26/3/2013, Pepe Escobar, Asia
Times Online – The Roving Eye
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Pepe Escobar |
Notícias
da morte prematura dos BRICS
(Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) são muitíssimo exageradas. A
imprensa-empresa ocidental está inundada dessas tolices, perpetradas, nesse
específico caso, pelo presidente do Morgan Stanley Investment Management.
[Ver em: “Broken
BRICs. Why the Rest Stopped Rising” [BRICs quebrados. Por
que o resto parou de crescer], Foreign Affairs, nov.-dez.2012]
A
realidade é outra. Os BRICS
reúnem-se em Durban, África do Sul, nessa 3ª-feira, para, dentre outros passos,
criarem sua própria agência de avaliação de riscos, escapando assim da ditadura
– ou, no mínimo, das “agendas enviesadas”, como diz a diplomacia indiana – das
agências tipo Moody's/Standard &
Poor. Também tocarão adiante a criação de um Banco de Desenvolvimento dos
BRICS, com capital inicial de US$50 bilhões (faltam só se definir alguns
detalhes estruturais), para ajudar em projetos de infraestrutura e de
desenvolvimento sustentável.
Importante,
mesmo, é que EUA e União Europeia não serão acionistas desse Banco do Sul –
alternativa concreta, estimulada principalmente por Índia e Brasil, ao Banco Mundial e ao
sistema de Bretton Woods controlados pelo Ocidente.
Jaswant Singh |
Como
observou o Ministro das Finanças da Índia, Jaswant Singh, esse banco de
desenvolvimento poderá, por exemplo, canalizar o know-how de Pequim, para ajudar a financiar as
obras massivas de infraestrutura das quais a Índia carece.
As
grandes diferenças políticas e econômicas entre os países BRICS são
autoevidentes. Mas, já agora
reunidos e operando como grupo, o ponto já não é se podem proteger a economia
global contra a crise non-stop do capitalismo-de-cassino avançado.
O
ponto é que, além de medidas para facilitar o comércio mútuo, as ações do bloco
vão-se tornando cada vez mais políticas. Os BRICS não apenas mostram seu poder
econômico como, também, tomam medidas concretas na direção acelerada rumo a
mundo multipolar. Nisso, o Brasil é particularmente ativo.
Inevitavelmente,
os míopes fanáticos atlanticistas de sempre do consenso de Washington nada veem
– miopicamente – além de “BRICS esperam mais reconhecimento das potências
ocidentais”.
Claro
que há problemas. O crescimento
está mais lento no Brasil, China e Índia. Dado que a China, por exemplo,
tornou-se principal parceiro comercial do Brasil – já ultrapassou os EUA –
vastos setores da indústria brasileira sofreram com a concorrência das
manufaturas chinesas baratas.
Mas
há perspectivas futuras inescapáveis. Os BRICS muito provavelmente terão
mais poder no Fundo Monetário Internacional. Detalhe crucialmente importante, os
BRICS passarão a negociar em suas próprias moedas nacionais, servindo-se, de um
Yuan globalmente conversível e
afastando do dólar norte-americano e do petrodólar.
A
China em momento menos acelerado
Jim O’Neill |
O
inventor da expressão “BRIC” (no início, ainda sem a África do Sul) foi Jim
O’Neill, do banco
Goldman Sachs, nos idos de
2001. Muito interessante e esclarecedor ouvir o que O’Neill tem a dizer hoje,
sobre o mesmo tema [em longa entrevista à revista Der Spiegel (21/3/2013, “BRICS
'Have Exceeded all Expectations” [Os BRICS superaram todas as
expectativas], Der
Spiegel).
O'Neill
destaca que a China, mesmo tendo crescido “meros” 7,7% em 2012, “Criou riqueza
equivalente a uma economia grega inteira, a cada 11 semanas e meia”. A
desaceleração na China foi “cíclica e estrutural” – um “desligar a máquina”
planejado para controlar o superaquecimento e a inflação.
Os
impulso adiante que se vê nos BRICS é parte de uma tendência global
irresistível. Boa parte dessa tendência está bem decodificada num novo relatório
do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas [orig.
United Nations Development
Programme]. Em resumo: o norte está sendo
ultrapassado na corrida econômica, pelo sul global, que corre a velocidade
estonteante.
Segundo
aquele relatório, “pela primeira vez em 150 anos, a soma dos resultados das
três principais economias do mundo em desenvolvimento –
Brasil , China e Índia – é praticamente igual aos PIBs somados
das notórias potências industriais do Norte”.
