20/2/2013, Norman Pollack [1], Counterpunch
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Norman Pollack |
Será inadequado falar de “fascismo
liberal”? Provavelmente, a antiga pergunta de Sinclair Lewis [2] é mais básica: o fascismo pode
acontecer nos EUA? [3]
O
fascismo aparece sob várias modalidades sem perder os traços
estruturais-ideológicos-políticos distintivos. Todos eles apontam para uma
estrutura hierárquica da sociedade caracterizada por extremos de riqueza e
poder; por um sistema de autoridade governamental; por um muro opaco que
preserva aquele sistema, da exigência de prestar qualquer tipo de satisfação ou
de prestar contas a quem quer que seja, tanto na política doméstica quanto na
política externa. Graças a esse muro de sigilos e secretudes, o fascismo
constrói e mantém um sistema de governo capaz de ocultar a própria total
desconexão de qualquer interesse público.
Todos
os governos fascistas descartam completamente todos os deveres e as
responsabilidades que qualquer governo tem em relação à classe trabalhadora –
dever de criar empregos, de preservar a rede social que permita aos cidadãos
viver em paz e segurança, dever de manter financiamento adequado para a educação
pública. Simultaneamente, todos os governos fascistas conseguem manter ocultas
as conexões que os ligam aos grupos de poder e aos estratos sociais mais ricos.
Para
isso, contam com suas políticas econômicas e fiscais, com os subsídios que
asseguram aos mais ricos, com as estratégias geopolíticas mais amplas que adotam
para acumular riqueza nos negócios e contatos internacionais; contam também com
o poderio militar como carapaça protetora (além de contarem com o envolvimento
dos mesmos militares na política nacional e internacional), para preservar a
ordem e o espírito marciais em casa, e para encobrir o interesse dos próprios
quadros dos governos fascistas nos negócios e investimentos em outros países.
Assim , os governos fascistas asseguram que a riqueza gerada não
seja jamais, de modo algum, canalizada para democratizar a ordem social
Impedir
qualquer democratização em casa; exercer plena dominação em todos os principais
campos/indicadores de poder; e manter postura contrarrevolucionária em todo o
mundo: aí estão três movimentos que resumem, em traço esquelético, o paradigma
do fascismo. Os métodos variam, para corresponder a diferentes circunstâncias
históricas e a diferentes gostos culturais. Em alguns casos, repressão. Em
outros casos, os aviões bombardeiros de mergulho Stukas; [4] em outros, persuasão e
propaganda que gere falsa consciência, enquanto bastarem para preservar as
desigualdades, os sigilos e o militarismo, objetivos básicos dos governos
fascistas.
Bombardeiro de Mergulho "Stuka" em ação na 2a. Guerra Mundial |
No
governo Obama, nos EUA, todos esses objetivos fascistas estão sendo preservados:
são expostos e difundidos sob brilhantíssima camada de retórica liberal.
O
fascismo liberal é formação histórica complexa, difícil de cercar, porque não se
veem os soldados que marcham em passo de ganso, as câmaras de gás, o líder
bombástico. Nada disso aparece à vista embora, de fato, alguns traços da
variedade não liberal do fascismo sempre permaneçam.
Em
lugar dos soldados do passo de ganso, há a aparentemente inócua militarização de
toda a cultura, sempre em constante reforço, com os interpretadores fanáticos da
2ª Emenda sempre a esfregar no nosso nariz seus fuzis e pistolas.
Para
as câmaras de gás, há, como substituto, o reforço estrutural da violência
armada, o encarceramento de legiões de pobres e desassistidos, a vigilância
incansável sobre os cidadãos – menos dolorosa, pode-se admitir, mas muito eficaz
para efeito de controle social e igualmente daninha nas consequências.
Drone RQ-4 Global Hawk |
Substitutos
dos bombardeiros de mergulho Stukas, temos hoje arma, de fato, muito mais
eficaz: os aviões-robôs, drones, que se usam para assassinatos
premeditados e para aterrorizar populações inteiras, exatamente como se usavam
osStukas, associados às bombas voadoras dos nazistas.
