favor [risos].

JULIAN ASSANGE: As indústrias que são produtivas, produzem riqueza para toda a sociedade, porque são produtivas, têm dinheiro para assegurarem-se de que continuarão a ser produtivas. E tem dinheiro e tem meios para continuar assim. E essa legislação aleatória, a legislação aleatória que resulta da criação de mitos políticos, não limita as suas atividades produtivas. E a melhor maneira de não limitar suas atividades é comprar congressistas e usar a potência da própria indústria para modificar a lei, para que a natureza da produtividade da indústria seja preservada. Não é assim?

JACOB APPELBAUM [para ANDY MÜLLER-MAGUHN: Deixe comigo.] Agora eu respondo. Estão preparados? [Responde a ASSANGE: “Não. Não é nada disso.”] (risos).

JULIAN ASSANGE: Por quê?

JACOB APPELBAUM: Há várias razões, e uma delas tem caráter extremamente negativo, realimenta o que já é ruim. Por exemplo, acho que o principal financiador de campanhas políticas no estado da Califórnia é o sindicato dos carcereiros. A principal causa pela qual esse sindicato apoia políticas cada vez mais duras é a preocupação deles com salvar o monopólio do poder que o Estado de Direito garante a eles, porque quanto mais leis, mais crimes; com mais crimes, mais empregos para eles. Assim, se essas pessoas promovem a criação sempre de mais prisões, e a prisão de mais gente, com sentenças cada vez mais longas... O que, de fato, estão fazendo? O que fazem é aproveitar-se das facilidades de que gozam pelo tipo de trabalho que fazem e estender o monopólio que o Estado lhes dá para fazer o que a lei permite que eles façam.

JULIAN ASSANGE: E assim vão transferindo a riqueza, de indústrias que realmente produzem, para indústrias que nada produzem.

JACOB APPELBAUM: É possível resumir assim...

JULIAN ASSANGE: Mas isso talvez seja só uma pequena parte. Quero dizer, sabemos que todo o sistema tem abusos, se você quer agentes livres, que só se envolvam na transferência de riquezas... É só um pequeno elemento. De fato, a maioria das pressões, a maior influência no Congresso, vem das indústrias produtivas, que se asseguram de que as leis continuem a favorecer seus interesses, para que continuem a ser produtivas.

ANDY MÜLLER-MAGUHN: Acho que você está esquecendo... Quero dizer: da pergunta: “qual é a política, aqui?” Qual é o modo correto de propor essas coisas?

JULIAN ASSANGE: Só estou me perguntando se não poderíamos, de algum modo, padronizar a prática atual nos EUA, desformalizá-la: simplesmente, compram-se senadores...

JEREMIE ZIMMERMANN: Não, não!

ANDY MÜLLER-MAGUHN: Assumimos que temos dinheiro, vamos assumir que temos dinheiro para comprar...

JULIAN ASSANGE: É, e que tudo está aberto, e que você tem a melhor oferta, e vamos a um leilão...

ANDY MÜLLER-MAGUHN: Mas a indústria das armas sempre teria mais dinheiro...

JULIAN ASSANGE: Vamos ao leilão. Acho que não fariam... Na realidade, acho que o complexo militar industrial seria relativamente marginalizado, porque a habilidade deles [para] operar atrás de portas fechadas, num sistema não aberto ao mercado em geral, é de fato mais alta que a das demais indústrias.

JEREMIE ZIMMERMANN: Esperem, esperem, só quero...

JACOB APPELBAUM: Não se pode discutir a questão da transparência, da qual se acabou de falar, porque há uma desigualdade fundamental…

JEREMIE ZIMMERMANN: Sim, mas, por favor...

JACOB APPELBAUM: Não...

JULIAN ASSANGE: Jeremy, fale, Jeremy.

JACOB APPELBAUM: Você tem de falar da desigualdade fundamental! Você é o francês da sala. Fale!

JEREMIE ZIMMERMANN: Quando você diz “vamos deixar que os atores dominantes decidam como será a política”, posso responder a partir do que se viu na Internet nos últimos 15 anos, quando a inovação era chamada “de baixo para cima”, onde novas práticas emergem quase do nada, onde dois sujeitos, numa garagem, inventaram uma tecnologia que cresce como...

