sexta-feira, 14 de março de 2014

Obama faz uma oferta no caso da Crimeia

13/3/2014, [*] MK Bhadrakumar, Indian Punchline
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Paraquedistas saem de base na Ásia Central para a Crimeia em 11/3/2014 (RIA Novosti)
Quando um especialista em Rússia, de grande reputação, Stephen Cohen da New York University, diz que os EUA estão a dois passos de uma Crise dos Mísseis de Cuba e, pela primeira vez, a três passos de uma guerra contra a Rússia, as coisas parecem sombrias. Cohen insiste: “Temos de conseguir pôr em andamento uma negociação...”. [1]

Mas os EUA estão-se preparando para confronto militar com a Rússia? Parece, mais, que está em andamento uma campanha diplomática para isolar a Rússia. Os telefonemas do presidente Barack Obama a seus contrapartes, o chinês e o cazaque, na 2ª-feira, não são coisas de rotina.

Os EUA esperam empurrar China e Cazaquistão para posição de neutralidade. Obama tocou numa corda sensível para ambas as capitais, Pequim e Astana – a santidade da integridade territorial dos estados-nação.

Nursultan Nazarbayev
Significativamente, Obama conclamou o presidente Nursultan Nazarbayev do Cazaquistão a assumir papel “ativo” na crise da Ucrânia. Depois disso, a imprensa-empresa norte-americana tem insinuado que Nazarbayev teria cancelado visita marcada a Moscou, na 3ª-feira (11/3/2014).

No que tenha a ver com os EUA, a visita do primeiro-ministro do governo de Kiev, Arsenyii Iatsenyuk, à Casa Branca e ao Capitólio ontem (4ª-feira, 12/3/2014) é o fecho da história, quero dizer, significa que o novo governo de Kiev recebeu legitimação internacional.

Em resumo: a partir desse ponto, se o referendo na Crimeia seguir adiante como planejado, haverá pouco o que discutir com a Rússia. Na 5ª-feira (13/3/2014), Iatsenyuk deve falar ao Conselho de Segurança da ONU em New York, ao mesmo tempo em que uma delegação do Congresso dos EUA, liderada pelo irascível senador McCain chega a Kiev.

Preveem-se discursos fortes. Outra vez, o real significado da Resolução aprovada na Câmara de Deputados dos EUA na 3ª-feira (11/3/2014), condenando a “intervenção” russa na Crimeia, está no grande apoio que recebeu. Baseado nisso, o establishment político de Washington exige que Obama seja duro no caso da Ucrânia.

Mas até aqui, além de declarações fortes, há bem pouco que os EUA possam fazer para deter a Rússia. Até aqui, as sanções não têm capacidade para realmente cortar fundo.

Enquanto isso, o Parlamento em Kiev invocou as promessas de segurança feitas por EUA e Grã-Bretanha em 1994, como garantidores da soberania da Ucrânia, para que usem todas as medidas, inclusive militares, para conter a “agressão” da Rússia. Tecnicamente, se militares de EUA e/ou Grã-Bretanha se envolverem, a OTAN estará automaticamente envolvida.

AWACS - Airborne Warning And Control System
Na 2ª-feira (10/3/2014), a OTAN também anunciou sua intenção de mobilizar equipamento aéreo embarcado de reconhecimento [orig. AWACS] na Polônia e na Romênia, “para aumentar o conhecimento situacional da aliança”. Na 3ª-feira (11/3/2014), a Rússia iniciou manobras massivas envolvendo uma divisão aérea embarcada em condições de combate simulado.

Mas... o que mais podem fazer EUA ou OTAN?

O fato que não podem alterar é que o exército ucraniano não obedecerá ordens dos novos líderes em Kiev.

Mais importante: os comandantes militares ucranianos que foram treinados na Rússia, e mantêm relação muito próxima com seus contrapartes russos, jamais combaterão contra forças armadas russas.

Isso significa que, se EUA ou OTAN quiserem intervir militarmente em futuro próximo, terão de agir eles mesmos, quer dizer, terão de pôr os próprios coturnos em solo, como se diz.

Dito em termos simples, é ideia inconcebível, num momento em que dois terços da opinião pública britânica opõe-se a qualquer intervenção do Reino Unido na Ucrânia.

Em termos ainda mais claros, portanto, se o referendo na Crimeia decidir a favor de uma integração à Rússia, e se Moscou aceitar a integração, nada haverá que EUA ou seus aliados da OTAN possam fazer para impedir. O governo Obama parece bem consciente dos limites do que os EUA podem fazer para retaliar contra a Rússia.

Na conferência de imprensa em que Obama apareceu ao lado de Iatsenyuk na Casa Branca ontem (4ª-feira, 12/3), Obama voltou a “alertar” a Rússia sobre consequências à vista. Mas – e é muito curioso – usou a expressão “um custo pelas violações da Rússia”, expressão que ele, adiante, elaborou: disse que os EUA têm pronta uma “arquitetura” (...) para aplicar consequências financeiras e econômicas a ações que [Moscou] empreenda”.

