25/9/2013, TeleSUR TV, Caracas, Venezuela (em
Damasco, Síria)
“President al-Assad
interview with TeleSUR TV” (em
inglês)
“Al Assad: el mundo estará mejor
cuando EE.UU. deje de intervenir” (em
espanhol)
Transcrição traduzida pelo
pessoal da Vila Vudu
Presidente
Assad: Quero
dizer que o senhor e a TeleSUR são bem-vindos à Síria, e faço votos de que o
senhor recupere-se rapidamente do ferimento na perna. Acredito que ser
entrevistado por um jornalista que testemunhou em primeira mão a ação terrorista
é útil e enriquecedor. Mais uma vez, é muito bem vindo um jornalista cujo sangue
misturou-se, na Síria, ao sangue dos sírios e dos soldados do Exército Sírio
Árabe.
TeleSUR: Obrigado.
De fato, há mais fatos em comum entre nós, inclusive esse sangue. O senhor falou
de terrorismo – ontem, um carro bomba explodiu em Damasco, matando e ferindo
muitos civis. Qual é a mensagem dos terroristas, particularmente nessas
circunstâncias que a Síria e o mundo enfrentam? E como o senhor vê os atuais
esforços para confrontar o terrorismo na Síria?
Presidente
Assad: Esses
terroristas só têm uma mensagem, que é a ideologia obscura que carregam na
cabeça; para eles, quem não pense como eles não merece viver. Muito
frequentemente, fazem esses atos de terror ou para atrair gente para a causa
deles, ou para frustrar as pessoas. Em outras palavras, querem matar qualquer
esperança que ainda há – e quando não há esperança, a vida não tem sentido.
Assim, de um modo ou de outro, eles se aproximam. De outra perspectiva, essas
operações terroristas são financiadas, planejadas e instigadas por gente de fora
da Síria cujo objetivo é lançar os sírios no completo desespero, fazendo-os crer
que não haveria esperança na terra deles e que a Síria que existe há séculos já
não existiria. Sem esperança, as pessoas são empurradas para a derrota, o que as
levaria a desistir de defender-se. O que o senhor viu ontem foi apenas um, de
centenas de atentados semelhantes; de fato, esses atentados têm efeito oposto –
os sírios, hoje, estão ainda mais comprometidos que antes, decididos a defender
seu país.
“Desde
o início da crise na Síria, a política dos EUA sempre se baseou em
mentiras”
TeleSUR: Senhor presidente, ouvimos ontem o discurso
do presidente dos EUA Barack Obama, que refletiu o que os EUA fizeram em várias
partes do mundo. E ele falou especificamente da situação na Síria; a Síria
também foi questão central na ONU. O presidente Obama, concorda, pode-se dizer,
com a necessidade de uma solução política na Síria. Mas conclamou a ONU ou o
Conselho de Segurança a aprovarem uma resolução dura contra a Síria e contra seu
governo, se o senhor não continuar a cumprir as exigências do acordo sobre armas
químicas. Disse também que, no que tenha a ver com os EUA, seu governo foi
responsável pelo ataque com armas químicas contra civis.
Presidente
Assad: O
discurso de ontem foi mais do mesmo. Cheio de frases, de invencionices e
mentiras. Em geral, praticamente nenhuma das declarações feitas por funcionários
do governo dos EUA, agora ou em governos anteriores, tem ou algum dia teve
qualquer credibilidade. São declarações praticamente iguais umas às outras,
repetitivas, a tal ponto que nós já nem consideramos necessário comentá-las.
Desde
o início da crise síria, a política dos EUA, sabendo eles o que diziam, ou sem
saber, sempre foi baseada em mentiras. Acho que eles sempre sabem que estão
mentindo, as mentiras sempre vão aumentando de intensidade. O governo dos EUA
teve papel central na fabricação dessas mentiras, depois que se levantou a
questão das armas químicas dia 21 de agosto. O governo dos EUA não apresentou
qualquer prova do que diz, de onde se pode concluir com segurança que eles
mentem ao povo dos EUA. Desde o primeiro momento exigimos que apresentassem
provas das acusações. Nunca apareceram. Quando se viu que não haviam conseguido
enganar o povo norte-americano, ficaram na posição de não poderem eles mesmos se
desmentir, e tiveram de se mostrar ainda mais violentos.
