Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Na Grã-Bretanha, o golpe
das imagens falsas e de falsas identidades políticas deu menos certo. Lá,
parece, começa algum movimento de consciência. Mas que se apressem. Os juízes de
Nuremberg foram bem claros: “Qualquer
cidadão tem o direito de violar leis domésticas para impedir crimes contra a
humanidade e contra a paz”. Toda a honra ao povo da Síria e a incontáveis
outros. Os norte-americanos temos muito a aprender com eles.
Na parede de meu escritório tenho emoldurada a primeira página do jornal Daily Express do dia 5/9/1945 e a manchete: “Escrevo, como um alerta ao mundo”.
Era a primeira linha da matéria de
Wilfred Burchett
sobre Hiroshima, a primeira que se leu no ocidente, escrita em Hiroshima, 30
dias depois do ataque norte-americano. Foi o furo jornalístico do século.
Wilfred Burchett |
Por causa dessa sua longa,
perigosa viagem, que desafiou as autoridades da ocupação norte-americana,
Burchett foi massacrado, sobretudo por outros jornalistas “incorporados” às
tropas norte-americanas. A matéria denunciava que os EUA haviam cometido um ato
de assassinato premeditado em massa, em escala gigantesca e iniciado uma nova
era de terror.
Hoje, praticamente todos os dias,
Burchett tem sua revanche. A criminalidade intrínseca do uso de armas de
destruição em massa, que os EUA inauguraram, está todos os dias aí, ao alcance
de todos os olhos, nos Arquivos Nacionais dos EUA e em décadas de militarismo
camuflado como democracia. O psicodrama em que os EUA vivem mergulhados em tudo
que tenha a ver com a Síria exemplifica tudo isso. Mais uma vez, o povo dos EUA
foi capturado e é refém de uma ameaça terrorista ainda negada até pelos mais
progressistas críticos das políticas dos EUA para o mundo.
A terrível verdade jamais
mencionada nos EUA é que o mais perigoso inimigo da humanidade vive “do lado de
cá” do Oceano Atlântico.
A farsa de John Kerry e as
piruetas de Barack Obama são temporárias. O acordo de paz que a Rússia construiu
para as armas químicas da Síria logo, e não demora, começará a ser tratado nos
EUA com o desprezo que os militaristas dedicam à diplomacia. Agora, com os EUA
já aliados à Al-Qaeda, e os golpistas armados pelos EUA já bem instalados no
governo do Cairo, os EUA passam a dedicar-se a tentar esmagar os dois últimos
estados independentes que restam no Oriente Médio: primeiro a Síria, depois o
Irã.
“Essa operação [na Síria]”, disse o ex-ministro de
Relações Exteriores da França Roland Dumas, em junho, “é antiga. Começou há
muito tempo. Foi preparada, preconcebida e planejada”. Vídeo a seguir (em francês com legendas em
inglês):
Num momento em que a opinião
pública está “psicologicamente apavorada”, como disse Jonathan Rugman, do
Channel 4, tentando explicar a absoluta rejeição, na população britânica, a um
ataque militar contra a Síria, é absolutamente urgente e necessário repor, para
a discussão pública, o “inimigo cujo nome não se pronuncia” nos EUA.
Gaylord Nelson |
Os EUA lançaram sobre o Vietnã uma
quantidade produtos químicos tóxicos (dioxina) que correspondeu a
2,73kg [orig. 6
pounds] por cabeça, contra a população.
Foi a “Operação Hades”
[Inferno], cujo nome adiante foi trocado para Operação Ranch
Hand [Operação “Mão rancheira”], conforme a campanha de publicidade,
que apresentava o uso de agentes químicos desfolhantes, o “agente laranja”,
lançado de aviões sobre o Vietnã, como ajuda aos agricultores vietnamitas que
estariam enfrentando pragas nas lavouras]; essa é a origem do que muitos médicos
no Vietnã e em todo o mundo chamam de “um ciclo de catástrofe fetal”. Eu mesmo
vi muitas crianças deformadas. John Kerry, com seu currículo de guerra
encharcado de sangue também viu e deve lembrar.
Também vi crianças deformadas no
Iraque, onde os EUA usaram armas de urânio baixo-enriquecido e de fósforo
branco, como fizeram os israelenses em Gaza, que fizeram chover armas químicas
de destruição em massa sobre escolas e hospitais da ONU. Nesses casos, não houve
“linha vermelha” de Obama. Nem shows televisionados de piedade pelas
vítimas.
Richard Falk |
(...) modo autocomplacente, arrogante, de
selecionar só imagens positivas e morais para divulgar valores ocidentais e
inocência, e assim validar uma campanha de irrestrita violência política.
