13/2/2013, Pepe Escobar,
Asia Times Online – The Roving
Eye
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Pepe Escobar |
Barack
Obama jamais seria tolo a ponto de usar um discurso sobre o “Estado da União”
[orig. State of the Union (SOTU)] para anunciar algum “eixo do mal”.
Não.
Oh!-Oh!-Bama, equipado com sua exclusiva licença (lista) para matar, é bagre
muito mais ensaboado. Assim como, cheio de autoconfiança, inventou esquema para
governo “mais esperto” – não maior –, assim também manteve bem grudadas ao peito
as cartas de sua política externa.
Viram-se
poucos olhares de dúvida, ante a promessa de que “pelo final do próximo ano,
nossa guerra no Afeganistão será passado”; claro que não será, porque Washington
lutará até o fim par manter naquele solo número considerável de coturnos de
contrainsurgência em solo – ostensivamente para combater, nas palavras de Obama,
aqueles “remanescentes da al-Qaeda” do mal.
Obama
prometeu “ajudar” a Líbia, o Iêmen e a Somália, para nem falar no Mali. Prometeu
“engajar” a Rússia. Prometeu seduzir a Ásia com a Parceria Trans-Pacífico – na
essência, uma coleção de acordos de livre comércio à moda das grandes
corporações. Quanto ao Oriente Médio, prometeu “defender” os que querem
liberdade; excluído, presumivelmente, o povo do Bahrain.
Dado
que se tratava do Congresso dos EUA, claro que foi obrigado a incluir as juras
de “impedir o Irã de obter armas nucleares”; de “pressionar mais” a Síria –
cujos regimes “matam o próprio povo”; e de “manter-se firme” ao lado de Israel.
A
Coreia do Norte foi mencionada. Sempre sabendo o que esperar daquelas vozes de
lá, o ministro de Relações Exteriores em Pyongyang já lançou ataque preventivo:
disse que o teste nuclear dessa semana era só uma “primeira resposta” às ameaças
dos EUA; “uma segunda e uma terceira medidas de maior intensidade” serão
disparadas, se Washington insistir na hostilidade.
Obama
sequer incomodou-se com responder às críticas contra suas guerras clandestinas,
o Império dos Drones, ou com oferecer alguma justificativa legal para a
prática de treinar tiro ao alvo contra cidadãos norte-americanos; mencionou, de
passagem, que todas essas operações serão conduzidas “com transparência”. E foi
só? Ah, não! Teve muito mais.
O
jogo de Oh!-Oh!-Bama
11/9/2001 |
Desde
o 11/9, a estratégia de Washington durante os anos de George W Bush – redigida
pelos neoconservadores – é versão modificada de retomada da guerra em solo. Mas
então, depois do fracasso no Iraque, houve um ajuste estratégico de última hora,
que se pode definir como o confronto Petraeus versus Rumsfeld. O mito da
“vitória” de Petraeus, baseado em sua ‘'avançada'’ mesopotâmica, deu a Obama, de
fato, um jeito para sair do Iraque com a ilusão de algum relativo sucesso (mito
que, compreensivelmente, foi comprado e vendido pela imprensa-empresa).
Veio
então a reunião de Lisboa, no final de 2010, programada para converter a
Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) em clone do Conselho de
Segurança da ONU em formado puramente ocidental, capaz de promover intervenções
militares por conta própria – ações preventivas incluídas – pelo mundo inteiro.
Nada menos que continuum Bush-Obama clássico.
A
reunião da OTAN em Lisboa parecia ter entronizado uma visão de Paraíso
Neoliberal nas complexas relações entre guerra e economia; entre operações
militares e de polícia; e entre uma perene indústria de modernização de
exércitos e o projeto político de guerras globais preventivas para sempre. E
tudo, mais uma vez, sob supervisão de Obama.
A
guerra no Afeganistão, por sua vez, foi bem útil para promover a OTAN, tanto
quanto a OTAN foi útil para promover a guerra no Afeganistão – embora a OTAN não
tenha conseguido converter-se em Conselho de Segurança
do Império Global Norte-americano, sempre dedicado a dominar, render, subjugar,
a ONU.
Seja
qual for a missão na qual a OTAN esteja envolvida, o comando e o controle são
sempre de Washington. Só o Pentágono pode fornecer a logística para operações
militares transcontinentais globais. A Líbia 2011 é outro exemplo claro. No
início, franceses e britânicos operaram em coordenação com os norte-americanos.
Mas, em seguida, o AFRICOM, com base em Stuttgart, assumiu pleno comando e
controle dos céus líbios. Em tudo que a OTAN fez na Líbia daquele momento em
diante, o virtual comandante-em-chefe foi Barack Obama.
Assim
sendo, Obama é dono da Líbia. Tanto quanto é dono do ataque-revide em Benghazi,
na mesma Líbia.
A
Líbia parecia anunciar a chegada da OTAN como linha de montagem de uma coalizão
em escala global, capaz de organizar guerras por todo o mundo, criando a
aparência de algum consenso político e militar, unificado por uma doutrina
integralmente norte-americana de alguma ordem global, pomposamente intitulada
“conceito estratégico da OTAN”.