Sobre
o que eles têm dito, sobre invocar o Cap. 7º, não nos diz repeito aos sírios. Em
primeiro lugar, porque, desde a independência, é sabido que a Síria sempre
cumpriu todos os acordos que algum dia assinou. Em segundo lugar, há hoje
equilíbrio dentro do Conselho de Segurança, que impede que os EUA – como sempre
acontecera antes, no passado – usem o Conselho de Segurança como instrumento
para fazer avançar suas agendas especiais, inclusive derrubar governos e
destruir estados, como se viu acontecer nos anos 1990s. Como já disse, as
acusações que os EUA fazem são completa mentira, não têm sentido algum, nem têm
qualquer fundamento realista ou lógico.
“As
ações dos EUA – guerras e intervenções – contradizem completamente os próprios
interesses deles”
TeleSUR: Voltando
ao discurso do presidente Obama, vimos que foi fala confusa, de quem não sabia o
que queria. Às vezes, fala sobre usar a força; na sequência, fala de solução
política. Diz que a agressão israelense à Síria é para defender interesses dos
EUA na região. Quais são os interesses dos EUA na região? O que os EUA querem
obter na Síria? Considerando o que está acontecendo no Conselho de Segurança
sobre a Síria, o senhor pode descartar completamente a possibilidade de um
ataque dos EUA contra a Síria?
Presidente
Assad: Sobre
a contradição que o senhor mencionou, essa contradição é como a marca registrada
de tudo o que todos os funcionários do governo dos EUA sempre dizem, seja o
presidente, o secretário de Estado, qualquer funcionário do governo dos EUA.
Dizem, por exemplo, que as capacidades militares da Síria não preocupam o
exército dos EUA, no caso de decidirem atacar militarmente o nosso país. Mas, ao
mesmo tempo, dizem que a Síria seria ameaça à segurança nacional dos EUA. É só
mais um exemplo das muitas contradições, que nunca faltam no que os EUA dizem.
Quanto
à possibilidade de uma agressão norte-americana, sim, existe. Se o senhor
analisa as guerras que os EUA sempre fizeram e as políticas dos EUA – pelo menos
desde o início dos anos 1950s, começando na guerra contra a Coreia, depois
contra o Vietnã, no Líbano, Somália, Afeganistão e Iraque. Essa é a única
política norte-americana. E não se pode esquecer a política dos EUA para a
América do Sul, onde fomentaram vários golpes de Estado e causaram a morte de
milhões; dezenas de governos foram derrubados na América Latina, por ação e como
efeito da política norte-americana. Essa foi, durante décadas, a única política
dos EUA, e continua a ser, ainda hoje – inalterada. E dificilmente mudará, me
parece, se se considera a atual situação interna nos EUA. Assim sendo, a
possibilidade de uma agressão norte-americana ao nosso país está sempre
presente. Agora, o pretexto é as armas químicas. Da próxima vez, será alguma
outra coisa.
O
elemento mais importante disso tudo é que, por décadas, os EUA controlaram
completamente o Conselho de Segurança, controlaram as interpretações da Carta da
ONU, mandaram e desmandaram sobre a soberania de outros estados, e mandaram e
desmandaram sobre todos os códigos humanos e morais. Por tudo isso, todos, no
mundo, talvez tenhamos de nos manter sempre alertas contra a possibilidade de
uma agressão norte-americana. É o que estamos fazendo hoje na Síria. Se há
possibilidade de os EUA agredirem a Síria? Talvez não agora, já. Mas ninguém
sabe quando poderá acontecer. É sempre uma possibilidade, que não se pode
descartar completamente.
Quanto
aos interesses dos EUA, entendo que, há décadas, as ações dos EUA, que atuam por
guerras, golpes e intervenções, contradizem completamente os interesses dos EUA.
