segunda-feira, 18 de março de 2013

Pepe Escobar: “Crise? Que crise? Bombardeiem a Síria!”


18/3/2013, Pepe Escobar (de Paris), Asia Times Online – The Roving Eye
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


Pepe Escobar
Os chefes de Estado e de governo da União Europeia (UE) estão reunidos em Bruxelas para seu show de moda primavera-verão, desculpem, quero dizer: reunião político-econômica de cúpula. Nada de brilhos Gucci/Prada por aqui; em vez disso, sufocantes, abafadas, quatro paredes sartreanas. Nenhum cidadão (incômodos, barulhentos cidadãos) podem entrar; só aqueles Mestres do Universo (europeu). E, isso, depois de três anos de crise horrenda a afetar a Eurozona.

Bem-vindos ao modo como a “democracia” realmente funciona na Europa; todas as principais decisões em economia política, orçamento e finanças, que diretamente afetam mais de 500 milhões de pessoas de pessoas (milhões das quais desempregadas), arrastadas para dentro daquele âmago aconchegante do coração das trevas.

Guy Verhofstadt
O ex-Primeiro Ministro belga, Guy Verhofstadt, agora líder do grupo liberal no Parlamento Europeu, teve, pelo menos, a decência de observar que:

Nem o Parlamento Europeu nem o Parlamento nacional têm sequer uma palavra a declarar nas decisões do Conselho Europeu e da Comissão Europeia.

Ah, sim! Comparado ao beemote (Monstro da Guerra)  da União Europeia, o castelo de Kafka é negócio de jardim de infância. Assim sendo, é preciso dar uma olhadela na lista de personagens.

Herman Van Rompuy
O Conselho de Ministros – também conhecido como Conselho Europeu – é composto de chefes de Estado e de governo e reúne-se pelo menos duas vezes por ano para debater as prioridades políticas da UE. Atualmente é presidido por uma não entidade espetacular de nome Herman Van Rompuy. O conselho é constituído de ministros dos Estados-membros; cabe-lhes adotar leis.

A Comissão Europeia (CE) é composta de 27 comissários (ah, sim, sombra da boa velha URSS). São o poder executivo europeu – eleitos pelo Parlamento Europeu.

O Parlamento Europeu é eleito a cada cinco anos por cidadãos europeus (a maioria dos quais nem se dá o trabalho de ir votar). Como o Conselho de Ministros, também tem poder legislativo.

E há ainda o Banco Central Europeu (BCE), que (des)administra o Euro.

Bem-vindos à “autocracia pós-democrática”

Assim, pois, esses Mestres (Europeus) do Universo tiveram três anos para apagar o incêndio na Eurozona. O balanço, até aqui: sete países da Eurozona estão em recessão profunda; e nove estão estagnados.

Naquele show de moda, digo, aquela reunião de cúpula, há muita conversa sobre “mix político”; é o jargão europeu para estimular demanda em países que conseguem sair-se um pouco melhor que os outros. Ouve-se também muita conversa sobre “pacote de dois” e “pacote de seis” [orig. “two-pack” and “six-pack”]. Não, não, não se trata de embalagem de latinhas de cerveja. Nem de algum frenesi de malhação. Está mais para uma variação de Monopólio (o jogo).

Tudo começou com a Alemanha, intervindo para “salvar” – tipo salvação – os países PIGS (Portugal, Irlanda, Grécia, Espanha [Spain]), ainda no tempo em que a França era governada pelo Rei Sarkô 1º (o ex-presidente Nicolas Sarkozy); decidiram então que um bando de tecnocratas, como na Comissão Europeia e no chamado Eurogrupo (Ministros das Finanças da Eurozona) ficaria encarregado das políticas econômica e orçamentaria desses países.

Primeiro, foi o “pacote de seis”: países que tinha de subscrever um plano sinistro conhecido como Tratado para Estabilidade, Coordenação e Governança (tipo “não se metam a fazer gracinhas por conta própria, sem avisar o resto da turma”).

