quarta-feira, 27 de março de 2013

Os grandes BRICS: a China afinal encontra seu nicho


27/3/2013, Vijay Prashad*, Counterpunch
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu



Os velhos colonialistas preocuparam-se com a penetração dos asiáticos nas colônias europeias na África e entre os respectivos colonos (da Austrália, Nova Zelândia e África do Sul); temiam que, embora estivessem chegando para garantir mão de obra braçal e trabalhar como balconistas, os asiáticos se multiplicassem pela migração e pela procriação e que, depois, suplantassem os brancos em suas próprias colônias.

Cartapácio publicado em 1907 (The Asiatic Danger in the Colonies [O perigo asiático nas colônias]), de autoria de L.E.Neame, autor que trabalhava em Johannesburg, alertava que, se os asiáticos chegassem à África, “essas massas inferiores, por suas muitas capacidades, viverão por mais tempo e ultrapassarão” os europeus. Depois que os chineses migraram para a Austrália, a preocupação de Neame era que “o chinês aprenderá o suficiente para executar as tarefas, e o branco será alijado, condenado ao desemprego; ou terá de aceitar salários chineses e viverá conforme os baixos padrões chineses”. Não que algum perigo ameaçasse algum africano ou algum povo aborígene australiano – o que não seria problema para Neame; problema era que os chineses ameaçariam os brancos europeus, na África e na Austrália.

Cem anos depois, o que se escreve no Atlântico Norte sobre chineses na África é mais gentil, mas ainda é agressivo e preconceituoso. Basta conhecer alguns títulos:

  • Safari chinês: na trilha da expansão de Pequim.
  • Tigre de cócoras, Dragão escondido? África e China.
  • E era do dragão: a conquista chinesa na África.
  • Presente de dragão: a verdadeira história da China na África.
  • Moralidade chinesa para a África: o Império do Meio e o Continente Obscuro

Abundam os clichês. Dragões e tigres nunca faltam. Portanto, muitas caçadas. A África é a presa; a China, o predador. Em termos relativos, pouco mudou, no roteiro básico traçado pelo velho Neame. Naquele momento, problemas eram o pequeno comerciante e o trabalhador agrícola; hoje, problemas são o Estado chinês, as empresas estatais chinesas e o empresariado chinês.

Grandes mineradoras australianas, como Rio Tinto, Newcrest e Ivanhoe, começaram todas a escavar o subsolo africano à busca de cobre e platina, ouro e minério de ferro. O Grupo Australia-Africa Mining Industry já construiu vastos projetos, para compensar regulações do estado australiano que fizeram aumentar os custos. Mas não se veem livros que exibam qualquer dos seguintes títulos:

  • África Crocodilo: Austrália perfura o Continente Obscuro
  • Dingos esburacam a savana: O que faz a Austrália na África?
  • As aventuras de Rio Tinto, Rei da Guiné.

O que os negócios africanos estão fazendo não é, na essência, muito diferente à superfície do que fizeram empresas de qualquer outro país. A necessidade de partir à caça de recursos naturais e novos mercados conteve o capital desde o século 19 – isso, precisamente é o que motiva os chineses e outros a levar suas respectivas mais-valias e suas carências para lugares como hoje a África. Nada há de misterioso ou imperscrutável na intenção dos chineses. O capital chinês busca o que todo e qualquer capital busca – investimentos, recursos e mercados. Não ver isso é recair na velha ansiedade colonialista que fazia temer a Ameaça Asiática.

Além disso, um novo estudo da ONU mostra que os maiores investidores na África são França, Estados Unidos, Malásia, China e Índia. Qualquer preocupação residual que haja deve-se distribuir igualitariamente entre esses cinco estados (e dois deles são países do Atlântico Norte).

Lamido Sanusi
No menos anti-imperialista dos jornais, o Financial Times, o presidente do Banco Central da Nigéria, Lamido Sanusi, outro que de modo algum se poderia tomar por anti-imperialista, escreveu que “é hora de os africanos acordarem para as realidades do caso de amor que vivem com a China. A China leva nossos bens primários e nos vende produtos manufaturados”. E essa, prosseguem Sanusi e o Financial Times, “sempre foi a essência do colonialismo”. A África, diz ele “quer agora se abrir para uma nova modalidade de imperialismo. Temos de ver a China pelo que a China é: um competidor, nosso concorrente” (“África Must Get Real About Chinese” [A África tem de cair na real sobre os chineses],Times, 11/3). Sanusi, evidentemente, nada disse contra o imperialismo vindo do Atlântico Norte. Seria esquerdista,gauche.

