22/3/2014, Slobodan Tomic entrevista [*] Umberto Pascalli, Global Research
Excerto traduzido pelo
pessoal da Vila Vudu
Tradução
de trechos transcritos da entrevista concedida por Umberto Pascalli, dia
19/3/2104, ao programa The People Voice,
TV Macedonia, apresentado por
Slobodan Tomic.
Acho que você usou toda a sua tinta na LINHA VERMELHA... da Síria |
Na Ucrânia trata-se, basicamente, do exato oposto do que a
imprensa-empresa e políticos não param de repetir nos EUA e na Europa. O que
dizem é que uma suposta ‘comunidade internacional’ teria ‘isolado’ a Rússia e
Vladimir Putin. De fato, quem está isolado são, isso sim, os
patrocinadores do golpe de estado e de toda a violência na Ucrânia; e não estão
isolados só moralmente: estão isolados também estrategicamente.
E é Putin, o primeiro que fez frente e derrotou a estratégia
norte-americana de dominação, quem recebe o mais entusiasmado apoio de seu
próprio povo e a crescente admiração de todo o mundo. A imprensa-empresa sempre
dependente do grande (e também do pequeno) capital e políticos “midiáticos” de
todos os tipos não admitem nem ouvir tal coisa. Mas essa é a realidade. Sem
exagero, pode-se comparar a resistência que se vê hoje à resistência contra
Napoleão e contra Hitler.
Bem poucos sabem exatamente o quanto a situação foi perigosa. O quanto se
chegou perto de uma verdadeira guerra.
Os incompetentes representantes da tal “comunidade internacional” perderam
completamente o senso de realidade e usaram armas de desestabilização social,
insurreição armada, assassinato por matadores profissionais, uma marcha
fascista em Kiev em tudo semelhante à Marcha sobre Roma de Mussolini, tomando
como alvos a população russa.
Tentaram dar à Rússia o tratamento que deram a Líbia – e sequer fizeram
segredo de seus “planos”.
Mikhail Gorbachev |
Depois da garantia que George H W Bush deu a Mikhail Gorbachev de que a
OTAN não seria usada para avançada militar contra o Leste, sucessivos governos
dos EUA fizeram repetidamente exatamente o que os EUA haviam-se comprometido a
não fazer... O objetivo é cercar a Rússia. Com a sorridente hipocrisia das
hienas, deixaram bem claro que não haveria alternativa além de a Rússia
render-se ao poder militar e às capacidades de propaganda da OTAN.
Nada de concessões, nada de negociações. Ou, melhor dizendo, tão logo
houve negociações e as negociações levaram a um acordo, dia 21/2, as gangues
neonazistas em Kiev foram incitadas a escalar a violência armada, tomar o
Parlamento e outros prédios do governo, espancar e intimidar quem não
aceitasse...
“Diplomatas” ocidentais imediatamente reconheceram o golpe de estado neonazista como “governo legítimo”. Yatsenyuk, candidato de Victoria Nuland, declarou-se primeiro-ministro, enquanto membros do Parlamento estavam sendo brutalmente espancados na rua, suas residências invadidas, suas famílias aterrorizadas... no caso de não apoiarem o “processo democrático”...
“Diplomatas” ocidentais imediatamente reconheceram o golpe de estado neonazista como “governo legítimo”. Yatsenyuk, candidato de Victoria Nuland, declarou-se primeiro-ministro, enquanto membros do Parlamento estavam sendo brutalmente espancados na rua, suas residências invadidas, suas famílias aterrorizadas... no caso de não apoiarem o “processo democrático”...
Esses criminosos levaram a situação até bem próximo de uma verdadeira
guerra nuclear. Putin deixou bem claro que a Rússia – que perdeu importante
parcela de sua população na guerra contra o nazismo e aceitou ver Moscou em
chamas, para conseguir derrotar as forças de Napoleão – não se renderia. Aquele
foi momento ainda mais perigoso que a crise dos mísseis em Cuba, em 1962. Mas
Putin denunciou o blefe.
Então, quando a população da Crimeia (e não só os crimeanos) pediu ajuda e
proteção contra as gangues armadas e apoiadas pela OTAN, a máquina de
propaganda entrou em alta rotação no ocidente. Mas já era tarde demais. Nesse
sentido, Putin não salvou só a Rússia: Putin deu uma chance a toda a Europa,
como a Rússia já fizera antes, na IIª Guerra Mundial.