Os EUA são uma superpotência e, como tal, têm interesses políticos, econômicos,
militares e outros. Todos esses interesses podem ser bem servidos e preservados
mediante respeito mútuo, boas relações internacionais, confiança, credibilidade
e promoção da ciência, da educação, do conhecimento. Muito mais eficazmente que
mediante o estímulo ao terrorismo e a disseminação de morte, destruição e medo.
É claro que, como superpotência, os EUA têm seus interesses a defender. Todas as
grandes potências têm interesses em todo o mundo, mas para defender e promover
esses interesses é indispensável, antes de tudo, alcançar a estabilidade em todo
o mundo. Ninguém defende ou promove os próprios interesses em região instável,
tomada por guerras e terrorismo.
Assim,
em resumo, sim, os EUA têm interesses. Mas tudo que os EUA fazem hoje e todas as
suas políticas em todo o mundo, contradizem os próprios interesses deles, dos
EUA e, também, os interesses do povo norte-americano.
“A
violência destrói qualquer possibilidade de ação política”
TeleSUR: Como
Sua Excelência disse, o discurso do presidente dos EUA repete o mesmo grau de
contradições que caracteriza o império norte-americano. Ontem, ele falou de uma
solução política e pacífica para a crise síria; mas deixou a porta aberta para a
possibilidade de o senhor renunciar. Obama disse literalmente que é chegada a
hora de Rússia e Irã saberem que a permanência do presidente Assad no poder
implicaria dar mais espaço para grupos extremistas, para que ampliem suas
atividades. O que o senhor pensa do que Obama disse? O senhor considera a
possibilidade de renunciar?
Presidente
Assad: Sobre
a primeira parte de sua pergunta: aí está mais um exemplo das contradições
norte-americanas; é como dizerem que buscamos guerra e paz, simultaneamente, na
mesma questão; e que usamos um único mapa do caminho para resolver o problema.
Essa lógica significa promover a violência no mundo e legitimar a violência como
meio para alcançar alguma solução política. Não faz sentido algum. Nada há de
comum entre o uso da violência e a ação política. A violência destrói qualquer
possibilidade de ação política. Nós rejeitamos essa lógica, que os EUA têm
tentado promover, tentando criar uma justificativa para a agressão contra a
Síria.
Quanto
à questão de eu renunciar, os norte-americanos – e alguns de seus aliados
europeus – já falam disso há quase um ano. Nada tem a ver conosco, e por uma
razão bem simples: a Síria já é país independente há gerações. Há mais de 50
anos os EUA não derrubam presidente sírio e não conseguiram impor aqui algum
governo militar.
Evidentemente,
os EUA não podem presumir que, agora, teriam algum direito de decidir, em nome
do povo sírio, quem governa e quem renuncia. Essa questão cabe, 100%, ao povo
sírio. Nem países amigos teriam voz nessa questão. Só o povo sírio se manifesta
sobre isso, e nas urnas. Se o povo sírio não quiser um governante, ele não
governa. Se o povo sírio quiser, ele governa. E absolutamente não importa o que
os EUA digam ou façam quanto a isso. Não há papel algum, nesse processo, para os
EUA. Por isso, precisamente, essas declarações não significam absolutamente
nada, no que nos diga respeito.
“O
mundo melhora, sem a interferência dos EUA”
TeleSUR: Para
concluir a discussão sobre Obama. Ele disse que “o mundo é melhor, hoje, graças
aos EUA”. O senhor acha que o mundo é melhor graças aos EUA?
Presidente
Assad: Basta
considerar os fatos. O Iraque melhorou, com a presença dos EUA? O Afeganistão é
melhor hoje, do que antes? A situação na Líbia é melhor hoje, do que antes? E na
Tunísia? E na Síria? Onde, em que país, a situação é hoje melhor do que antes da
interferência norte-americana? O Vietnã melhorou mais e mais rapidamente quando
os EUA intervieram, ou depois que saíram de lá, quando o país tornou-se
independente e pôde desenvolver-se como decidiu fazê-lo? E a América do Sul:
vive melhor hoje, ou quando os EUA viviam a intervir lá?
