terça-feira, 12 de março de 2013

Teatro do absurdo II






Alfredo Pereira dos Santos



Sobe o pano

Cenário: um pesquisador observa, diante do computador, as mensagens enviadas pelos alunos de um curso de matemática à distância, oferecido por uma universidade pública federal.

Recorrentes nas mensagens são as reclamações sobre a falta de atenção dos professores em relação às dúvidas dos alunos. O pesquisador sabe que este é um aspecto importante que, certamente, irá merecer a atenção da universidade, mas o que lhe chama a atenção naquele momento é a maneira de escrever  dos alunos, que revela uma grande falta de conhecimento da norma culta da língua. Desse modo vai registrando os erros que encontra, fazendo observações.

Uma aluna escreve “xego no final”. Coisa estranha, comenta o pesquisador com os seus botões, como essa moça terminou o ensino médio e chegou à universidade sem conhecer o verbo CHEGAR.

De um aluno ele anota “É só mim falar o dia e hora que eu vou” e admite que o erro tem toda razão de ser num país onde até os professores dizem coisas como “pra mim fazer”, de modo que não é de se estranhar que os alunos os saiam imitando.

Pasquale Cipro Neto
Outra aluna escreve “para estar nos ajudando” e o pesquisador anota: “Até aqui a praga do gerundismo, tão denunciada pelo professor Pasquale Cipro Neto, já chegou”.

A próxima observação, de outra aluna, “Concerteza a internet nos oferece muitos vídeos bons” deixa o pesquisador sem ter o que dizer, tal a sua perplexidade. Ele passa para a mensagem de outra aluna e anota: “acho que deviam aver correção ou pelo menos o envio das resoluções para agente compreender melhor a matéria”. A estupefação do pesquisador vai aumentando, junto com a sua tristeza de começar a suspeitar de que o seu amado Brasil vai levar muitos anos para ensinar aos alunos a escrever razoavelmente bem.

O registro seguinte foi tirado da resposta de uma professora a um aluno em dúvida: “Um intervalo é um SEGUIMENTO de reta que pode incluir ou não seus extremos”. Nesse ponto o pesquisador teve ímpetos de se atirar pela janela, pois teve a confirmação do descalabro total. Uma professora que confunde SEGMENTO com SEGUIMENTO é a prova viva de que a recomendação de um ilustre gramático de que toda aula, de qualquer matéria, deve ser também uma aula de vernáculo está muito longe de ser seguida em nosso país. E o pesquisador pensa que seria de bom alvitre que as apostilas de português dadas aos estudantes novatos, contendo ensinamentos sobre verbos, substantivos e adjetivos, fossem também dadas a alguns professores. Curioso, pensa o pesquisador, eu imaginava que essas coisas de verbos e substantivos fossem aprendidas no ensino fundamental.

Luís Vaz de Camões
O próximo registro feito pelo pesquisador “A universidade deveriam ter suas próprias apostilas ou mudar para outras, pois estas oferecidas aos alunos não resolve quase nada porque os professores não seguem elas” o fez pensar no seguinte: “Precisamos tirar Camões do ostracismo”. E o fez pensar também no seguinte: “com tanto livro bom traduzido no Brasil, sem falar nos escritos por bons professores brasileiros, porque a universidade tem que ficar distribuindo apostilas aos alunos? Para que reinventar a roda? Por que não prestigiar os bons autores?”

O pesquisador até achou interessante a mensagem seguinte “SERIA INTERESANTE SE OS POLOS DE APOIO PRESENCIAL FICASSE ABERTOS NO PERIODO NOTURNO, LEVANDO EM CONTA, A DIFICULDADE DE QUEM TRABALHA DURANTE O DIA, SENDO ASSIM UM NÚMERO MOIR DE ALUNOS PODERIAM USUFLUIR DOS RECURSOS QUE O POLO TEM A OFERECER”, pois lhe ocorreu que USUFLUIR poderia ser um neologismo: USUFRUIR FLUINDO.

Outra aluna também reclama “Eu sugiro que tenha mais tutores nas disciplinas de matemática, cálculo e pré- cálculo, para nos dar respostas mais rápida. Porque precisei de ajuda dias antes da avaliação em uma questão de matemática e não obtive respostas. E justamente ela caiu na prova, e infeslimente não conseguir resovê-la”. Como resolver uma situação dessas?

