2/9/2013, [*] Shamus
Cooke, Counterpunch
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Depois
do exemplo líbio, a ONU ficou vacinada contra as mentiras de Obama. Por isso, a
parte mais difícil, hoje, no processo de os EUA inventarem guerra contra a
Síria, é começar a guerra. Depois de começada a matança, só a lógica da própria
guerra imperará, o que cria instantaneamente novas dinâmicas não previstas,
quase infalivelmente na direção da expansão da guerra. É muito possível que esse
traço “não previsto” da guerra seja, exatamente, o que Obama tem hoje em
vista.
Os
ratos abandonam o navio dos ratos. Nem os mais fortes aliados de Obama aguentam
o fedor das mentiras que são a ‘base’ do esforço de guerra contra a Síria. Até a
Inglaterra, cuja única política exterior é perguntar, “de que altura?” quando os
EUA ordenam “pule!”, optaram por não se mexer para ajudar Obama.
Também a Liga
Árabe,
há muito tempo usada como marionete pela política exterior dos EUA, já se
dividiu. O Conselho de Segurança da ONU – depois de aprender, na Líbia, a não
confiar em Obama – também se recusa a autorizar o ataque à Síria. Restou a
França – ex-patrão colonial da Síria – para segurar a máscara de “importante”
nação europeia a dar ao ataque o leve verniz de apoio “internacional”. Mas a
insubordinação da Inglaterra certamente ecoará na opinião pública francesa, que
elegeu um presidente “socialista”, presume-se, para que não metesse o país em
mais um pântano de guerra dos EUA.
Carla del Ponte |
Obama
não ofereceu prova alguma de que o governo sírio foi responsável pelo mais
recente ataque com armas químicas. Carla del Ponte, inspetora da ONU, disse
claramente que os “rebeldes” apoiados pelos EUA já haviam sido responsáveis por
outro ataque com armas
químicas, anterior. Logo, se vale a culpa só presumida, normal
seria culpar primeiro os “rebeldes”.
Apesar
de outras nações terem imediatamente reconhecido no canto de guerra de Obama um
plágio do que o presidente Bush já cantou e dançou para atacar o Iraque, porções
significativas da opinião pública norte-americana deixaram-se seduzir pela
cantoria melosa de Obama. O refrão tranquilizador que repete “ataque limitado”,
que durará “horas, não dias”, teve efeito sedativo nos nervos de muitos
norte-americanos, aos quais a imprensa-empresa só “informa” que a Síria
precisaria só de umas palmadas porque se “comportou mal”; e, em seguida, tudo
voltará ao normal. Nenhum soldado dos EUA morrerá. Coisinha pouca, praticamente
nada.
Mas
é claro que nenhuma ação militar dos EUA no Oriente Médio será jamais coisa
pequena: sempre será ação gigante.
A
cada nova guerra que os EUA inventam naquela região, as tensões sobem mais um
pouco, aumentam os procedimentos de autodefesa, formam-se novas alianças locais
para defender quem os EUA ataquem. Nações não alinhadas com a política externa
dos EUA [leia-se: com as guerras dos EUA
pelo planeta (NTs)] – e são muitas – estão desesperadas para conter a marcha
sangrenta dos EUA pelo Oriente Médio. Os norte-americanos absolutamente não
entendem o quanto a guerra do Iraque alterou fundamentalmente o Oriente Médio.
O
governo dos EUA é profundamente odiado pela maioria da população naquela vasta
porção do mundo por ter destruído o Iraque, que para muitos ali sempre foi uma
orgulhosa nação árabe. Atacar outra nação no coração do Oriente Médio, com a
qual milhões de árabes também se sentem profundamente ligados, gerará
contrarreação massiva, gigantesca.
E
nem importa o quanto o ataque seja “limitado”: bombardear nação estrangeira é
ato de guerra.
