7/3/2014, German-Foreign-Policy
(Trad. de Fausto Giudice, do alemão ao francês)
Tlaxcala Rede Internacional
de Tradutores
Traduzido para o português
pelo pessoal da Vila Vudu
Vitali Klitschko: Missão cumprida senhora Merkel, a Ucrânia queima! |
KIEV/BERLIN
– O governo instalado em Kiev por um golpe de estado encorajado por Berlim
amplia sua cooperação com os oligarcas ucranianos.
Dois deles
foram nomeados governadores das grandes regiões de Donetsk e de Dnipropetrovsk,
e um terceiro, até aqui tido como partidário do presidente deposto Viktor
Yanoukovich, manifesta-se agora como aliado do governo, contra as forças
pró-Rússia.
O que se vê
cada vez mais claramente é uma restauração dos centros de poder contra os quais
foi dirigida a rebelião da Praça Maidan, no início do movimento, antes de ser
instrumentalizada pela Alemanha e outros estados ocidentais, com o objetivo de
levar ao poder em Kiev um governo pró-ocidente – com vistas a integrar a
Ucrânia aos seus próprios sistemas de aliança.
A luta pela
influência em Kiev trava-se mais uma vez entre a Alemanha e a Rússia: no início
da Iª Guerra Mundial, Berlim começou a tentar arrancar a Ucrânia da esfera de
influência russa, para enfraquecer o inimigo. Em 1918, Berlim conseguiu por
alguns meses ter Kiev sob seu controle. Antes, o reino fizera campanha para
libertar a Ucrânia do jugo opressivo do czar; mas os alemães rapidamente
levaram ao poder em Kiev um representante dos grandes proprietários de terras
ucranianos, o que levou partes da população a novas revoltas.
Petro Porochenko |
Oligarcas amigos
O governo putschista de Kiev apoiado por Berlim
coopera cada vez mais abertamente com os oligarcas ucranianos detestados pela
população. Já durante as manifestações populares na praça Maidan, os dirigentes
de oposição foram empossados pelos miliardários.
Petro
Porochenko, conhecido como “rei do chocolate”, porque é proprietário de uma
rede de lojas que vale bilhões de dólares, declarou-se abertamente ao lado de
Vitali Klitschko. Os órgãos da imprensa-empresa pertencentes ao oligarca Victor
Pinchuk sempre informaram com simpatia, sobre as manifestações. Klitschko
confirmou que mantinha contato também com outros oligarcas. [1]
Arseniy
Yatseniouk , atual primeiro-ministro, já pertencia, de fato, ao partido da
oligarca Yulia Timoshenko. Entrementes, o governo putschista também começou a empossar outros oligarcas em altos
cargos do estado: Sergueï Taruta e Ihor Kolomoisky, por exemplo, apareceram com
destaque.
Rinat Akhmetow (E) e Sergueï Taruta (D) |
A unidade da Ucrânia
A questão é
que parte considerável da população falante de russo rejeita firmemente o
governo putschista de Kiev; teme-se
que, depois dos eventos na Crimeia, outras secessões virão, ou dificuldades
duradouras, para os ucranianos falantes de russo.
A maior
parte dos oligarcas são vistos como uma espécie de garantia contra esses
perigos, porque eles têm massivo interesse em manter o estado ucraniano: não
querem que o país seja integrado mais estreitamente à Rússia, porque temem ser
engolidos pelos oligarcas russos, mais poderosos.
É o que
explica que o magnata do aço, Taruta, tenha sido nomeado governador da região
de Donetsk, onde Kiev enfrenta a reivindicação de secessão, pela população
falante de russo, majoritária, que deseja separar-se da Ucrânia.
Logo depois
de nomeado, Taruta falou aos habitantes de Donetsk: [2].
Caros compatriotas. Dirijo-me a vocês, como
presidente da Associação Industrial da Bacia [do
rio] Donetz e como cidadão falante de
russo, com sangue ucraniano [sic]. Convoco todos aqueles para quem a Ucrânia e
seu futuro são importantes, a unir esforços para preservar a integridade
territorial de nosso país.