E
quanto ao líder bombástico, temos Obama, o reformador falhado, aplicado
planejador e executor de assassinatos, mas que nunca pára de sorrir e,
atualmente, já anuncia suas futuras “Conversas ao pé da lareira”, patética
tentativa de copiar o que fez Roosevelt, em seus dias de presidência.
Ainda
que se abstraíssem dos registros os milhares de indivíduos assassinados com
premeditação por ordem direta, pessoal, do presidente Obama, mesmo assim haveria
muitos elementos para descrever o contexto presidencial nos EUA como florescente
fascismo liberal.
O
militarismo – além dos drones, além da rede planetárias de bases
militares, além dos orçamentos extravagantes para comprar o armamento mais
exótico (dito de alta tecnologia), além da ampliação das operações, além da
estratégia do Pacífico para aumentar a presença dos EUA na Ásia e ‘'conter'’ a
China – está vivo e forte na Casa Branca de Obama. Ali se desenham os grandes
planos e se faz uma guerra perpétua, levada sempre avante por forças militares
sempre ‘'super'’ (super aviões de super transporte de super tropas, super porta
super aviões, etc.), com as bombas atômicas ‘'modernizadas'’ mantidas
elegantemente invisíveis, jamais referidas.
Mas,
mesmo assim, o fascismo liberal exige mais. E os EUA há muitos anos mantêm-se
ativos no negócio das contrarrevoluções, militarismo e intervenção por algum
tempo, como se vê, com governo e negócios já entretecidos e interpenetrados, com
apoio à consolidação monopolista dos negócios em geral, em várias partes do
mundo.
Mas
as coisas hoje são qualitativamente diferentes. Embora se veja a intensificação
de tendências já conhecidas, veem-se menos protestos do que nunca, no mínimo
desde 1933. Em termos amplos, pode-se dizer que os EUA absorveram e
potencializaram o que neles há de pior: a própria negatividade.
Quando
digo “os EUA”, falo de uma culminação de tendências que caminham na direção da
integração sistêmica do próprio capitalismo, hoje já em estágio maduro de
desenvolvimento, com seus mecanismos correlativos de apoio, os quais, antes, ou
eram ainda pouco desenvolvidos ou eram menos eficazes.
Vê-se
o aparecimento de uma consciência política extremista, depois de várias décadas
de pressões públicas e privadas que visavam a implantar o conformismo, quer
dizer, feitas para que os cidadãos internalizassem os limites doutrinários e as
modalidades de protesto recomendáveis.
Obama
começou do ponto em que saía de cena um longo processo de construção de uma
consciência social de desperdício, de dissipação. Chegou com a palavra “mudança”
– mas usada no sentido de ‘'perfeita concordância'’, aquiescência absoluta,
submissão perfeita à autoridade, aceitação sem protestos (da guerra, de
assassinatos, de resgates de bancos, de orçamentos militares obscenos, de falsas
escolhas – uma ou outra, ou o desastre – entre políticas sociais que não são,
sequer, alternativas. Chegou para fazer o que fosse necessário para manter a
tona e operante, não algum Estado, mas o capitalismo monopolista. O que haveria
nisso, de liberal?
Não
é liberal. Mas é dito liberal, porque a retórica inventa e implanta realidades,
e a conexão emocional ao grande líder e à liderança foi elevada a um plano de
vácuo moral que afeta cada um e todos os que ainda analisem e pensem
criticamente.
Mais
que isso, o próprio liberalismo já está em plena bancarrota, quando, por
exemplo, a maioria do povo americano declara apoiar o programa dos drones
armados. Assassinato a preço de liquidação: é bom negócio, se se trata de
proteger “a América” contra o nefando Outro, o Diferente maléfico.
Sequer
se vê a gigantesca hostilidade que se criou contra os EUA, hoje, já, em todo o
planeta; é impensável. Mas, por via das dúvidas, melhor matar mais alguns
milhares de seres humanos. Harmonia universal é harmonia de uma classe só,
depois de a outra ter sido varrida do mundo.
Festejem “a América” como Terra de
Oportunidades, enquanto avança a destruição, enquanto avançam o desemprego, os
despejos, as ‘'entregas especiais'’ de prisioneiros para serem torturados por
torturadores parceiros dos EUA, enquanto a infraestrutura continua a ruir,
enquanto a ‘'des-regulação'’ avança, enquanto avançam os assassinatos de crianças
dentro das escolas. O presidente? Discursa contra concentração de riqueza,
contra crimes de guerra (só na Síria, não na Palestina) e contra a destruição do
meio ambiente. Contra o oleoduto-monstro Keystone XL [5]? Não, nenhuma palavra.
