27/2/2014, The Saker, The Vineyard of the Saker
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
The Saker |
Русские долго запрягают, но быстро едут
Ditado russo: Os russos demoram para selar o cavalo. Mas
depois que montam, andam depressa.
Mapa linguístico da Ucrânia |
Ao longo
dos últimos dias, os eventos na Ucrânia entraram em fantástica aceleração e
houve vários eventos simultâneos. Vou tentar apontá-los um a um.
- Em Kiev, os líderes da insurgência assumiram controle total do Parlamento e imediatamente aprovaram leis que revogam o status de língua oficial para o idioma russo.
- Os líderes políticos foram à Praça Maidan para obter a aprovação dos membros propostos para o novo governo.
- Exatamente como a sra. Nuland ordenou, Iatseniuk ficou com o cargo de primeiro-ministro.
- Na própria Praça Maidan, aparecem profundas diferenças entre partes, que agora se opõem entre elas, da multidão.
- O neonazista líder das “forças de segurança Maidan” e um dos fundadores do Partido Liberdade, Andrei Parubii, tornou-se chefe do Conselho de Segurança.
- O líder do Setor Direita (Pravy Sektor) neonazista, Dmitri Iarosh, é agora Delegado-chefe do Conselho de Segurança.
- O resto do novo governo é, a maioria, de apoiadores do ex-presidente Yushchenko, em outras palavras: leais agentes dos EUA.
- O novo regime dissolveu a polícia antitumultos e, assim, liquidou a última força que restava ainda capaz de manter a lei e a ordem nas regiões controladas pelos insurgentes. Agora reina a lei das gangues, nua e crua.
- A moeda está em queda livre. Iatseniuk diz que são necessários $35 bilhões imediatamente, para evitar um calote. A dívida total é de $170 bilhões.
- Nas áreas controladas pelo novo regime, estão acontecendo “expropriações” (roubos e assaltos) por toda a parte; a rua é governada pelos bandidos.
- Yanukovich foi retirado da Ucrânia por forças da segurança russas (mais sobre isso, adiante).
- O Parlamento do Tartaristão e o Congresso Mundial dos Tártaros apelou aos tártaros da Crimeia, basicamente para parar a merda toda (disseram em termos mais polidos). Honra e glória, à sabedoria dessas duas organizações!
- Homens armados, não identificados, tomaram o prédio do Parlamento da Crimeia às 4h da madrugada, só para assegurar que, dessa vez, os membros eleitos daquele Parlamento pudessem entrar e reunir-se. Uma bandeira russa foi hasteada no topo do prédio do Parlamento.
- O governador de Carcóvia, Mikhail Dobkin, renunciou ao cargo, para concorrer à presidência da Ucrânia, nas eleições de 25 de maio.
- O Parlamento da Crimeia assumiu as funções do governo central e anunciou um referendo sobre o futuro da Crimeia, marcado para 25 de maio.
- O recém-eleito prefeito de Sebastopol reuniu-se com o Comandante-em-chefe da Frota do Mar Negro. Os dois declararam que não será tolerada nenhuma violência, seja de que tipo for.
- Novas milícias populares de defesa formaram-se na Crimeia, com número estimado entre 5 mil e 15 mil membros, organizados em brigadas. Estão controlando todas as principais estradas e no momento estão filtrando o tráfego de quaisquer “visitantes” provenientes das áreas controladas pela insurgência.
- ·Membros importantes do Parlamento russo visitaram a Crimeia para manifestar apoio à população local e reunir-se com parlamentares da Crimeia.
- Na Rússia, as opiniões estão divididas sobre o que fazer: Vladimir Zhirinovksy e seu partido LDPR dizem que a Rússia deve ficar de fora e não dar um único rublo aos ucranianos. Os comunistas querem que a Rússia leve a questão ao Conselho de Segurança da ONU. O Partido “Só Rússia” (mais “moderado”) está manifestando pleno apoio ao povo da Crimeia e diz que a Rússia tem de intervir e ajudá-lo. Feitas as contas, a tomada do governo por neonazistas em Kiev parece estar despertando uma mistura de desgosto e fúria, que pressionará o Kremlin para que faça alguma coisa.