Outra aluna protesta “Estou achando os prazos muito curtos, para realização dos trabalhos de informatica. Mau terminamos um já tem outro...Precisamos de um intervalo maior” e o pesquisador não pôde deixar de reconhecer que isso é MAU.

Outra aluna diz que “Sei que são vários polos mas estou anciosa pra ver as notas das provas” e o pesquisador começa a ficar ansioso, querendo dar a pesquisa por encerrada.

O pesquisador, contudo, é obstinado, anota “pessoas que sairam da escola a bastante tempo” e fica se perguntando porque as escolas não explicam aos alunos a diferença entre o artigo A (ou adjetivo, ou pronome, etc.) e o verbo HAVER?.

Outra aluna protesta contra aulas marcadas e desmarcadas “Boa...disse tudo ! Aqui no polo toda aula da materia de matematica e pre calculo é desmarcada. E isso ja vem desde outubro do ano passado. Tivemos prova sem se quer ter 1 aula da materia, e as materias de matemática sao dificeis, igual vc disse, tem coisa que o ensino médio não ensina. Ai não tem aula, eles postam um tanto de coisa no moodle que logico que vc não vai aprender sozinho...e agente fica desse geito impurrando as coisas com a barriga. O pessoal que mora aqui ta pagando um professor particular de matematica, ou seja, agente tem faculdade e tem que pagar alguem de fora para ensinar pois so tem 1 aula a cada 1 ou 2 meses, e mesmo assim muitas sao desmarcadas. So que igual agente que não mora aqui, fica complicado,muitos moram muito longe. Ta tudo tocado essa facul a distancia!”.

Finalmente, a última reclamação desse lote da pesquisa “Por favor professor como fazer os testes se as nossas dúvidas não forem respondidas? Pra falar a verdade não consegui aprender nada de função trigonométrica. Me socorre...”.

O pesquisador encerra, deprimido, a sua pesquisa e conclui que não se pode vituperar os alunos quando a própria universidade lhes recomenda a leitura de coisas como “Segundo os autores PALLOFF & PRATT, (2004) os cursos e programas on-line não foram feitos para todo mundo” que, para ele é uma tremenda bobagem, pois não existe nada que seja feito para todo mundo.

Nelson Rodrigues
Cai o pano.

A platéia se levanta em silêncio, alguns permanecem sentados, boquiabertos diante do que acabaram de ver. Alguns derramam “lágrimas de esguicho”, expressão que vem bem a calhar, pois bem poderíamos estar diante de uma daquelas peças do Nelson Rodrigues, no estilo de “Bonitinha, mas ordinária”, “Perdoa-me por me traíres” ou “Toda nudez será castigada”.

E choram por saber que o que acabaram de ver não se trata de ficção, mas a mais pura das realidades.

Alguns, que foram sós ao teatro, caminham cabisbaixos para as suas casas. Casais fazem comentários baixinhos. Grupinhos discorrem sobre o tema da peça. Alguns falam que o grande problema é a falta de leitura. Alguém diz que “o Brasil entrou na decadência sem ter atingido o apogeu, o que é coisa inédita na história da humanidade”. Um militar reformado, que estudou no Colégio Militar diz que “a culpa é dos malditos PEIDAGOGOS de hoje”. Um outro protesta, dizendo que “milico não tem moral para falar, pois fuderam com a educação nesse país”.

Alguém lembra uma frase do Nelson Rodrigues “O grande acontecimento do século foi a ascensão espantosa e fulminante do idiota”. O que explicaria tudo.

Como não podia deixar de ser, aparece alguém para botar a culpa na televisão, lembrando o pedido do presidente Obama, dos Estados Unidos, feito no Congresso daquele pais, para que os pais reduzissem o tempo que os filhos ficavam em frente ao aparelho de televisão.

Vai ficando tarde, o cansaço e o sono vão chegando, uns pensam “que se foda o mundo que eu não me chamo Raimundo”. Outros já estão com a vida ganha, já saíram da escola há muito tempo, os filhos estão criados, o problema não lhes diz respeito. Um outro se lembra que no dia seguinte vai ter que arranjar dinheiro para pagar a conta de luz, que está atrasada. Alguém pensa no encontro marcado para o dia seguinte. Ademais, há que se pegar cedo no batente, no outro dia.

Boa noite, até amanha, durmam bem.

E assim caminha a humanidade.


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