15/3/2012, Francesco
Sisci, Asia Times Online
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Francesco Sisci
é colunista do jornal diário italiano Il Sole 24 Ore.
Recebe e-mails em: fsisci@gmail.com
PEQUIM
– Nomes de papas são declarações políticas sobre a governança da Igreja Católica
Romana, e não é coincidência que o novo pontífice tenha escolhido chamar-se
Francisco, o nome do santo de Assis, do século 12, mas também como o grande
jesuíta Francisco Xavier, que viajou em várias missões pela Ásia e China no
século 16. Foi Francisco Xavier quem mandou à China o famoso missionário Matteo
Ricci, homem que sozinho quase conseguiu converter toda a China, se seus
esforços não tivessem sido contra-atacados por Roma.
A
China, preocupada com o conceito de “soft power” [poder suave], está
muitíssimo atenta ao poder “soft” imenso, sem paralelos, da Igreja, dado
que aí se concentram os verdadeiros “exércitos do Papa”.
O
catolicismo romano é a maior religião do mundo e conta com, de longe, o mais
influente aparato espiritual. Todas as semanas, milhões dos 1,3 bilhões de
católicos batizados (número equivalente a toda a população chinesa) repetem o
rito de adesão à própria fé, ao assistirem à missa. O Vaticano pode também
contar com milhões de voluntários; centenas de milhares de padres, professores e
funcionários de vários tipos; e milhares de bispos em cada canto do planeta.
O
Papa tem influência sobre centenas de milhões de Protestantes e sobre um número
pequeno, mas não insignificante, de cristãos ortodoxos, embora tenham surgido,
ou se erguido, em oposição a Roma. Conta
também com grande respeito que lhe vem de países muçulmanos, divididos entre
milhares de mesquitas e mulás, mas no total com talvez cerca de 1,5 bilhões de
seguidores.
Xi Jinping (E) e Papa Francisco (D) |
Claro
que, hoje mais que nunca, esse poder imenso, que se alastra por mais de um
império, teme os muitos sinais, diretos e indiretos, de profunda crise, ou
divisão, que são questões materiais e não exclusivamente questões de teologia.
Há questões espirituais, mas também há questões muito práticas, e a Santa Sé
está bem consciente dos dois elementos. Afinal, se trata de religião que
conscientemente vestiu as vestes da última fase do Império Romano e as
sacralizou.
Pequim
sabe que a Igreja conhece bem o próprio poder. E, paradoxalmente, os muitos
problemas globais da Igreja Católica, levam o Vaticano a prestar grande atenção
à China, como se discutirá a seguir.
O
primeiro grande problema que pesa sobre o papado que se inicia são as crianças
sexualmente agredidas. É problema profundo de moralidade e, portanto, ameaça
toda a credibilidade do universo da evangelização, mas implica também prosaicas
preocupações financeiras. A Igreja dos EUA, a mais fortemente sitiada pelas
acusações, provê cerca de 40% dos fundos de que vive o Vaticano, apesar de os
católicos norte-americanos mal chegarem a 5% do total de católicos.
Em
anos recentes, o presidente Barack Obama dos EUA ameaçou remover o prazo para
que se processem paróquias e dioceses acusadas de dar cobertura a padres
pedófilos e molestadores de crianças. Na verdade, no caso de processos por abuso
sexual, a diocese sempre optou por pagar, fosse o que fosse, para evitar
processos públicos que humilhariam toda a Igreja.
Se
esses prazos para julgar padres acusados de abusos sexuais de crianças forem
removidos, todos os molestados há 20, 30 ou até há 40 anos poderiam formalizar
acusações criminais contra praticamente todas as dioceses nos EUA, o que levaria
à bancarrota física e espiritual o Catolicismo nos EUA. Os católicos
norte-americanos poderiam ficar sem igrejas onde rezar e deixariam de pagar seus
muitos dólares a Roma – o que, na prática, levaria à bancarrota toda a Igreja
Católica em todo o mundo. Hoje, mais do que jamais antes, os desvios sexuais dos
padres dão ao governo dos EUA enorme poder sobre a Igreja de Roma. E há
problemas semelhantes na Europa, onde as igrejas estão desertas de fiéis e,
assim, sem almas para orientar, ao contrário dos EUA, onde as igrejas continuam
lotadas.
Para
fugir a essa chantagem o mais rapidamente possível, a Igreja tem de desenvolver
“mercados alternativos” – desafio considerável, no longo e no curto prazo.
América Latina, África e Ásia implicam desafios diferentes. A América Latina,
com várias ex-colônias da Espanha ultra católica e de Portugal, está já
infiltrada por evangélicos, que conquista convertidos aos magotes, em terras
que, antes, eram territórios reservados de Roma. Para alguns católicos, essa
evangelização é outra face da antiga conspiração dos protestantes
norte-americanos, sempre interessados em insuflar as chamas dos crimes sexuais e
reduzir o número global de católicos. Nesse caso, menos fiéis traduz-se em muito
menos dinheiro para Roma.