JULIAN ASSANGE: Praticamente, praticamente para tudo, para a [empresa] Apple, para a [empresa] Google, para tudo, para a [empresa] YouTube...

JEREMIE ZIMMERMANN: Para tudo. Tudo o que aconteceu na Internet simplesmente disparou, explodiu depois de permanecer desconhecido durante uns meses, ou anos. Ninguém podia prever qual seria a inovação seguinte. Nesse contexto, minha opinião é que a política tem de adaptar-se à sociedade, não o contrário. Temos a impressão, por causa das guerras dos copyrights, que o legislador tenta mudar toda a sociedade, adaptá-la a um padrão definido por Hollywood.

Dizem que o que você faz quando você está na sua nova prática cultural é, simplesmente, moralmente incorreto. Então, se você não quer parar, nós inventaremos instrumentos legais para que você pare de fazer o que você acha que seja bom. Esse não é o modo de fazer boa política. Quero dizer: não estou convencido de que alguém esteja no caminho certo, se permite que os atores industriais mais poderosos digam que política tenha de ser feita.

JULIAN ASSANGE: E você [para Appelbaum] pode falar um pouco, por favor, sobre sua detenção, num aeroporto nos EUA? Por que você foi detido?

JACOB APPELBAUM: Bom... Disseram que foi porque... Eu não sei por quê. Mas, falando sobre o que você estava dizendo, depende de pergunto, porque eles sempre me dão explicações diferentes. Mas, normalmente, há uma parte da explicação que se repete sempre, venha de onde vier. Em algum momento, eles dizem: “Porque nós podemos.” E eu respondo, ok, não discuto a autoridade de vocês (mas, ok, discuto. Mas ali não estava discutindo...). Quero saber, simplesmente, por que está acontecendo comigo. Por que estão me prendendo. Mas... Claro, todos me dizem: “mas é bem claro [o motivo pelo qual o prendem]. Você trabalha no [projeto] TOR, está sentado ao lado de Julian... Queria o quê?”.

Há gente que me diz literalmente: “Você esperava o quê, andando com essa gente?” Também houve quem dissesse besteiras do tipo “lembre-se do 11/9. Essa é a causa de tudo.” Ou: [você está sendo preso] “porque queremos que você responda umas perguntas”, ou [você está preso] “porque aqui você não tem, praticamente, direito algum; nós dizemos que você não tem, e está dito”. E fazem de tudo, naquela situação. Por exemplo, proíbem que o advogado entre. Proíbem que você vá ao banheiro, mas oferecem muita água. Acho que havia algum produto diurético, na água, para convencer você de que você realmente deseja cooperar com eles, seja como for. Fui preso por razões políticas. Para pressionar. Perguntavam sobre minha opinião sobre a guerra do Iraque, sobre a guerra do Afeganistão... Bom, você sabe, basicamente são sempre os mesmos passos. Eles repetiram as táticas do FBI durante o Programa de Contrainteligência, por exemplo, quanto tratavam, principalmente, de afirmar a própria autoridade através do autoritarismo, para mudar as realidades políticas na minha própria vida e pressionar para que, não só, eu mesmo as mudasse, mas, também, para que eles pudessem conhecer, por algum tipo de acesso especial, o que se passava na minha cabeça. E se apossaram de coisas que são minha propriedade. E eu não posso, não tenho liberdade, sequer, para discutir todas as coisas que aconteceram comigo.

JULIAN ASSANGE: Isso foi o que aconteceu com você. Mas os chineses com os quais falo, quando falam sobre o grande contra-ataque chinês... No ocidente falamos dessas coisas como “censura”. E os cidadãos chineses estão sendo impedidos de sair e ler o que se diz no ocidente sobre o governo chinês, o que os dissidentes chineses dizem sobre a China. Mas a preocupação deles, de fato, não é a “censura”. Estão preocupados porque, para conseguir censurar a Internet, tem de haver vigilância na Internet, para controlarem o que as pessoas veem. Para saber o que é permitido ver e o que é proibido ver, alguém está vendo tudo. Se alguém está vendo tudo, pode estar gravando tudo... Isso é o que causa calafrios entre os chineses.

