12/3/2014, [*] Pepe Escobar, Asia Times Online − The Roving Eye
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
O putsch de Kiev em 22/1/2014 |
Na Ucrânia,
o ocidente apoiou um putsch inconstitucional contra governo eleito,
perpetrado, dentre outros, por gangues armadas de fascistas neonazistas (dos
partidos Svoboda e Setor Direita [Pravy Sektor]) instrumentalizados pela
inteligência dos EUA. Depois de um contragolpe russo, o presidente Barack Obama
dos EUA declarou que qualquer referendo na Crimeia seria “violação da
Constituição da Ucrânia e da lei internacional”.
A
declaração é só o mais recente caso do estupro serial da “lei internacional”. A
folha corrida dos estupros é gigante, e inclui: a OTAN bombardeou a Sérvia
durante 78 dias em 1999, até conseguir consumar a secessão do Kosovo; os EUA
invadiram o Iraque em 2003, invasão seguida de ocupação na qual se consumiu um
trilhão de dólares, e, na sequência, criaram uma guerra civil; OTAN/AFRICOM
bombardearam a Líbia em 2011, invocando a “responsabilidade de proteger” (R2P,
“responsibility to protect”) como cobertura para provocar “mudança de
regime”; os EUA investiram na secessão do Sudão do Sul, rico em petróleo, para
que a China tivesse de enfrentar mais uma dor de cabeça geopolítica; e os EUA
continuam perenemente a investir na guerra na Síria.
Pois mesmo
assim, Moscou ainda crê (tolamente?) que a lei internacional deva ser
respeitada – e apresentou ao Conselho de Segurança da ONU informação secreta de
que dispunha, sobre todos os movimentos da inteligência/guerra psicológica e
outras operações “psi” conduzidas pelo ocidente e que levaram ao golpe em Kiev,
incluindo “treinamento”, dado na Polônia e na Lituânia, para nem falar da
inteligência turca, envolvida na preparação de um segundo golpe na Crimeia.
Os
diplomatas russos exigiram investigação internacional independente. Nunca
acontecerá, porque a narrativa de Washington seria completamente desmascarada.
Correspondentemente, os EUA vetaram a iniciativa dos russos na ONU.
Sergey Lavrov, Ministro de Relações Exteriores da Rússia |
O ministro
das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, também pediu que a
Organização para Segurança e Cooperação na Europa investigue objetivamente os
atiradores que atiraram contra os dois lados e todos que aparecessem à frente
deles em Kiev – como o ministro das Relações Exteriores da Estônia na União
Europeia informou à La Suprema da diplomacia da UE, Catherine “Adoro
Yats” Ashton. Segundo o embaixador russo à ONU, Vitaly Churkin, “obter-se-ia
quadro completamente diferente do que está sendo pintado pelo jornalismo dos
EUA e, infelizmente, também por alguns políticos norte-americanos e europeus”.
Desnecessário dizer que não haverá investigação objetiva alguma.
Oi! Sou seu
neonazista “do bem”...
Todos
recordam os “bons Talibã”, com os quais os EUA podiam negociar no Afeganistão.
Depois, foi a “boa al-Qaeda”, jihadistas que os EUA podiam apoiar na
Síria. Agora chegou a vez dos “bons neonazistas” com os quais o ocidente pode
fazer negócio em Kiev. Logo logo haverá os “bons jihadistas que
apoiam os neonazistas” e que podem ser mandados para promover antecipadamente
os desígnios anti-Rússia de EUA/OTAN na Crimeia e além-Crimeia. Afinal de
contas, o mentor de Obama, Dr. Zbigniew “O Grande Tabuleiro de Xadrez”
Brzezinski é o padrinho dos bons jihadistas, armados até os dentes para
lutar contra a ex-União Soviética no Afeganistão.
Como
mostram os fatos em campo, os neonazistas voltaram definitivamente como os
mocinhos.
Pela
primeira vez desde o fim da IIª Guerra Mundial, fascistas e neonazistas estão
no timão de uma nação europeia (embora a Ucrânia deva ser caracterizada,
sobretudo, como nação-oscilante-chave na Eurásia). Poucos no ocidente parecem
ter percebido isso.
Os cabeças do putsch e representantes dos interesses dos EUA/Europa na Ucrânia |
O elenco de
personagens inclui o ministro interino de Defesa da Ucrânia e ex-aluno no
Pentágono, Ihor Tenyukh; o vice-primeiro-ministro para assuntos econômicos e ideólogo
do partido (neonazista) Svoboda, Oleksandr Sych; o agro-oligarca ministro da
Agricultura Ihor Svaika (a Monsanto, afinal, precisa de um
propagandista-em-chefe); o chefe do Conselho de Segurança Nacional e comandante
dos neonazistas do Setor Direito (Pravy Sektor) na praça Maidan, Andry Parubiy;
e o vice-chefe do Conselho Nacional de Segurança, Dmytro Yarosh, fundador do
Setor Direita (Pravy Sektor). Para nem falar do líder do partido Svoboda, Oleh
Tyanhybok, amigo íntimo de John McCain e de Victoria “Foda-se a União Europeia”
Nuland, e ativo defensor de uma Ucrânia livre da “máfia judaico-moscovita”.