Declaração
semelhante fez Rinat Akhmetov, aliado de longa data de Viktor Yanoukovitch ,
mas que também teme influência mais forte da Rússia. O fato de que a União
Europeia não impôs qualquer sanção contra ele, faz sentido: como defensor do
estado ucraniano, Akhmetov tem vantagens notáveis, aos olhos do ocidente.
Ihor Kolomoisky
|
Por meios duvidosos
Deve-se dar
atenção especial também à nomeação de Ihor Kolomoisky como governador de
Dnipropetrovsk. Os motivos da nomeação são os mesmos que levaram à nomeação de
Taruta: os interesses comerciais de Kolomoisky excluem qualquer aproximação
entre Ucrânia e Rússia e qualquer aproximação com a esfera de influência direta
de oligarcas russos, seus concorrentes.
Além disso,
Kolomoisky, uma das maiores fortunas da Ucrânia, desentendeu-se com seu
ex-amigo Yanukovich e mudou-se para a Suíça, onde é sensível à pressão
ocidental. Sua popularidade na Ucrânia não aumentou pelo fato de ele, cujo
banco controla quase 1/5 de todas as transações do país, ter assumido, por
meios duvidosos, o controle da maior refinaria da Ucrânia nos anos 2008-2010 –
quando, em Kiev, reinava a “coalizão laranja”, pró-ocidente. Depois da vitória
eleitoral de Viktor Yanukovich em 2010, Kolomoisky, mesmo assim, conseguiu
estabelecer boas relações com o novo governo.
Sua nomeação,
agora, como governador de Dnipropetrovsk,
é uma nova etapa na direção da restauração dos círculos de poder contra os
quais se fez a rebelião da Praça Maidan, antes que Berlim a capturasse para sua
própria luta contra a influência de Moscou.
Laranja
russa
Mais uma
vez, a luta por maior influência em Kiev, trava-se entre Alemanha e Rússia:
Berlim engajou-se na luta aberta pela primeira vez, há 100 anos, no início da Iª
Guerra Mundial.
O objetivo,
então, do plano alemão, era enfraquecer o adversário russo, atiçando questões
internas, até a secessão de algumas áreas. Uma das figuras mais influentes na
política da Alemanha para a Ucrânia, o jornalista Paul Rohrbach, depois
funcionário do ministério de Negócios Exteriores, muitas vezes recorreu a uma
imagem depreciativa, comparando a Rússia a uma laranja:
Como a laranja é composta de gomos
destacáveis, assim também o Império russo e seus diferentes territórios, as
províncias do Báltico, a Ucrânia, a Polônia, etc..
Rohrbach
estava convencido de que bastaria [3].
(...) destacar essas partes do território
(...) umas das outras e dar-lhes certo
grau de autonomia, para “pôr fim ao Império russo.
Essas suas
ideias foram muitas vezes designadas como “teoria da decomposição”.
A arma da
insurreição
O plano
formulado concisamente por Rohrbach entrou na fase operacional nas primeiras
semanas da Iª Guerra Mundial. Em documento datado de 11/8/1914, o chanceler
Theobald von Bethmann-Hollweg declarava o desejo de recorrer, como “arma contra
a Rússia”, à insurreição (Insurgierung), dentre outras “partes”, da
Ucrânia. Pouco mais tarde, o ministro de Negócios Estrangeiros do Império dos
Habsburgos confirmava que: [4]
(...) nosso principal objetivo, como o da
Alemanha, é o maior enfraquecimento possível da Rússia. Esperamos portanto
obter a libertação da Ucrânia e dos demais povos que a Rússia oprime nas nossas
fronteiras.
Tropas alemãs em Kiev (Março 1918) |
O projeto
de dividir a Rússia oferecia, principalmente, oportunidades políticas internas.