Criminosos nazistas julgados em Nuremberg (clique na imagem para aumentar) |
Depois
da 2ª-Guerra Mundial, o Tribunal de Nuremberg concluiu que o “supremo crime
internacional” cometido pelos nazistas não foi o genocídio nem o holocausto: foi
terem feito guerra de
agressão, porque esse foi o crime essencial do qual derivaram
todos os demais. É claro que os agressivos planos de guerra de Obama envolvem
mais que lançar meia dúzia de mísseis contra alguns tanques sírios. Por isso, Obama moveu cinco
destróieres da Marinha dos EUA para aquela região.
Também
pela mesma razão, é claro – centenas de soldados das Forças Especiais dos EUA e
“milícias treinadas” entraram na Síria dia 17/8 – como noticiou o jornal
francês Le Figaro.
Destróier armado de mísseis movendo-se para a costa Síria |
Especulou-se
que a real intenção no ataque contra a Síria seria ampliar a ajuda que Obama tem
dado as “rebeldes”, que vêm recebendo massiva ajuda norte-americana na forma de
armas, treinamento e dinheiro, já – como noticiou o New
York Times – há quase dois anos, mas provavelmente há
mais tempo.
É
fato que já não se discute que as milícias islâmicas
extremistas
são a força mais ativa e poderosa na oposição ao governo de Assad; se o
governo for deposto, os extremistas islamistas estarão no poder.
Se
for lançada campanha “limitada” agora, é absolutamente certo que, adiante, mais
bombas norte-americanas virão, porque os extremistas apoiados pelos EUA
precisarão de muito mais apoio para derrotar Assad. Para alterar o atual
equilíbrio de forças entre os “rebeldes” de Obama já praticamente derrotados
pelo exército sírio e o governo de Assad, será necessária campanha massiva de
bombardeamento, semelhante à que se viu na Líbia.
Não
se deve esquecer a cadeia de eventos na Líbia: depois que os “rebeldes” líbios
apoiados pelos EUA começaram a ser derrotados, Obama serviu-se da “ingenuidade”
da ONU e declarou que seria preciso “ação imediata” para evitar um massacre de
milhares de líbios. A ONU estupidamente acreditou e aprovou uma resolução em
termos vagos, sobre “responsabilidade de proteger civis”, [1] que Obama imediatamente usou como
pretexto para furiosa guerra de agressão e “mudança de regime”: lançou milhares
de bombas sobre a Líbia, com seus jatos bombardeiros que mataram
indiscriminadamente militares e civis e destroçaram a nação líbia.
O
excelente livro de Vijay
Prashad Arab Spring, Lybian Winter, cobre em profundidade
aquele conflito.
Vijay Prashad apresenta seu livro "Arab Spring, Lybian Winter" |
Depois
do exemplo líbio, a ONU ficou vacinada contra as mentiras de Obama. Por isso, a
parte mais difícil, hoje, no processo de os EUA inventarem guerra contra a
Síria, é começar a guerra.
Depois
de começada a matança, só a lógica da própria guerra imperará, o que cria
instantaneamente novas dinâmicas não previstas, quase infalivelmente na direção
da expansão da guerra. É muito possível que esse traço “não previsto” da guerra
seja, exatamente, o que Obama tem hoje em vista.
Por
exemplo, qualquer analista militar que esteja em pleno gozo das faculdades
mentais espera que a Síria defenda-se. E a Síria pode defender-se com mais
eficácia que a Líbia ou o Iraque. O povo norte-americano não está preparado para
a resistência dos sírios, porque, até agora, só foi “informado” de que a Síria
aceitará submissa o “castigo”, talvez, no máximo com alguns “protestos”.
Mas
a Síria tem sistemas avançados de armamentos, e será perfeitamente legal e
razoável que o país agredido defenda-se – bombardeando, por exemplo, um
destróier da Marinha dos EUA, ou, talvez, Israel – que seguramente estará
envolvida, em algum nível, no assalto contra a Síria e, portanto, é alvo militar
legítimo. E Israel já várias
vezes bombardeou território sírio nos últimos seis meses.