Dado que o
Kremlin recusa-se a negociar com essa gangue e o próximo referendo do dia 16 de
março na Crimeia é dado por detonado, a Equipe “Yats” está plenamente
legitimada, com honras, pela Equipe Obama, o líder incluído, em Washington.
Para citar Lênin, o que fazer? Leitura atenta dos movimentos do presidente
Putin sugere uma resposta: nada.
Basta
esperar, ao mesmo tempo em que se terceiriza para a União Europeia uma Ucrânia
em espetacular bancarrota futura próxima. A União Europeia não tem potência nem
para resgatar os países do Clube Med. Inevitavelmente, mais cedo ou mais tarde,
ameaças de sanções ou não, a Ucrânia voltará rastejando para Moscou, suplicando
“concessões”, e pode acontecer de a Rússia pagar a conta.
Entrementes,
no Oleogasodutostão...
Entrementes,
o Novo Grande Jogo (de ameaças) na Eurásia avança sem se deter. Moscou até
cederia e aceitaria uma Ucrânia neutra – mesmo com neonazistas no poder em
Kiev. Mas uma Ucrânia ligada à OTAN é linha vermelha absoluta. Por falar dela,
a OTAN já está “monitorando” a Ucrânia com Sistemas Aéreos Embarcados de Alerta
e Controle [orig. Airborne Warning And Control System, AWACS] que
partem do espaço aéreo polonês e romeno.
Airborne Warning And Control System, AWACS (Esquema) |
Assim sendo,
o tão elogiado “reset” entre o Kremlin e o governo Obama está, para todas as
finalidades práticas, enterrado sob sete palmos de terra (sem que as cartas
prevejam qualquer “o retorno” à moda Hollywood); e restou só o perigoso jogo de
ameaças. Lançadas não só pelo Império, mas também por vassalos.
Aquela
seleção monstro de burocratas sem cara ao estilo Magritte na Comissão Europeia,
fazendo avançar sem parar a ameaça de sanções pela União Europeia, decidiu
adiar a decisão sobre se a Gazprom pode vender mais gás pelo gasoduto OPAL na
Alemanha, e também adiou negociações sobre o estatuto legal do Ramo Sul [orig. South
Stream], o gasoduto que passa pelo fundo do Mar Negro e que deve tornar-se
operacional em 2015.
Como se a
União Europeia tivesse algum Plano B viável para escapar à dependência do gás
russo (para nem citar a possibilidade – zero – de que abra mão do jogo
financeiro muito lucrativo jogado entre as principais capitais europeias e
Moscou). Farão o quê?! Importarão gás em aviões da Qatar Airways? Comprarão gás natural liquefeito dos EUA – que não
estará disponível ainda por muitos anos?
Grande parte do gás que abastece a Europa sai da Rússia e passa abastecendo a Ucrânia |
Fato é que,
no instante em que começar uma guerra pelo gás, se algum dia acontecer, a União
Europeia estará pressionada por legiões de estados-membros para que mantenha
(e, até, para que amplie) os acertos de gás com os russos – mesmo que contra os
desejos dos “nossos filhos da puta (neonazistas)” em Kiev. Bruxelas sabe disso.
E, o mais importante: Vlad, a Marreta, também sabe.
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[*] Pepe Escobar (1954) é jornalista,
brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em
inglês. Mantém coluna (The Roving Eye) no Asia Times Online;
é também analista de política do blog Tom Dispatch e correspondente/
articulista das redes Russia Today, The Real News Network Televison
e Al-Jazeera. Seus artigos podem ser lidos, traduzidos para o
português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu e João Aroldo, no blog redecastorphoto.
Livros:
− Globalistan:
How the Globalized World is Dissolving into Liquid War, Nimble Books, 2007.
− Red
Zone Blues: A Snapshot of Baghdad During the Surge, Nimble Books, 2007.
− Obama
Does Globalistan, Nimble Books, 2009.
lendo estes despachos do pepe escobar, coro de vergonha com os publicados pela esmagadora maioria de nossos analistas internacionais da grande imprensa.
ResponderExcluirademais, a ironia de vlad, a marreta, fechou com chave de ouro o texto, castor filho.
valeu!
carlos-fort-ce