9/12/2013, The Saker, Asia Times
Online
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
The Saker |
Depois da
ratificação pelas partes do recente Plano Conjunto de Ação entre
Irã e o P5+1, vale a pena olhar novamente par a narrativa oficial que
explica essa “solução repentina”. É alguma coisa como:
Ahmadinejad |
O Irã era governado pelo presidente
Ahmadinejad, notório antissemita e negador do Holocausto, que fez tudo que pode
para negar à comunidade internacional os direitos de monitorar que ela exigia e
para manter desimpedido e no curso o programa nuclear iraniano. Então, o povo
do Irã elegeu Hassan Rouhani, um moderado, que aceitou os termos dos países do
P5+1 e afinal se assinou um acordo.
Essa é, no
geral, a versão oficial. Evidentemente, cada frase no parágrafo acima é puro,
absoluto nonsense.
O novo
presidente do Irã
O Irã não é
governado pelo presidente, mas pelo Supremo Líder,
Aiatolá Ali Khamenei, que seleciona os seis dos 12 membros do Conselho de Guardiões
os quais, por sua vez, apreciam, com poder de vetar, o nome de todos os
aspirantes a candidatos presidenciais antes de que se possam apresentar às
eleições, e que também podem vetar qualquer decisão do Parlamento Iraniano. O
Supremo Líder também indica todos os membros do Conselho do Discernimento da
Conveniência [ing. Expediency Discernment
Council] que pode decidir desacordos entre o Parlamento e o
Conselho de Guardiões.
Hassan Rouhani |
Hassan Rouhani foi nomeado membro do Conselho do
Discernimento da Conveniência pelo Aiatolá Ali Khamenei e sua candidatura para
concorrer à presidência também foi aprovada pelo Conselho de Guardiões. Em
outras palavras, não só Mahmoud Ahmadinejad jamais teve a autoridade política
para tomar decisões políticas cruciais; seu sucessor tem 100% da aprovação do
Supremo Líder. Assim, embora haja muito clara diferença de estilo entre Ahmadinejad
e Rouhani, é ridículo sugerir que a troca do primeiro pelo segundo seria a
causa real da solução “repentina” nas negociações entre o P5+1 e o Irã. Fato é
que Rouhani tem total apoio do Supremo Líder e que sua eleição, embora não seja
trivial, não pode ser considerada como alguma real mudança nas políticas
iranianas, inclusive nucleares.
P5+1?
A
imprensa-empresa fala do P5+1 como se fosse um corpo constituído de parceiros
mais ou menos iguais, tomando decisões conjuntas. Mais nonsense.
Quem são o P5+1?
Os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU “mais” a Alemanha:
China, França, Rússia, Reino Unido, EUA e Alemanha (+1), oficialmente acrescentado por
razões econômicas. “P5+1”
é nome errado. O certo seria “1+1(+4)”:
P5+1 e Irã no Conselho de Segurança em Genebra |
Os que contam (EUA e Rússia) e os que
não contam (China, que está muito feliz por acompanhar a liderança russa nessa
questão, França, Reino Unido e Alemanha (que fingirão ter opinião própria, mas
deixam os EUA falar sozinhos em todos os assuntos sérios). E dado que a Rússia
de Putin é forte aliada do Irã, sobra o “Grandão”, i.e, os EUA, como contraparte
do Irã nas negociações.
A tal
solução “repentina” nas negociações entre EUA e Irã explicar-se-ia mais
facilmente se se considerasse que possa ter havido uma grande mudança, que
afinal a tornou possível não no Irã., mas nos EUA?
Tenho interpretação
diferente a oferecer.
Acredito
firmemente que tudo começou em setembro, quando, depois de dias dramáticos, que
por um triz não terminaram com um ataque dos EUA à Síria, Barack Obama teve de
aceitar “o
gambito de Putin”: os EUA não atacariam a Síria, em troca de total
destruição do arsenal químico da Síria. Para mim, esse virada absolutamente
tectônica da política externa dos EUA disparou o que chamarei de um “efeito
dominó” que prossegue e que pode levar a novas mudanças inesperadas na política
externa dos EUA.
