25/6/2012, Pepe Escobar, Asia Times Online - THE ROVING
EYE
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Pepe Escobar |
Era
uma vez, nem faz muito tempo, o ministro das Relações Exteriores da Turquia
Ahmet Davutoglu foi o primeiro a propor uma política batizada de “zero problemas
com nossos vizinhos” – que muitos críticos ocidentais batizaram logo de
“neo-otomanismo”.
A
Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) reúne-se nessa 3ª-feira em
Bruxelas, não só para arquitetar uma resposta ao “evento” de um avião turco F-4
Phantom ter sido derrubado pela artilharia antiaérea síria, mas, também,
para decidir que espécie de “novo otomanismo” emergirá do que já é hoje “grande
problema com um de nossos vizinhos”.
F-4 Phantom turco |
Davutoglu
insiste que o F-4 foi derrubado em espaço aéreo internacional – mas aceita que,
por curto período de tempo, o avião invadiu espaço aéreo sírio. Contrariando a
versão oficial dos sírios, Davutoglu disse que o jato estava claramente
identificado como turco; que estava em “voo de treinamento” para testar o
“sistema nacional de radares” da Turquia; e – o mais importante – “não operava
em missão clandestina relacionada à Síria”.
Jihad Makdissi |
Antes
disso, Jihad Makdissi, porta-voz do ministro sírio de Relações Exteriores, havia
dito que se tratara de “acidente, não ataque”. Segundo Makdissi, “um objeto
voador não identificado entrou em nosso espaço aéreo; por isso, infelizmente,
foi derrubado. Só depois se viu que se tratava de avião turco”.
Davutoglu,
em plena blitzkrieg pela imprensa turca, como noticiado hoje em
Today's Zaman, reiterou que se tratava de “voo solo”; que o jato “não
levava armas”; que não houve qualquer aviso, antes de o jato ser derrubado; e a
Síria tentar associar a “violação não intencional” de seu espaço aéreo e o
ataque contra o F-4 seria “irrelevante”.
Violar
espaço aéreo de outro país, voando em baixa altitude para escapar às defesas
antiaéreas, parece tão normal, para Davutoglu, quando comer kabab no
almoço: “O espaço aéreo da Síria foi violado antes por vários países. Mas a
Síria só derrubou o nosso avião, no qual não havia armas”. Mas, depois, o
ministro das Relações Exteriores pareceu desviar-se (talvez não) do roteiro
original. Destacou que “não importa o que venha a acontecer enquanto se
desenrola a sala do avião turco que foi derrubado, continuaremos ao lado do povo
sírio”. E mais essa: “Continuaremos ao lado do povo sírio até o advento de
regime democrático naquele país”. Esqueçam o F-4 Phantom: o “povo sírio”
pode dormir em paz. A única coisa que realmente conta, o xis da questão,
continua a ser a troca de regime.
A
irrelevância de todo o resto
Ahmet Davutoglu |
A
OTAN discutirá o caso da Turquia, nos termos do art. 4º da carta de constituição
– que admite consultas sempre que “a integridade territorial, independência
política ou segurança de qualquer das partes esteja ameaçada”. Ainda não
chegamos – ainda – ao artigo 5º, que trata de resposta armada. Mas podemos
chegar até lá rapidamente, dependendo de como a OTAN interprete o que disse a
Turquia, que o F-4 Phantom “foi atingido a 13 milhas da costa da Síria, em
espaço aéreo internacional”.
Assim
sendo, nos termos da história que Davutoglu anda contando, o F-4 foi desviado
para dentro do espaço aéreo da Síria, por alguma força irresistível (Thor?);
imediatamente, ao perceber o erro, afastou-se dali, mas foi derrubado. Por falar
nisso, não foi “voo solo”: testemunhas disseram à TV turca que viram dois jatos,
voando baixo na direção de águas sírias; e que só um retornou.
Tão
previsível como a Inglaterra perder para a Itália na Euro 2012, os
poodles europeus doidos por guerras, tipo William Hague, já se meteu na
conversa, culpando a Síria por a Turquia ter invadido espaço aéreo sírio. Não há
– até agora – nenhuma prova de que Ancara tenha informado ao governo e à força
aérea da Síria de que haveria algum tipo de voo de reconhecimento até muito
perto de uma fronteira, já hoje, altamente explosiva.
Que
o F-4 (ou a dupla de F-4s) estivessem armados ou desarmados seria, nas palavras
de Davutoglu, “irrelevante”. Experimente contar essa ao Pentágono: não há
qualquer tipo de ameaça à segurança dos EUA, quando um objeto voador sem
qualquer identificação e voando baixo entra no espaço aéreo dos EUA. Se fosse
missão militar de reconhecimento, como Davotoglu diz que teria sido... o F-4
teria de estar armado.
E
imagine que um jato sírio tivesse invadido espaço aéreo da Turquia. Ou de
Israel.
Arde, Anatolia,
arde
Ancara
com certeza exigirá de Damasco pedido formal de desculpas e pagamento de
reparações. Teerã – que virtualmente até ontem, quer dizer, até antes do levante
na Síria, era item de um eixo Ancara-Damasco-Teerã – pede calma e cabeça fria.
Dado
que há fazedores profissionais de guerras estimulando essa versão atualizada de
“Golfo de Tonkin” (assista a seguir vídeo da farsa), a loucura é ampla geral e irrestrita. O jornal Asia Times
Online recebeu informes de uma fonte local de que há “movimentação
frenética”, já há dias, na base da OTAN em Incirlik, Turquia.
Todo
mundo sabe – mas ninguém fala sobre o tema – que o centro de comando e controle
da OTAN em Iskenderun, na província turca de Hatay, próxima da fronteira com a
Síria, trabalha há meses para organizar, treinar e armar o bando conhecido como
Exército Síria Livre.
Todo mundo sabe que Qatar, Arábia Saudita e a CIA estão
treinando, assessorando e armando os tais “rebeldes” da CCGOTAN, com ajuda
essencial da Turquia nesse front
logístico/paraíso seguro.
Todo
mundo sabe que Washington só se satisfará com mudança de regime na Síria – para
meter lá um fantoche imperial curvável (e não islamista).
Base aérea da OTAN |
Todo mundo sabe que
todas as provocações ajudam a promover a agenda pouco-oculta que prevê ataque
total pelos exércitos do CCGOTAN contra a Síria, mesmo sem resolução/mandato do
Conselho de Segurança da ONU, pelas costas de Rússia e China.
Se
o “neo-otomanismo” persiste na obsessão de forçar mudança de regime na Síria –
em larga medida amarrada ao sonho turco de achar solução para o “problema” curdo
– melhor fará se começar logo a considerar que Damasco pode inundar o partido
curdo com muito dinheiro e muita logística, de tal modo que consigam fazer, da
Anatolia turca, o inferno.
Não
há dúvida alguma de que a coisa pode piorar muito. Mas em termos de
o-rabo-balança-o-cachorro – e é disso, precisamente, que se trata – ninguém tem
certeza de nada: a Turquia-rabo estará tentando balançar a OTAN-cachorro e
inventar mais uma guerra? Ou a OTAN-rabo é que está tentando balançar a
Turquia-cachorro e... idem?
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