É
possível que o combo OTAN-AFRICOM tenha “vencido” na Líbia. Mas, em
seguida, lá estava a linha vermelha não ultrapassável na Síria, devidamente
imposta por Rússia e China. E no Mali – que é revide-retaliação do que foi feito
na Líbia – a OTAN já nem aparece na fotografia. É possível que os franceses
creiam que garantirão para eles todo o urânio e o ouro de que precisam no Sahel
– mas é o AFRICOM quem continua a beneficiar-se no longo prazo, prosseguindo em
sua avançada militar contra os interesses chineses na África.
O
que é certo é que, mediante esse processo construído em volutas, Obama sempre esteve
totalmente imerso na lógica do que o importante analista francês de geopolítica
Alain Joxe chamou de “neoliberalismo de guerra”, herdado dos anos Bush. Pode-se
considerar como definição au Champagne da guerra longa, ou infinita, do
Pentágono.
O
legado de Oh!-Oh!-Bama
O
legado de Obama pode estar em processo de forjamento. Pode-se chamá-lo de Guerra
Clandestina Forever – completado pela venenosa manutenção de Guantánamo.
O Pentágono, por sua vez, jamais abandonará seu sonho de hegemonia militar “de
pleno espectro”, controlando o futuro do mundo, idealmente, em todas aquelas
zonas de sombra que há entre Rússia e China, terras do Islã e Índia, e África e
Ásia.
Aprenderam alguma lição? Claro que
não. Oh!-Oh!-Bama dificilmente terá lido o livro excepcional de Nick Turse Kill
Anything that Moves: The Real American War in Vietnam [Matem tudo
que se mova: A verdadeira guerra dos EUA no Vietnã][1], no
qual documenta trabalhosa e dedicadamente o modo como o Pentágono produziu
“verdadeiro sistema de gerar sofrimento”. Análises similares da longa guerra no
Iraque só estarão à venda em 2040.
Obama pode mostrar-se pleno de
autoconfiança, porque o Império
dos Drones está garantido. Muitos
norte-americanos parecem apoiar o Império dos Drones sem sequer saber do
que se trata – enquanto os “terroristas” forem “eles”, quer dizer, desde que não
sejam cidadãos norte-americanos. E nos mundos inferiores da Guerra Global ao
Terror [ing. Global War on Terror (GWOT)], miríades dos que lucram com
ela aplaudem alegremente.
Um ex-SEAL da Marinha e
ex-Boina Verde publicou livro, lançado essa semana, Benghazi:
the Definitive Report [Benghazi: relatório
definitivo], no
qual eles admitem completamente que Benghazi foi revide-retaliação contra a
guerra clandestina por lá comandada por John Brennan, adiante recompensado por
Obama com o posto de novo diretor da CIA.
Segundo
o livro, Petraeus foi derrubado por golpe interno da CIA, com altos funcionários
forçando o FBI a iniciar investigação sobre o caso entre Petraeus e sua falsa
biógrafa, Paula Broadwell. Motivo: aqueles chefões da CIA estavam furiosos
porque Petraeus convertera a agência em força paramilitar.
Pois é. E isso, precisamente, é o que Brennan continuará a
fazer: guerras clandestinas do Império dos Drones, lista de matar, estão
todas lá. Petraeus-Brennan é mais um continuum clássico.
E há também matéria da
Esquire que conta toda a história de um ex-SEAL anônimo da Equipe 6, o
homem que assassinou Geronimo codinome, Osama bin Laden. É
território conhecido: a tradicional hagiografia de um Grande Matador
Norte-americano, cujos “três tiros mudaram a história”, hoje abandonado por uma
máquina de governo que dificilmente lhe poderia dar menos atenção, mas
certamente não desamparado por vários que podem ainda lucrar muito na exploração
dessa saga, que vai muito além da aula de treinamento para torturadores – e
candidato ao Oscar – A hora mais escura.
Ao
mesmo tempo, eis o que se passa no mundo real. A
China já ultrapassou os EUA e já é a maior potência comercial do planeta
– ainda em crescimento. É
só o primeiro passo para que o Yuan seja definido como moeda comercializada
globalmente; em seguida, o Yuan será convertido em nova moeda de reserva global,
movimento conectado ao fim do primado do petrodólar... Daí em diante, é fácil
escrever o resto do roteiro.
Drone numa base "secreta" na Arábia Saudita |
Tudo isso nos leva a refletir
sobre o real papel político dos EUA na era Obama. Derrotado (pelo nacionalismo
iraquiano) – e já batendo em retirada – no Iraque. Derrotado (pelo nacionalismo
pashtun) – e já batendo em retirada – no Afeganistão. Sempre acolhedor com a
medieval Casa de Saud – incluídas as
bases “secretas” de drones (já conhecidas desde julho de
2011). Pivoteando-se
para o Oceano Índico e o Mar do Sul da China e pivoteando-se também para várias
latitudes africanas. E tudo isso para tentar “conter” a China.
Assim
sendo, a pergunta que Obama jamais se atreveria a propor em discurso “O
Estado da União” (menos ainda, em discurso “O Estado do
Império”) é: os EUA ainda seriam potência imperial global? Ou os exércitos do
Pentágono – e os exércitos clandestinos da CIA – já não passam de mercenários
armados por um sistema neoliberal global que os EUA iludem-se supondo que ainda
controlariam?
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