Examinemos
os eventos dessa sequência de dominós, um a um:
Dominó 1:
Barak Obama aceita o gambito de Putin
Se foi o
próprio Barack ou algum dos seus fantoches é irrelevante aqui. O presidente,
como comandante-em-chefe é quem teve de anunciar que um acordo havia sido
alcançado e que o ataque dos EUA à Síria seria adiado/descartado.
Obama aceita o "jogo" de Putin |
Examinemos
a(s) exata(s) razão(ões) por que os EUA tomaram essa decisão (e adiante voltaremos
a essa questão crucial) e digamos apenas que foi mudança importantíssima pelas
razões seguintes:
a) Significou que os EUA teriam de adiar
e, com toda a probabilidade, desistir de um seu antigo objetivo – a “mudança de
regime” na Síria.
b) Significou também que os EUA agora
teriam de negociar com o governo sírio.
c) Dado que as armas químicas eram
completamente irrelevantes para a dinâmica militar em campo e, dado que os EUA
haviam-se comprometido a não atacar forças do governo, significou que os EUA
desistiam essencialmente de seu plano, para ajudar os “rebeldes” a vencer a
guerra.
d) Assim desapareceu o último pretexto(s)
possível para que os EUA continuassem a impedir e evitar uma conferência
Genebra-2. Dali em diante, os EUA tiveram de tratar Genebra-2 com
seriedade, ou perder tudo.
Antes desse
desenvolvimento, os EUA tinham dois modos possíveis para lidar com uma
conferência Genebra-2: tentar sabotá-la ou tentar usar a oportunidade para
conseguir alguma coisa. A partir do momento em que Obama aceitou o gambito de
Putin, só restou a segunda opção. De fato, desde que a “mudança de regime” já claramente
não é mais uma opção e, dado que a política externa dos EUA no Oriente Médio
dependia de “mudança de regime” na Síria, os EUA agora têm de reconsiderar aquela
política toda. Isso significou que a melhor opção possível para os EUA era
tentar usar Genebra-2 para afinal poder fazer alguma coisa.
Mas há um
truísmo que os diplomatas dos EUA tiveram de levar em conta: nenhuma solução
será jamais alcançada na Síria, se não for aprovada pelo Irã. Em outras
palavras, ao aceitar o gambito de Putin, os EUA não apenas se comprometeram com
negociações com os sírios: também se comprometeram com negociações com os
iranianos. Essa é a causa real da solução “repentina” no “P5+1 e Irã”: a
derrota dos EUA na Síria literalmente forçou a Casa Branca a negociar com o
Irã. Nesse ponto, continuar a bloquear as negociações sobre o programa nuclear
iraniano tornou-se contraproducente e, dito sem meias palavras, absurdo.
Dominó 2: EUA
e Irã finalmente chegam a um acordo na questão nuclear.
Como já
escrevi várias vezes no passado, ninguém, nem nos EUA ,nem em lugar algum,
realmente acredita que os iranianos estejam construindo uma bomba atômica
secreta, ali, sob as barbas dos inspetores da AIEA (que continuam a trabalhar
no Irã), ao mesmo tempo em que permanecem como membros normais do Tratado de
Não Proliferação (nenhum estado membro do Tratado de Não Proliferação jamais
desenvolveu armas atômicas).
O anúncio do histórico acordo nuclear entre Irã e P5+1 |
Quando
aceita negociar com o Irã, os EUA não estão “tornando o mundo seguro, sem mulás
armados com bombas atômicas”, mas, isso sim, aceitando a realidade de que o Irã
é, e continuará a ser, uma superpotência regional. Isso é o que está realmente
em jogo aqui. E toda aquela conversa sobre o Irã bombardear Israel num “2º
Holocausto” não passa de folha de parreira usada para ocultar os reais
objetivos políticos dos EUA.
