4/3/2013, Robert
Parry, Consortium News
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Robert Parry |
Muitos norte-americanos
compreendem o cerne do alerta que o presidente Dwight
Eisenhower lançou, em 1961, sobre a
influência do “complexo militar-industrial”, como o dinheiro e o grande número
de empregos acabariam por subordinar os congressistas aos interesses dos
fabricantes de armas em suas respectivas bases eleitorais. Mas há outros meios,
menos óbvios, mas igualmente insidiosos, pelos quais o militarismo deformou a
República.
Depois
da 2ª Guerra Mundial, até instituições que se supunha que pudessem de algum modo
controlar o poder dos gastos militares acabaram também corrompidas – da
imprensa-empresa nos EUA a intelectuais, acadêmicos e analistas da Agência
Central de Inteligência, CIA. O dinheiro do militarismo avançou até já bem além
dos fabricantes de armas.
Em
décadas recentes, a propaganda pró-militares cada dia mais frequentemente
derrota – como tem derrotado – o jornalismo; think-tanks mantidos por
grandes indústrias fabricantes de armas já há muito abandonaram qualquer
pesquisa confiável; e funcionários pró-militarismo, dentro do aparelho do
Estado, já sobrepujam, em quantidade, os analistas da CIA dos quais se esperava
que fornecessem informação objetiva ao presidente e principais conselheiros.
Esse perigoso fenômeno é tema do
livro National
Insecurity: The Cost of American Militarism [Insegurança Nacional: o custo do
militarismo norte-americano, 2013], do ex-analista da CIA Melvin A.
Goodman. É livro escrito do ponto de vista de quem
vivenciou momentos chaves da guinada espasmódica, do que era uma república
civil, para um império militarista. Goodman oferece panorama amplo e disseca a
crise.
Para
Goodman, houve várias encruzilhadas nas quais os EUA poderiam ter tomado rumo
menos acintosamente militarista. Mas, cada vez mais, a pressão cumulativa das
centenas de bilhões de dólares dos gastos militares empurrava os políticos na
direção de mais e mais militarismo.
Em
vários desses pontos de decisão, alguns políticos, a começar por Eisenhower,
tentaram resistir àquelas pressões, mas todos sempre sucumbiram à propaganda que
criava e difundia alguma sempre nova ameaça estrangeira, ou acusava de fraqueza
pouco viril um ou outro político com (algum) poder de decisão. Os políticos
respondiam com apoio a alguma nova guerra, ou com mais dinheiro para os
militares.
Essa
fantasia do “homem-durão” prevaleceu também na imprensa-empresa norte-americana,
onde os jornalistas assalariados temiam ser rotulados de “antiamericanos” ou de
“frouxos” ante um ou outro adversário estrangeiro. Os principais think
tanks de Washington, inclusive os considerados de esquerda ou centro, já se
alinharam ao homem-durão-ismo para não ser marginalizados como “liberais”.
Mohammed Mossadegh |
Essa deriva na direção do
militarismo fortaleceu-se depois que as lembranças da 2ª Guerra Mundial
começaram a evanescer. Como Goodman observa, Eisenhower orgulhava-se de ter
posto fim à Guerra da Coréia e de ter evitado outras guerras durante seu
mandato; mas deixou que prosperassem as operações clandestinas conduzidas pela
nova CIA. Usou essas ferramentas perigosas para depor governos, como o de Mohammed
Mossadegh no Irã em 1953 e de Jacobo
Arbenz na Guatemala em 1954.
Mesmo
assim, como Goodman escreveu, Eisenhower dizia da própria presidência que “os
EUA não perderam um único soldado em campo durante meu governo. Mantivemos a
paz”.
Jacobo Arbenz |
Encolhendo
(sob a pressão do Pentágono)
Presidentes
que o sucederam não conseguiram igualar o que Eisenhower alardeava sobre manter
a paz ou poupar vidas de soldados, mas alguns pressionaram na direção de que se
firmassem acordos de controles de armas com a URSS, frequentemente contrariando
os desejos dos altos escalões do Pentágono. E quatro presidentes eleitos em
sequência depois de Eisenhower – John F. Kennedy, Lyndon Johnson, Richard Nixon
e Gerald Ford – também tiveram de enfrentar as consequências de entrar
levianamente na, e sair dolorosamente da, Guerra do Vietnã.