Em seguida, veio o chamado “pacote de dois”, adotado semana passada pelo Parlamento Europeu: duas regras, segundo as quais os estados devem submeter suas previsões de orçamento à CE, antes mesmo de submetê-las aos Parlamentos nacionais. Resumo da ópera: as “democracias” europeias não têm qualquer poder (poder-zero) para decidir sobre as políticas cerebradas em Bruxelas. Quem governa é aquela troika sinistra: o Conselho Europeu, o Eurogrupo e a Comissão Europeia. Para nem falar do Banco Central Europeu, cosmicamente opaco, transparência zero.

Olli Rehn
E essa gente tem a desfaçatez de criticar o Congresso Nacional do Povo, na China.

Mas para os iniciados, tudo está lindo e ótimo. Olli Rehn, Comissário Europeu de Assuntos Econômicos, disse, sem corar, que:

...se o pacote de seis e o pacote de dois estivessem já implantados quando o euro foi lançado, jamais teríamos chegado a tal crise.

Então, por que aqueles tecnocratas em Bruxelas, com gordo salário vitalício, não pensaram nisso (que fosse) antes?!

Daniel Cohn-Bendit
No campo oposto, Daniel Cohn-Bendit, o ex-heroico “Dany, o Vermelho” e atual co-presidente dos Verdes no Parlamento Europeu, definiu o golpe como “austeridade tecnocrática”. Melhor ainda: o grande filósofo alemão e federalista europeu certificado, Jurgen Habermas, chamou a coisa de “autocracia pós-democrática”.

De Paris à Escandinávia ouvem-se choro de angústia e ranger de dentes, por a Europa ter despencado num buraco negro. Basta andar pelas ruas – e vê-se de que lado sopra o vento: populismo (como nas recentes eleições italianas) e fascismo (na Dinamarca, por exemplo, pesquisa recente mostra que o Partido DF, de extrema direita, anti-imigração e anti-UE, já é mais popular que a coalizão de centro-esquerda atualmente no poder. Notícias terríveis para a atual Primeira-Ministra, Helle Thorning-Schmidt).

Helle Thorning-Schmid
Ante esse Armagedon, o melhor que a UE infestada de tecnocratas consegue oferecer é que temos de “reintroduzir o povo” na “máquina”. Não introduzirão coisa alguma em lugar algum: a máquina parou de funcionar.

Convoque as Kalashnikovs de sempre

Como sempre acontece, também na União Europeia, se as coisas podem ficar mais patéticas, elas ficarão. Sem mais nem menos, em pleno show de moda primavera-verão, desculpe, reunião do Conselho Europeu, lá aparecem, de repente, o Primeiro-Ministro britânico, David Cameron, e o Presidente francês, François Hollande.

Mas... E por que esse remix de Napoleão/Duque de Wellington? Para nada menos que comandar uma ofensiva anglo-francesa para torpedear o embargo europeu de armas e conseguirem, afinal, armar até os dentes dos “rebeldes” sírios.

Angela Merkel
Alguns representantes de estados-membros caíram, de fato, da cadeira. Foi preciso que a Fraulein de Ferro e Chanceler alemã, Angela Merkel, interviesse com duro “Nein” (“o fato de aqueles dois terem mudado de ideia não significa que os demais 25 tenham de acompanhá-los”).

Para que se avalie o quanto a União Europeia é “democrática”, Catherine Ashton – a astronomicamente medíocre comissária da União Europeia para assuntos de segurança e política exterior – só tomou conhecimento pelos jornais, da confusão que David e François das Arábias muito gostariam de ter criado.

Quando afinal soube e recuperou o sangue frio, disse àqueles estadistas lá reunidos que o único resultado daquele movimento seria uma corrida armamentista na Síria. E que o Irã – e quem mais poderia ser?! – venceria. Mas uma vez, Ashton recebeu inteligência errada: o Qatar e a Arábia Saudita já estão vencendo aquela corrida armamentista.

