29/2/2013, Ahmed Morsy, Al-Ahram Weekly,
Egito
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Ver
também:
·
27/11/2011,
redecastorphoto, Pagina 12, Eduardo Febbro em: “A
praça sem chefes, ordens, capitães e hierarquias”
·
2/4/2012, redecastorphoto, Al Ahram em: “A
Revolução dos Ultras” - Torcidas organizadas (no Cairo)
·
4/2/2013, redecastorphoto, Mark Levine, Al Jazzeera em:“Egito
em “bloco-negro”: tática anarquista de revolução de
rua”
Ahmed Morsy |
No domingo, a cidade de Port Said
acordou sob o impacto de uma campanha de desobediência civil lançada por
movimentos egípcios revolucionários e apoiada pela torcida organizada do time
al-Masri, de futebol [1].
Estudantes,
empregados e operários participam da ação. Durante toda a semana as escolas
permaneceram fechadas. A Zona Franca Pública e a Investment Authority – conjunto de mais
de 29 fábricas na área urbana da cidade – fecharam as portas. O prédio do
governadorato de Port Said foi cercado e a estrada de ferro Cairo-Port Said foi
bloqueada por tanques do exército, que também cercaram outros equipamentos
considerados chaves pelo governadorato.
“Os
habitantes de Port Said foram negligenciados ao longo de décadas. Não contam com
quaisquer serviços públicos e são atacados. O sangue deles respinga nas ruas” –
disse Mohamed Abdel-Wahab, 58 anos, morador da cidade, que participou, no
domingo, de uma acampada à frente da sede do governadorato.
Manifestação em Port Said domingo último (24/2/2013) |
No
domingo, milhares de manifestantes participaram de passeatas organizadas como
parte da campanha de desobediência civil. Os manifestantes exigem que se
condenem os responsáveis pela morte de mais de 40 manifestantes nos violentos
confrontos com a Polícia que irromperam dia 26 de janeiro e levaram à
implantação de toque de recolher na cidade.
A
violência aconteceu depois que o tribunal condenou à morte 21 moradores de Port
Said, acusados de participação na morte de 74 torcedores do al-Ahli de futebol,
em fevereiro de 2012, depois de um jogo de futebol entre as equipes do al-Masri,
de Port Said, e do al-Ahli, do Cairo.
A
maioria dos condenados declarou-se inocentes. Muitos, em Port Said, estão
convencidos de que o tribunal condenou sem provas suficientes, usando alguns dos
acusados como bodes expiatórios, para acalmar a situação no Cairo. O julgamento,
dizem eles, teve motivação política, tentativa para aplacar a ira dos “Ahli Ultras” torcedores do al-Ahli, que ameaçaram criar o caos, se as sentenças não
forem executadas.
“Exigimos
que um tribunal e juízes independentes investiguem a morte, mês passado, de mais
de 40 moradores de Port Said” – Abdel-Wahab disse a Al-Ahram Weekly.
“Exigimos também que aqueles 40 mortos nos confrontos do mês passado sejam
considerados mártires da revolução. E exigimos que os suspeitos de terem
participado do massacre no estádio, em 2012, sejam novamente julgados. Muitos
dos que permanecem presos são inocentes”.
“Será
que, para fazer valer nossos direitos, teremos de agir como “os Ahli Ultras” do
al-Ahli, que ameaçaram lançar o país em estado de anarquia?” – perguntou Mahmoud
Rayan, 25 anos, desempregado, habitante de Port Said. Antes de a corte anunciar
a sentença, torcedores do al-Ahli haviam cercado o prédio da Bolsa de Valores e
bloqueado a ponte 6 de Outubro, exigindo a pena de morte para os responsáveis
pelo massacre no estádio de Port Said.
“Exigimos
um pedido oficial de desculpas pela violência. E as vítimas da violência
policial na cidade devem ser consideradas mártires da Revolução de 25 de
Janeiro” – disse Rayan àquele semanário.
“Se
presidentes tratam o sangue dos egípcios como mercadoria barata, abaixo todos os
presidentes” – cantavam os manifestantes em passeatas que cruzavam a cidade de
Port Said. Também gritavam slogans contra a Fraternidade Muçulmana e o
Ministério do Interior.
“A
mídia fez crer e divulgou para a opinião pública que todos os que morreram mês
passado seriam de gangues armadas, interessados em invadir a prisão para
libertar os suspeitos que permanecem presos. É mentira” – disse Ahmed Hassan,
morador de Port Said e ativista. – “A maioria dos que morreram nada tinha a ver
com a tentativa de invadir a prisão”.
Mahmoud
Al-Arabi, filho de Soad Ali, morreu dia 26 de janeiro. “Quem pagará pelo sangue
do meu filho?” – pergunta ela. – “Por nós, só temos Deus”.
“Mahmoud
tinha apenas 23 anos. Saiu para comprar comida para o jantar. Estava a mais de
meio quilômetro de distância da prisão. Foi morto com um tiro na cabeça. Condeno
Mursi, o Ministro do Interior e o Diretor de Segurança, como culpados da morte
do meu filho”.
A
situação já tensa piorou no domingo, quando dúzias de torcedores do
al-Ahli atacaram membros de uma equipe de voleibol de Port Said.
Invadiram o Shooting Club em Dokki e
atacaram membros das equipes Robat e Anwar de voleibol, antes de incendiarem o
ônibus em que viajavam.
Hussein
Zayed, membro do Conselho da Shura Council, nascido em Port Said e
Secretário-Geral assistente do Partido Wasat, iniciou uma manifestação e
acampada no Conselho, na 2ª-feira, para protestar contra a inação do gabinete do
presidente, ante o agravamento da crise em sua cidade.