Arsenii Iatsenyuk e Barack Obama na Casa Branca em 12/3/2014
Enquanto isso, os EUA anunciaram um pacote de ajuda à Ucrânia que inclui “garantias para um empréstimo de $1 bilhão que pode ajudar a pavimentar o caminho para reformas”, mas que não chega nem perto da proposta que a Rússia apresentou para resgatar a economia ucraniana, de $15 bilhões.

A segunda declaração do G7 distribuída na 5ª-feira (13/3/2014), fala de “outras ações, individualmente e coletivamente” no caso de a Rússia anexar a Crimeia, mas passa longe de qualquer especificação. No momento, o máximo que o G7 pode fazer é suspender a participação dos russos nas reuniões preparatórias para a reunião do G8 em junho, marcada para acontecer na Rússia.

Muito significativamente, a declaração de Obama na conferência de imprensa não tem qualquer traço de postura beligerante, embora tenha dito bem claramente que o apoio dos EUA ao governo da Ucrânia [de fato, sempre disse isso escondendo os EUA por trás da tal “comunidade internacional”; é ler e ver (NTs)] continuará inabalável. Mas limitou-se a falar de apoio moral, político e econômico. Isso é uma coisa.

A segunda coisa é que Obama reconheceu os laços históricos muito próximos que ligam Rússia e Crimeia. E bem profundamente escondida dentro da declaração de Obama há uma sugestão tentadora, de que o futuro status da Crimeia sempre pode ser regulado mediante um processo constitucional (para atender aos interesses russos).

O que Obama não disse, mas pareceu deixar implícito foi que, embora “com a mira de uma arma apontada para você”, as respectivas posições só endurecem; e se uma trilha diplomática puder ser aberta, podem surgir novas possibilidades de uma solução.

Em resumo, Obama, sim, ofereceu uma espécie de saída a Moscou – tanto quanto aos EUA e ao ocidente – por onde escaparem do feio poço da confrontação.

Não há dúvidas de que Moscou avaliará cuidadosamente as nuanças da fala de Obama, e tomará medidas para assegurar que aquelas palavras não são mero diplomatês, mas emanam de avaliação realista do impasse total que se desenvolvendo, pela qual o ocidente poderá ir até ali, mas não adiante daquilo, se a Rússia de fato pisar no acelerador para a anexação da Crimeia.

Em termos imediatos, ainda restam quatro dias antes do referendo na Crimeia. Obama quer que a Rússia pare de agir a favor do referendo, que criaria um ponto sem volta.

Lembra, sim, os navios soviéticos aproximando-se de Cuba, há 52 anos. A Crise dos Mísseis Cubanos só foi esvaziada quando os EUA reconheceram as legítimas preocupações de Moscou com mísseis mirados contra a URSS, e agiram de acordo. Cohen acerta, na sua analogia.



Notas dos tradutores

[1] Russia Expert Stephen Cohen: “Two Steps From Cuban Missiles Crisis” (11/3/2014, Larouchepac) – “Professor de Estudos Russos, Stephen Cohen, em entrevista a Fareed Zakaria, da rede CNN, dia 9/3/2014. Excertos (ing.), aqui traduzidos:

Stephen Cohen
Acho que estamos a dois passos de uma crise como a Crise dos Mísseis Cubanos e, pela primeira vez, a três passos de guerra com a Rússia.

E o prof. Cohen insistiu:

Temos de conseguir começar uma negociação. Ao longo dos últimos 20 anos, os EUA movemos a OTAN diretamente para as fronteiras da Rússia. Há dez anos, Putin anunciou muito claramente “eu não gosto da OTAN juntos às minhas fronteiras, mas, vejam bem, eu tenho duas linhas vermelhas: uma é a Geórgia’ (a ex-república soviética). E Putin entendia que os EUA pisáramos naquela linha vermelha. E houve guerra. Agora Putin está entendendo que pisamos outra vez a linha vermelha noutro ponto, na Ucrânia.  

Respondendo a outra pergunta de Zakaria, Cohen disse:

Eu gostaria de perguntar a todo mundo, inclusive ao presidente dos EUA: “A Rússia tem algum interesse legítimo? A Rússia está de algum modo certa na sua narrativa? Porque temos duas narrativas conflitantes. Agora, Putin quer que nós voltemos a 21 de fevereiro, quando o acordo negociado pelos ministros de Relações Exteriores da ONU foi destruído nas ruas. Ninguém pode fazer a história retroceder. Mas Obama diz que precisamos conversar. E se fizermos isso, acho que as negociações podem começar e posso imaginar uma saída que evitaria a guerra.
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[*] MK Bhadrakumar foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as quais The Hindu, Asia Times Online e Indian Punchline. É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de Kerala.

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