15/2/2013, Democracy Now -
Vídeo
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Discurso na cerimônia em que Harry
Belafonte
recebeu a Medalha Spingarn, mais alta condecoração da National Association for the Advancement of
Colored People (NAACP),
EUA.
Filho de imigrantes caribenhos,
Harry Belafonte, 86 anos, cresceu nas ruas do Harlem e da Jamaica. Nos anos 50,
foi o grande nome da onda do calipso que varreu o mundo; foi o primeiro artista
na história das gravadoras nos EUA a vender 1 milhão de discos. Foi o primeiro
negro norte-americano a receber um prêmio Emmy. Com sua ascensão ao estrelato,
Belafonte foi-se envolvendo cada vez mais no movimento pelos direitos civis.
Amigo e confidente de Martin Luther King, ajudou a organizar a Marcha sobre
Washington em 1963. Na 6ª-feira, Harry Belafonte recebeu a Medalha Spingarn, da
NAACP. (Na abertura do discurso, faz um comentário sobre a apresentação super
elogiosa que acabava de ouvir de Cory Booker, prefeito de Newark, New
Jersey).
Prefeito
Booker, não me lembro de ter ouvido apresentação semelhante, em toda a minha
vida. E enquanto o senhor ia relembrando encruzilhadas chaves nas trilhas da
minha vida, dei-me conta de que, por mais que eu tenha sido ou seja elogiado
pelo que fiz ou tentei fazer, jamais fiz coisa alguma que não tivesse raízes
profundas na coragem e na força de muita gente notável que me cercava, meus
amigos e conselheiros que se tornaram parte inseparável da minha jornada. Hoje,
sentado aqui, vendo o trabalho que o senhor faz na cidade de Newark, que não é
um jardim, não é um paraíso, mas lugar de luta sem trégua, é o senhor que merece
elogios pelo seu trabalho em Newark. Não sei se sua mãe contou-lhe toda a
história, mas seu pai foi meu grande amigo.
O
que quero dizer aqui, já disse há algumas semanas. Estava na California, para
receber o Prêmio NAACP Image Awards.
E o que tornou aquele evento, ao qual assisti várias vezes, que me premiou
várias vezes ao longo da minha vida, o que tornou aquele evento especialmente
significativo foi que, pela primeira vez na história da NAACP, a Medalha
Spingarn foi coletiva. Assim, o país teve oportunidade não só de ver os jovens e
as jovens que tanto conseguiram no mundo das artes, mas também de viver um
momento, uma pausa, para pensar em nossas preocupações sociais, na nossa jornada
social. O que vou ler aqui já li à noite, pela televisão, e é possível que
muitos já tenham ouvido. Os que não ouviram, ouvirão aqui. Aos que me ouçam pela
segunda vez, peço paciência. Mas vou ser breve. Fato é que gostei do que
escrevi, quando pus no papel essas ideias. Pareceram-me precisas, bem postas. E
falo sobre os EUA que vejo hoje, onde estamos.
O
grupo mais devastado pela obsessão dos norte-americanos com armas são os
afro-americanos. Embora as comparações possam ser perigosas, há momentos em que
são muito claras. Os EUA temos a maior população encarcerada do mundo. Dos mais
de dois milhões de homens, mulheres e crianças encarceradas, a esmagadora
maioria são negros. Os afro-americanos são a maioria dos desempregados, além de
serem a maioria dos que são colhidos no injusto sistema de justiça dos EUA. E no
jogo das armas, os negros são os mais caçados. Os rios de sangue que inundam as
ruas dos EUA são sangue arrancado dos nossos corpos negros, das nossas crianças
negras.
Mas,
enquanto emerge o grande debate sobre o problema das armas, com a América branca
discutindo questões constitucionais da propriedade e da posse de armas, ninguém
fala das consequências da carnificina racista que acontece aqui. Onde está a voz
ultrajada da América negra? Onde? E por que estamos mudos? Onde estão nossos
líderes? Onde estão nossos legisladores? Onde está a igreja?
Nem
todos, mas muitos dos condecorados com essa importante medalha são homens e
mulheres que falaram para curar as chagas desse país. Todos os que falaram,
falaram em nome do pensamento radical, para promover o pensamento radical.
Esses
foram meus mentores, minha inspiração, minha bússola moral. Através deles,
aprendi sobre a grandeza dos EUA, compreendi o potencial dos EUA. Dr. W.E.B. Du
Bois, Martin Luther King Jr., Eleanor Roosevelt e outros como Fannie Lou Hamer e
Ella Baker, Bobby Kennedy e Miss Constance Rice, e talvez, para mim, sobretudo,
Paul Robeson.