E é campanha tão ampla que:
(...) resulta virtualmente indesmentível.
E a mentira maior de todas é a dos
“liberais realistas” na política anglo-norte-americana, de “especialistas”
acadêmicos e da mídia, que se ordenam, eles mesmos, gerentes da crise mundial,
quando, na verdade, são a causa dela. Os EUA estudam outros povos como se não
fossem parte da mesma humanidade; se não servem aos desígnios da potência
ocidental, são “estados falhados”, “estados-bandidos” ou “estados do mal”
carentes de “intervenção humanitária”.
Um ataque contra a Síria ou contra
o Irã ou contra qualquer dos “demônios” que os EUA criam para o mundo se
resumiria a variante “da moda”, da tal “Responsabilidade de Proteger”, cujo
garoto-propaganda é o ex-ministro australiano de Relações Exteriores, Gareth
Evans, co-presidente de um “Centro Global” (Global Centre) que tem sede
em New York. Evans e seus bem
remunerados lobbyists têm papel crucial na propaganda para arrastar a
“comunidade internacional” a atacar países nos casos em que “o Conselho de
Segurança rejeita alguma proposta ou não consegue lidar com a ameaça”.
Evans é conhecido. Aparece em meu
filme Death of a Nation, de 1994, que desmascara a escala do genocídio no
Timor Leste. O sorridente homem de Canberra lá está, erguendo a taça de champagne num brinde ao ministro
indonésio, com dois sobrevoando o Timor Leste em avião australiano, depois de
terem assinado o tratado para saquear petróleo e gás do país destroçado, onde
Suharto, o tirano indonésio, matou a bala ou de fome um terço da população.
No governo de Obama, “o Fraco”, o
militarismo cresceu talvez mais do que nunca antes. Sem que se veja um único
tanque nos gramados da Casa Branca, houve um golpe militar em Washington. Em
2008, com seus devotos liberais secando as últimas lágrimas de “decepção”, Obama
pôs-se sob o comando do Pentágono de George Bush: assumiu todas as suas guerras
e seus crimes de guerra.
Com a Constituição já substituída
por um estado policial emergente, os mesmos que destruíram o Iraque com choque e
pavor, que pilharam e saquearam no Afeganistão e que reduziram a Líbia a um
pesadelo hobbesiano, são hoje os
senhores e mandam e desmandam no governo dos EUA. Hoje, nos EUA, morrem mais
soldados por suicídio, que nos campos de batalha. Só no ano passado, 6.500
veteranos de guerra dos EUA suicidaram-se. E haja bandeiras!
Norman Pollack |
Todas as 3ª-feiras [é hoje!],
Obama supervisiona pessoalmente uma rede terrorista mundial de drones que
esmagam gente “como insetos”, pelo mundo, os que acorram para socorrê-los, os
que se aproximem para chorar os mortos e quem mais passe por ali.
Nas zonas de conforto do ocidente,
o primeiro presidente negro eleito na terra da escravidão sente-se muito bem,
como se só o fato de ele existir já fosse prova de progresso social e apesar das
pegadas de sangue que se veem por onde ele pisa. O servilismo com que os
norte-americanos curvaram-se ante o símbolo que acreditaram ver na
extraordinária eleição de Obama destruiu o movimento antiguerra nos EUA.
Na Grã-Bretanha, o golpe das
imagens falsas e de falsas identidades políticas deu menos certo. Lá, parece,
começa algum movimento de consciência. Mas que se apressem. Os juízes de
Nuremberg foram bem claros:
Qualquer cidadão tem o direito de
violar leis domésticas para impedir crimes contra a humanidade e contra a paz.
Toda a honra ao povo da Síria e a
incontáveis outros. Os norte-americanos temos muito a aprender com
eles.
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[*] John Pilger - nasceu em Bondi na área
metropolitana de Sydney, Austrália, 9 de outubro 1939. A carreira de Pilger como
repórter começou em 1958; ao longo dos anos tornou-se famoso pelos artigos,
livros e documentários que escreveu e/ou produziu. Apesar das tentativas de
setores conservadores de desvalorizar Pilger, o seu jornalismo investigativo já
mereceu vários galardões, tais como a atribuição, por duas vezes, do prêmio de
Britain’s Journalist of the Year
Awardna área dos dos Direitos Humanos.
No Reino Unido é mais conhecido pelos seus documentários, particularmente os que
foram rodados no Camboja e no Timor-Leste. Trabalhou ainda como correspondente
de guerra em vários conflitos, como na Guerra do Vietnam, no Camboja, no Egito,
na Índia, em Bangladesh e em Biafra. Atualmente reside em
Londres.
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