A insurreição fascista armada e o golpe em Kiev não foram guerra contra a
Rússia ou, pelo menos, não foram guerra só contra a Rússia. A insurreição
fascista armada e o golpe em Kiev foram também guerra contra a Europa. Não só
contra a burocracia na União Europeia (UE), cuja lealdade corre sempre na
direção das grandes instituições financeiras, mas contra a Europa dos vários
países reduzidos à miséria e ao desespero pelas medidas de austeridade e pelo
saqueio econômico operado por Wall Street e pela City de Londres.
A Ucrânia foi desestabilizada, como tentativa para conseguir que a Europa
entrasse em guerra perene contra a Rússia.
De fato, os interesses de ambos, da Europa e da Rússia, estão postos num
plano econômico comum a esses dois lados, de desenvolvimento de toda a área.
Esse plano foi proposto por Putin e por ex-líderes alemães, como os
ex-chanceleres Helmut Kohl e
Gerhard Schroeder. Esse projeto, precisamente, é
que teve de ser “contido” com os US$ 5 bilhões que Victoria Nuland consumiu
para “ajudar a democracia”. E agora, apesar de toda a retórica, a propaganda, o
dinheiro e o barulho em geral, aquele plano inicial ainda é a melhor e mais
óbvia direção a seguir.
Gerhard Schroeder |
O ponto mais importante a compreender é que essa guerra e a correspondente
política dos EUA, de saque e “loteamento” de parte do mundo não interessam aos
europeus e nem, menos ainda, aos próprios norte-americanos.
Esse é o grande segredo que já ninguém conseguirá manter oculto. Os
governos de EUA e países europeus NÃO SÃO entidades independentes, não são
soberanos, não mandam no próprios destinos. Não têm o desejo político e nem,
sequer, a competência e a habilidade para agir em benefício dos próprios cidadãos.
Esses governos são controlados por bancos poderosos e seus poderosos
interesses. São governos que foram já tomados, ocupados, pelas forças de dois
centros financeiros que pouca importância dão à economia real. Wall Street e a City só se interessam por
especulação e saqueio.
Em resposta, dia 4/3, Sergey Glaznyev, conselheiro econômico de Putin,
declarou abertamente que, se os abutres financeiros insistirem, a Rússia pode
criar um sistema financeiro independente, separado do dólar norte-americano.
Glazyev explicou aos urubus vampiros:
Sergey Glaznyev |
A Rússia mantemos maravilhosas
relações econômicas e de comércio e trocas com nossos parceiros do sul e do
oriente. Haveremos de encontrar meio para pôr fim à nossa dependência dos EUA,
e, também, arrancaremos lucros dessas sanções. Se se aplicarem sanções contra a
estruturas do estado russo, seremos obrigados a nos deslocar para outras moedas
e a criar nosso próprio sistema de compensação. Seremos forçados a reconhecer a
impossibilidade de pagar empréstimos que bancos norte-americanos fizeram a
estruturas estatais russas. Sanções sempre são facas de dois gumes. Se os EUA
resolverem congelar nossos bens, “congelaremos” alguns de nossos negócios em
dólares...
Essa estratégia está sendo chamada de “Opção Nuclear Financeira”. Pode
reduzir a cinzas e ruínas todo o sistema de predação e saque de Wall Street.
Os parceiros do sul e do oriente dos quais falou Glazyev são, é claro, os
países BRICS, Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul – a parte saudável,
não podre, da economia mundial, o futuro.
E isso, exatamente é o que o porta-voz oficial do Kremlin,
Dmitry Peskov,
indicou em entrevista à BBC:
Dmitry Peskov |
Sanções contra a Rússia podem
ser o gatilho que falta para forçar muitos países a criar um sistema financeiro
novo, independente, baseado na economia real. O mundo está mudando rapidamente.
Quantas civilizações nasceram e morreram no curso da história? Quem saberá
resistir contra a pressão de sistemas moribundos, e indicar ao povo o caminho
para o futuro?