Assim
sendo... E o Kremlin? De fato, acho que começo a discernir o que me parece ser
uma estratégia de resposta em várias camadas, que o Kremlin porá em andamento,
todas as camadas simultaneamente:
1) No plano da
legislação vigente:
Yanuk |
Ao retirar
Yanuk do país e permitir que se refugiasse na Rússia, o Kremlin deixou claro
que o presidente legitimamente eleito da Ucrânia estará fisicamente disponível
para desafiar qualquer e todas as decisões do novo governo, do Parlamento
controlado pelos insurgentes e do governo nacionalista fascista. É evidente que
Yanuk está politicamente morto, mas, em termos da legislação vigente, continua
a ser extremamente poderoso e ator importante que tem de ser mantido vivo.
2) No plano
ucraniano:
O (agora
ex-) governador da Carcóvia, Mikhail Dobkin, fez “discreta” viagem à Rússia e
voltou com a decisão de renunciar ao cargo de governador, para concorrer à
presidência.
Mikhail Dobkin |
À primeira vista, a ideia de participar de eleições controladas
pelos fascistas pode parecer estúpida, mas repense: em primeiro lugar, no caso
totalmente improvável de uma eleição que seja pelo menos 50% decente, ele quase
com certeza será eleito (a maioria dos ucranianos não apoia os fascistas).
Segundo,
se a eleição for “manejada”, Dobkin, candidato, poderá questioná-la.
Terceiro,
pelo simples fato de concorrer, ele pode forçar a imprensa controlada pelos
fascistas (sobretudo a TV) a dar-lhe tempo de televisão no ar para responder à
propaganda nacionalista fascista. Assim, tudo considerado, é movimento astuto.
3) Na
Crimeia – nível político:
Mapa geofísico da Crimeia |
Para a
Crimeia, eu diria que é assunto resolvido: em maio, se tornará estado
independente. Esse estado terá alternativas abertas para ele. Se, por algum
milagre inesperado e basicamente impossível, Dobkin for eleito presidente, a
Crimeia pode aceitar um statu quo ante [lat. “estado em que as coisas
estavam antes”], mas com o claro entendimento de que aquele será arranjo
federativo do qual a Crimeia poderá separar-se a qualquer momento. Se algum dos
doidos nacionalistas for “eleito”, nesse caso a Crimeia romperá todos seus
laços com a Ucrânia e se unirá à União Econômica com Rússia, Bielorrússia,
Cazaquistão e Armênia, como estado independente.
4) Na
Crimeia – nível de segurança:
A Rússia
usará a força para defender a Crimeia se for necessário. A solução
preferível é ajudar as autoridades locais a defenderem-se, elas mesmas,
fornecendo fundos, armas (se necessárias), expertise
(se necessária), inteligência (se necessária), etc.. Mas em praticamente todos
os casos, nada disso será necessário, simplesmente porque tudo isso pode ser
fornecido pela Frota do Mar Negro, com base ali mesmo. No máximo, os ucranianos
nacionalistas podem mandar para lá as gangues de bandidos que já usaram em
Kiev.
102º Destacamento independente Spetsnaz da Marinha da Rússia |
Por outro lado,
a Frota do Mar Negro pode mobilizar a 810ª Brigada Independente de Infantaria
Naval, o 382º Batalhão Independente de Infantaria Naval e, até, o 102º
Destacamento independente Spetsnaz da Marinha [emblema, na imagem], o
que significa algo entre 1.300-1.400 soldados de elite, todos eles oficiais
super treinados, com longa experiência de combates, apoiados por artilharia,
força aérea, blindados, etc.. De fato, minha expectativa é que as autoridades
locais e as forças policiais (inclusive os Berkut da polícia antitumulto
local e as milícias populares de defesa) serão suficientes para conter qualquer
“visitante” da insurgência que apareça por lá, sem precisar de qualquer ajuda
da Frota do Mar Negro. Em resumo: a insurgência ucraniana jamais controlará a
Crimeia.