Agora que
os EUA desistiram da ideia de atacar a Síria, já não faz sentido algum
continuar a agir como se um ataque ao Irã ainda fosse possível. E só restaram,
então, duas soluções possíveis: deixar os iranianos fazerem o que querem e
parecer ter falhado na tentativa de persuadir o Irã a levar em conta as
objeções dos EUA; ou realmente encontrar um compromisso mutuamente aceitável
que teria de ser vantajoso para os dois lados. Os EUA, espertamente, escolheram
a segunda opção.
Até aqui,
já caíram os dominós 1 e 2. Mas passemos os olhos pelo que pode acontecer em
breve, se nada parar o momentum gerado por esses dois dominós.
Dominó 3:
os dois grandes perdedores (Arábia Saudita e Israel)
Bandar bin Sultan e Vladimir Putin |
Agora que o
acordo aconteceu, Israel e o Reino da Arábia Saudita já mostram todos os sinais
de que “perderam” e recorrem a modalidades nuas e cruas de terrorismo para
atacar seus inimigos. Segundo o Hezbollah, os
sauditas estão por trás da bomba que explodiu na Embaixada Iraniana em
Beirute; e os israelenses
estão por trás do assassinato de um comandante do Hezbollah, também em
Beirute. Pode-se desconsiderar essas acusações do Hezbollah, que têm motivação
política.
Mas eu,
pessoalmente, considero-as perfeitamente críveis, simplesmente porque “cabem”
perfeitamente no quadro atual (e o Hezbollah, é preciso reconhecer, tem
excelente currículo de só divulgar acusações verdadeiras). Mas, acreditem os
outros no Hezbollah ou não, ninguém nega que há agora profundas tensões entre
EUA e Arábia Saudita de um lado e, de outro, os EUA. Isso também explica a
estranhíssima “reaproximação” em curso entre
Israel e o Reino Saudita, os quais têm hoje um problema comum (os EUA) e
muitos e muitos inimigos comuns (o primeiro e principal dos quais é o Irã, é
claro).
Netanyahu e Putin na reunião da semana passada |
Dominó 4:
Dar adeus ao “escudo de defesa” antimísseis, dos EUA, na Europa?
Pense
nisso: se os EUA aceitam a noção de que o Irã não desenvolverá armas nucleares,
por que insistir em implantar um escudo de defesa antimísseis sobre a Europa? O
ministro de Relações Exteriores da Rússia, Serguey Lavrov, já o
disse claramente e essa provavelmente permanecerá como posição de
política russa no futuro imediato: agora que a suposta “ameaça” iraniana foi
contornada mediante negociações – por que os EUA implantariam sistemas de
defesa antimísseis na Europa?
Sergey Lavrov |
Afinal, a
Rússia (apoiada pela China, claro) pode facilmente impedir qualquer acordo
entre EUA e Irã (por exemplo, com um veto no Conselho de Segurança da ONU), e
isso deixaria os EUA em posição muito vulnerável na negociação. E, claro, uma
quebra nas negociações entre EUA e Irã sobre a questão nuclear seria péssima
notícia para os EUA na Síria. Fato é que os EUA precisarão desesperadamente da
colaboração dos russos, para chegar a um acordo de longo termo com o Irã. E
esse acordo, por sua vez, terá importantes consequências em inúmeras outras
questões, entre as quais a política externa europeia.
Dominó 5:
Fim do Drang nach
Osten [al. “afã rumo ao leste”]
europeu?
Nunca mais,
desde os dias de Hitler, viu-se a Europa tão histericamente antirrussos, como
na última década. Claro, parte dessa russofobia foi alimentada por necessidades
da propaganda dos EUA, mas basta rápida olhada na imprensa europeia, para
ver-se que o pior desse espancamento da Rússia vem realmente da Europa,
especialmente da Grã-Bretanha. Quanto à União Europeia e a OTAN, a ofensiva de
ambas rumo ao leste faz, sim, lembrar a de Hitler; a única diferença é que é
feita por meios diferentes.
