Medo do efeito dominó NUNCA vai acabar
11/3/2014, [*] Jason Hirthler,
Counterpunch
Traduzido por João Aroldo
Marcha bolivariana de Caracas, quando da vitória eleitoral do PSUV em 2013 |
Algumas coisas não mudam nunca. A petulante e não democrática
oposição venezuelana está de volta, com o total apoio e endossamento de cheques
pelo governo americano.
Recentes protestos inflamaram as ruas de Caracas, enquanto
grupos de oposição, como os existentes na Ucrânia, pedem a saída do presidente
atual. Suponho que seja desnecessário notar que Nicolás Maduro é o presidente
democraticamente eleito da Venezuela, e que ele venceu por uma alta margem de
vantagem em uma eleição mais limpa que a de Barack Obama em 2012.
Também não vale a pena perguntar, supõe-se, que se um país
inteiro é tomado por protestos, como o New
York Times insidiosamente sugere ao alegar que “Os protestos expressam o
descontentamento geral com o governo do Presidente Nicolás Maduro, um
socialista…”, então por que o partido de Maduro, o Partido Socialista Unido de
Venezuela (PSUV), teve maioria nas eleições municipais em dezembro? Ou por que
esses protestos “generalizados” estão em grande parte confinados às áreas da
classe média e de estudantes de Caracas e não em áreas muito maiores da
população de baixa renda? Ou se um governo tem o direito de prender líderes da
oposição (neste caso, Leopoldo Lopez, o último ideólogo raivoso) por incitar a
violência
Virtude
Pública, Vício Privado
O Secretário de Estado John Kerry aumentou
a histeria, dizendo estar “alarmado” por relatos de que Maduro “prendeu
multidões de manifestantes antigoverno” e de que a repressão teria um “efeito
inibidor” na liberdade de expressão. Um pouco rico vindo de um homem cujo
próprio governo tem inibido a liberdade de expressão desde as revelações de
Snowden. Kerry não menciona que os milhões
de dólares dos contribuintes norte-americanos sendo enviados para a
oposição venezuelana estão por trás da violência.
O grupo GAFE (Globo, Abril, FSP, Estado) e repete o que a imprensa internacional manda |
O The Los Angeles Times
descreveu a administração Maduro como um “governo autocrático”. O líder de
oposição, Henrique Caprilles, demolido por Maduro na eleição esmagadora do ano
passado, rejeitou o convite de Maduro para conversas e afirmou que um
dos partidos mais populares da América Latina era um “governo morrendo”.
Por sua parte, o MERCOSUL, a aliança dos países do cone sul
da América do Sul, denunciou a violência como uma tentativa de "desestabilizar"
o governo democrático. É claro que o comportamento do governo de Maduro, em
resposta a estas provocações de rua, deve ser vigiado de perto, já que este é o
primeiro teste real do novo presidente em um cenário internacional ao lidar com
as intrigas de uma pequena, mas virulenta oposição neoliberal.
Há muito
a sugerir que isso é, como na Ucrânia, outra tentativa externa de
derrubar um governo democraticamente eleito através de um coquetel volátil de
agitação e violência internas somadas à difamação do governo atual pela mídia
global. Não seria surpresa.
Como uma criança frustrada e petulante, os EUA têm tentado
repetidamente sabotar a Revolução Bolivariana lançada pelo ex-presidente Hugo
Chávez no final dos anos 1990, como Mark
Weisbrot do CEPR notou.
Os EUA apoiaram um golpe antidemocrático pelas elites
financeiras em 2002 que de fato durou alguns dias e alegremente dissolveu o
Congresso antes de Chávez ganhar o poder.
Os EUA apoiaram uma greve de petróleo para tentar
desestabilizar a economia e, talvez, derrubar o governo. Encorajaram membros do
congresso da oposição a pedirem recontagens (fracassadas) e boicotarem as
eleições da Assembleia Nacional (em vão) e declarar incessantemente que a
eleição presidencial do ano passado foi fraudada (falso).
