terça-feira, 26 de março de 2013

Jim O’Neill, do banco Goldman Sachs: “Os BRICS ultrapassaram todas as expectativas”


21/3/2013, Erich Follath, Der Spiegel Online
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Erich Follath
O’Neill, 55, tornou-se mundialmente conhecido em 2001, por artigo no qual cunhou e usou pela primeira vez a sigla BRIC – os países em desenvolvimento naquele momento, Brasil, Rússia, Índia e China, os quais ele previu que seriam as futuras grandes potências econômicas. Mais recentemente, a África do Sul tem aparecido frequentemente incluída no mesmo grupo.

O quinteto, agora chamado BRICS, tem, acumulada, cerca de 40% da população mundial (...). No final de março, líderes dos BRICS vão-se reunir em Durban, África do Sul, como parte do trabalho para encontrar uma nova ordem mundial e definir seu papel dentro dela.


Jim O'Neill
SPIEGEL: Sr. O’Neill, administrar mais de $800 bilhões em ativos parece ser trabalho desafiador. Por que o senhor anunciou que vai deixar seu posto? Deixou de gostar do que faz?

O’Neill: Nada disso. Gosto muito do que faço. Mas depois de mais de 17 anos como sócio em Goldman Sachs, decidi sair. E cheguei à conclusão de que é hora de sair e tentar uma nova vida lá fora.

SPIEGEL: O que quer dizer com isso? Vai-se aposentar e viajar pelo mundo? Ou vai associar-se à diretoria de outro banco, quem sabe... o Deutsche Bank?

O’Neill: Você está só provocando. Mas não, não posso me estender sobre isso. De qualquer modo, não penso em me retirar completamente dos negócios.

SPIEGEL: Sua aposentadoria terá algo a ver com a péssima imagem do Goldman Sachs, nos últimos tempos? Recentemente, o grupo Greenpeace “premiou” sua empresa com o Troféu “Na Mira da Opinião Pública [orig. Public Eye Award], como “a pior empresa do ano”, porque Goldman Sachs ajudou a Grécia a ocultar o volume das dívidas e, assim, é também responsável pela crise financeira. E agora, outra vez, o Goldman Sachs está voltando a práticas não transparentes.

O’Neill: Nada disso tem qualquer coisa a ver com minha decisão pessoal. Talvez seja surpresa para você, mas, de fato, concordo com essas críticas em vários sentidos. Vários de nós não agiram de forma responsável em alguns pontos. Alguns não conseguiram entender que nossos negócios afetam toda a humanidade. Agiram como se fosse possível operar à parte, fora do mundo real. Agora, estão sendo acertadamente criticados por isso.

SPIEGEL: O senhor poderia iniciar uma segunda carreira, como secretário-geral dos países BRICS.

O’Neill: Nos últimos dias, de fato, recebi algumas ofertas de emprego, e essa, com certeza, seria das mais interessantes! Mas não sei se os países BRICS cogitam de criar esse posto e, se cogitarem, se se interessariam por me dar o emprego. Por outro lado, esse clube de países deve a própria existência a mim – digo-o com toda a modéstia. OK. Esperarei que me convidem, antes de discutir o assunto.

SPIEGEL: Ano passado, na reunião em Delhi, os líderes dos países BRICS já discutiram algumas ações conjuntas bem específicas, como criar o “Banco do Sul”, para competir com o Banco Mundial, controlado por países ocidentais...

O’Neill: ... ideia que me parece fascinante e que está sendo defendida pela Índia, talvez também, provavelmente, pelo Brasil. Mas ainda falta ver se os chineses realmente aprovam o plano. Agora, para os países BRICS seria importante lançar projetos concretos, se querem mesmo ser mais que um clube, unido por laços pouco firmes. Já definiram algumas medidas para facilitar o comércio entre eles e têm demandas conjuntas em alguns tópicos de política exterior e políticas para o meio ambiente. Podem fazer muito mais.

SPIEGEL: Os países BRICS não são diferentes demais entre eles, para constituir grupo realmente poderoso? Quando o senhor cunhou a sigla e o conceito, já supunha que os BRICS teriam tal impacto na política mundial?

O’Neill: Não, claro que não! Tente imaginar a minha situação naquele momento. Foi pouco depois do 11/9. Os ataques terroristas contra New York e Washington fortaleceram minha ideia de que era hora de ultrapassar a dominação dos países ocidentais sobre o mundo, ou, no mínimo, que era preciso complementar aquela dominação, acrescentando alguma outra força. Se a globalização devesse prosseguir e ser bem-sucedida, seria necessário abandonar o barco dos EUA e passar a navegar sob outra bandeira. Ocorreu-me que, pelas dimensões territoriais e grandes populações, China, Índia, Rússia e Brasil teriam potencial econômico. O que as economias emergentes têm em comum – além de todas elas desconfiarem do ocidente – é o futuro promissor e brilhante. Mas, fora isso, dificilmente se conseguiria grupo mais heterogêneo em termos políticos e, também, quanto aos respectivos sistemas econômicos.

SPIEGEL: Economicamente, os BRICs desenvolveram-se como o senhor esperava?

O’Neill: Os BRICS ultrapassaram todas as minhas expectativas. Em pouco mais de uma década, o PIB do grupo saltou de aproximadamente $3 trilhões, para $13 trilhões. Os países BRIC têm potencial para passar ao largo da recessão mundial e crescer mais depressa que o resto do mundo e nos arrastar, todos nós, com eles como um motor de crescimento.

SPIEGEL: É o que o senhor tem dito. Mas China, Índia, Rússia e Brasil também enfrentam crises significativas. Ruchir Sharma, seu colega e presidente do Morgan Stanley Investment Management, até já anunciou o fim do milagre. Em artigo intitulado “BRICS quebrados”, escreveu que “os novos BRICS da economia mundial estão quebrados”...

