1-3/3/2013, Franklin C. Spinney*, Counterpunch
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Muitos norte-americanos não veem o
quão profundamente os EUA estão-se envolvendo militarmente no turbilhão de
conflitos que varrem a África Saariana e Subsaariana. O caos está mapeado a
seguir:
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Embora relatos recentes tendam a
concentrar-se na tentativa dos franceses para expulsar para fora do Mali a Al
Qaeda no Maghreb Islâmico [Al Qaeda in Islamic Maghreb (AQIM) – esforço
que pode já se estar convertendo em complexa
guerra de guerrilhas, a operação francesa não passa de
versão, em pleno século 21, de disputa, à maneira do século 19, pelos recursos
da África. É política que, do ponto de vista dos EUA, relaciona-se, bem
provavelmente, ao “pivô
em direção à
China ”,
dado
o crescimento do mercado e a presença chinesa na África no campo da ajuda
humanitária. Juntos, a disputa feroz e o “pivô” bastarão para desencadear no
Pentágono um movimento de sequestro, no curto prazo, de todos os conflitos, com
a correspondente cascata de dinheiro antevista no longo prazo.
Ano passado, Craig Whitlock do
Washington Post ofereceu um mosaico do envolvimento dos EUA na África e publicou uma série de excelentes reportagens. O
mapa
a seguir apresentado:
é
uma espécie de resumo das matérias de Whitlock (e outros), com informes para
serem distribuídos às populações muçulmanas na África Central. Considerem-se as
distâncias envolvidas nesse enxame de bases (os pontos vermelhos): só a
distância entre as bases distribuídas no eixo noroeste-sudoeste no continente
africano é maior que a distância entre New York e Los Angeles. Considerem-se as diferenças
étnicas e tribais entre Burkina Faso e Quênia, para nem falar das diferenças
internas, dentro desses países. E lembrem que praticamente todo o norte da
África, do Marrocos ao Egito, é mais de 90% muçulmano.
Por
mais que a correlação entre populações muçulmanas e as atividades de intervenção
norte-americana nesse mosaico de diferenças culturais sugira um leque de
diferentes mensagens para diferentes públicos, só uma generalização é
absolutamente garantida, dada a história recente das intervenções
norte-americanas: a presença continuada e o envolvimento crescente do Comando
dos EUA na África, AFRICOM, só fará inflamar cada vez mais o relacionamento dos
EUA com o Islã militante e, talvez, também com número imensamente maior de
islamistas moderados.
Mas
consideremos outras possibilidades, para que a loucura se generalize. Por
exemplo: considerado o resultado da recente aventura líbia, os islamistas de
mentalidade conspiracionista do norte da África (e – porque não? –, também
muitos moderados), com queda para ler tendências no formato das nuvens, bem
poderão interpretar a corrente de bases do AFRICOM na África Subsaariana como os
tijolos iniciais de um covil gigante, que lá estará para acomodar uma nova
geração de neocolonialistas europeus, que atacarão do norte, obedecendo à
doutrina do presidente Obama que manda “liderar pela retaguarda”. Claro, dadas
as distâncias envolvidas e a porosidade que aquelas distâncias implicam, tais
divagações de mentes paranóicas não passam de tolices, de um ponto de vista
militar.
Mas,
se se considera a trilha de mentiras assassinas que os EUA deixaram no Iraque;
de incompetência, no Afeganistão; e de arrogante indiferença à sorte dos
palestinos, que os EUA comprovaram, ao construir processos de paz que só
facilitaram o crescimento de colônias israelenses ilegais, num roubo continuado
de terras, por Israel, que se arrasta já por 40 anos, esse tipo de
caracterização será moída no moinho da propaganda, como reles fulminações de
mentes paranoicas. E, lembre: você é paranoico, mas, nem por isso, os EUA
deixarão de sair, armados até os dentes, para acabar com você.
Outro
sentido da natureza metastática do envolvimento dos EUA na África pode ser
inferido da carregada, terrorista-cêntrica, embora cuidadosamente construída
verborragia das “respostas preparadas” que o general de exército David M.
Rodriguez entregou à Comissão dos Serviços Armados do Senado, como material de
apoio ao que disse, dia 12/2/2013, ao ser confirmado como novo comandante do
Comando dos EUA na África, AFRICOM. Convido os leitores a, pelo menos, passar os
olhos naquele documento
revelador.
As
“ameaças” terroristas na África Subsaariana, evidentemente tão tentadoras para
os neoimperialistas do AFRICOM, não existem isoladamente. Todas são intimamente
conectadas à insatisfação étnico/tribal na África – tema ao qual Rodriguez
alude, mas que absolutamente não analisa; nem o general nem seus “sabatinadores”
senatoriais, naquele jogo cuidadosamente coreografado de perguntas e respostas.