É claro, apesar de ser considerado um processo eleitoral
superior ao dos EUA, Kerry foi humilhado ao reconhecer a legitimidade da
eleição muito depois do resto do mundo
Motociclistas abrem a Marcha Bolivariana de 24/2/2014 |
Os EUA enviaram anualmente milhões para as atividades da
oposição desde o golpe fracassado de 2002. (ONGs são destinos convenientes para
este dinheiro, já que as contribuições estrangeiras a partidos políticos são
ilegais em ambos os países).
Basta
olhar para 2013
apenas. Washington dificilmente aceitaria interferências deste tipo da
China, digamos. Ou melhor, da própria Venezuela. Apesar disso, Kerry, em seu
papel com Secretário de Estado, acabou por se revelar um mímico magistral capaz
de registrar a indignação mofada em curto prazo, especialmente quanto às
violações das liberdades civis. Curioso, já que a violação incessante das
liberdades civis por seu próprio Partido Democrata não provocou nada neste
porta-bandeira dos valores democráticos.
Dólares e
Bolívares
Isso não quer dizer que a Venezuela não tem problemas dignos
de protesto. A inflação tem sido crônica desde os tempos pré-Chávez. Agora a
escassez de alimentos está testando a paciência da população. E, em certo
sentido, essas faltas são autoinfligidas.
De acordo com Gregory Wilpert, da VenezuelAnalysis.org,
os controles cambiais do governo têm sido minados por um mercado negro
demasiado previsível. Enquanto o governo estabelece critérios rigorosos sobre a
capacidade dos cidadãos para comprar dólares com bolívares, o mercado negro
permite aos cidadãos comprar dólares sem qualquer critério de qualquer natureza.
A taxa de câmbio do governo é igualmente controlada e, com o tempo, começou a
distorcer o valor real do bolívar.
A taxa de câmbio do mercado negro, por outro lado, reflete o
valor externo da moeda. A diferença entre estas taxas de câmbio tem crescido
rapidamente, de modo que há agora grandes incentivos para que os cidadãos façam
arbitragem de divisas.
Presidentes dos países da UNASUL/MERCOSUL na reunião de 2013 |
Se atenderem a critérios federais, tais como a necessidade de
dólares para viajar ou para importação de bens - os venezuelanos podem comprar
dólares mais baratos usando a taxa de câmbio do governo.
Eles podem pagar com esses dólares para importar mercadorias
e, em seguida, exportar os bens em troca dos dólares que acabaram de gastar com
as importações. Daí é apenas um passo para o mercado negro, onde eles podem
vender esses dólares por valores maiores do que eles pagaram com a cotação
oficial do governo, conseguindo um bom lucro para si.
Se eles forem antissocialistas raivosos, eles podem desfrutar
da emoção de gerar escassez de alimentos que pode ser atribuída ao governo.
Ah, a magia atemporal da importação/exportação.
Estas são queixas legítimas, assim como as estatísticas do
crime, que lideram a tabela regional.
No entanto, a questão é, será que eles merecem a derrubada de
um governo legítimo apoiado por uma ampla maioria da população, a mando de uma
pequena, mas feroz facção oposicionista financiada abertamente por um poder
imperial comprometido com sua derrubada?
Fazê-lo seria arriscar o absurdo de satisfazer as exigências
estridentes de uns poucos em detrimento de muitos. Isso também não estaria
longe do recente episódio em Watertown,
New York, onde a prefeitura proibiu
os moradores de ter companheiros de quarto com base na queixa de um único
cidadão. (Isto lembra ainda a oposição de Ambrose Bierce ao conceito de oração,
já que para Bierce, os devotos pediam que “as leis do universo sejam anuladas
em nome de um único requerente confessadamente indigno”)
O fato é que, apesar da inflação e escassez, a população
continua apoiando a Revolução Bolivariana por causa de suas realizações − reduções
enormes na pobreza, eliminação da pobreza
extrema e do analfabetismo. O crescimento
significativo do PIB per capita e outras métricas importantes.