O’Neill:... e parte da imprensa não faz outra coisa além de repetir essa tolice. É ideia tão totalmente errada que eu, conforme o dia e o estado do meu humor, às vezes me irrito, às vezes dou risada.

SPIEGEL: Mas o senhor não pode negar que, ano passado, os BRICS causaram desapontamento considerável e o desempenho da economia daqueles países foi, ano passado, bem menos que esplêndido.

O’Neill: Quanto a isso, há diferentes opiniões. Ano passado, a economia da China cresceu 7,7%. Portanto, em 2012, o país, outra vez, criou riqueza equivalente a toda a econmia grega a cada 11 semanas e meia. É baixo crescimento para os padrões chineses. Mas o importante, aí, são as razões que explicar o crescimento menor da China: e são razões estruturais e cíclicas. Foi desaceleração planejada, porque os chineses tratavam de evitar superaquecimento e inflação. No último trimestre a China novamente deu-se bem, e já saiu da área de turbulência.

SPIEGEL: O senhor não vê nenhum sinal de alarme no grande número de greves, na corrupção e no aumento da diferença entre ricos e pobres? O senhor está vendendo participação em fundos chineses nesse momento?

O’Neill: Nas minhas visitas à China, sempre me chama a atenção o quanto o partido governante é maleável e não dogmático em tudo que tenha a ver com tomar decisões de política econômica. Nos últimos dois anos, encurtaram bastante as rédeas das finanças, porque a liderança chinesa tentava proteger-se contra a inflação. Pelo que se vê, parece que deu certo. Não espero movimentos dramáticos da nova liderança política. Só espero que prossigam cautelosamente, no processo de reformas já iniciado com o objetivo de melhorar os padrões de vida e de reduzir a distância, ainda grande, que separa ricos e pobres.

SPIEGEL: E o senhor é igualmente otimista quanto a Rússia, Brasil e Índia?

O’Neill: Nem tanto. A Rússia tem de livrar-se da dependência das exportações de petróleo e gás, mas, sim, tem boa chance de alcançar crescimento contínuo anual ligeiramente acima de 4%. E o Brasil tem de acelerar o crescimento, com grandes oportunidades adiante, para aquele país, no longo prazo, graças às matérias primas e ao desempenho das indústrias. Deixando de lado a África do Sul, que não foi incluída inicialmente no grupo BRIC, o país que enfrenta os maiores desafios é a Índia. O governo em Delhi terá de fazer mais para apoiar o investimento externo direto, e (a economia indiana) carece urgentemente de algum estímulo. Na Índia, há governo de menos. Os políticos indianos acreditam que as coisas podem melhorar por elas mesmas e que nada teriam a fazer para ajudar. Seja como for, o país continua altamente atraente. Além do mais, com população muito jovem, a Índia tem uma forte vantagem demográfica.

SPIEGEL: Muitos investidores sentem que os mercados BRICS já não oferecem o mesmo tipo de retorno dos investimentos que os investidores buscam. O senhor vê outros países emergentes, que possam substituir os BRICS?

O’Neill: Quando identifiquei México, Indonésia, Coreia do Sul e Turquia, como novos mercados em crescimento, houve quem os definisse como “MIST” [1]...

SPIEGEL: ... há investidores que falam desses quatro países, hoje, como “SMIT” [2]...

O’Neill: Chamem como quiserem. Esses países estão despertos e andando.

SPIEGEL: E quanto à indústria na qual o senhor sempre trabalhou? O que o senhor pensa da questão que está sendo acaloradamente debatida na Alemanha nesse momento, de separarem-se bancos de investimento e bancos comerciais, para proteger os pequenos investidores do risco de possíveis perdas em transações especulativas?

O’Neill: É uma separação que, em princípio, faz sentido. A banqueiragem [orig. banking] de investimento é muito diferente da banqueiragem comercial. E quanto aos bônus, sou contra aumentos variáveis anuais. A antiga modalidade de sociedade funcionava muito bem. Nesse modelo, o dinheiro ia para uma conta de capital na qual se acumulavam os ganhos, até a aposentadoria. É preciso combater os exageros.

SPIEGEL: Agora, o senhor falou quase como ativista do movimento Occupy.

O’Neill: Em alguns aspectos, sou mesmo marginal, na minha profissão. Seja como for, não faço parte do establishment. O que muito me alegra. Muitos, nessa indústria, são apanhados pelo motorista de manhã, almoçam com pessoas iguais a eles, sempre em restaurantes caríssimos, e o motorista os leva de volta para casa depois de 14 horas no escritório. É gente que simplesmente não sabe que há vida fora do trabalho e além do que fazem, em dinheiro. Eu ando de metrô em Londres e passo horas com amigos e gente de outras profissões. Sempre achei importante conhecer todos os tipos de pessoas. Gosto de futebol e tenho amigos com os quais me reúno regularmente em pubs.

SPIEGEL: Por que tanta abertura?

O’Neill: Com certeza tem a ver com o lugar de onde venho. Meu pai teve de deixar os estudos aos 14 anos e trabalhou como carteiro. Minha irmã e eu crescemos num subúrbio pobre de Manchester. Tudo que nossos pais ganhavam, até o último penny, foi economizado para que pudéssemos frequentar a universidade.



Notas dos tradutores
[1] Em inglês, mist é uma espécie de nevoeiro fino, que atrapalha a visão. O adjetivo misty significa “obscuro, vago, até misterioso”  
[2] Em inglês, smit é uma espécie de golpe , pancada.  

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