*Adriano
Benayon - 19.02.2013
02.
Refunda-se o Estado, praticamente liquidado após várias rodadas de devastação ao
longo de 50 anos. A mais brutal delas foi com Menem,
1989/1999.
03.
Para mudar de curso, foi preciso o povo sair às ruas, em dezembro de 2001,
exigindo a queda de De la Rua e do ministro Cavallo. Este comandava a economia
desde Menem, e, em 1991, introduzira o Plano Austral, com conversibilidade e
paridade (1 peso = 1 dólar), precursor do Plano Real
(1994).
04.
Com o Austral, a dívida pública causada pelo modelo dependente crescera ainda
mais, com grande parte em moratória desde 2001. Ao assumir Kirchner, em 2003,
ela equivalia a 140% do PIB e a 428% das exportações de bens e serviços (no
Brasil 79% e 284%).
05.
Diferentemente do Brasil, a Argentina negociou com soberania e obteve, em março
de 2005, descontos médios de 70% do valor nominal dos títulos. A dívida externa
total foi reduzida de US$ 192 bilhões para US$ 126
bilhões.
06.
O Brasil, até hoje, não realizou sequer a auditoria da dívida, inflada por
fraudes e pela capitalização de taxas de juros, tarifas e comissões descabidas,
inclusive nas rolagens e “reestruturações.” Seu serviço prossegue fazendo gastar
quase 50% do orçamento federal.
07.
Na Argentina, a partir de 2003, deu-se notável reversão da queda livre do PIB,
havida de 1998
a 2002, do índice 100 para 77. Em 2012, recuperou-se para
151, e, computando a base 2002 = 100, subiu a 206 (mais que dobrou). O do Brasil
chegou a só 142.
09.
Assim, os déficits nas transações correntes são inexpressivos. No
Brasil, ao contrário, vêm-se avolumando. De 2008 a 2012, somaram US$
204,1 bilhões, sendo US$ 54,2 bilhões em 2012.
10.
Esses déficits fazem acelerar ainda mais a desnacionalização e o
endividamento, com risco de as contas externas desencadearem grave
crise. Assinala Carlos
Lopes (HP 24.01.2013) que, de 2004 a 2011, foram desnacionalizadas
1.296 empresas brasileiras, e as remessas oficiais de lucros ao exterior
montaram a US$ 405 bilhões. Ora, as remessas disfarçadas em outras contas são um
múltiplo disso.
12.
Criou, ademais, um canal cultural de alto nível, eliminou a reserva de mercado
de emissoras privadas sobre o futebol, agora também transmitido por canais
públicos. Determinou a divisão do espaço eletromagnético nos segmentos estatal,
privado e público, no qual a CGT e a Universidade Nacional, por exemplo, podem
ter seus canais. Foi, ainda, instituído operador nacional de TV a cabo e outro,
estatal, para TV digital”.
13.
Os carteis da mídia recorrem a quaisquer meios para combater governos que
defendam o interesse nacional. Por isso, a grande mídia argentina é monolítica
em sua hostilidade aos Kirchner.
14.
No Brasil a ojeriza ao governo é matizada, porque: 1º embora não tão querido
pelos carteis como a oposição, ele segue o esquema econômico das
transnacionais; 2º porque financia “generosamente” os carteis com verbas
públicas.
15.
O governo argentino, alvo de serviços secretos estrangeiros para
desestabilizá-lo, promovendo e financiando greves e incidentes, necessita, pois,
elevar sempre o grau de fidelidade e a qualidade de seus quadros de inteligência
e segurança.
16.
No Brasil, há que reverter o processo intensificado sob FHC, de eliminar
estatais e perverter o serviço público, pois:
1)
criaram-se agências “independentes” – mas não dos carteis mundiais -
“responsáveis” por serviços públicos privatizados;
2)
transformaram a administração em mera repassadora de verbas e outorgadora de
concessões;
3) os
investimentos são tolhidos pela fiscalização legalista (sob leis inadequadas) e
até ideológica dos Ministérios Públicos e Tribunais de Contas, IBAMA, FUNAI
etc.
17.
Em suma, um serviço público, que:
1) se
preocupa antes em não se comprometer que em realizar e, cada vez menos, presta
serviços sequer de educação e de saúde;
2) fica
indiferente ao desperdício e à corrupção, se combatê-los prejudicar a
carreira.
18.
Enquanto isso, o governo:
1) subsidia
banqueiros, concentradores e transnacionais;
2) dá-lhes
tratamento fiscal favorecido;
3)
financia-os através do BNDES e outros bancos públicos;
4) entra
nas PPPs com o grosso do capital e garante o risco dos sócios privados;
5) não
consegue aplicar no PAC o grosso das verbas alocadas e as investe mal, através
das empreiteiras e outros concessionários. O pouco investido na infra-estrutura
é mal escolhido e custa caro.
19.
Se a sociedade não tem o Estado a seu serviço, é fatal que ela sucumba. Por
isso, os que querem a ruína de um País, desorganizam, desmoralizam e liquidam o
Estado. Collor e FHC radicalizaram essa tendência, e os sucessores não sabem ou
não querem revertê-la.
Ideologia
e Estado
20.
Uma das características dos sistemas de dominação é fazer das ideias que
favorecem seus interesses a opinião prevalecente. Nesse contexto, é importante a
conexão entre a destruição dos valores éticos da civilização e o marketing do
encolhimento do Estado e de sua colocação a serviço de interesses privados
concentradores.
21.
Os propugnadores do Estado-mínimo argumentam deste modo: como as pessoas se
orientam pelo hedonismo e são desonestas, quem estiver em posição de se
locupletar na função pública, o fará, e, portanto, o Estado deve ser descartado.
Por isso, o império trabalha para que assim seja.
22.
Não por acaso, fomenta-se a falta de caráter, elimina-se a decência, a dignidade
e o respeito aos seres humanos, através de: relativização dos valores;
implantação da antimúsica com ruídos desestabilizadores do equilíbrio orgânico e
psíquico; difusão das drogas.
23.
Isso e o consumismo são reforçados pelas técnicas de publicidade, inclusive o merchandising na indústria do
entretenimento (rádio, cinema, TV, videogames, I-Pads
etc.).
24.
O objetivo é que ninguém lute, no Estado ou fora dele, pelo bem comum. Vantagens
atraem gente para servir os concentradores, e os meios de apassivar as pessoas
são os acima resumidos, planejados em institutos de psicologia
aplicada.
25.
Criam-se, aos milhões, alienados de todo tipo, incapazes de absorver
informação, e a grande mídia encarrega-se de ocultar dos demais tudo que
contenha verdade sobre questões econômicas e
políticas.
26.
Os pensadores orgânicos difundem teorias como a do Estado mínimo, contaminadas
por contradições insanáveis, raro desmascaradas, por falta de espaço na mídia e
nas universidades.
27.
Segundo Adam Smith, a busca da utilidade egoísta pelos indivíduos ou empresas só
funciona em favor do bem-comum, se não tiverem poder sobre o mercado. Claro,
pois, na lógica do sistema, que os dirigentes dos poderosos carteis usam a
“liberdade” para aumentar a concentração e a
tirania.
29.
Formaram-se aqui bons quadros e carreiras no serviço público, restando ainda
técnicos e funcionários competentes, hoje, na maioria,desaproveitados, por causa
da corrosão do Estado.
*Adriano
Benayon é doutor em economia e autor do livro Globalização versus
Desenvolvimento.
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