13/12/2013, [*] MK
Bhadrakumar, Indian Punchline
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Qualquer pessoa que conheça o mundo da diplomacia sabe que
o que acontece no front consular é quase sempre excelente barômetro para
aferir a temperatura política das relações entre estados. O Irã exige certificados de que os empresários que
compõem a delegação da Câmara de Comércio e Indústria da Índia [orig. FIICCI]
que visitará o país não são portadores do vírus HIV; Cingapura trata
trabalhadores migrantes indianos como se fossem cães vira-latas; um influente
agente de um think-tank norte-americano sugere que Narendra Modi seja
excluído da lista das pessoas que não podem pisar em território dos EUA — todos
esses são sinais muito significativos.
Devyani Khobragade, Vice-Consulesa Geral da Índia em New York |
Seguidamente,
esses sinais exibem padrão comum. Foi o que se viu quando, semana passada, sem
mais nem menos, os EUA apareceram com uma lista de graves acusações de fraude
contra 11 diplomatas russos que trabalham em New York — e mais 38 que trabalharam na cidade em anos anteriores.
Por
tudo isso, a detenção
da vice-consulesa geral da Índia em New
York (Devyani Khobragade), na 5ª-feira, merece atenção. É violação da
Convenção de Vienna prender e deter diplomata estrangeiro durante horas em
delegacia de polícia do país hospedeiro – mesmo que o hospedeiro seja a única
superpotência.
Pois
foi o que os norte-americanos fizeram – e tampouco foi a primeira vez em tempos
recentes.
Sujatha Singh |
E,
para cúmulo dos males, fizeram o que fizeram no momento em que a Ministra de
Relações Exteriores da Índia, Sujatha Singh,
concluía visita e consultas em Washington. Sem dúvida, é ação que deve ajudar a
abrir os olhos de Singh, a qual, recentemente, “beliscou” o artigo 377 das leis
indianas sobre homossexualidade e fez favor especialíssimo a um diplomata
norte-americano homossexual, que lhe pediu um visto diplomático para seu
companheiro – e a ministra
até rebaixou a colega que não atendera imediatamente o pedido do
diplomata dos EUA. (Mas a Suprema Corte já suspendeu o
rebaixamento da colega da ministra Singh.)
Mas
a real questão é outra, e muito mais séria. Por que os EUA estão tomando como
seus alvos seletivos os diplomatas indianos em New York? O xis da questão é que a embaixada da Índia em Washington
e nossos consulados nos EUA, assim como nossa missão indiana na ONU, em New York, tornaram-se absolutamente “mal
faladas”, por pesadas razões, ao longo dos últimos anos.
Edward Snowden |
O material trazido à
luz pelo ex-analista da CIA e “vazador-alertador” Edward Snowden é, para dizer
o mínimo, chocante.
O
caso é que uma missão diplomática é como um castelo de cartas, erguido com
cuidados extremos; e a gestão de pessoal é questão sempre muito sensível. A
inteligência paquistanesa tinha o hábito de deter e interrogar nossos
diplomatas durante horas, para arrancar-lhes informação sobre deveres e funções
de vários dos nossos em Islamabad ou Karachi.
Depois
que a segurança de uma embaixada é quebrada, todos ali ficam indefesos e a
própria embaixada deixa de poder operar como deve, e pode demorar anos para que
volte ao nível ótimo. O caso
dos russos, referido acima, é exemplo clássico
de desmonte de missão diplomática estrangeira. Com a simples expulsão de um
diplomata, um país hospedeiro pode instalar confusão total no funcionamento de
uma missão diplomática estrangeira.
É
o mesmo que dizer que os diplomatas indianos agora, nos EUA, estão funcionando como
macacos nus, sem qualquer “cobertura”. A inteligência dos EUA sabe bem o que
faz cada funcionário na estrutura daquela embaixada, conhece a vida privada de
cada um, o quanto cada um é sensível a estímulos etc., etc..
Eles
conhecem cada elo frágil na cadeia de comando indiano em New York ou Washington, quem está disposto a colaborar e quem não
colaborará. O mais lógico para eles sempre é começar por assediar os “não
cooperativos”; assim mandam um “recado” para todos os diplomatas indianos, de
que os norte-americanos podem, sim, fazer da vida deles, um inferno.
Claro
que o que torna nossos diplomatas particularmente vulneráveis é o desejo
ardente que os consome de serem mandados trabalhar nos EUA, desejo
profundamente ligado a outro – de conseguir lá uma boa escola ou faculdade para
os filhos. Por causa da ruína do sistema indiano, os norte-americanos conseguem
facilmente chantagear vastas fatias de nossas elites, oferecendo-lhes vistos ou
cidadania norte-americanos.
Mas
em última análise, tudo depende de como a Índia reaja a essas provocações.
Moscou, por exemplo, decidiu chamar de volta à Rússia aqueles 11 diplomatas. E
certo como o dia raiará depois da noite, Moscou retaliará.
David Headley |
É
claro que os diplomatas norte-americanos que servem na Índia – são centenas –
não são seres de imaculada perfeição e pureza, que jamais cedem a nenhuma
tentação. Com absoluta certeza é possível fotografar um ou outro deles ou delas
em Goa ou Pondicherry, praticando turismo gay [na Índia, é ilegal];
levá-lo(a) para a delegacia mais próxima e mantê-lo(a) preso(a) por algumas
horas. E nem precisa ser quando a ministra Wendy Sherman, contraparte de Singh,
estiver em Delhi em sua próxima visita.
Vários
jornais sugerem que Singh assinou a extradição de David Headley,
paquistanês-norte-americano que fez todo o trabalho de reconhecimento para os ataques
terroristas em Mumbai, dia 26/11. É possível que os norte-americanos
tenham decidido demitir Singh – e seus superiores em Delhi. Seja como for, a
coincidência entre a prisão dos diplomatas indianos e a presença da ministra em
New York, na 5ª-feira, obriga pensar
muito seriamente sobre tudo isso.
[*] MK Bhadrakumar foi diplomata de carreira do Serviço
Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri
Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista em
questões do Irã, Afeganistão e
Paquistão e escreve sobre temas de energia e segurança para várias publicações,
dentre as quais The
Hindu,Asia
Times Online e Indian Punchline. É o filho mais velho de MK Kumaran
(1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de Kerala.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Registre seus comentários com seu nome ou apelido. Não utilize o anonimato. Não serão permitidos comentários com "links" ou que contenham o símbolo @.