Então,
depois de rápido respiro pós-guerra nos anos 1970s, recomeçaram as pressões para
investir mais e mais nos militares norte-americanos. Jimmy Carter pôs-se a
trabalhar, em parte como modo de reagir às críticas contra sua “fraqueza”. Mesmo
assim, foi vencido nas eleições de 1980 pelo muito mais beligerante Ronald
Reagan.
Com Reagan na presidência, o
descrédito do uso de armas, típico do período pós-Vietnã – a chamada “Síndrome
do Vietnã” – que se espalhava pela imprensa e, até, em partes do Congresso dos
EUA – foi deslocado. Reagan fez o militarismo voltar a ser belo e divertido,
seja pelo apoio que deu aos “combatentes da liberdade”, seja pelas operações
mais leves e rápidas que patrocinou, como a invasão de Granada.
O
livro de Goodman é interessante, sobretudo, pela leitura que faz dessa ascensão
do militarismo sob Reagan (de meados e fim dos anos 1970s, até os anos 1980s),
momento em começaram a ceder os últimos controles que ainda havia sobre o
militarismo; e período ao qual Goodman assistiu, em assento na primeira fila,
como analista sênior da CIA, responsável por examinar a ameaça soviética.
James Schlesinger |
Goodman acompanha os primeiros
estágios da politização/partidarização das análises da CIA, até Nixon nomear James
Schlesinger para dirigir a Agência, no início
de 1973, quando o escândalo Watergate apenas começava a se aprofundar. Nixon se
tornara cada dia menos simpático à CIA por causa das críticas que a Agência
fazia à Guerra do Vietnã.
Nas
palavras de Goodman:
“Schlesinger nada escreveu, mas reuniu os
especialistas em soviéticos que trabalhavam na Agência e avisou: “Essa agência
vai parar de ferrar Richard Nixon”. Eu estava na sala, porque era analista de
questões soviéticas. O objetivo de Schlesinger era pôr a CIA em rédea curta;
porque a Agência produzira análises que andavam na direção contrária à política
de Nixon para o Vietnã” [National Insecurity, p. 245].
A
perversão dos serviços de inteligência
Depois
da renúncia de Nixon, relacionada ao escândalo de Watergate – e com as eleições
de 1976 à vista – o presidente Ford viu-se sob crescente pressão da Direita
Republicana, muito especialmente da candidatura insurgente do governador da
Califórnia, Ronald Reagan. Ford então procurou modos de aplacar o desejo da
Direita, que ansiava por posição mais dura contra os soviéticos.
A
oportunidade surgiu quando um grupo da direita e intelectuais conservadores
unidos ad hoc e solicitaram acesso à informação bruta que a CIA recolhia
sobre capacidades militares dos soviéticos, com o projeto de redigirem, eles
mesmos, suas próprias análises.
William Colby |
William
Colby, então
diretor da CIA, opôs-se à ideia, entendendo que aquele movimento operaria como
novas pressões sobre os analistas da CIA encarregados de reportar ao presidente
e outros altos funcionários e dos quais se esperava avaliações objetivas das
ameaças globais. Mas o próprio Ford estava sobre forte pressão política. E o
ex-presidente dos Republicanos, George H.W. Bush, foi nomeado para substituir
Colby como diretor da CIA. Goodman relembra:
“Colby não permitiria que um grupo bem
evidentemente polêmico, liderado por um professor de Harvard, Richard Pipes,
chamado “Time B”, sequestrasse a produção de análises, previsões e orientações
de inteligência. Bush não pensaria duas vezes para fazer exatamente isso. Ford
demitiu Colby, e Pipes – com a ajuda do Chefe de Gabinete na Casa Branca Dick
Cheney e do Secretário de Defesa Donald Rumsfeld – nomeou uma equipe de
professores e acadêmicos de direita e funcionários de governos Republicanos
anteriores para redigir as análises sobre as capacidades militares dos
soviéticos. (...) O “Time B” alertou sobre o desenvolvimento de várias armas
soviéticas que jamais foram desenvolvidas. Entre elas, directed energy weapons, sistemas móveis de mísseis antibalísticos
ABM e novas capacidades no campo dos satélites. A equipe de Pipes concluiu
[falsificando informação] que a União Soviética rejeitara a paridade nuclear,
estaria trabalhando para combater e vencer uma guerra nuclear e estaria
aumentando os gastos militares”.
(p. 247).
Embora
as conclusões do “Time B” fossem gravemente distorcidas, tiveram um bem
previsível impacto sobre os analistas da CIA, que rapidamente perceberam que
suas carreiras estariam ameaçadas se insistissem em constatar que a economia
soviética aproximava-se de crise econômica profunda e que, correspondentemente,
o poder militar de Moscou também decaía.