Claro, o revanchismo
europeu ocidental é só parte do quadro. Há, definitivamente, um desejo, de
muitos europeus orientais, de virarem “verdadeiros europeus”, combinado com uma
esperança de que uma combinação de União Europeia e OTAN proteja-os contra a
Rússia. Não importa que a Rússia não tenha qualquer mínimo interesse em
invadi-los – e muitos leste-europeus temem, em termos genéricos, o que veem
como uma superpotência ressurgente no Leste. E, se obter a “proteção” da OTAN e
da União Europeia significa aceitar um status semi-colonial no império
dos EUA... que seja. Melhor ser servo do império dos EUA, que servo no império
russo. É uma posição ideológica que resiste aos fatos e à lógica. Muitos
leste-europeus provavelmente entendem que a Rússia não tem interesse algum em
invadi-los, e muitos devem saber que se unir à União Europeia foi desastroso em
termos econômicos para países como a Bulgária ou os Estados Bálticos.
Francamente, a maioria nem liga. Veem as autoestradas alemãs, as lojas
francesas ou aeroportos holandeses e querem uma fatia daquela riqueza, mesmo
que seja sonho induzido por fumaças.
Quanto aos
europeus ocidentais, eles vergonhosamente alimentaram essa ilusão, prometendo
muito e nada cumprindo. Quanto à OTAN, continua a seguir o exemplo de Hitler e
tenta levar sua influência Cáucaso adentro. Resultado, a ofensiva União
Europeia-OTAN espalha-se num “front” da Estônia, no Báltico, à Georgia, no
Cáucaso – cópia exata da estratégia de Hitler para sua guerra contra a Rússia.
Hitler e o
“Reich de mil anos” que ele prometera, sim, foi derrotado em apenas 12
anos; e a União Europeia não se sairá melhor. De fato, está mergulhada hoje
numa crise sistêmica que não tem ideia de como superar.
Os modernos
Kulturträgers
Não estou
sequer falando só dos chamados países “PIGS” (Portugal, Itália, Grécia e [Spain]
Espanha), mas também das nações que supostamente “se saíram melhor” do norte da
Europa.
Herman von Rompuy e Catherine Ashton - "The modern Kulturträgers" |
Quem ainda
tenha dúvidas sobre a absoluta magnitude da crise social e econômica que
atingiu a Eurozona, deve ler o relatório recentemente publicado pela Federação
Internacional da Cruz Vermelha e Crescente Vermelho, intitulado Think
differently: humanitarian impacts of the economic crisis in Europe [Pensar
diferente: os impactos humanitários da crise econômica na Europa] (e fico
pensando: será que alguém na Ucrânia conhece esse relatório?).
A Europa
está em crise profunda, o que obriga a perguntar: a Europa pode realmente
custear uma nova Guerra Fria com a Rússia? E quanto aos EUA – precisa mesmo de
uma nova Guerra Fria na Europa? Não estará mais do que na hora de pôr de lado
esse ensandecido Drang nach Osten e aceitar que uma Europa não imperial
terá muito mais a ganhar de uma parceria com a Rússia, que de outra Guerra
Fria?
O tempo
dirá quando cairá também esse último dominó. O que interessa aos nossos
objetivos aqui não é prever acuradamente o futuro, mas examinar as
oportunidades que outro futuro, assim diferente, ofereceria. Uma pergunta: se
todos os dominós acima caíssem, os EUA estariam melhor ou pior? Pessoalmente,
minha resposta é que os EUA sair-se-iam muitíssimo melhor, e também a Europa.
E se é
assim, pode-se conjecturar, os EUA tropeçaram mesmo numa situação que
desencadeou um efeito dominó, ou esse foi sempre o plano, desde o início?
É possível
que algumas forças dos EUA tenham decidido usar o fracasso da política dos EUA
na Síria, para disparar mudança muito maior?
Um projeto
dos “EUA-em-primeiro-lugar-istas” [orig. USA-firsters]?