Chefes de Estado dos BRICS (da esqerda para a direita) Dilma Rousseff - Brasil; Vladimir Putin - Russia; Manmohan Singh - Índia; Li Jinping - China; Jacob Zuma - África do Sul |
A
conclusão óbvia é que “o crescimento do Sul global está reformatando
radicalmente o mundo do século 21, com nações em desenvolvimento comandando o
crescimento econômico, arrancando da miséria centenas de milhões de pessoas
e empurrando bilhões mais para
uma nova classe média global”.
E
no coração crucial ardente desse processo, encontramos um épico eurasiano: o
desenvolvimento de relação
estratégica entre Rússia e China.
Sempre
o Oleogasodutostão...
Vladimir Putin |
O Presidente
Vladimir Putin da Rússia não
quer saber de arrastar prisioneiros: quer empurrar os BRICS no rumo de
constituir “um mecanismo de cooperação estratégica em plena escala, que nos
permitirá, juntos, procurar soluções para as questões
chaves da política global”.
Isso
implicará uma política externa comum para todos os BRICS – e não só alguma coordenação
seletiva em torno de alguns temas. Não será fácil. Exigirá tempo. Putin está
perfeitamente consciente disso.
O
que torna tudo ainda mais fascinante é que Putin já expôs essas ideias ao novo Presidente da China, Xi Jinping, que o visitou em Moscou, por três dias. Putin
não mediu palavras: fez questão de dizer e repetir que as relações sino-russas
“são hoje as melhores, em séculos de história”.
Não
é exatamente o que os atlanticistas hegemonistas gostariam de ouvir – sempre
interessados, eles, em manter todas as relações no pé em que estavam na Guerra
Fria.
Xi Jinping |
Xi
retribuiu em alto estilo: “Não viemos visitá-los à toa” – como se lê, parcialmente
detalhado no
China
Daily.
E esperem só, que a potência
criativa dos chineses comece a gerar
dividendos.
Inevitavelmente,
o Oleogasodutostão está no coração do projeto de relações complementares entre
esses dois grandes BRICS.
A
China precisa do petróleo e o gás da Rússia, como item de segurança nacional.
A
Rússia quer vender mais e mais
dos dois itens, diversificando a carteira de clientes, na direção do Oriente;
mais que tudo, a Rússia receberia com enorme entusiasmo investimentos chineses
no extremo oriental de seu território – a imensa região Trans-Baikal.
E,
por falar nisso, não é verdade que o “perigo amarelo” esteja invadindo a Sibéria
– como diz o ocidente. Só 300
mil chineses vivem hoje na Rússia.
Consequência
direta da reunião de cúpula Putin-Xi é que de agora em diante
Pequim pagará adiantado pelo petróleo russo que comprar – em troca de participar
em inúmeros projetos, como, por exemplo, na prospecção de petróleo em alto mar
nas áreas da CNPC e Rosneft no Mar de Barents e em outros pontos das águas
russas.
A
Gazprom, por sua vez, fechou
negócio longamente esperado de gás com a CNPC: 38 bilhões de metros cúbicos por
ano entregues pelo gasoduto ESPO, a partir da Sibéria, começando em 2018. E já
no final de 2013, será finalizado e assinado um novo contrato chinês com a
Gazprom, envolvendo fornecimento de gás para os próximos 30 anos.
As ramificações geopolíticas são
imensas: importar mais gás da Rússia ajuda Pequim a, gradualmente, escapar do
seu dilema
Malacca e
Ormuz
– para não mencionar a industrialização das províncias do interior da China,
imensas, muito densamente povoadas, duramente dependentes ainda da agricultura,
e que ficaram à margem do boom econômico.
Eis
como o gás russo encaixa-se no plano máster do Partido Comunista Chinês: para
configurar as províncias do interior do país como base de apoio para a classe
média chinesa – 400 milhões de chineses cada vez mais ricos, mais urbanizados,
que vivem na costa leste.
Putin,
ao dizer e insistir que não vê o bloco BRICS como “concorrente geopolítico”
contra o ocidente, fez o que faltava fazer: negou oficialmente, para não deixar
dúvidas de que, sim, sim, se trata exatamente disso. Durban será, provavelmente,
a ocasião em que se sacramentarão apenas os primeiros movimentos dessa
competição. Desnecessário dizer que as ‘'elites'’ ocidentais – ainda que
estagnadas e à beira da bancarrota – não cederão, senão depois de muita luta,
qualquer dos seus privilégios.
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