Como
Goodman escreve:
Depois
de entender claramente o processo que se via nas paredes e corredores da
Agência, os analistas do “Time A” da CIA passaram a exagerar tudo que tivessem
de escrever sobre os gastos militares e a tecnologia militar dos soviéticos (p.
248).
As
consequências desses exageros e distorções seriam profundas e duradouras. Depois
de deixar o posto de diretor da CIA em 1977, Bush abraçou ideias super
infladas-distorcidas do que seria o poderio bélico soviético e todas as
previsões alarmistas construídas para serem usadas contra os esforços do
presidente Jimmy Carter para conter o orçamento militar e impor algum tipo de
controle sobre armas.
A
invenção de Reagan
Depois
que Reagan esmagou Carter na eleição de 1980, aqueles relatórios e previsões
infladas-distorcidas passaram a servir como base para grande ampliação nos
projetos de produção de armas nos EUA. Uma nova geração de carreiristas também
já concluíra que a carreira só avançaria se se pusessem a repetir e endossar
qualquer ideia que lhes chegasse do Time B.
Robert Gates |
Por exemplo, Goodman observa que
um então ambicioso jovem vice-diretor da CIA, Robert Gates,
“usou aquelas análises completamente
inflado-distorcidas numa série de discursos que pronunciou para se autopromover
no governo Reagan” (...) (p. 247).
“Nos anos 1980s (...), o diretor [William]
Casey, da CIA, e o vice-diretor Gates (...) fizeram sua própria campanha pública
para exagerar as capacidades soviéticas e justificar que os EUA fizesse
investimentos gigantescos de dinheiro no programa “Guerra nas Estrelas” do
presidente Reagan (...)” (p. 253).
“A CIA precisou de quase uma década para
corrigir os registros e devolver a patamar real e confiável as estimativas e
previsões. Mas o dano estava feito. O governo Reagan usou todos aqueles dados
inflado-distorcidos sobre o poderio militar soviético para enterrar um trilhão e
meio de dólares nos gastos ‘de defesa’ nos anos 1980s. Foram gastos altíssimos,
para fazer face a uma ameaça soviética enormemente exagerada, e a uma URSS já em
declínio” (p. 248).
Quando
o bloco soviético começou a partir-se, no final dos anos 1980s, Gates e outros
figurões na CIA continuavam a ignorar esse desenvolvimento histórico, porque
continuavam programados para ignorar qualquer informação de inteligência que
sugerisse alguma fragilidade em Moscou. Sim, mas... Quando já não era possível
continuar a ignorar a realidade, esses e outros direitistas ativos simplesmente
“acomodaram” a narrativa: passaram a dizer que a grande força militar que Reagan
construíra e suas outras estratégias agressivas haviam derrotado os soviéticos
que, afinal, haviam sido postos de joelhos.
E
assim se inventou o Legado de Reagan. Em vez de aceitar os fatos, que os
soviéticos estavam numa longa trajetória de declínio – que se poderia explicar
em parte pelo sistema econômico e pelos avanços tecnológicos dos EUA para o
programa espacial nos anos 1960s – e que a equipe de Reagan mentira sempre sobre
a realidade soviética para justificar seus novos gastos militares, a Direita
agarrou-se a um roteiro inventado. Reagan teria ordenado ao presidente Mikhail
Gorbachev: “derrube esse muro”. E assim, presto, acabou-se a Guerra Fria!
Até
hoje, reza a “sabedoria” convencional nos círculos do poder em Washington, que
“Reagan venceu a Guerra Fria”. Mas, como Goodman escreve:
“Reagan é frequentemente coroado com os
louros de ter derrotado a União Soviética e posto fim à Guerra Fria. A verdade é
outra: o governo Reagan, apoiado na desinformação que lhe era fornecida por
Casey e Gates, inflou a ameaça soviética; na sequência, reivindicou os créditos
por ter superado a ‘ameaça’” [p. 285].
Começa
a confusão afegã
A
politização/partidarização da inteligência na era Reagan teve outras
consequências negativas. Por exemplo, por causa do alarme inflado no governo
Reagan contra a União Soviética, os EUA e a Arábia Saudita direcionaram bilhões
de dólares em ajuda militar para fundamentalistas islamistas que combatiam
contra o governo apoiado pelos soviéticos no Afeganistão.