JACOB APPELBAUM: Acho importante lembrar que “censura” e “vigilância” não são problemas só de outros lugares. Os ocidentais gostam muito de dizer que iranianos, chineses, norte-coreanos têm direito ao anonimato, que precisam de liberdade e de todas essas coisas que o ocidente teria, que nós teríamos aqui... É muito importante saber que, na realidade, a coisa não acontece só nos regimes opressivos. De fato, nenhum regime é opressivo para os que estão no topo do regime. Se você está no topo da pirâmide, o regime não oprime você. Isso dá certo? Quero dizer é que nós acreditamos que o Reino Unido é lugar perfeito. Achamos que... Em geral, as pessoas pensam que a Suécia é lugar ótimo, muito bom... Até que você caia em desgraça com o pessoal do poder – você sabe como é. – Se você cai em desgraça com o pessoal do poder... a sua posição é sempre ruim. Mas... Afinal... Quero dizer: eu estou vivo. Então... Fica assim provado que vivemos num país livre.

JEREMIE ZIMMERMANN: Meu ponto de vista é...

JULIAN ASSANGE: Talvez se deva falar sobre a censura...

JEREMIE ZIMMERMANN: Na Suécia?

JULIAN ASSANGE: Não. A censura da Internet no Ocidente.

ANDY MÜLLER-MAGUHN: Com WikiLeaks, o caso foi que não se podia ler nada. No processo contra você, nem a acusação conseguia chegar aos documentos. E Bradley Manning…

JULIAN ASSANGE: Sim. O Pentágono implantou um filtro, para capturar todas as mensagens que contivessem a palavra WikiLeaks. A acusação escrevia, requisitando vistas aos documentos, e nunca recebia respostas, porque a palavra Wikileaks aparecia nos e-mails e os e-mails não chegavam ao destino e ficavam sem resposta, e eles sem poder ver os documentos... deles mesmos [risos]. 

ANDY MÜLLER-MAGUHN: O que nos leva a... [espere um momento] à pergunta realmente básica [Maguhn diz “realmente básica” e faz gesto claro, e todos levam as mãos à cabeça e riem]: há algo de essencialmente negativo, que esteja afetando a informação, do ponto de vista da sociedade? Quero dizer: do ponto de vista da sociedade, que vantagens haveria em termos internet centralizada/censurada? Isso protegeria alguém contra alguma informação negativa, ou não?

Até no caso da pornografia infantil, de que tanto se fala, sempre se pode argumentar: “calma. A pornografia infantil é problema grave, implica abuso de crianças. Para resolver o problema, temos de conhecê-lo. Para conhecer – seja o que for – quanto mais livre a internet, melhor”. Assim sendo...

JACOB APPELBAUM: Querem fazer sumir a prova do crime.

JEREMIE ZIMMERMANN: Acho que a solução sempre terá de ser outra, não a censura. Quando se fala de pornografia infantil, de fato, nem se deveria falar de pornografia. Trata-se da representação de cenas de crimes de abuso de menores. Todos concordamos que essas imagens têm de ser banidas da Internet.

JACOB APPELBAUM: Bullshit [*merda]. Me desculpem. Desculpem. Mas estou ouvindo essa discussão, com vontade de vomitar. Acho frustrante ouvir o argumento de vocês. Quero reavaliar tudo. Pode ser? [ANDY MÜLLER-MAGUHN suspira]