A possibilidade de um novo sistema financeiro independente do império, já
em colapso do dólar, como consequência das sanções anti-Rússia também foram
assunto de influentes veículos da imprensa-empresa russa, entre os quais Russia Today [ver “Sanctions
effect: Rússia to change its economic partners…for the better” (Efeito
das sanções: Rússia trocará de parceiros econômicos... para melhor)], Sanções ocidentais podem empurrar a Rússia na direção de
aprofundar a cooperação com os estados BRICS, em especial podem levar o país a
estreitar laços com a China – o que, adiante, pode acabar por ser grande
catástrofe para EUA e Europa.
Dia 18/3, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, disse que a Rússia
trocaria de parceiros, caso lhe fossem impostas sanções pela União Europeia e
pelos EUA. Lembrou que o mundo contemporâneo já não é unipolar e a Rússia tem
fortes laços também com outros estados, por mais que a Rússia deseje manter-se
em boas relações com os parceiros ocidentais, especialmente com a União
Europeia, dados o volume de comércio e os projetos conjuntos em andamento.
Esses “novos parceiros” não são, de fato, novos, dado que a Rússia já vive
intimamente conectada com eles há mais de 13 anos. Trata-se, é claro, dos
chamados países BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Os BRICS
representam 42% da população do planeta e cerca de ¼ da economia mundial,
fatores que fazem do bloco de estados um importante ator global.
Os países BRICS pensam de modo semelhante no apoio e no respeito aos
princípios da lei internacional, sobre o papel central do Conselho de Segurança
da ONU e os princípios que mandam não usar a força nas relações internacionais;
por isso estão tão ativos na esfera do encaminhamento e solução de conflitos
regionais. Mas a cooperação entre Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul
vai além dos aspectos políticos e se evidencia também num comércio dinâmico e
em muitos projetos em várias áreas.
Hoje, há no total mais de 20 formatos de cooperação em desenvolvimento
entre os países BRICS. Por exemplo, em fevereiro os estados-membros firmaram
acordo sobre 11 possíveis projetos de cooperação científica e técnica, da
aeronáutica à bio e nanotecnologia.
Para modernizar o sistema econômico global, no centro do qual estão EUA e
a União Europeia, os líderes de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul
criaram a BRICS Stock Alliance (2011 [1]) e estão criando um banco próprio de desenvolvimento, para
financiar grandes projetos de infraestrutura. No total, apesar das ferozes
críticas contra os BRICS, como organização sem futuro, aqueles países estão
desenvolvendo e ampliando a cooperação entre seus membros e, sim, os BRICS têm
mostrado resultados bastante bons.
Com a suspensão da participação da Rússia no G-8 e o reforço de sanções
econômicas contra a Rússia, indústrias específicas podem vir a ser atingidas,
inclusive com limites à quantidade de bens importados. Enquanto o ocidente
dedica-se a agredir duramente a Rússia, é boa hora para começar a ver que a
Rússia há muito tempo se prepara para mudar-se para outros mercados, dentre os
quais os países BRICS, sempre pensando em expandir suas alternativas
comerciais.
Nota dos tradutores
[1] 18/10/2011, Gazeta Russa (com matéria
das agências): “Bolsas dos BRICS anunciam aliança”: A Bolsa de Valores,
Mercadorias e Futuros do Brasil, BM & F BOVESPA; a Bolsa Interbancária de
Câmbio de Moscou (MMVB, na sigla em russo); a corporação de bolsas de Hong
Kong; a Bolsa de Valores de Joanesburgo (JSE); a Bolsa indiana NSE; e a Bolsa
de Valores de Bombaim, anunciaram, durante a 51ª reunião anual geral da World
Federation of Exchanges (WFE), em Johanesburgo, sua intenção de criar uma
aliança. Há notícia
também no Boletim Interno da BV de São Paulo. MAS PARECE ABSOLUTAMENTE NÃO HAVER NOTÍCIA ALGUMA SOBRE ISSO nos
noticiosos e em lugar algum, EM NENHUM dos veículos do Grupo GAFE (Globo-Abril-Folha
de S.Paulo-Estadão).
__________________
[*] Umberto Pascali é escritor e analista independente de geopolítica sediado em
Washington DC. Trabalha usualmente em análise de questões estratégicas e de
geopolítica europeias. Também faz pesquisas de campo em países em conflitos bélicos
e econômicos. É considerado um dos mais argutos observadores da política
externa dos EUA.
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