Muitas
dessas tensões, por exemplo, são, em parte, legado das fronteiras artificiais
criadas pelos intervencionistas europeus no século 19. Aqueles intervencionistas
deliberadamente traçaram fronteiras para misturar grupos étnicos, tribais e
religiosos; assim contavam facilitar as políticas coloniais de “dividir para
governar”. Os colonialistas do século 19 seguidamente exacerbaram
deliberadamente as animosidades locais, impondo grupos minoritários em posições
política e economicamente vantajosas, o que fazia crescer as ondas de
descontentamento e revide. Stálin, aliás, usou a mesma estratégia nos anos 1920s
e 1930s para controlar as repúblicas soviéticas muçulmanas, na região antes
conhecida como Turquestão, na Ásia Central. Na URSS, o posicionamento dessas
fronteiras artificiais entre aqueles novos “-stões” era amplamente conhecido
como “pílulas de
veneno” de
Stálin.
A crise dos reféns na usina de gás
no leste da Argélia, em janeiro passado, ilustra algumas dessas complexidades de
profundas raízes culturais que sempre há nesses conflitos. Akbar Ahmed escreveu
sobre isso, em mais um de uma série
de ensaios fascinantes publicados
por Al-jazeera. Essa série de matérias – que considero muito importantes –
baseiam-se nas pesquisas para seu novo livro, no prelo, The Thistle
and the Drone: How America’s War on Terror Became a War on Tribal
Islam [O cacto/cardo e o drone: como a Guerra ao
Terror, dos EUA, converteu-se em guerra contra o Islã tribal], a ser publicado
em março, nos EUA, pela Brookings Institution Press.
Akbar Ahmed |
O embaixador Akbar Ahmed é ex-alto
comissário do Paquistão no Reino Unido, e ocupa agora a cátedra, apropriadamente
batizada Cátedra Ibn Khaldun de Estudos Islâmicos da American University em Washington, D.C ..
Considerado um dos pais da moderna historiografia e das ciências sociais, Ibn
Khaldum é um dos especialistas mais
influentes, no campo da historiografia, na natureza espontânea do tribalismo e
de seu papel na construção da coesão social. O núcleo duro do trabalho do
professor Ahmed acompanha essa inspiração. Visa a explicar porque a insatisfação
espalha-se tão amplamente em todo o antigo mundo colonial, e como, parcialmente,
tem raízes numa complexa história da opressão de grupos étnicos e em rivalidades
tribais, em toda aquela região. Assim se criou uma teia de tensões entre os
fracos governos centrais dos países ex-colônias e os grupos e tribos
minoritários que os cercam.
Ahmed
diz que essas tensões foram exacerbadas pela resposta militar que os EUA deram
ao 11/9. Explica por que as intervenções militares pelos EUA e outras potências
europeias ex-coloniais só farão crescer a tensão que já existe entre os governos
centrais daqueles países e os grupos oprimidos.
Dentre outras coisa, Ahmed, talvez
inadvertidamente, constrói uma crítica devastadora ao fracasso dos EUA, que não
souberam respeitar os critérios de qualquer grande
estratégia sensível, na
reação ao 11/9. Ao confundir um crime horrendo, com ato de guerra, e declarar
guerra global ao terror, sem final previsto; e ao conduzir aquela guerra
nos termos de uma grande estratégica classicamente falhada, que assumia que
“quem não está conosco está contra nós”, os EUA não apenas criaram inimigos que
se multiplicam mais depressa do que seria possível matá-los; também, ao fazê-lo,
os EUA, sem avaliar qualquer consequência, exacerbaram conflitos locais
altamente voláteis, incrivelmente complexos, de raízes locais profundíssimas;
assim, os EUA contribuíram para desestabilizar porções gigantescas da Ásia e da
África.
Sem
avaliar consequências? É dizer pouco. Considere, leitor, o seguinte: muitos
leitores, aqui, já ouviram falar de AQIM e, provavelmente, também dos tuaregues.
Mas quantos algum dia ouviram falar dos berberes cabila e de sua história na
Argélia? (Eu, nunca.) Pois, como ensina o professor Ahmed, os berberes cabila
são os fundadores da AQIM – fundação que tem raízes profundas nos seus
padecimentos históricos. Assim sendo, a AQIM é mais do que simples
“desdobramento” da al-Qaeda.