Zayed
disse que sugestões que apresentara ao presidente Mohamed Mursi, ao
Primeiro-Ministro Hisham Kandil e ao governador de Port Said sobre modos de
resolver a situação foram todas ignoradas. Encerrou a manifestação no mesmo dia,
depois que o porta-voz do Conselho da Shura, Ahmed Fahmi, prometeu examinar suas
sugestões e responder o mais rapidamente possível.
O comércio em Port Said permanece fechado até hoje (28/2/2013) |
Na
2ª-feira à tarde, o governador de Port Said, major-general Ahmed Abdallah,
anunciou que o Ministro da Justiça Ahmed Mekki designara um juiz para iniciar
imediatamente investigação sobre os confrontos do dia 26 de janeiro, com
instruções para que chamasse a depor todos os oficiais superiores da segurança
do governadorato.
Disse
também que o governadorato de Port Said, o Ministério de Seguros e Assuntos
Sociais e a Associação de Investidores de Port Said criaram um fundo para
indenizar as famílias dos mortos nos confrontos do mês passado, e que 35 mil
libras egípcias já estavam previstas, como indenização a ser paga à família de
cada mártir.
“Não
creio que o povo de Port Said acredite em Mekki nem que ponha fim à
desobediência” – disse Hassan. “O governo perdeu toda a credibilidade entre os
moradores da cidade”.
Em
Port Said, os serviços públicos estão em colapso e só o desemprego cresce.
“Absolutamente não há nenhuma vaga de emprego em toda a cidade” – diz Rayan, que
trabalha parte do dia como motorista de táxi. – “O que ganho num dia de trabalho
é gasto à noite, até o último vintém, em comida”.
“Em
Port Said há a zona franca do Canal de Suez, com suas fábricas e várias empresas
de petróleo. Mas não se encontra trabalho. A maioria dos trabalhadores são
migrantes. Antes, podíamos, pelo menos, comprar mercadoria no porto e revender
aos que chegavam de outras províncias. Hoje, já nem isso é possível”.
Em
1977, o presidente Anwar Al-Sadat assinou decreto presidencial que converteu
Port Said em área de livre comércio. Em 2001, o presidente Hosni Mubarak mandou
abolir a zona franca. A partir daí a cidade foi vítima de legislação que nunca
parou de mudar e de políticas vacilantes e indefinidas, até que, em 2012, o
decreto foi efetivamente implantado.
A
Associação dos Trabalhadores do Arsenal Marítimo em Port Said e o Sindicato dos
Trabalhadores da Zona de Livre Comércio decidiram aliar-se à campanha de
desobediência civil iniciada na 2ª-feira. Funcionários do Sindicato disseram que
o fizeram para protestar contra as condições de crescente deterioração na
cidade.
“Contêineres
saem ou partem para outras cidades, enviadas do porto, sem serem examinados.
Sequer são abertos” – disse à Weekly Osama Al-Arabi, comerciante de Port
Saidi. – “Isso tem impacto negativo sobre os empregos na cidade”.
A
cidade foi declarada zona franca em 1902. Os barcos atracavam em ilhas próximas
e comerciavam seus produtos sem passar pela alfândega. Oficialmente, essa
situação só deixou de ser rotina 110 anos depois, em 2012. Imediatamente depois
da Revolução, os comerciantes de Port Said ameaçaram desertar da Câmara de
Comércio local, se o status anterior
não fosse restaurado.
Em
movimento atrasado, de mostrar alguma atenção às preocupações dos habitantes da
cidade, a televisão estatal disse, na 2ª-feira, que o Presidente Mursi
determinara que 400 milhões de libras egípcias passassem a ser alocadas,
anualmente, para promover o desenvolvimento das cidades do Canal (Port Said,
Ismailia e Suez). Disse também que Mursi teria apresentado ao Conselho da Shura
um projeto de lei que devolverá a Port Said o status de zona franca de comércio.
Uma
semana depois de iniciada, a campanha de desobediência civil em Port Said começa
a dar os primeiros resultados. A estratégia está sendo analisada por ativistas
de outras províncias e cidades cujos habitantes sentem-se tão esquecidos e
negligenciados quanto os Port-Saidis.
Nota
de rodapé
[1] Al-Masry Sporting
Club (árabe:
النادي
المصري
للألعاب
الرياضية),
é uma associação esportiva egípcia, mais conhecida pela equipe de futebol, com
sede em Port Said. Foi fundada em
1920, por um grupo de moradores de Port Said, para ser o primeiro clube a ser
frequentado por egípcios na cidade, cheia de clubes privados, restritos às
muitas comunidades estrangeiras que viviam em Port Said. O Al-Masry
[O Egípcio] venceu 22 campeonatos oficiais ao longo de sua história. É um dos
cinco clubes de futebol de maior torcida no Egito, ao lado de Al-Ahly,
Zamalek SC,
Ismaily SC
e Al-Ittihad Al-Sakndary.
A equipe de futebol disputou a Liga Principal de Futebol no Egito até o desastre
no estádio em Port Said, em 2012, e as controvérsias que se seguiram.
Os
torcedores do Al-Masry reivindicaram para eles a honra de ser a primeira
torcida organizada de equipe de futebol do Oriente Médio, quando constituíram,
em 1960,
a “Associação de Torcedores do Al-Masry Club”, registrada
no Ministério do Interior do Egito (reg.n. 102, de 1960). Em 2009, constituiu-se
um subgrupo de torcedores, que se autodenominou “Ultras Green Eagles”, ou,
simplesmente “os UGE” [Ultra Águias Verdes]. Também em 2010, surgiu outro
subgrupo de torcedores organizados, os Ultras Masrawy, bem menor que os UGE. As
duas torcidas partilham a mesma parte do estádio, chamada “Almodarag Algharby”
[Curva Norte).
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