Para
que os suprimentos chegassem ao Afeganistão, o governo Reagan teve também de
articular-se com a ditadura islamista no Paquistão; parte disso foi feito com
ordens para que a CIA desviasse os olhos e “não visse” que os paquistaneses
estavam construindo sua bomba atômica; e para que a Agência mantivesse bem longe
dos olhos e ouvidos dos membros do Congresso qualquer informação que tivesse
sobre isso. Escreveu Goodman:
“Em 1986 o vice-diretor da CIA, Gates, lançou
um ultimato: não haveria qualquer referência sobre atividades nucleares no
Paquistão, no Diário da Inteligência Nacional [orig. National Intelligence Daily], produto
da CIA que era enviado às comissões de inteligência do Senado e da Câmara de
Representantes” (p. 255).
Um
dos efeitos da operação Reagan no Afeganistão foi o Paquistão ter-se convertido
em estado armado com bombas atômicas (fato que, para muitos, configura a mais
grave ameaça para todo o mundo contemporâneo); e o Afeganistão ter caído sob
controle dos Talibã (os quais deram abrigo a Osama bin Laden e à al-Qaeda).
Mas
o culto a Reagan que veio depois da Guerra Fria foi força determinante na
condução dos eventos das duas últimas décadas, no governo Republicano e também
no governo Democrata. Por exemplo, Goodman critica fortemente, em seu National
Insecurity , a falta de visão estratégica do presidente Bill
Clinton, que poderia ter afastado os EUA da paranoia da Guerra Fria e conduzido
o país para posição muito menos militarista em todo o mundo. Escreveu
Goodman:
“O presidente Clinton simplesmente não deu
atenção suficiente à política externa, sempre mais interessado em, antes de
agir, ler os resultados das pesquisas de opinião (...) Efeito disso, o
presidente Clinton não deixou qualquer legado nem no campo da política externa,
nem no campo de algum projeto de segurança nacional” (p. 141).
Em
vez de projetar um caminho que conduzisse o país rumo a futuro de mais paz,
Clinton curvou-se aos militares mais linha-dura.
“Clinton foi o primeiro presidente que não
conseguiu fazer frente ao Pentágono e impor um grande tratado de controle de
armas, quando se recusou a enfrentar a oposição que o Pentágono fez ao Comprehensive Test Ban Treaty
(CTBT)”, escreveu Goodman (p. 128).
O
retorno dos neoconservadores
Depois
dos oito anos de Clinton, voltaram os neoconservadores, com George W. Bush; e –
depois do 11/9 – foi uma nova grande “avançada” nos gastos militares para
guerrear a “Guerra Global ao Terror” de Bush e dar fim a antigos adversários,
como Saddam Hussein do Iraque.
Os
neoconservadores, que já tinham afiado os dentes políticos ao exagerar a ameaça
soviética nos anos 1970s e 1980s, voltaram aos velhos truques e golpes, outra
vez inflando ameaças, dessa vez a ameaça que viria do Iraque, em 2002-2003.
Outra vez foram ajudados e apoiados por funcionários carreiristas da CIA, dentre
os quais o ultra maleável diretor George Tenet, que não ofereceu qualquer
resistência a mais politização/partidarização da agência.
Diz
Goodman:
George Tenet |
“Quando George Tenet, diretor da CIA, fez
aquele comentário infame [em dezembro de 2002], de que apresentar inteligência
para justificar a guerra contra o Iraque seria “super fácil” [orig. slam dunk, aprox. “fácil como
enterrar a bola na cesta de basquete”], não falava sobre apoiar a decisão do
governo Bush de invadir militarmente o Iraque; referia-se, isso sim, ao que o
presidente lhe ordenara, que apresentasse inteligência que convencesse o povo
dos EUA e a comunidade internacional de que a guerra era necessária. De fato, a
decisão de invadir o Iraque já estava tomada, sem qualquer consulta aos serviços
de inteligência. Bush só precisava da contribuição dos serviços de inteligência
para dar alguma ‘racionalidade’ ao caso, já decidido, da guerra ao Iraque”
(p. 151).
Até
funcionários da CIA muito mais íntegros – como o analista sênior, Paul. R. Pillar – cederam às ordens da Casa Branca. Goodman escreveu que:
Paul R. Pillar |
“Pillar afinal disse, num documentário para o
programa Frontline da rede PBS,
que fora diretamente responsável por militarizar a inteligência para o governo
Bush. No documentário, que foi ao ar em junho de 2006, Pillar disse que o
documento de inteligência [orig. “White Paper”] para justificar a invasão ao
Iraque fora ‘diretamente solicitado, encomendado e publicado com objetivos bem
claros (...) de reforçar o argumento a favor da guerra, para a opinião pública
norte-americana” (p. 173).