Nada
disso aparece nas respostas do general Rodriguez, apesar de fazer repetidas
referências à AQIM e à Argélia. Tampouco se aprenderão essas coisas daqueles
senadores, ou de suas perguntas.
Pode-se
confirmar pessoalmente, em casa.
Faça uma pesquisa de palavras no
“pacote
de perguntas e respostas” do
general Rodriguez: ninguém jamais encontrará ali nem vestígios da complexa
história que Ahmed explica em seu ensaio para Aljazeera,“The
Kabyle Berbers, AQIM, and the search for peace in Algeria”
[Os
berberes cabila, AQIM e a busca de paz na Argélia]. (Tente,
por exemplo, encontrar as palavras AQIM, Kabyle, Berber, history, Tuareg,
tribe, tribal conflict, culture, etc. ou use a própria imaginação).
Além
de perceber o muito que não se discutiu, observe também como o contexto centrado
em ameaças que cerca todas as palavras sempre salta à vista. Compare a
esterilidade de tudo que Rodriguez diz e a riqueza da análise de Ahmed. E tire
suas próprias conclusões. E lembre: “AQIM” é apenas um dos verbetes, no
portfólio de ameaças com que o AFRICOM trabalha. E o quanto nós não sabemos,
sobre os outros verbetes?
Como Robert Asprey mostrou
em seu clássico War in
the Shadows [Guerra nas
sombras], em que
estuda 2000 anos da história das guerras de guerrilha, o erro mais frequente,
sempre cometido por quem pretenda intervir, vindo de fora, numa guerra de
guerrilha, é sucumbir à tentação de deixar que a “arrogância da ignorância”
modele seus esforços militares e políticos.
Apesar
de a arrogância da ignorância já afirmada e reafirmada no Vietnã, no
Afeganistão, no Iraque e na Líbia... já começa a parecer que a conclusão
intemporal de Asprey será mais uma vez reafirmada na África.
Franklin
“Chuck” Spinney*
é ex-analista militar do Pentágono, autor incluído na coletânea Hopeless:
Barack Obama and the Politics of Illusion
[Sem esperança: Barack Obama e a política da ilusão],
publicada
por AK Press.
Recebe e-mails em: chuck_spinney@mac.com
Recebe e-mails em: chuck_spinney@mac.com
Não tenho tempo agora para comentar mais extensamente sobre isto, mas este artigo é um amontoado de bobagens que fazem o jogo da propaganda dos estertores guerreiros do capital.
ResponderExcluirDizer que os berberes da Cabília estão na base da fundação da "Al-Qaida no Magrebe Islâmico" - vulgo AQMI - é a mesma coisa que assimilar os tuaregues à AQMI e aos demais grupelhos "islâmistas" teleguiados que operam no Azawad, no norte do Mali, coisa que a propaganda militarista faz o tempo todo. A AQMI é uma criação da Direção de Informações e Segurança, a DRS, serviço secreto militar da Argélia, e todos os serviços de "informações" do mundo sabem disto. O tuaregue Ilyad ag Ghaly, líder do movimento "islamista" Ansar al-Dine, o mais importante dos que estiveram envolvidos na toma das cidades do norte do Mali, é um conhecido agente argelino que não se furta a prestar serviços para qualquer organização de "informações" que lhe pagar, caracterizado pelo Departamento de Estado dos EUA como "sempre presente quando alguém quer dar algum dinheiro aos tuaregues", e todos os demais grupos "islamistas" do Sahel têm alguma ligação com a DRS argelina, com a Direção de Segurança do Estado (DSE) francesa ou com a CIA. Em resumo, os movimentos terroristas de rótulo islâmico não têm nada de "anti-imperialistas". São, ao contrário, um instrumento do imperialismo.
Isto só para início de conversa. O resto do artigo tem o mesmo valor.
Prezado Tomás
ExcluirNão entendi bem sua argumentação, mas vou procurar responder. O Spinney critica justamente as "ignorância e arrogância" do Pentágono sobre a enorme variedade de tribos, culturas e linhas religiosas que ocorrem no Saara-Sahel. São essas "ignorância e arrogância" que estão levando (ou trazendo) ódio dessas populações (isso ocorre em todo o norte da África) a todos os estrangeiros (europeus e norte-americanos, principalmente) invasores e seus prepostos locais.
Certo mesmo é que todas as siglas (AQIM, Alsar al-Dine, etc.) são instrumento provocadores das potências internacionais. Inclusive a al-Qaeda. Basta ver o que fizeram na Líbia e ainda vão fazer na Argélia, Niger e Burkina Faso, só pra citar os primeiros. A questão africana ainda não é ideológica, mas de recolonização/exploração.
Abraço
Castor