Oleoduto-monstro Keystone XL de Alberta (Canadá) ao Texas (EUA) |
Seja
como for, Obama merece registro histórico por ter exposto o liberalismo, nessa
sua jornada de transvaloração do New Deal até hoje, pelo que o liberalismo
realmente é: posição político-ideológica do centro-direita, que já não merecia o
nome quando foi batizado durante o New Deal. O liberalismo, que foi de
centro, até de centro esquerda, jamais conviveria – sequer tentaria conviver –
com a histeria anticomunista que começou com o mccarthyismo logo depois da 2ª
Guerra Mundial. Aquela histeria foi-se convertendo, com grupos como “Americans for Democratic Action” e “National Security Democrats”, no
universo político-ideológico do discurso cultural cada dia mais pantanoso e
traiçoeiro, que se traduz nessa acentuada deriva à direita na política que
culminou com os dois partidos a disputar, apenas, qual seria o mais
“patriótico”.
Sob
o estandarte liberal, os EUA aventuraram-se a entrar na arena da Guerra Fria.O
anticomunismo liberal tornou-se amplo guarda-chuva para o sacrifício de qualquer
dissidência, no altar da respeitabilidade. Assim, já à altura dos anos 1960s, no
máximo, o liberalismo já deveria ter sido identificado (mas não foi) como muito
mais antirradical que progressista (no final, o liberalismo converteu o chamado
progressismo em cego antirradicalismo).
Obama
poderia ter surgido em cena há vinte anos, sem mudar coisa alguma do ponto de
vista político (até mesmo racial), com sua sanha conservadora que, agora, já é
também racista, com negros firmemente instalados em posições de destaque como
uma espécie de Guarda Pretoriana dos Interesses Corporativos.
Nem
Paul Robeson nem Martin Luther King seriam admissíveis ou encontrariam lugar na
cultura política dos EUA hoje (além do plano da pura conversa fiada dos
discursos de aniversário do Dr. King, mas nunca por ele ter defendido os pobres
e feito oposição à guerra).
John Brennan |
O
liberalismo foi um dos principais fatores que contaminaram a teoria da
democracia e a prática democrática, gêmeo xifópago de um partido Democrata servo
solícito de Wall Street e de toda a coleção de interesses que definem o
capitalismo predatório, dos planos privados de seguro-saúde às empresas privadas
que fornecem armas e mercenários para o Departamento de Defesa.
E
esse monstrengo bicéfalo adiante se grudou, como a um terceiro xifópago, a uma
Casa Branca que não consegue fazer coisa melhor que nomear John Brennan para
dirigir a CIA. Com Brennan, a muralha de sigilos e segredos e os crimes de
guerra que os EUA cometem em todo o planeta, em ritmo diário, continuarão, por
mais algum tempo, firmemente enterrados e guardados.
Notas
dos tradutores
[1]
Norman Pollack é autor de The Populist Response to Industrial America
[Resposta popular à América industrial] (Harvard). É professor da Cátedra
Guggenheim e professor emérito de História da Michigan State
University.
[2] LEWIS, Sinclair: How Fascism Will Come To America
(1935).
[3]
Ver
10/2/2013, redecastorphoto, Paul
Craig Roberts, “Aconteceu
nos EUA: o estado policial existe”.
[4]
Avião usado por Alemanha e Itália na 2ª. Guerra Mundial, Junkers Ju 87, popularmente conhecido como Stuka (forma reduzida do alemão Sturzkampfflugzeug, bombardeiro de
mergulho).
[5]
Oleoduto para transportar petróleo a ser extraído das chamadas tar sands,
que está em planejamento, para ser construído pela empresa TransCanada,
projetado para percorrer 1.897 km , da cidade de Hardisty, Alberta, no Canadá, até o Texas (mapa acima). Para iniciar a construção do oleoduto – que tem sido alvo de furiosos
ataques de ambientalistas – a empresa aguarda apenas o sinal verde de
Obama.
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