Muitas “oportunidades” na guerra do Mali...
1/2/2013, Ramzy Baroud, Countercurrents.org
“No Security Firms For
African Refugees: Opportunities And War in Mali” Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Leia também sobre o assunto
em:
Eric Prince (Blackwater) |
· 24/6/2010, redecastorphoto, Jeremy Scahill (The Nation) em: Sobre
o general Stanley McChrystal e a Blackwater
(atualizado)
· 27/6/2010, redecastorphoto, Adam Ciralsky (Vanity Fair) em: “Empresário,
soldado, espião”
· 21/9/2010, redecastorphoto, Jeremy Scahill (The Nation) em: Blackwater
& Co. - A “negabilidade [1] total”
· 8/10/2010, Hora
do Povo, em: “Mercenários
da Blackwater atuam na Amazônia e nas...”
· 24/12/2010, redecastorphoto, WikiLeaks em: “Essa
embaixada (dos EUA) muito apreciaria” (saber o que fazemos quanto à
Blackwater...)
· 23/1/2011, redecastorphoto, Katharine Houreld (Salon & AP) em: EUA
& a “livre iniciativa”: criar guerras locais e privadas, para exportação
Ramzy Baroud |
A
empresa britânica “de segurança” G4S organiza-se para recolher ganhos massivos
das crises no Mali, na Líbia e na Argélia. Reconhecida como das maiores empresas
“de segurança” do mundo, tornou-se também mundialmente conhecida por suas
insuficiências, durante os Jogos Olímpicos de Londres, ano passado, por não ter
conseguido satisfazer as exigências que o governo britânico impunha nos
editoriais de seleção de fornecedores de serviços. Mas agora, com o Norte e o
Oeste da África já conflagrados, ninguém duvida de que a G4S conseguirá
recuperar-se rapidamente.
A
crise dos reféns, dia 16/1 na Argélia, na estação de gás de Ain Amenas, onde
foram assassinados 38 reféns, expôs ao mundo que a al-Qaeda voltou à ação, já
não como um bando de extremistas desorganizados e em fuga, mas como grupo bem
treinado de militantes, com competências para ferir fundo em territórios
inimigos e provocar danos graves. É evento que, para empresas “de segurança”
como G4S e outras, significa que os negócios estão crescendo.
O grupo
britânico (...) vê crescerem as oportunidades para vender serviços, de
vigilância eletrônica a proteção a viajantes – disse à Reuters o presidente
regional da empresa, para a África. A demanda está alta e aumentando por toda a
África –
disse Andy Baker. – A natureza do nosso
negócio é tal que, em ambientes de alto risco, sempre cresce a demanda por
nossos serviços.
Se
o encontro mortal com a al-Qaeda na Argélia bastou para pôr o país na lista dos
mercados emergentes interessados em comprar “serviços de segurança” de empresas
privadas, a Líbia deve ser hoje o paraíso das tais empresas privadas “de
segurança”. Depois de a OTAN ter derrubado o governo do coronel Muammar Gaddafi
e tê-lo assassinado brutalmente em Sirte, dia 20/10/2011, inúmeras milícias
surgiram por todo o território líbio, algumas delas com armamento pesado,
cortesia das “grandes democracias” ocidentais.
De
início, aquele cenário perturbador, com diferentes milícias armadas instalando
“postos de controle e pedágio” pelas esquinas, foi tomado como efeito esperável
dos primeiros dias pós-revolucionários... Mas quando ocidentais “de destaque”
tornaram-se alvos – e foram atingidos duramente, como se viu no consulado dos
EUA em Benghazi –, a “segurança” na Líbia chegou também, afinal, ao topo da
lista de prioridades do ocidente.
Muitas
empresas privadas de “segurança” já operam na Líbia; algumas já estavam no país
antes de o governo de Gaddafi ter sido oficialmente deposto. Algumas eram
virtualmente desconhecidas antes da guerra, dentre as quais uma pequena empresa
britânica, Blue Mountain Group. Essa,
precisamente, era a empresa de “segurança” contratada para fazer a “segurança”
da missão diplomática dos EUA, em Benghazi, que foi invadida dia 11/9/2012.
Investigações revelaram que o ataque contra a embaixada dos EUA foi planejado e
bem coordenado (resultou na morte de quatro norte-americanos, entre os quais o
próprio embaixador J. Christopher Stevens).
Embaixador J. Christopher Stevens assassinado em Benghazi |
Ainda
não se sabe por que o Departamento de Estado teria optado por contratar a
pequena Blue Mountain Group, em vez
de empresa maior, como se vê no caso de outras embaixadas e das grandes empresas
que, hoje, vivem de “reconstruir” o país que seus respectivos governos trataram,
antes, de destruir.