De um lado, permitia alimentar ressentimentos tradicionais anti-Rússia, no seio
da população alemã; de outro lado, permitira rotular a agressão militar como
luta contra o despotismo do império czarista e, assim, ganhar, para os
combates, os círculos que mais resistiam contra a aventura militar.
“O efeito
anti-czar da social-democracia” foi “elemento essencial para facilitar a tomada
de posição a favor da guerra” – constatava em 1961 o historiador Fritz Fischer,
em seu estudo pioneiro Griff nach der Weltmacht [Aposta na potência
mundial] [5].
General Wilhelm Groener |
Libertados
e controlados
Nas
memórias e manifestos, selecionaram-se algumas formulações adequadas, para
falar sobre os objetivos alemães naquela guerra. Assim, por exemplo, Matthias
Erzberger, do Partido do Centro, falava, em setembro de 1914, a favor de combater
para a “libertação” dos povos não russos, submetidos ao “jugo moscovita” e pela
criação de uma “autonomia” “no interior de cada vila”. Mas não esquecia de
destacar que “tudo isso” tinha de ser feito “sob a supremacia militar da
Alemanha”.
Erzberger
não escondia que a “libertação” e a “autonomia” sob controle armado alemão não
visavam apenas a penetrar economicamente na Ucrânia; também serviam a um objetivo
geoestratégico claramente definido: tratava-se, escreveu ele, “de separar a
Rússia, ao mesmo tempo, do Mar Báltico e do Mar Negro”. [6]
A valsa das
marionetes
No início
de 1918, Berlim conseguiu pela primeira vez alcançar seu objetivo estratégico.
Dia 9/2/1918, o Reich [império] alemão assina acordo com o Parlamento Central
[Rada] ucraniano, que acabava de proclamar a soberania da Ucrânia e
rapidamente pedira ajuda a Berlim, contra a Rússia. O Império alemão então
assumiu o controle de facto em Kiev: mas se “manteria a ficção” de que o
Parlamento continuava a governar, como anunciou o general Wilhelm Groener,
verdadeiro detentor do poder na Ucrânia de fins de março a fins de outubro de
1918 [7].
Hetman Pavlo Skoropadsky e oficiais |
Mas, no
instante em que perceberam que o Parlamente Central ucraniano – dominado por
liberais e sociais-democratas – não tinha condições para pôr em prática os
planos de Berlim para a Ucrânia, os alemães instalaram no poder, pela força, um
grande proprietário de terras, muito impopular entre a população camponesa
empobrecida, Pavlo Skoropadsky, representante dos meios mais ricos. Houve
revoltas imediatas, como antes já houvera, contra o regime czarista. Berlim
reprimiu todas, com extrema brutalidade.
Quer dizer:
antes, os alemães já demonstraram amplamente sua total indiferença às condições
internas da Ucrânia, como se diz, “a ser libertada”; antes de perderem a Iª
Guerra Mundial e, com ela, o controle sobre Kiev.
____________________
Notas
[1] Cf.
Oligarchen-Schach.
[2] Kiew ruft die
Oligarchen. www.n-tv.de 05.03.2014.
[3] Walter Mogk:
Paul Rohrbach und das "Größere Deutschland". Ethischer Imperialismus
im Wilhelminischen Zeitalter. München 1972.
[4] Apud Fritz
Fischer: Griff nach der Weltmacht. Die Kriegszielpolitik des kaiserlichen
Deutschland 1914/18. Düsseldorf 1961.
[5] Fritz Fischer:
Griff nach der Weltmacht. Die Kriegszielpolitik des kaiserlichen Deutschland
1914/18. Düsseldorf 1961.
[6] Apud Fritz
Fischer: Griff nach der Weltmacht. Die Kriegszielpolitik des kaiserlichen
Deutschland 1914/18. Düsseldorf 1961.
[7] Winfried
Baumgart: General Groener und die deutsche Besatzungspolitik in der Ucrânia
1918. In: Geschichte 6/1970, S. 325-340.
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