David Cameron
A verdade é que nem Cameron – fiel ao próprio personagem – sabe do que está falando:

Não estou dizendo que a Grã-Bretanha deva fornecer armas a grupos rebeldes. Só queremos trabalhar com eles e assegurar que façam a coisa certa.

Assim sendo, já todos enfrentam a possibilidade real de que Paris e Londres simplesmente ignorem mais uma política da União Europeia – da qual os dois países são signatários – e metam-se a fazer “a coisa certa” lá a seu modo e jubilosamente comecem a armar os “rebeldes” sírios, incluídos aí os jihadistas salafistas de estilo al-Qaeda, já a partir de maio ou junho. Foi precisamente o que Paris e Londres fizeram no caso da Líbia em 2011. E foi precisamente o que François “Tempestade no Deserto” Hollande – apoiado por David “das Arábias” Cameron – fizeram recentemente também no Mali.

Para David & François, o resto da União Europeia não passa de bando de mariquinhas. Crise? Que Crise? Crise é para os fracos. Muito mais divertido é brincar de “o Libertador”.

Um comentário:

  1. (comentário enviado por e-mail e postado por Castor)

    Muito grato pela transmissão destas matérias de Pepe Escobar, que costumam ir à essência das questões tratadas.

    Realmente, entre outras coisas, as pessoas deveriam avaliar o triste destino da França, de onde saiu, no passado tanta coisa positiva para a cultura mundial. Está, desde as burradas de Napoleão, atuando como satélite do império britânico, racista e genocida, em vez de o ter desbancado com a superioridade de poder nacional que ganhou logo após a revolução francesa, inclusive com a organização dos exércitos populares pelo grande Lazare Carnot.

    Como implicação moderna dessa mal disfarçada transformação da França em instrumento do império britânico (hoje representado pela oligarquia anglo-americana – City de Londres/Wall Street), todos deveriam prestar atenção na infame trajetória dos “socialistas” franceses, desde Guy Mollet que meteu fundo a França na Aliança Atlântica, OTAN etc.

    Esse Hollande, em relação ao qual muitos se iludiram, pensando que fosse mesmo socialista, está mostrando quem é, como desconfiei e comentei desde antes de sua eleição à presidência.

    Só um homem, o General De Gaulle, considerado de direita, tentou dar dignidade à França, tomou medidas de independência em relação a essa oligarquia (nem vou enumerar aqui, porque o tempo e o espaço são curtos).

    Infelizmente De Gaulle deixou-se envolver no final, apontando como sucessor seu primeiro-ministro, Pompidou (Rothschild), depois de ser desestabilizado, quando os serviços secretos anglo-americanos fomentaram os esquerdistas promotores do caos, entre os quais o drogado Cohn-Bendit, hoje no Parlamento Europeu.

    Ainda assim, o partido gaullista comportou-se com razoável decoro (vide Dominique de Villepain, primeiro-ministro à época do genocídio anglo-americano no Iraque, até que, através de vários golpes secretos montados pelos mesmos serviços secretos anglo-americanos e bancos ingleses e patrocinado pelos bancos britânicos, o inominável Sarkozy usurpou a indicação e foi eleito presidente.

    Entre esses golpes, esteve o de arrumar um imbróglio acusando Villepain, para que não fosse este o indicado pelo partido governista.

    Aí está: como em tantas “democracias”, em qualquer um que você votar, dá quase na mesma.

    Finalmente, ao, elogiar, mais uma vez, o trabalho de tradução do Vila Vudu, permito-me observar que, quando o texto fala de mestres do mundo, mestres da Europa, certamente no original está “masters”, que, no caso, tem o sentido de “donos”, e não “mestres”.

    Abraços,
    Adriano Benayon

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