Raul Longo
Em breve ninguém precisará ir ao Golfo do México para assistir e experimentar um bom e gigantesco desastre ecológico. Está sendo preparado com bastante dedicação e será servido aqui mesmo, em Floripa.
Não na Florida, Flo-ri-pa! Ou, como carinhosamente chamavam os turistas argentinos: Flório.
Chamavam. Não chamarão mais. Afinal, não haverá mais qualquer razão de carinhos. Como Santos, a cidade do litoral paulista que muitos se orgulham por ser o maior e mais movimentado porto do Brasil, onde entram e saem as grandes riquezas da nação.
Mas quem consegue ter carinho por um horizonte de cargueiros e praias de areias tingidas de fuligens e dejetos náuticos?
Não confunda Floripa com Florida, nem esportes ou passeios náuticos com o que estamos falando, pois não falamos de windsurf, barcos a vela, veleiros, escunas e saveiros. Tampouco falamos de iates ou elegantes transatlânticos.
Estamos nos referindo a petroleiros, cargas gigantescas de óleo. Óleo igual aquele do Golfo do México.
Calma! Nada de pensar em catástrofes. Aquilo lá foi uma falha técnica na plataforma a quilômetros da costa. Não foi nenhum erro de prospecção da empresa contratada para análise das condições ambientais do local a ser implantada a extração.
Alarmistas já cogitam a possibilidade de ter sido a mesma empresa norte-americana contrata pela OMX para os estudos das condições ambientais do estreito e tranquilo canal marítimo que separa a Ilha de Santa Catarina do continente. Mas afora a idêntica nacionalidade, na verdade ainda não há nada que confirme tal cogitação.
Certo é que, segundo a OMX, os experientes técnicos da tal empresa passaram cerca de 10 meses ou exatamente um ano monitorando todos os movimentos de marés, ventos, correnteza e demais variáveis entre as quatro estações climáticas. E concluíram que o local é propício.
Propício a quê? Para mim, quando conheci essa baía norte, achei propício para viver, como tantos outros que também escolheram viver às margens desse canal. Garanto que, como eu, não imaginavam a possibilidade de acontecer o furacão Catarina.
Quem iria imaginar, mesmo com um ou dez anos do mais rigoroso monitoramento, que um dia ocorreria um furacão em qualquer parte do Brasil? Se fosse possível imaginar o vazamento do Golfo do México, a população e o governo da Florida não se arriscariam ao desastre que hoje quase supera a arrecadação de toda a história daquele estado.
Só louco se aventuraria à possibilidade da rabeira do Catarina, como tive de enfrentá-lo aqui! Felizmente não havia nenhuma British Petroleum por perto, mas o amanhã ninguém sabe e já que aqui estou, e na natureza ninguém manda nem prevê, apenas me resta rezar a Zéfiro e Euro, os deuses dos ventos de Homero, para que não soprem minha Tróia do mapa.
Mas saindo da linha das imprevisibilidades catastróficas e quiméricas, vamos ao concreto, real, sólido, firme como o ferro das plataformas petrolíferas a serem construídas pelo estaleiro da OMX nas tranquilas águas do canal da Ilha de Santa Catarina, frigida em fogo alto pelo gourmet Eike Batista.
O aroma exalado promete e já reuniu os primeiros convivas à mesa, lá em Brasília, todos com aquela fome típica de vésperas de eleições.
Apreciem a experiência e destreza do maître! Vejam como conhece os paladares de seus comensais! A ponto de reunir, em perfeita harmonia e numa mesma mesa, aqueles que daqui a pouco estarão acusando o que for eleito, pela indigestão que previsivelmente provocará o acepipe.
Não! Não voltamos às previsões catastróficas, pois se sabe perfeitamente que os que estão à mesa não correrão esse risco. A congestão ficará por conta dos que aguardam ansiosos e não vêem a hora de raspar o fundo da panela dos 3.500 empregos para instalação e 4.000 para operação, prometidos pelo empreendimento.
E o bom anfitrião também promete que aguardará pacienciosamente, com todo o “se tirer d’affaire”, a especialização da população local através de cursos gratuitos oferecidos pela própria OMX.
Não é uma maravilha? Da rede de pesca, das lanternas de maricultura, dos serviços de hotelaria, e outras atividades tradicionais da região; ao cartão de ponto para à solda, o andaime, a aplicação de anticorrosivos, tintas, solventes, aditivos e outros fluídos. Simples assim: aditivos e outros fluídos aqui nas tranquilas correntezas onde se espraiam as águas do Oceano Atlântico, junto a manguezais e estuários, berçário de fauna e flora que faz desta região um paraíso.
O Ministério do Meio Ambiente ainda não decidiu, mas pelo tamanho da fome e voracidade dos nobres e ansiosos comensais, podemos considerar que paraíso já era. Praticamente já não é mais. Pois paraíso é como dizia meu amigo Polé: “enquanto não pensarem o ambiente por inteiro, não haverá meio algum”.
Da sopa ao mel, faz lembrar os mesmíssimos argumentos
De onde virão os técnicos, engenheiros, administradores, especialistas da área que aqui nunca existiu? Os fornecedores, serviços correlatos, terceirizados e demais de instantânea demanda?
São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre. Até da Florida ou qualquer outra parte deste vasto mundo globalizado. Todos convidados ao grande banquete!
Alojamento e hospedagem não é problema. É só desengavetar o projeto do prefeito de Florianópolis e vamos lá aos prédios de oito andares em cada praia, à beira-mar. 8? Será pouco. Que tal 12? Ou 40 como em Santos?
E o escoamento do tráfego da população duplicada? O saneamento básico? O tratamento de águas e esgotos?
Duplica-se a estrada, as avenidas, a Beira Mar. Duplica-se a Ilha! E tome mais aterros, túneis, pontes e viadutos! Afinal, há que se pensar nos desabrigados que chegarão depois dos morros tomados, das novas favelas montadas. E estes retardatários de todos os grandes e abruptos movimentos e concentrações populacionais, precisarão ir pra debaixo de algum lugar.
Em compensação, aumentam as riquezas, as compras, ofertas e procura. Arrecadação e especulação. Novos templos do comércio: lojas, magazines e mega shoppings igualzinho São Paulo, igual Nova Iorque até! Seremos uma Manhattan!
O Floripa Shopping, junto com o Shopping Iguatemi e outros empreendimentos igualmente previdentes como o Estaleiro da OMX, deram na Operação Moeda Verde, com Polícia Federal e tudo. Mas no repasto oferecido pelo Eike Batista, embora todos da mesma quadrilha estejam envolvidos, há novos convidados que garantem a lisura do processo. Se não exatamente isso, ao menos a segurança contra futuros incômodos, pois sabem como são os empreendedores e seus interesses: detestam ser incomodados.
No final da festa, haja detergente para lavar a louça suja! Mas façam a digestão sossegadamente porque a natureza levará alguns séculos ou milênios para limpar tamanha sujeira com a qual teremos de aprender a conviver.
E ainda há quem, em defesa do meio ambiente, reclame de uma latinha de cerveja boiando na praia!