Para
mim, Mr. Robeson foi um mestre. Foi um artista que nos fez, todos nós que
vivíamos no mundo artístico, compreender a profundidade dessa causa, quando
disse: “Os artistas são guardiões da verdade. Somos a voz radical da
civilização”.
Nunca,
na história da América Negra houve colheita tão farta de artistas negros
realmente dotados e poderosamente celebrados. Mesmo assim, a nação vive faminta
de ouvir vozes radicais em canções radicais. Nos
esportes, os negros dominamos completamente em praticamente todos os campos. Nas
grandes corporações, temos mais afro-americanos como chefes e capitães de
indústria do que jamais antes. Apesar disso, os negros ainda vivemos na mais
abjeta miséria, doentes de malnutrição moral.
Lembro
de um momento do qual já se falou hoje aqui: meu último encontro com o Dr. King.
Aconteceu pouco antes de ele viajar para Memphis para engajar-se na greve dos
trabalhadores dos hospitais. Estávamos fazendo uma reunião estratégica, e o Dr.
King – a reunião acontecia na minha casa – durante a conversa, parecia
distraído, de humor sombrio.
Quando
lhe perguntamos o que estava acontecendo, ele respondeu: “Já andamos muito, na
luta pela integração, mas, embora estejamos vencendo algumas batalhas, ainda não
vencemos a guerra. Cheguei à conclusão de que, na nossa luta pela integração, é
possível que estejamos nos integrando dentro de uma casa em chamas”. Esse
pensamento o perturbava muito. Perguntamos a ele o que, se pensava assim,
esperava que fizéssemos. Ele respondeu: “Temos de ser os bombeiros”.
Já
se tentaram numerosas estratégias na luta por nossa liberdade, em todos os
níveis do espectro social – grupos de jovens, grupos de mulheres, grupos de
trabalho, grupos religiosos. A lista é longa. Mesmo assim, a oposição persiste e
resiste às nossas demandas.
O
que falta, acho eu, no encaminhamento da nossa luta hoje, é lançar o pensamento
radical. Nos EUA, hoje, essa é a voz mais muda.
Apelo
à NAACP, a mais antiga e tradicional instituição nessa nossa luta dos negros
norte-americanos por direitos humanos e dignidade humana, para que promovamos
mais o conceito e a necessidade de pensamento radical.
Os
EUA jamais avançaram um passo, que fosse, na trilha em busca de melhor
democracia, sem pensamento radical. Sempre houve vozes radicais e pensamento
radical à frente de qualquer progresso, de qualquer avanço.
Durante
toda a minha vida, vivi em busca de justiça. Num livro que li recentemente,
The Life of Theodore Roosevelt, encontrei uma frase que me ajudará a
dizer o que quero dizer. Roosevelt disse que, quando o Estado anda na direção
contrária ao seu compromisso com os direitos dos cidadãos, quando os direitos
dos cidadãos são traídos e esquecidos, quando há quem roube a Constituição,
tirando dela a igualdade que ela procurou garantir para todos os
norte-americanos, então os cidadãos têm não só a obrigação, mas o direito, de
levantar-se contra o Estado, de desafiar o Estado e os governantes. E, diz ele,
se falharmos nessa obrigação e não defendermos esse direito, que é direito e
dever moral, então nós, os cidadãos, somos os primeiros traidores da pátria.
Essa
frase me tocou muito, porque o que nós fazemos é a luta para pôr fim ao
comportamento de traição na cena política contemporânea, contra os que tentam
roubar nossos votos – roubar nossos votos, para fazerem o que fazem às nossas
mulheres, às nossas crianças, para fazerem o que fazem aos negros, nos nossos
momentos de carência e necessidade.
Quero
dizer que os negros norte-americanos levantem a própria voz radical, alta e
clara. Sem isso, essa nação – e por isso essa é nossa específica
responsabilidade –, apesar de toda a diversidade cultural, não será o que pode
ser, nem cumprirá sua promessa de grandeza.
Os
EUA têm de ouvir a voz radical dos negros norte-americanos, a mais poderosa
força desse país. Sem isso, os EUA não serão jamais um todo, os EUA jamais serão
realmente livres sem negros livres e respeitados, porque somos a maior parte de
tudo isso.
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