A
verdade é que o mundo melhora sempre que os EUA param de intervir – não queremos
que os EUA nos ajudem, ninguém quer. Ontem, ele [Obama] disse que “nós não
podemos resolver os problemas de todo o mundo”. Ora! Eu digo que é melhor que os
EUA nem tentem, mesmo, resolver os problemas do mundo. Em todos os pontos onde
os EUA tentaram resolver algum problema local, a situação sempre andou de mal,
para pior. O que desejamos dos EUA é que não interfiram nos assuntos de outros
países. Se fizerem isso, então, sim, o mundo com certeza começará a melhorar.
Contudo,
se o que ele quis dizer foi que a disseminação do terrorismo pelo mundo
significaria ‘mundo melhor’, só confirma o que alguns norte-americanos já dizem,
na imprensa dos EUA: que a política de Obama baseia-se em apoiar o extremismo e
o terrorismo. Se o que ele quis dizer foi que o mundo é melhor, hoje, porque os
EUA espalharam o terror e os terroristas por todo o planeta, nesse caso, sim,
acertou.
“A
posição iraniana em relação à crise síria é muito objetiva”
TeleSUR: O
senhor viu alguma novidade na nova posição de Obama em relação ao presidente
Rohani, quando Obama citou-o (o presidente Rohani disse que não há solução
militar para a Síria e que as armas químicas foram entregues por países
ocidentais aos grupos armados que lutam na Síria)? E como o senhor vê a posição
do presidente Rohani, quando exige o fim do financiamento e do fornecimento de
armas para a oposição síria?
Presidente
Assad: A
posição iraniana em relação à crise síria é muito objetiva, porque eles conhecem
a realidade do que está acontecendo na Síria. Ao mesmo tempo, os iranianos
também compreendem que aqui vivemos numa região entrelaçada e que,
consequentemente, se há fogo na Síria, sem dúvida se espalhará para países
vizinhos e, na sequência, também para países mais distantes, inclusive o
Irã.
As
políticas iranianas baseiam-se nesses fundamentos e, também, na convicção de que
o povo sírio tem o direito de resolver os próprios problemas.
Quanto
ao que os norte-americanos digam sobre a posição iraniana: primeiro, como já
disse, independente de se as declarações dos norte-americanos sejam positivas ou
negativas, digam o que disserem, se elogiam, criticam, condenam ou denunciam –
absolutamente ninguém acredita no que os norte-americanos dizem. Nessa linha, os
iranianos não são ingênuos e não se deixam enganar pela posição dos EUA; a
experiência do Irã é semelhante à experiência da Síria, com vários sucessivos
governos dos EUA, pelo menos, com certeza, desde a Revolução Islâmica no Irã.
Por isso, o que nos interessa não é o que os norte-americanos digam; importante,
para nós, é o cerne da política iraniana para a Síria. E reforço, mais uma vez,
que no cerne, a política iraniana é objetiva e já teríamos alcançado a
estabilidade de nossa região, se os diferentes partidos sírios estivessem
pensando como o Irã pensa.
TeleSUR: Realmente,
nas declarações dos iranianos na ONU havia uma proposta sobre relações Irã e
EUA, de uma reunião entre o presidente do Irã e o governo dos EUA. Eles não se
encontram há muito tempo. Como o senhor vê essa aproximação? Os EUA estão
realmente engajando o Irã, ou é só mais uma tentativa para afastar também esses
amigos da Síria? Ou será que a nova posição é outro meio para dizer que os EUA
não têm escolha, se não a negociação, em vez de usar armas para proteger seus
interesses?