E
Goodman acrescentou:
“O fundo do poço da militarização da
inteligência aconteceu quando o governo Buch pôs-se a selecionar a inteligência
que desejava, ainda que não passasse de falsa inteligência sobre a indústria do
urânio no Niger ou sobre laços que haveria entre Saddam e bin Laden” (p.
179).
O
fracasso de Obama
Nem
as violações, por Bush, da lei internacional, nem a corrupção política que brota
do militarismo excessivo parecem ser problemas para o presidente Barack Obama,
que assumiu em 2009.
Obama
fracassou, ao “não dar qualquer
importância às questões imorais que herdou do governo Bush”, escreve
Goodman. E acrescenta:
“...a nenhuma vontade que Obama manifesta de
atacar a questão da tortura e outros abusos é, talvez se possa dizer, o maior
fracasso de seu primeiro governo, porque assim ignorou os crimes cometidos em
passado recente e violações à lei nacional e à lei internacional. Assim deixa a
porta aberta para que o próximo presidente recorra, novamente, às mesmas
práticas” (p. 231).
Obama
manteve, inclusive o alto comando militar de Bush, inclusive o Secretário de
Defesa, Robert Gates, que ressuscitara da aposentadoria em 2006; e praticamente
todos em Washington esqueceram seu passado muito comprometedor.
Para
Goodman
“O Departamento de Defesa nas mãos de Bob
Gates tornou-se ferramenta de ainda mais autopromoção, para que Gates acumulasse
mais poder e influência. Quando Obama, sem sinal de alguma disposição para
promover mudança significativa, tomou a decisão sem precedentes de manter o
Secretário de Defesa do governo anterior, foi fácil entender que o país, tão
cedo, não superará essa década de governança irresponsável” (p. 191).
Gates
várias vezes cortou as asas do inexperiente Obama, como quando Gates recusou-se
a atender o presidente, que lhe pedia opções para sair da guerra do Afeganistão,
e só trouxe propostas para escalar o conflito e adotar uma estratégia de
contrainsurgência de longo prazo. A insubordinação de Gates continuou até
durante sua viagem de despedida, em 2011.
Como
Goodman observou:
“Gates assumiu as posições da linha dura
contra qualquer plena retirada do Iraque; contra a retirada do Afeganistão;
contra qualquer redução significativa no orçamento da defesa; e contra qualquer
reforma no processo pelo qual o Pentágono compra armamento. Em sua última
semana, viajou a Bagdá e Kabul, onde contradisse o que o presidente Obama
dissera e suas posições sobre o Iraque e o Afeganistão” (p. 201).
Tudo
isso implica que, mais de duas décadas depois de a União Soviética ter sido
extinta – e uma década depois de George W. Bush invadir o Iraque, sem que os EUA
tivessem sofrido qualquer provocação – o complexo industrial-militar continua
vivo e ativo, ainda operando, em grande parte, como Eisenhower alertou:
“Essa conjunção de um imenso establishment militar e uma imensa indústria de armas é
novidade, na experiência dos EUA. A influência total – econômica, política, até
espiritual – sente-se em todas as cidades, em todos os prédios dos governos
estaduais, em todos os gabinetes do governo federal (...) Nos conselhos de
governo, temos de nos precaver contra a influência que o complexo
industrial-militar venha a ter, sem qualquer embasamento, deliberadamente
buscada ou não. O potencial de ascensão desastrosa desse poder mal posto existe
e persistirá”.
O
livro de Goodman, National Insecurity, oferece resumo valioso de como
esse “poder mal posto” realmente persiste. Além do que recomenda, para que se
consiga afinal controlar o dinheiro que alimenta o complexo industrial-militar,
Goodman também sugere que os EUA comecem, afinal, a se autoidentificar
realistamente como parte da comunidade de nações, não como alguma espécie de
policial planetário que se autocomanda.
“Os EUA têm de abandonar qualquer noção de
“excepcionalismo”, que já levou o país a descolar contingentes militares para
várias partes do mundo, como se assim promovessem valores norte-americanos”
– escreveu Goodman (p.367).
Essa
recomendação – além de outras observações ao longo do livro – ganham peso
especial, porque vêm de um analista sênior da CIA, homem que viu acontecer, de
primeira mão, o processo pelo qual o complexo militar-industrial corrompeu a
república.
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