Qual o antídoto para o problema africano? Para Sanusi e o Financial Times, os países africanos têm “de produzir localmente os bens a partir dos quais possam construir vantagem comparativa, mas têm também de combater as importações chinesas promovidas por políticas predatórias”. Em outras palavras, os estados africanos têm de abraçar projetos de substituição de importações como houve nos anos 1960s e 1970s – por mais que aqueles mesmíssimos projetos tenham sido detonados por estados do Atlântico Norte em nome da globalização – entusiasticamente promovida pelo Financial Times e pelo próprio Sanusi. “Investimento em educação técnica e vocacional é crítico” – ensina Sanusi. Mas não diz como se financiarão os projetos.

Sanusi é favorável a que a Nigéria retire todo o subsídio que dá à gasolina e gostaria que o país abrisse o mercado de combustíveis. Não se cogita, na Nigéria, de solução venezuelana à Chávez, que aplicou os super-ganhos e royalties do petróleo nacional na própria política educacional; em outras palavras, o governo da Venezuela usou o ganho que advêm dos recursos naturais do país para financiar seu próprio e massivo programa de desenvolvimento humano.

Muito mais fácil para Sanusi é inventar e alertar contra uma “ameaça asiática” e promover políticas contra as quais ele e o Financial Times opõem-se, do que enfrentar cara a cara a fortaleza do poder de classe nos estados africanos.

Africa subsaariana (parte colorida)
A África subsaariana, segundo o mais recente Relatório de Desenvolvimento Humano (orig. Human Development Report, 2013), “converteu-se em importante nova fonte e destinação do comércio sul-sul. Entre 1992 e 2011, o comércio entre a China e a África Subsaariana cresceu, de US$ 1 bilhão, para mais de US$140 bilhões”. O Atlântico Norte, especialmente os EUA, tentaram todos os tipos de mecanismos na concorrência contra a China, inclusive pressões mediante a Organização Mundial de Comércio, pressões bilaterais sobre seus aliados regionais e, claro, a ameaça do AFRICOM, Comando dos EUA na África. Nada funcionou.

A China não está na África em projeto missionário. Está nos países africanos como etapa de suas próprias estratégias de acumulação.

Ibrahim Kaduma
Perguntei a Ibrahim Kaduma, ex-ministro de Relações Exteriores da Tanzânia, como ele abordaria os investimentos chineses na África. Respondeu-me que “os estados africanos têm de propor suas próprias avaliações do percurso a seguir” e engajar-se com chineses ou com qualquer outro investidor a partir desses valores. Sem fundação forte e sem claro projeto de desenvolvimento, as novas elites acertam-se com quem aparecer, quase sempre com quem lhes pague mais diretamente. E o país inteiro padece”.

Na parada que fez em Dar es Salaam, o novo presidente chinês, Xi Jinping, procurou acalmar a crescente inquietação que se vê no país, em torno dos investimentos chineses. “A África pertence aos povos africanos” – disse Xi. – “Ao desenvolver relações com a África, todos os países devem respeitar a dignidade e a independência da África”. É retórica velha conhecida no continente. O capital fala sempre pela mesma partitura. O capital odeia mostrar-se impiedoso, cruel.

Donald Kaberuka
Mas há um setor nos negócios africanos que vê as coisas sob luz positiva. Donald Kaberuka do Banco Africano de Desenvolvimento espera aprender com os chineses, “como organizar nossa política comercial, como passar do status de baixa renda para status de renda média, como educar nossas crianças em áreas e competências que lhes rendam benefícios em alguns anos”. Em outras palavras, há eleitores africanos que, sim, querem seguir a Estrada da China ou, pelo menos, o Paradigma dos Gansos Voadores [orig. Flying Geese Paradigm][1] para fazer aumentar as taxas de crescimento de estados africanos.