Porque vocês estão dizendo é: “quero apagar a história”. Eu talvez seja extremista nesse caso (com certeza também em outros), mas me arrisco aqui. Aí está um claro exemplo de o quanto é prejudicial essa ‘solução’ de eliminar a história. Foi graças à Internet que o mundo soube que há uma epidemia de abusos de crianças em toda a sociedade, em todo o mundo. Isso, precisamente, foi o que a Internet ensinou, na questão da pornografia infantil: que há redes vastíssimas de abuso de crianças. A pornografia infantil não é “resultado” da Internet. A internet expôs ao mundo que o problema existe e é vastíssimo. Concordo: não se deve usar a expressão “pornografia infantil”. O problema não é a pornografia (infantil ou não infantil). O problema é a exploração de crianças. Sem a internet não haveria a quantidade imensa de provas que temos hoje de que o crime existe em grande escala. Tirar as imagens da Internet (ou tentar tirá-las) é tentar esconder, tentar não ver. E é ridículo. Só com internet absolutamente livre se pode ver e aprender sobre a sociedade em seu conjunto. Pode-se aprender, por exemplo – e já sei que, quando concluir essa frase estarei enterrando qualquer sonho de vir a fazer carreira na política – quem lucra com a exploração de crianças, quem está, de fato, promovendo a exploração de crianças, pode-se saber quem são as vítimas, pode-se saber quem quer censurar o quê, e por quê. Ninguém poderá dizer que desconhecia o problema.

Em nenhum caso, portanto, a resposta poderá ser destruir o veículo que mostra a realidade, nem controlar o veículo. Trata-se, isso sim, de, sempre que haja provas, de mostrar o crime e processar os criminosos que a internet tenha documentado. É inadmissível e não faz sentido algum tentar enfraquecer a internet, paralisar a sociedade toda... porque a internet mostrou um crime que, antes dela, era muito mais ocultado. É muito fácil ‘mostrar’ que a exploração infantil não existe; que o crime foi controlado. É falso: censurar a internet favorece o crime e os criminosos, e não ajuda a sociedade.

JULIAN ASSANGE: Andy, entrevistei recentemente o presidente da Tunísia, e perguntei a ele o que seria feito dos arquivos gravados do serviço de inteligência sobre Ben Ali, e ele me disse: “bem... são muito interessantes e as agências de inteligência teriam de... bem, há o problema de esses arquivos serem perigosos” e que seria preciso trazê-los à luz do dia, um por um. Mas quanto a esses arquivos, ele entende que o melhor para a coesão da sociedade na Tunísia é que sejam mantidos secretos, para evitar o jogo de acusações. Você era adolescente quando a Stasi caiu, na Alemanha Oriental. Você pode falar sobre os arquivos da Stasi e sobre o que você pensa sobre revelar arquivos de segurança?

ANDY MÜLLER-MAGUHN: A Alemanha tem a agência provavelmente mais bem documentada do planeta, ou uma delas. A segurança de Estado na Alemanha, da Alemanha Oriental, com todos os seus manuais, documentos de procedimento, de instruções, de estudos internos, de formação interna, todos esses documentos são mais ou menos públicos. Acho que é lição a aprender, e o presidente da Tunísia deveria considerar que é preciso distinguir duas coisas: uma é o registro pessoal, e seria esperar demais, que sejam publicados todos os registros pessoais que a agência de inteligência anterior reunira. Quero dizer que...

JULIAN ASSANGE: Você acompanhou a situação de Amn Dawla no Egito? Cerca de 100 mil pessoas invadiram e saquearam os arquivos da Segurança e muitos materiais vieram à luz e circularam. E, por dois dólares, compram-se fitas gravadas no mercado, ou são arquivos que se podem baixar. E nem por isso a sociedade egípcia foi destruída.

ANDY MÜLLER-MAGUHN: Claro que não. Mas entendo que muita gente não deseje que se divulguem as informações que a segurança obteve sobre elas. Não é difícil entender isso.

JACOB APPELBAUM: Vamos dar um passo atrás, na discussão. Essencialmente, você está dizendo que os dados são “privados”; mas não são dados “privados”: são dados “censurados”. No meu país, por exemplo, há 1 milhão de pessoas [agentes da CIA, do FBI] que têm acesso a dados privados (não censurados)...

JULIAN ASSANGE: 4,3 milhões...

JACOB APPELBAUM: Não se trata, aí, de nenhum tipo de “privacidade”?! Não são dados privados. O problema está exatamente aí: os serviços de inteligência trabalham com dados que não são absolutamente secretos. Não são secretos. O único segredo é o quanto eles sabem da vida das pessoas. A vida das pessoas não tem segredo algum para eles...

JULIAN ASSANGE: São secretos para quem não tem poder. Não são secretos para os poderosos...

JACOB APPELBAUM: Exatamente.