Como escrevi
em postado
recente, acredito que a
presidência de Barack Obama resultou numa mudança de poder no “estado profundo”
dos EUA, que afastou do Executivo os antes todo-poderosos neoconservadores e
substituiu-os pelos que chamo “velhos anglo imperialistas”. Também podem ser
chamados de “EUA-em-primeiro-lugar-istas” (em oposição aos
“Israel-em-primeiro-lugar-istas” [orig. Israel-firsters).
Regra geral, eles são atores muitíssimo mais sofisticados que os
neoconservadores.
Rahm Emmanuel (Israel-firster) |
Assim
sendo, é possível que essa “sequência de dominós” tenha sido deliberadamente
iniciada pelos anglo-EUA-em-primeiro-lugar-istas, que teriam colhido a
oportunidade para promover sua agenda, ao mesmo tempo em que mandam para fora
do ringue os neoconservadores-Israel-em-primeiro-lugar-istas?
Analisemos
outra vez o “dominó 1”.
Penso que
preponderam as evidências de que Obama aceitou o gambito de Putin, contra um
cenário de caos absoluto na Síria e nos EUA. Forças iranianas estavam entrando
clandestinamente na Síria para lutar; uma poderosa força naval russa estava
posicionada bem diante da costa síria; o Parlamento britânico recusou-se a
apoiar um ataque à Síria; manifestações tomavam as ruas, nos EUA, por todo o
país – e noutros locais – contra o ataque; e tudo indicava que o Congresso não
aprovaria um ataque militar dos EUA à Síria. É difícil provar uma negativa, é
claro. Mas penso que o primeiro dominó foi empurrado por todos esses fatores,
muito mais do que resultou de mudança deliberada nas políticas dos EUA.
Nesse
caso... E o “dominó 2”?
Diferente
do dominó 1, há fortes provas de que o dominó 2 “caiu” claramente como
resultado direto de uma decisão política tomada em Washington. Se aceitamos que
a única mudança na presidência do Irã não passou de mudança cosmética, nesse
caso temos de aceitar que os EUA decidiram deliberadamente abrir negociações
com o Irã. Será que alguém na Casa Branca ou no estado profundo dos EUA deu-se
conta de que a queda do “dominó 1”
trazia reais oportunidades para os EUA e os interesses dos
EUA-em-primeiro-lugar-istas, e decidiu acrescentar impulso ao “dominó 1”, suficiente para derrubar
também o “dominó 2”?
Creio que a
sequência de eventos na Síria e no Irã oferece, sim, fantástica oportunidade
para os EUA, afinal, livrarem-se do legado desastroso de muitos anos de governo
dos neoconservadores (na minha opinião, de 1993-2009).
Devo dizer
imediatamente que não estou dizendo que os neoconservadores estão “fora”, dado
que eles ainda controlam com mão de ferro a imprensa-empresa e o Congresso dos
EUA.
Só estou
dizendo que estou detectando sinais de uma grande mudança na política externa
dos EUA, a qual parece estar-se libertando da aliança “wahabista-sionista” dos lobbies
combinados de Arábia Saudita e Israel. Mais uma vez, o fato de que ambos,
Netanyahu e Bandar sentiram a necessidade de viajar a Moscou para parar
Washington é absolutamente sem precedentes, e engraçada; e tenho de interpretar
o movimento como real sinal de pânico.
Até onde os
EUA podem realmente ir?
Uma mudança
na equação do poder dentro dos EUA absolutamente não significa mudança de
regime, longe disso. Em muitas circunstâncias, os políticos norte-americanos
continuarão a repetir, feito mantra, que “nada
separa EUA e Israel”, continuará a genuflexão verbal ante tudo que
tenha a ver com judeus, israelenses e o Holocausto. E é possível que a próxima
fala do futuro primeiro-ministro israelense receba ovação ainda maior, quando
falar ao Congresso dos EUA, que o
presidente dos EUA. Mesmo assim, é também possível que, a portas
fechadas, os israelenses e os sauditas ouçam reprimenda: “baixem o tom,
senão...” e que o apoio dos EUA a esses dois regimes fique condicionado a
nenhum deles cometer qualquer loucura (tipo atacar o Irã).