Danos provocados pelo bombardeio de Israel em Dama, Síria (5/5/2013) |
É
possível que Obama esteja tentando provocar reação forte da Síria, o que dará
aos EUA uma razão pública “real” para escalar a guerra. Qualquer ataque contra a
Síria tem também a possibilidade de envolver o Irã no conflito, porque Irã e
Síria têm entre eles um pacto de defesa mútua. E esse pode ser o objetivo “de
fundo” de Obama: provocar o Irã para que se envolva militarmente, de modo que os
EUA tenham afinal o pretexto de que precisam para expandir a guerra para o Irã,
que há anos está na mira dos belicistas norte-americanos.
Se
a pressão internacional e doméstica forçar Obama a limitar-se, de fato, a um
ataque “simbólico” contra o qual a Síria não retalie, então a política exterior
dos EUA terá sofrido humilhação histórica, mostrando à vista de todos o declínio
do poderio norte-americano no mundo. Mas mesmo um ataque “cirúrgico” cria
precedente muito perigoso, abrindo a porta para ataques mais amplos no futuro;
esse precedente será inevitavelmente reaberto com qualquer ataque, mesmo
“cirúrgico” no futuro próximo.
Um
esforço de guerra fraco, dessa vez, tornará o governo Obama ainda mais faminto
por guerras da próxima vez, porque nenhum império deixa-se simplesmente apagar
da face da Terra sem arrastar na própria queda um oceano de sangue humano.
Barack
Obama disfarçado de Barack Obama! |
Se
Obama atacar a Síria agora, ouviremos menos mentiras do que quando Bush atacou o
Iraque, porque Obama, Prêmio Nobel da Paz, teve a audácia de envenenar, com suas
mentiras, o terreno no qual, 50 anos antes, na Marcha sobre Washington, em 1963,
falava Martin Luther King, Jr. Ali Obama cantou loas ao grande pacificador,
enquanto planejava sua guerra contra a Síria.
Obama
já arruinou muito rapidamente sua credibilidade, à moda Bush. Meteu na prisão
alertadores como Chelsea Manning – cujo único crime foi revelar crimes de
guerra. Agora, prepara um crime de guerra ainda maior contra a Síria. Sua
presidência consome-se em fogo e sangue com impressionante rapidez, num incêndio
que pode arrastar o país inteiro.
No
sábado, 31/8, fez-se um dia internacional de protesto contra a guerra à Síria.
Mais
militantes antiguerra que se manifestem nos EUA talvez consigam afundar, sem
nenhum tiro, o navio da guerra de Obama.
[*] Shamus Cooke é trabalhador de Serviço Social,
sindicalista e escritor ligado a Workers Action.
E-mail: shamuscook@gmail.com
Nota
dos tradutores
[1] Nesse debate, a presidenta Dilma Rousseff do Brasil, no discurso
de abertura do Debate Geral da 66ª Assembleia Geral das Nações
Unidas, dia 21/9/2011, em NY, falou de outro conceito,
infinitamente mais importante: “a responsabilidade ao
proteger”.
Esse
conceito está hoje espantosamente apagado de todos os debates na
imprensa-empresa no Brasil, dado que foi apagado na imprensa-empresa dos EUA, de
onde tudo se copia no RIDÍCULO “jornalismo” brasileiro. A presidente Dilma
disse, dentre outras coisas importantíssimas:
O
mundo sofre, hoje, as dolorosas consequências de intervenções que agravaram os
conflitos, possibilitando a infiltração do terrorismo onde ele não existia,
inaugurando novos ciclos de violência, multiplicando os números de vítimas
civis. Muito se fala sobre a responsabilidade de proteger, pouco se fala sobre
a
responsabilidade
ao proteger.
São conceitos que precisamos amadurecer juntos.
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