Nada disso é sonho ou alucinação. Como se lê no Human Development Report (2013):

Para testar as consequências adversas de aumentar as exportações para alguns dos seus países parceiros, a China está oferecendo empréstimos preferenciais e estabelecendo programas de treinamento para modernizar os setores têxteis e de roupas em países africanos. A China tem estimulado suas indústrias já maduras, como a do couro, a mudar-se para mais perto da cadeia de suprimento na África; e suas modernas empresas de telecomunicações, produtos farmacêuticos, eletrônicos e da construção, para que se associem em joint ventures com empresários africanos.

Não há dúvidas de que o investimento chinês já está construindo vasta rede de comunicações e de transportes na África. Nenhuma dúvida tampouco de que o business chinês está erguendo infraestrutura industrial e com ela instituições para educação e saúde. E também nenhuma dúvida de que a ajuda e as bolsas chinesas chegam sem “condicionalidades”.

Todo e qualquer investimento, venha do Atlântico Norte ou da Ásia, vem em busca das matérias primas e dos mercados. Mas o dinheiro do Atlântico Norte também busca poder político – com os EUA empurrando seus fundos via AID - Agência para o Desenvolvimento Internacional (estatal), braço fantasma do Departamento de Estado. O dinheiro chinês vem de seu ministério de Comércio e de seu Export-Import Bank, que têm mandato duplo: garantir o acesso da China às matérias primas (petróleo e minérios raros) e garantir um mercado para o super aquecido setor industrial da China. Os negócios vêm à frente.

Essa abordagem inicial pelo business não é neutra. Revela, primeiro, a fraqueza do modelo chinês, petrificado pelas limitações do capitalismo – superproduzindo bens graças à mágica do capitalismo industrial; sub-remunerando trabalhadores que não podem comprar aqueles bens; distribuindo crédito como mecanismo para produzir demanda; buscando novas pastagens onde encontre matérias primas mais baratas para reduzir o custo final, e mercados para os quais vender aqueles produtos. Esse é o ciclo satânico do capitalismo.

A China é gigante industrial orientado para a exportação, que gradualmente viu-se forçada a afastar-se das economias dirigidas ao consumidor e saturadas de dívidas do Atlântico Norte, e, portanto, agora faminta, desesperada, mesmo, por criar e cultivar novos mercados no Sul. Essa é a precisamente a alavanca que os países africanos poderiam usar para extrair proveito máximo de sua situação atual. Sem projeto democrático ou socialista bem claramente traçado, “os valores”, no léxico de Kaduma, só se veem maus negócios para a África, negociados por políticos venais, ansiosos por arrancar do bolo só a fatia deles.

Quando Xi chegar a Durban, a cúpula dos BRICS anunciará a formação do Banco de Desenvolvimento dos BRICS com capital inicial de $50 bilhões (a China tem superávit de $3,31 trilhões, quantia que será como que reciclada mediante esse tipo de banco). Mas há graves dúvidas sobre o modelo do investimento que pode estar chegando; chega para promover extração de recursos, em vez de desenvolvimento econômico.

A preocupação é que o novo Banco dos BRICS, que quase com certeza terá sede em Xangai, seja uma bem capitalizada versão “do Sul”, do Banco Mundial; bem diferente do Banco del Sur (antes de seu radicalismo ser moderado pelo governo do Brasil – como anotaram Oscar Ugarteche e Eric Toussaint).

Os governos que atualmente controlam o processo dos BRICS são limitados por seus próprios projetos de classe: todos favorecem políticas neoliberais, em todos os casos em que essas políticas não favoreçam, de modo discriminatório, o Norte.
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Nota dos tradutores
[1]  Modelo definido por economistas japoneses como “uma economia, como os gansos que voam em formação de V, pode liderar outras economias rumo à industrialização, com os [gansos/países] que voam à frente passando para os [gansos/países] que voam atrás as tecnologias mais antigas, à medida que a renda nacional aumenta nos países que voam à frente e eles podem passar para tecnologias mais novas” (25/8/2010, New York Times em: The Flying Geese Model)
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Vijay Prashad* é professor de Estudos Internacionais no Trinity College em Hartford, Connecticut. Dentre seus livros mais recentes estão Uncle Swami: South Asians in America e Arab Spring, Libyan Winter. Vijay é colaborador regular das publicações Ásia Times, The Nation, The Hindu, Newsclick, Frontline e CounterPunch. É entrevistado regularmente pela TRNN - The Real News Network - sobre Geopolítica e Política internacional. 

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