JULIAN ASSANGE: Podemos agora falar de um tema mais amplo: a Internet levou a uma explosão na quantidade de informação disponível para o público, o que é extraordinário, simplesmente extraordinário. As funções educativo-pedagógicas da Internet são simplesmente extraordinárias. Por outro lado, as pessoas falam sobre WikiLeaks e dizem: “veja aí, toda essa informação que o governo escondia e agora todos podem ler tudo, o governo não pode mais guardar segredos etc.” Sempre respondo: ‘não, não é assim’. WikiLeaks é a sombra de uma sombra. De fato, os grupos de poder tem quantidade de informação tão grande, tão grande, que a quantidade de informação disponível para o público vira pequena, mínima. O trabalho de WikiLeaks é uma porcentagem, um fração desse material preservado para uso exclusivamente privado, privilegiado.

Quando se veem os acertos/conchavos entre os poderosos que cometem abusos, que conhecem cada transação dos cartões de crédito no mundo, e estados que vivem à sombra da informação, acertos e alianças que estão começando a ser construídas entre eles, uns com outros estados e com setores privados etc.... Você acha que a internet é isso? Que é uma ferramenta comum da humanidade, para que a humanidade fale com ela mesma... ou é ferramenta que aumenta o poder dos poderosos? Como se trava essa luta, Jeremy?

JEREMIE ZIMMERMANN: De fato, estes temas estão relacionados. Tentarei juntar essa discussão e o que conversamos antes, porque quando falamos de concentrar o poder, falamos, mais uma vez, de estrutura informatizada, de arquitetura; e quando falamos da censura na Internet, o problema é a centralização do poder. Só assim se pode discutir a que as pessoas terão acesso e se haverá informação à qual as pessoas não devem ter acesso; há censura que o governo faz e há também censura privada. Eles alteram a estrutura da Internet, de rede universal, para algo subdividido [balkanizado] em pequenas sub-redes. Mas desde o início estamos discutindo temas globais (se se formará algum sistema definitivo, ou se o problema é a corrupção, seja no campo da geopolítica, da energia, do meio ambiente, do que for. São problemas globais que a humanidade hoje enfrenta). E temos uma, ainda temos uma ferramenta em nossas mãos, que permite melhor comunicação, que é um modo de compartilhar conhecimento, de possibilitar melhor participação no processo político e democrático. Fato é que desconfio que a internet global e universal é a única ferramenta que há.

JULIAN ASSANGE: Para resolver os problemas globais...

JEREMIE ZIMMERMANN: ...para dirigir esses temas globais e, por isso, é uma luta centralizada que temos de lutar, que todos temos a responsabilidade de lutar.

JULIAN ASSANGE: Temos esta noção, graças aos criptopunks, de que o centro de tudo é o código. Tudo que se pode fazer na Internet está definido nos programas. É possível fazer o que se faz, porque os programas funcionam; por isso, a lei é o código.

JACOB APPELBAUM: É. Absoluta e completamente. A chave que, eu acho, as pessoas teriam de assimilar, sobretudo se há por aí alguém de 16, 18 anos, que quer fazer do mundo um lugar melhor... O que esse pessoal tem de saber é que se podem construir alternativas; e que qualquer pessoa, absolutamente qualquer pessoa, sobretudo com acesso à Internet, tem o poder de fazê-lo. Não se trata de terem algum dever de fazer alguma coisa. Trata-se de os que queiram fazer alguma coisa têm, agora, poder para fazer, podem fazer coisas que influirão na vida de muita gente, especialmente se se fala de Internet. Construir estas alternativas significa uma ampliação, um incremento que, pelo que entendo...

JULIAN ASSANGE: Para você, se você constrói alguma coisa, servirá para milhões, bilhões de pessoas.

JACOB APPELBAUM: É assim que vejo as coisas. Por isso estou aqui. Porque, se não apoio você no que você fez e faz... que tipo de mundo eu estou construindo? Que mensagem passo? Por que eu deixaria que esse monte de porcos me encurralassem? Não deixo, de modo algum, nunca. Temos de construir e temos de mudar isso. Tenho de fazer. Como disse Gandhi: “temos de ser a mudança que queremos ver no mundo”.
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Fim da entrevista
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