A solidariedade aos palestinos
também já é zona ocupada?
8-10/3/2013, Gilad Atzmon, Counterpunch
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Gilad Atzmon |
Para
envolver-se em ações de solidariedade aos palestinos, você, antes, tem de
aceitar que os judeus seriam especiais; e que o sofrimento dos judeus seria mais
sofrimento que o de qualquer outro povo; e que os judeus seriam povo escolhido;
e que o Holocausto dos judeus teria sido o pior de todos os genocídios que a
humanidade conheceu; e que o antissemitismo seria racismo mais vil que todos os
racismos vis que a humanidade conheceu. E por aí vai.
Mas,
quando se trata de palestinos... É exatamente o contrário! Por alguma razão
incompreensível, deve-se crer que os palestinos, o povo palestino e a luta dos
palestinos, absolutamente nada teriam de especial.
De
fato, os palestinos foram vítimas de um movimento racista, nacionalista e
expansionista judeu como jamais o mundo conheceu outro. Mas temos de aceitar
que, como se os palestinos fossem indianos ou africanos como outros, o seu
padecimento não passaria de sofrimento resultante do colonialismo do século 19 –
e ali estaria implantado mais um caso de algum já nosso velho conhecido sistema
de Apartheid.
Por
essa contabilidade, os judeus, os sionistas e os israelenses seriam
excepcionais, superiores, nada se compararia a eles; e os palestinos seriam
comuns, vulgares, apenas mais um capítulo de uma narrativa política maior,
sempre um caso a mais, dentre outros semelhantes. O sofrimento dos palestinos
nada teria a ver com os traços específicos que têm o nacionalismo judeu e o
racismo judeu; nem, sequer, com a política externa dos EUA dominada pelo AIPAC.
Nada disso. Os palestinos são sempre vítimas de uma mesma dinâmica tediosa,
banal, geral, abstrata, sem nada, sem nenhuma, sem uma única especificidade,
coisa “histórica”, que acontece sempre.
Se
é assim... há perguntas muito sérias a serem respondidas.
Alguém
algum dia ouviu falar de movimento de solidariedade ou de libertação que se
orgulhasse de ser movimento tedioso, banal, sem graça, chatíssimo? Alguém algum
dia ouviu falar de movimento de solidariedade que se degrada ele mesmo e o povo
ao qual afeta solidariedade, para convertê-lo em peça mumificada a ser exibida
num museu de eventos do materialismo histórico? De minha parte, nunca ouvi falar
de coisa semelhante. Os negros sul-africanos apresentavam o próprio sofrimento
como repetição incansável de sofrimentos “históricos”, contra os quais nada se
poderia jamais fazer? Viam-se, eles mesmos, como iguais a qualquer outro negro?
Martin Luther King creria, talvez, que suas irmãs e irmãos seriam inerentemente
“iguais” a quaisquer outros povos cujo destino seria sofrer, sofrer, sofrer? É
claro que não!
Assim
sendo... Como é possível que o movimento de solidariedade aos palestinos tenha
naufragado tão completamente, que seus porta-vozes e apoiadores disputam entre
si para ver quem consegue apagar mais completamente a especificidade da luta dos
palestinos, fazendo-a parecer como mero capítulo de alguma tendência histórica
já petrificada, chamada “colonialismo” ou chamada “apartheid”?
Roubo de território da Palestina por Israel |
A
resposta é simples. A Solidariedade aos Palestinos também é zona ocupada.
Como qualquer zona ocupada, os movimentos de solidariedade aos palestinos também
já estão cooptados e alinhados na luta contra... O “antissemitismo”!
Devida e elegantemente militante
contra o racismo, plena e adequadamente engajado nas questões de LGBT na
Palestina, mas, por alguma razão insondável, o movimento de solidariedade aos
palestinos é quase completamente indiferente ao destino de milhões de palestinos
que vivem em campos de concentração e ao seu DIREITO DE RETORNO à terra
natal. [Ler também: “Is the Anti-Occupation Movement Driven by Defenders of Genocide?”].
Tudo
isso pode mudar. Os palestinos e seus apoiadores podem começar a ver a própria
causa como ela de fato é e pelo que de fato é: única e especial. Afinal, nem é
tão difícil. Se o nacionalismo judeu é inerentemente excepcional (como proclamam
os sionistas), nada mais obviamente claro do que as vítimas dessa especialíssima
missão racista que os judeus se autoatribuem serem, elas também, no mínimo,
vítimas especialíssimas de crime especialíssimo.
Hummus Tzabar |
Até agora, os movimentos de
solidariedade aos palestinos ainda não conseguiram libertar a Palestina, mas com
certeza já conseguiram criar uma Indústria de Solidariedade à Palestina – em
vasta medida financiada por sionistas liberais. Não há canto do planeta onde não
se ouça falar de algum “boicote” ou de alguma sanção... ao mesmo tempo em que o
comércio entre Israel e Grã-Bretanha cresce sem parar [Ler: “Boycott,
what boycott? UK-Israel trade booming”] e compra-se a griffe Hummus Tzabar em praticamente
qualquer loja de comida na Grã-Bretanha.
Todos esses esforços para reduzir
o sacrifício dos palestinos a uma narrativa materialista generalista, datada,
tediosa, devem ser expostos como o que são: tentativa de não contrariar o
projeto dos sionistas liberais.
A verdade é que o sofrimento dos
palestinos é, sim, único, jamais se viu coisa semelhante na história do mundo;
é, no mínimo, tão raro, tão sem igual e sem comparação, quanto o próprio projeto
sionista.
Ronnie Kasrils |
Ontem, encontrei esse comentário,
de um ministro sul-africano, Ronnie Kasrils, falando do que via nos territórios
ocupados da Palestina:
O
que se vê aqui é muito pior que o apartheid. A brutalidade dos israelenses faz o
apartheid da África do Sul parecer piquenique. Na África do Sul, jamais tivemos
jatos de guerra atacando cidades. Nunca houve áreas sitiadas durante meses e
meses. Nenhum tanque de guerra jamais destruiu casas, na África do Sul do
apartheid.
Kasrils
está certíssimo, infelizmente. O que Israel faz aos palestinos é muito pior que
o apartheid e muitíssimo mais sofisticado que qualquer colonialismo. E por quê?
Porque o que os sionistas fizeram e continuam a fazer tampouco é apartheid ou
algum dia foi colonialismo. O apartheid visava a explorar a mão de obra
africana. Israel quer que todos os palestinos morram.
É
mais que hora, afinal, de ver o extraordinário, único, específico sofrimento que
Israel impõe aos palestinos. Simultaneamente, é mais que hora de denunciar o
crime dos sionistas, à luz da cultura, da política e da identidade dos judeus.
O
movimento de solidariedade aos palestinos conseguirá fazer tudo isso? É possível
que consiga. Mas, antes, ele terá de livrar-se, o próprio movimento, de todo o
sionismo.
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