Barack Obama |
Politicamente,
acordo desse tipo abriria as portas para oportunidades muito mais importantes
de colaboração (na Ásia Central e no Oriente Médio) e tiraria os EUA da “rota
de colisão com o resto do planeta” em que estão presos desde 11/9.
Bem
claramente: um acordo com a Rússia seria muito benéfico para os EUA.
E sobre a
Palestina?
Nesse
ponto, desgraçadamente, permaneço tão pessimista como antes. Como outras vezes
em sua história, os palestinos mais uma vez cometeram o que se pode chamar de
“suicídio estratégico”, ao decidir apoiar as forças anti-Assad na Síria. Outra
vez, como no caso de Saddam, os palestinos aliam-se ao lado perdedor e, o que é
ainda pior, seu único movimento de resistência mais ou menos decente (o Hamás)
já foi agora tomado por interesses sauditas, o que basicamente também põe o
Hamás sob controle de Israel, não menos que o Fatah.
Hoje, o último movimento de resistência “real” que ainda sobrevive na Palestina é “Jihad Islâmica Palestina” [orig. Palestinian Islamic Jihad], mas é comparativamente pequeno e fraco e não pode ser parceiro em qualquer negociação real com EUA e Israel.
Hoje, o último movimento de resistência “real” que ainda sobrevive na Palestina é “Jihad Islâmica Palestina” [orig. Palestinian Islamic Jihad], mas é comparativamente pequeno e fraco e não pode ser parceiro em qualquer negociação real com EUA e Israel.
Nesse
contexto, o mais provável é que os israelenses simplesmente imponham em campo
qualquer “solução” que desejem, sem precisar negociar com nenhum grupo palestino.
É muito triste e nada precisava ser assim, mas os palestinos, sim, fizeram o
que fizeram, eles mesmos a eles mesmos; agora, só se podem culpar também eles
mesmos.
Resumo, até
aqui: na Palestina não se vê nenhum efeito dominó.
Conclusão:
uma verdadeira janela de oportunidade
O futuro
absolutamente não é certo, e os Israel-em-primeiro-lugar-istas e seus aliados
sauditas têm muitas opções para reverter esse processo (imaginem Hillary, na
presidência!!). E ainda é possível que os EUA consigam sair da rota de desastre
na qual caminha há duas décadas e retornar a uma política externa mais
tradicional, mais pragmática: permanecerá como potência imperial com objetivos
imperialistas globais, mas, pelo menos, estará sendo movida por considerações
pragmáticas (embora cínicas), não por interesses ideológicos estranhos e
alheios aos EUA.
Em
contraste com o que os EUA vêm fazendo ao longo das últimas duas décadas, é
possível que os desenvolvimento no Oriente Médio convençam os EUA de que
negociações e concessões são ferramentas mais efetivas de política externa, que
ameaças e ações militares.
John McCain, (psicopata senil) |
Mas se os
“EUA-em-primeiro-lugar-istas” puderem chutar para longe os
“Israel-em-primeiro-lugar-istas” que atualmente controlam as posições chaves
dentro dos dois partidos (gente do tipo de Rahm Israel Emanuel), então, sim, há
uma real possibilidade de que os EUA consigam livrar-se da atual subserviência
aos interesses de sionistas e wahabistas, e retomar outra política externa, mais
pragmática e mais razoável.
Mas... será
que esses EUA-em-primeiro-lugar-istas realmente existem? Honestamente, não sei.
Espero que existam e quero crer que a queda do dominó sírio ter sido seguida
tão imediatamente pela queda do dominó iraniano pode ser sinal de que alguém
dentro do estado profundo dos EUA decidiu usar essa oportunidade para, afinal,
livrar os EUA da servidão a interesses alheios que, literalmente, sequestraram
o país.
Se dentro
de seis meses for firmado um acordo permanente entre o P5+1 e o Irã, e se mais
ou menos ao mesmo tempo os EUA iniciarem negociações sérias com a Rússia,
então, sim, um melhor cenário se tornará mais crível. Hoje, ainda é cedo para
saber.
[assina]
The Saker
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