O
crescimento do lucrativo negócio de destruir, reconstruir e “dar segurança” já
foi observado em outras guerras e conflitos desencadeados por intervenções
ocidentais. Essas empresas “de segurança” são intermediários mantidos nos locais
objeto de intervenção, com a única missão de tornar viável a operação da
“diplomacia” pós-guerra e das empresas-gigantes que chegam aos cenários de
guerra para fazer negócios.
Quando
um país afinal entra em colapso sob o ataque de canhões arrasa-quarteirões e
outros equipamentos avançados de guerra, as empresas “de segurança” entram em
cena para manter cenários “pacificados” nos quais diplomatas ocidentais podem
iniciar a barganha com emergentes elites locais pós-guerra para decidir o futuro
da riqueza do país. Na Líbia, os que distribuíram as armas mais poderosas
receberam os maiores contratos. Claro: enquanto o país destruído continua a ser
roubado sem qualquer limite ou controle, quem mais sofre é a população local –
que passa a viver sob a mira de estrangeiros armados (quase sempre também
mascarados) que vigiam todos os movimentos de todos, em nome de uma “segurança”
que ninguém sente.
Deve-se
registrar que o novo governo líbio rejeitou declarada e especificamente os
agentes armados do tipo Blackwater – usados como exército alugado de ocupação –
porque teme provocações similares às que se viram na Praça Nisour de Bagdá, e
matanças semelhantes que aconteceram em todo o Afeganistão. O
objetivo na Líbia é garantir que se acertem as transações comerciais, sem os
protestos gerados por estrangeiros e seus “dedos-trêmulos” no gatilho. Mas, se
se considera a deterioração da “segurança” na Líbia, resultado da destruição do
governo central e de seu aparato militar, persiste sempre o mais absoluto vácuo
de segurança, que muitos discutem, mas ninguém consegue resolver.
Empresas
privadas de “segurança” são, na essência, mercenários que oferecem, a governos
ocidentais, o serviço de dispensá-los de pagar o custo político de matar tanta
gente. Embora quase sempre tenham sedes comerciais nas capitais ocidentais,
muitos dos empregados dessas empresas são recrutados em países do chamado
Terceiro Mundo. Para todos os envolvidos, é o modo mais seguro de negociar: se
asiáticos, africanos ou árabes empregados em serviços “de segurança” são feridos
ou mortos “em combate”, o evento gera, no máximo, notícia de jornal,
praticamente sem qualquer consequência política, sem inquéritos policiais ou
parlamentares, sem audiências públicas, sem vítima e, até, sem crime.
Mali e suas riquezas minerais cobiçadas pelas grandes democracias ocidentais |
O
Mali, na África ocidental, enfrenta hoje crises de vários tipos – golpe militar,
guerra civil, fome e, agora, invasão militar de todas as forças da França. Não
há dúvidas de que já está convertido em próxima vítima (“território de
oportunidades”) do mesmo trio supermortal de todas as guerras contemporâneas:
“grandes democracias” ocidentais, grandes conglomerados comerciais e, claro,
grandes empresas privadas de “segurança”.
De
fato, o Mali é território perfeito para todos esses oportunistas, que não
pouparão esforços para explorar o vasto potencial econômico e a localização
estratégica do país. Já há muito tempo o Mali vive sob influência política e
militar das “grandes democracias” ocidentais. O ano de 2012 foi como um cenário
“de manual”, que só poderia ter levado, como levou, a intervenção militar
ocidental, que finalmente aconteceu dia 11/1, quando a França lançou ataque
militar – com o pretexto de que o país estaria sob ameaça de islamistas
extremistas armados. As operações militares estender-se-ão “pelo tempo que for
necessário”, como disse o presidente François Hollande da França, ecoando a
mesma lógica do governo Bush, quando pela primeira vez declarou sua “guerra ao
terror”.
Mali, um país dividido - ao sul um governo golpista, ao norte (hachurado em vermelho claro) governado pela al-Qaeda e seus associados |
Mas,
por convidativo e simples que pareça, o cenário no Mali é extremamente complexo,
intrincado e imprevisível. Nenhum cronograma conseguiria dar conta, em termos
simples, da crise que devasta o país. Mesmo assim, já se sabe que parte
considerável do problema são os vastos arsenais de armamento pesado
contrabandeados para o Mali, a partir da Líbia, e empurrados para lá seguindo os
ventos da guerra da OTAN.
Aconteceu
que, com as novas armas, criou-se ali um novo equilíbrio de poder. Desfeito o
exército de Gaddafi, que incorporara legiões de tuaregues, os tuaregues – povo
local historicamente oprimido no Mali – voltaram aos seus territórios originais,
já como experientes combatentes das muitas milícias islamistas do deserto.
