Alfredo
Pereira dos Santos
Sobe
o pano
Cenário:
um pesquisador observa, diante do computador, as mensagens enviadas pelos alunos
de um curso de matemática à distância, oferecido por uma universidade pública
federal.
Recorrentes
nas mensagens são as reclamações sobre a falta de atenção dos professores em
relação às dúvidas dos alunos. O pesquisador sabe que este é um aspecto
importante que, certamente, irá merecer a atenção da universidade, mas o que lhe
chama a atenção naquele momento é a maneira de escrever dos alunos, que revela
uma grande falta de conhecimento da norma culta da língua. Desse modo vai
registrando os erros que encontra, fazendo observações.
Uma
aluna escreve “xego no final”. Coisa estranha, comenta o pesquisador com
os seus botões, como essa moça terminou o ensino médio e chegou à universidade
sem conhecer o verbo CHEGAR.
De
um aluno ele anota “É só mim falar o dia e hora que eu vou” e admite que
o erro tem toda razão de ser num país onde até os professores dizem coisas como
“pra mim fazer”, de modo que não é de se estranhar que os alunos os saiam
imitando.
Pasquale Cipro Neto |
Outra
aluna escreve “para estar nos ajudando” e o pesquisador anota: “Até aqui
a praga do gerundismo, tão denunciada pelo professor Pasquale Cipro Neto, já
chegou”.
A
próxima observação, de outra aluna, “Concerteza a internet nos oferece muitos
vídeos bons” deixa o pesquisador sem ter o que dizer, tal a sua
perplexidade. Ele passa para a mensagem de outra aluna e anota: “acho que
deviam aver correção ou pelo menos o envio das resoluções para agente
compreender melhor a matéria”. A estupefação do pesquisador vai aumentando,
junto com a sua tristeza de começar a suspeitar de que o seu amado Brasil vai
levar muitos anos para ensinar aos alunos a escrever razoavelmente
bem.
O
registro seguinte foi tirado da resposta de uma professora a um aluno em dúvida:
“Um intervalo é um SEGUIMENTO de reta que pode incluir ou não seus
extremos”. Nesse ponto o pesquisador teve ímpetos de se atirar pela janela,
pois teve a confirmação do descalabro total. Uma professora que confunde
SEGMENTO com SEGUIMENTO é a prova viva de que a recomendação de um ilustre
gramático de que toda aula, de qualquer matéria, deve ser também uma aula de
vernáculo está muito longe de ser seguida em nosso país. E o pesquisador
pensa que seria de bom alvitre que as apostilas de português dadas aos
estudantes novatos, contendo ensinamentos sobre verbos, substantivos e
adjetivos, fossem também dadas a alguns professores. Curioso, pensa o
pesquisador, eu imaginava que essas coisas de verbos e substantivos fossem
aprendidas no ensino fundamental.
Luís Vaz de Camões |
O
próximo registro feito pelo pesquisador “A universidade deveriam ter suas
próprias apostilas ou mudar para outras, pois estas oferecidas aos alunos não
resolve quase nada porque os professores não seguem elas” o fez pensar no
seguinte: “Precisamos tirar Camões do ostracismo”. E o fez pensar também no
seguinte: “com tanto livro bom traduzido no Brasil, sem falar nos escritos por
bons professores brasileiros, porque a universidade tem que ficar distribuindo
apostilas aos alunos? Para que reinventar a roda? Por que não prestigiar os bons
autores?”
O
pesquisador até achou interessante a mensagem seguinte “SERIA INTERESANTE SE
OS POLOS DE APOIO PRESENCIAL FICASSE ABERTOS NO PERIODO NOTURNO, LEVANDO
EM CONTA, A
DIFICULDADE DE QUEM TRABALHA DURANTE O DIA, SENDO ASSIM UM
NÚMERO MOIR DE ALUNOS PODERIAM USUFLUIR DOS RECURSOS QUE O POLO TEM A
OFERECER”, pois lhe ocorreu que USUFLUIR poderia ser um neologismo: USUFRUIR
FLUINDO.
Outra
aluna também reclama “Eu sugiro que tenha mais tutores nas disciplinas de
matemática, cálculo e pré- cálculo, para nos dar respostas mais rápida. Porque
precisei de ajuda dias antes da avaliação em uma questão de matemática e não
obtive respostas. E justamente ela caiu na prova, e infeslimente não conseguir
resovê-la”. Como resolver uma situação dessas?