Uma Doutrina
em Declínio
Estamos vendo em imagens claras a crueldade com que facções
neoliberais se ressentem da perda de poder e buscam restaurá-lo por qualquer
meio necessário.
A democracia é a menor de suas preocupações. Mas esta tem
sido a história de fundo da América Latina por séculos.
Grande parte da atividade dos EUA na América Latina parece um
último esforço frenético e desesperado para preservar a Doutrina Monroe,
segundo a qual declaramos essencialmente que a América Latina era o nosso
próprio quintal, inacessível para os impérios europeus.
Quadro/Resumo das eleições municipais da Venezuela em 2013. Vitória estrondosa de Maduro(PSUV) nas principais cidades. Clique na imagem para vizualizar. |
O que era ostensivamente um chamado para respeitar o
desenvolvimento independente no Hemisfério Sul, em vez disso, previsivelmente
evoluiu para uma desculpa para intervenção com interesses próprios.
Mas agora, pela primeira vez em séculos, a América Latina
reagiu por conta própria, escapando das garras da águia para formar
organizações como o MERCOSUL e CELAC , PETROCARIBE e PETROSUL, UNASUL, Banco do
Sul, bem como a Aliança
Bolivariana para as Américas (ALBA).
Apesar da Colômbia, um posto avançado implacável da influência
norte-americana, a região tem evitado um maior envolvimento dos EUA, e começou
a ver seus acordos comerciais com muito mais desconfiança, particularmente na
sequência do NAFTA, o garoto propaganda para tratados de comércio assimétricos
e economicamente destrutivos.
Se os EUA vão eventualmente ter sucesso em uma manobra cínica
para derrubar Maduro, ainda veremos. Se os acontecimentos recentes na Ucrânia
são uma indicação, isso pode ter sido um teste para a Venezuela, como Peter
Lee sugere.
Também não ajuda que, em praticamente todos os países que nos
vêm à mente, uma elite de ideólogos neoliberais são os donos da grande mídia.
As ferramentas de propaganda raramente foram mais fortemente utilizadas desde
que Chávez iniciou sua revolução socialista. E, no entanto, desde então,
praticamente todo o continente experimentou lideranças com tendências de
esquerda: Rafael Correa no Equador, Evo Morales na Bolívia, Nicanor Duarte, no
Paraguai, Tabaré Vázquez no Uruguai, até certo ponto, Luiz Inácio Lula da Silva
no Brasil, e Maduro na Venezuela.
Também não devemos esquecer do presidente hondurenho exilado,
Manuel Zelaya. Estes personagens saíram coletivamente da beira da integração
duvidosa com a América do Norte e buscam laços regionais mais fortes e autonomia
continental.
Os EUA tem respondido com uma mistura previsível de ameaças,
mentiras e sacos de dinheiro para os elementos ferozmente antidemocráticos.
Nicolás Maduro na Assembleia em 15/1/2014 |
Talvez o que mais temem seja o mau karma gerado com a Operação Condor, que em 11 setembro de 1973 derrubou
e assassinou o líder socialista do Chile, Salvador Allende e substituiu-o com
um covarde sádico, Augusto Pinochet. Pinochet - um militarista repressor –
alegremente instituiu as medidas não testadas do guru de poltrona da Chicago School of Economics, Milton
Friedman, com resultados previsíveis.
Agora, Maduro, carregando o manto de Chávez e seu manifesto
Bolivariano, é, sem dúvida, a vanguarda espiritual da esquerda socialista na
América do Sul.
Os esforços da Venezuela para continuar a criar a sua própria
independência na próxima década certamente irão influenciar o estado de
espírito e a coragem de outros esquerdistas na região.
As apostas são obviamente altas. Daí o esforço americano
incansável para desestabilizar e desacreditar publicamente o PSUV. O destino da
esquerda global está, em um sentido muito real, sendo testado no cadinho de
Caracas.
____________________
[*] Jason Hirthler é escritor, estrategista com
15 anos veterano da indústria de comunicações e jornalismo. Escreve para Counterpunch, World Can't Wait, e de outras comunidades políticas.
Vive
e trabalha em New York.
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