Assim, se desenvolveram duas linhas simétricas e simultâneas de levantes: no
norte e no sul do Mali.
No
norte, o Movimento Nacional dos Tuaregues pela Libertação do Azawad (MNLA)
declarou-se independente; rapidamente, os movimentos Ansar al-Dine, Al-Qaeda no
Maghreb Islâmico (AQIM) e Movimento por Unidade e Jihad na África
Ocidental (MUJAO) associaram-se ao MNLA.
Amadou Sanogo (Golpista pró EUA) |
No
sul, o capitão do exército Amadou Haya Sanogo, treinado nos EUA, comandou o
golpe de Estado que derrubou, em março, o presidente Amadou Toumani Touré.
O
script da luta no Mali andou tão depressa, que deu a impressão de que não
restaria escolha senão um confronto armado iminente entre o sul e o norte. A
França, velho senhor colonial que reinou no Mali, rapidamente jogou sobre a mesa
a carta militar; e diligentemente cuidou de envolver os próprios países
africanos nessa guerra europeia.
O
plano previa fazer crer que a intervenção seria resultado de esforço dos
africanos, com as “grandes democracias ocidentais” oferecendo simples apoio
político e logístico. De fato, dia 21/12 o Conselho de Segurança da ONU aprovou
o envio de uma “força africana” (3.000 soldados) da Comunidade Econômica de
Estados do Oeste da África [orig. Economic Community of West African
States (ECOWAS)] para caçar militantes do norte, pelo vasto deserto do Mali.
Mas
essa guerra estava agendada para setembro de 2013, de modo a permitir que a
França formasse uma frente ocidental unida e treinasse as fragmentadas forças do
Mali. A explicação oficial é que os militantes capturaram a cidade de Konna,
próxima à capital Bamako, o que teria forçado os franceses a intervir no Mali, e
sem qualquer mandato da ONU. A guerra, feita em nome da defesa de direitos
humanos e da integridade territorial do Mali, já disparou protestos de inúmeras
importantes organizações de defesa dos mesmos direitos humanos, que já listam os
crimes cometidos por forças estrangeiras e aliados, entre os quais o próprio
exército do Mali. E a guerra que até aqui parece ser operação fácil de conquista
pelos franceses, fez babar também outras potências ocidentais, que já lambem os
beiços, antevendo a possibilidade de acesso liberado ao Mali, que só muito
dificilmente conseguirá construir, no curto prazo, qualquer tipo de governo
central forte.
E as "bombas pacificadoras" da França caem sobre o Mali |
Dia
25 de janeiro, a página sobre o Mali da African Press Agency já apareceu coberta
de ofertas de solidariedade, com várias “grandes democracias” ocidentais já
acorrendo a ajudar a França. As ofertas iam da Itália “que enviará aviões para
auxiliar no transporte de soldados para o Mali”, à Alemanha, “que prometeu ajuda
para a intervenção no Mali”. Quem tenha insistido em diálogo político, sobretudo
porque qualquer tipo de divisão étnico-sectária devastará o país por décadas
futuras, viu seus argumentos cair em ouvidos surdos. E o Reino
Unido, ainda segundo a APA, ofereceu-se para auxiliar o Mali a encontrar um
“mapa político do caminho”, que vise a dar segurança ao “futuro político do país
oeste-africano”.
Enquanto
França, EUA e países da União Europeia – as “grandes democracias” ocidentais de
sempre – definem o futuro do Mali com aviões de guerra, soldados e “mapas
políticos do caminho”, o próprio país está tão desesperadamente fragilizado e
tão politicamente desfigurado, que não se pode nem cogitar de alguma possível
resistência contra desígnios ocidentais.
Para
G4S e outras empresas privadas ditas “de segurança”, o Mali está agora no topo
da lista de mercados africanos emergentes “para empresas que vendam segurança”.
Nigéria e Quênia aparecem também na lista, com altas chances de ganharem maior
destaque em futuro próximo.
As "grandes democracias ocidentais protegendo" o Mali e o Níger |
Da
Líbia ao Mali vai-se formando uma história bem típica, na qual se casam
oportunidades para todos os tipos de negócios, e contratos lucrativos. Quando
empresas privadas de segurança falam de mercados africanos emergentes, deve-se
imediatamente entender que o continente inteiro, mais uma vez, virou presa da
ambição de militares, por um lado, e de empresários do submundo, por outro lado.
Enquanto
a G4S vai dando novo polimento à sua griffe comercial imunda, centenas de
milhares de refugiados africanos (800 mil, só no Mali) continuarão naquela
jornada sem fim por fronteiras desconhecidas e desertos inclementes. A segurança
dos refugiados não dá lucro a ninguém. Nenhuma empresa privada tem qualquer
proposta de segurança a oferecer a refugiados sem vintém.
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