Outra
aluna protesta “Estou achando os prazos muito curtos, para realização dos
trabalhos de informatica. Mau terminamos um já tem outro...Precisamos de um
intervalo maior” e o pesquisador não pôde deixar de reconhecer que isso é
MAU.
Outra
aluna diz que “Sei que são vários polos mas estou anciosa pra ver as notas
das provas” e o pesquisador começa a ficar ansioso, querendo dar a pesquisa
por encerrada.
O
pesquisador, contudo, é obstinado, anota “pessoas que sairam da escola a
bastante tempo” e fica se perguntando porque as escolas não explicam aos
alunos a diferença entre o artigo A (ou adjetivo, ou pronome, etc.) e o verbo
HAVER?.
Outra
aluna protesta contra aulas marcadas e desmarcadas “Boa...disse tudo ! Aqui
no polo toda aula da materia de matematica e pre calculo é desmarcada. E isso ja
vem desde outubro do ano passado. Tivemos prova sem se quer ter 1 aula da
materia, e as materias de matemática sao dificeis, igual vc disse, tem coisa que
o ensino médio não ensina. Ai não tem aula, eles postam um tanto de coisa no
moodle que logico que vc não vai aprender sozinho...e agente fica desse geito
impurrando as coisas com a barriga. O pessoal que mora aqui ta pagando um
professor particular de matematica, ou seja, agente tem faculdade e tem que
pagar alguem de fora para ensinar pois so tem 1 aula a cada 1 ou 2 meses, e
mesmo assim muitas sao desmarcadas. So que igual agente que não mora aqui, fica
complicado,muitos moram muito longe. Ta tudo tocado essa facul a
distancia!”.
Finalmente,
a última reclamação desse lote da pesquisa “Por favor professor como fazer os
testes se as nossas dúvidas não forem respondidas? Pra falar a verdade não
consegui aprender nada de função trigonométrica. Me
socorre...”.
O
pesquisador encerra, deprimido, a sua pesquisa e conclui que não se pode
vituperar os alunos quando a própria universidade lhes recomenda a leitura de
coisas como “Segundo os autores PALLOFF & PRATT, (2004) os cursos e
programas on-line não foram feitos para todo mundo” que, para ele é uma
tremenda bobagem, pois não existe nada que seja feito para todo
mundo.
Nelson Rodrigues |
Cai
o pano.
A
platéia se levanta em silêncio, alguns permanecem sentados, boquiabertos diante
do que acabaram de ver. Alguns derramam “lágrimas de esguicho”, expressão
que vem bem a calhar, pois bem poderíamos estar diante de uma daquelas peças do
Nelson Rodrigues, no estilo de “Bonitinha, mas ordinária”, “Perdoa-me
por me traíres” ou “Toda nudez será castigada”.
E
choram por saber que o que acabaram de ver não se trata de ficção, mas a mais
pura das realidades.
Alguns,
que foram sós ao teatro, caminham cabisbaixos para as suas casas. Casais fazem
comentários baixinhos. Grupinhos discorrem sobre o tema da peça. Alguns falam
que o grande problema é a falta de leitura. Alguém diz que “o Brasil entrou
na decadência sem ter atingido o apogeu, o que é coisa inédita na história da
humanidade”. Um militar reformado, que estudou no Colégio Militar diz que
“a culpa é dos malditos PEIDAGOGOS de hoje”. Um outro protesta, dizendo
que “milico não tem moral para falar, pois fuderam com a educação nesse
país”.
Alguém
lembra uma frase do Nelson Rodrigues “O grande acontecimento do século foi a
ascensão espantosa e fulminante do idiota”. O que explicaria
tudo.
Como
não podia deixar de ser, aparece alguém para botar a culpa na televisão,
lembrando o pedido do presidente Obama, dos Estados Unidos, feito no Congresso
daquele pais, para que os pais reduzissem o tempo que os filhos ficavam em
frente ao aparelho de televisão.
Vai
ficando tarde, o cansaço e o sono vão chegando, uns pensam “que se foda o
mundo que eu não me chamo Raimundo”. Outros já estão com a vida ganha, já
saíram da escola há muito tempo, os filhos estão criados, o problema não lhes
diz respeito. Um outro se lembra que no dia seguinte vai ter que arranjar
dinheiro para pagar a conta de luz, que está atrasada. Alguém pensa no encontro
marcado para o dia seguinte. Ademais, há que se pegar cedo no batente, no outro
dia.
Boa
noite, até amanha, durmam bem.
E
assim caminha a humanidade.
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