Na
África subsaariana as coisas não vão tão mal: o catolicismo está em expansão,
hoje já com mais de 170 milhões de seguidores. Mas também lá os problemas são
imensos. Contribuições da África, hoje e em futuro próximo muito pobre,
absolutamente não bastam, como substituição para os muitos milhões que chegam a
Roma, vindos dos EUA e da Europa. Além do mais, a Igreja na África, que se
expandiu em áreas nas quais sempre predominaram religiões profundamente
animistas, enfrenta todos os tipos de problemas, de padres casados e com filhos,
até todos os tipos de mestres feiticeiros.
Em
vários sentidos, as relações entre Roma e o mundo muçulmano são hoje as
melhores, em séculos: não há oposição frontal, nem há guerra santa – como tantas
vezes se viu em
séculos passados. Mas veem-se cristãos, por todo o mundo
muçulmano, vítimas do que já se interpreta como “limpeza” religiosa. E xeiques e
mulás milionários financiam a construção de mesquitas na Europa e nos EUA,
sempre em busca de colher mais almas, apoiam migrantes muçulmanos na Europa e
nos EUA e fazem avançar a fé muçulmana em áreas que, antes, foram exclusivamente
cristãs. O que fazer desse duplo desafio que lhe vem do Islã também é problema
que pressiona Roma.
Católicos apostólicos romanos no mundo distribuição regional (1910/2010) |
Assim,
tudo se volta na direção da Ásia, onde há problemas de longo e curto prazo. As
economias asiáticas operam melhor que em qualquer outra parte do mundo; 60% da
população mundial vive ali e, em breve, estará produzindo a maior parte da
riqueza do planeta. Para a Igreja Católica de Roma, conseguir fazer-se presente
ali e agora, quando está sob sítio em todo o resto do mundo, pode ser a
diferença entre (a) continuar a ser
força significativa no século 21, ou (b) deslizar em processo de declínio
rápido.
Na
Ásia a Igreja é fraca e enfrenta oposição mais poderosa que em qualquer outra
parte do mundo, sob a forma de hinduísmo, Islã, budismo e governos locais que
não dão qualquer sinal de reverência ante o trono de Pedro. Os números são
baixos, menos de 5% da população local, proporção já distorcida, porque mais da
metade dos católicos asiáticos estão nas Filipinas. Sem a contribuição das
Filipinas, a porcentagem cai para cerca de 2%.
No continente, segundo Yan Kin
Sheung Chiaretto em
China and Prospects for the New
Evangelization, [1] é difícil
planejar-se para um rápido programa de evangelização. A única real abertura é na
China, onde, apesar de tudo que se lê na imprensa-empresa ocidental há mais
liberdade religiosa que em qualquer outro lugar; o budismo é muito fraco; e os
chineses têm fome de novas religiões. Os protestantes já o comprovaram: sem
qualquer esforço especial, já capturaram cerca de 10% da população, em uma
década.
Os
católicos ali não passam, com certeza, de 1% – mais provavelmente, estão em
torno de 0,5% – e com distribuição rarefeita, sem quase nenhuma evangelização. A
China é a maior economia do mundo, não tem problema algum com acusações de
abusos sexuais, e o mundo muçulmano é preocupação ali, quase tanto quanto em
Roma: ali pode estar a solução para todo o futuro da Igreja Católica. A China
sabe da própria necessidade de compreender o mundo e de ser compreendida no
resto do mundo. Roma pode ter papel crucialmente importante no papel gigantesco
de integrar esse vastíssimo país num mundo ainda dominado por EUA e Europa.
Sem
a China, em resumo, a Igreja Romana terá de defender-se sozinha de ataques que
lhe veem de todos os lados e bem pode acontecer de ver todos os seus problemas
multiplicados.
Houve
tempos em que toda a defesa da Igreja se fez a partir de Lepanto: hoje pode ser
tentada a partir de Pequim. Sem Roma, a China permanecerá muito fraca, entre as
nações do mundo. Essa conjuntura com certeza aproximará as duas potências. O
problema está em que só muito raramente essas imensas equações podem ser
operadas, em mundo no qual as atenções focam-se em pequeníssimos detalhes.
Em termos teológicos, a multidão de detalhes é trabalho do
diabo, não para unir, mas para separar.
Talvez esse
primeiro Papa jesuíta consiga saltar sobre a separação. E o novo presidente da
China, Xi Jinping, eleito poucas horas antes do Papa, talvez veja na
coincidência algum yuanfen – o destino - obrando para unir as
pontas.
Nota dos tradutores
[1] CHIARETTO, Yan Kin Sheung, The evangelization of China today:
challenges and prospects : in the light of recent documents of the
Magisterium (1978-2010), Pontifícia Universidade Gregoriana, Roma, 2012.
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