5) Leste da
Ucrânia:
É onde as
coisas ficam muito mais nebulosas. Meu palpite é que o Kremlin está adotando
uma atitude de “esperar para ver” em relação ao leste da Ucrânia, esperando pelo
que aconteça num nível local. O princípio básico por trás da política do
Kremlin é “só ajudamos os que se ajudem eles mesmos e façam por merecer nossa
ajuda”. A Crimeia é exemplo perfeito dessa abordagem. Fato é que os
nacionalistas têm forte presença em Carcóvia, Dniepropetrovsk ou Poltava. Assim
sendo, o desenlace aí é muito mais difícil e delicado de antever.
6) Restante
da Ucrânia:
Aqui,
entendo que a política correta é autoevidente: primeiro, deixar que os doidos
lutem entre eles até aplacarem o coração. Eles que comandem a já arruinada
economia real; eles que descubram até onde conseguem sobreviver movidos só a hinos
nacionalistas e gritos de “Бий жидів та москалів - Україна для українців”
(Fora, judeus e russos, Ucrânia para os ucranianos). A União Europeia e os EUA
que compareçam com os $35 bilhões para pagar por mais essa “revolução colorida”
e evitar um calote; e, depois, eles que deem jeito de administrar esse novo regime
“popular pró-ocidente”.
Então,
quando o dinheiro deles acabar, é esperar que recorram ao Kremlin e peçam
ajuda. Aí, basicamente, se tratará de “comprar a parte deles para tirá-los do
negócio”, item a item, fábrica a fábrica, político a político, oligarca a
oligarca, região por região.
Brigada neonazista do Pravy Sektor na Praça Maidan em 13/2/2014 |
A Rússia NADA deve a esses nazistas odiadores
de russos. E nada lhes dará gratuitamente. Os nacionalistas ucranianos tentarão
retaliar, sobretudo com ataques aos gasodutos russos que atravessam a Ucrânia,
mas essa é estratégia inviável: ferirá, em primeiro lugar e mais fundo, a
Europa; e, afinal, a Rússia construirá dois gasodutos que não passam pela Ucrânia.
Eventualmente, a Ucrânia acabaria por romper com o ocidente.
Quanto à
China, já está processando judicialmente o novo regime por quebra de contratos
comerciais (ou, pelo menos, já há notícias disso, em algum dos noticiários que
ouvi). A China seguirá a Rússia, neste caso.
7)
Violência previsível no leste da Ucrânia:
A menos que
ocorra um milagre, haverá muita violência nas províncias do leste da Ucrânia. No
ponto em que estão as coisas hoje, não vejo qualquer intervenção militar russa
para proteger a população falante de russo, que terá de defender-se, ela mesma.
A Rússia garantirá:
(a) apoio político,
(b) financeiro e, possivelmente,
quantidade limitada de
(c) apoio secreto.
Por hora,
pelo menos, é isso. É possível que eu tenha de corrigir/refinar essa análise.
Bandeira do Partido Svoboda neonazista |
Quanto a
EUA/OTAN, não acredito que intervirão militarmente. Haverá MUITA propaganda
anti-Rússia, muita propaganda pró-nacionalistas fascistas, milhões de dólares
norte-americanos continuarão a encher as burras dos líderes do golpe, mas, mais
cedo ou mais tarde, os EUA e seus fantoches europeus terão de se conformar ante
a evidência de que fracassaram: não expulsaram da Crimeia a Frota do Mar Negro;
e a Crimeia se encaminhará na direção da Rússia: será o tiro pela culatra, da “revolução
colorida” que EUA e União Europeia inventaram em Kiev.
Mas em
nenhum caso EUA/EU reconhecerão qualquer tipo de autoridade pró-Rússia em
nenhuma parte da Ucrânia. Por isso é possível que o país rache, como a Geórgia
ou as duas Coreias. OK. Absolutamente não tirará o sono, nem da Crimeia, nem da
Rússia – EUA/EU que tenham sua própria versão do Kosovo, só para variar :-)
O que lhes
parece? O que escrevi faz sentido?
Muito
obrigado e saudações.
The Saker
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