Presidente
Assad: Em
primeiro lugar, infelizmente nem os mais íntimos aliados dos EUA confiam nos
EUA; assim, a aproximação Irã-EUA não implica que o Irã confie nos EUA. Nossas
relações com os EUA passaram por diferentes fases, de altos e baixos, mas em
nenhuma dessas fases foi relação de confiança. Mas, na política, é preciso
tentar todos os meios e métodos, e é preciso bater em todas as portas para
reduzir as tensões no mundo. Assim, o diálogo e a comunicação são indispensáveis
nas relações entre estados. Acreditamos que a aproximação entre Irã e os EUA,
seja para discutir o programa nuclear iraniano ou qualquer outro tema, é
positiva e benéfica para a região, se os EUA tiverem desejo real e genuíno de
negociar em termos de respeito mútuo com o Irã; sem interferir em seus assuntos
internos; e não para impedir o Irã de adquirir tecnologia nuclear.
Por
outro lado, não consigo imaginar que os EUA tenham abandonado a ideia de
recorrer à força militar. Acho que a verdade é o contrário disso: quando os EUA
viram que tinham concorrentes na arena internacional – ou, digamos, parceiros,
se não concorrentes, como outras grandes potências emergentes no mundo –, os EUA
começaram a recorrer mais ao princípio da força, apesar de o governo que há hoje
nos EUA ter sido eleito como rejeição contra a doutrina Bush do emprego de força
bélica. Agora, o que se vê é um governo que retoma a mesma doutrina. Acho que os
EUA estão tentando cooptar a posição iraniana, como tentaram cooptar os sírios
há alguns anos. Mas os iranianos conhecem muito bem e estão muito conscientes
desse jogo.
TeleSUR: Senhor
presidente, voltando à Síria e à questão das armas químicas. Quais são as
garantias reais que seu governo oferece de que a lista que o senhor entregou de
seus arsenais químicos é realmente representativa das armas que o senhor possui?
E que garantias o seu governo dá aos inspetores da ONU, para que possam fazer o
trabalho deles, inspecionar locais e pôr as armas químicas sob controle
internacional?
Presidente
Assad: Nessa
questão, nosso relacionamento será com a Organização para a Proibição de Armas
Químicas [orig. Organisation for the
Prohibition of Chemical Weapons (OPCW)]. A Síria não tem de dar garantias ao
mundo ou à OPCW. Cabe-nos
trabalhar conforme alguns mecanismos específicos, aceitar alguns mecanismos
específicos estipulados na convenção das armas químicas. Como eu já disse, a
Síria cumpre sempre todos os acordos que assina.
A
Síria já enviou, recentemente, todos os dados que a OPCW requisitou. Em breve, especialistas
daOPCW virão à Síria para
familiarizar-se com o status dessas armas. Como governo, não vemos nenhuma
dificuldade. Mas, sempre há a possibilidade de que os terroristas tentem impedir
o trabalho dos inspetores, para impedi-los de alcançar os locais que lhes
indicamos, ou por motivos específicos dos próprios terroristas, ou porque ele
agem sob comando dos estados que os apoiam e financiam. Seja como for,
trabalhamos com a hipótese de que o objetivo dos grupos terroristas sempre é
culpar o governo sírio, dizer que não estaríamos cooperando com os inspetores.
Mas, no que nos diga respeito, como governo, não vemos problema algum em aceitar
os mecanismos previstos nos acordos de que somos signatários.
“Quem
convidou os inspetores para que viessem à Síria, em março passado, foi o governo
sírio”
TeleSUR: Os
inspetores internacionais voltarão a Damasco hoje para identificar outros locais
onde se alega que teriam sido usadas armas químicas, além do incidente de 21 de
agosto. Que garantias o seu governo oferece de que os inspetores trabalharão
livremente e com independência?
Presidente
Assad: Esse
grupo não veio à Síria por iniciativa da ONU ou de algum outro país. Vieram
porque foram convidados por nós, pelo governo sírio, em março passado, quando os
terroristas usaram gases tóxicos num subúrbio de Aleppo, ao norte. A verdade é
que os EUA criaram obstáculos à vinda deles. Nós, o governo sírio, os convidamos
a vir, porque tínhamos interesse em determinar a verdade sobre o uso de agentes
químicos na Síria. Por que os convidaríamos, para, em seguida, criar obstáculos
ao trabalho deles? Não faz sentido. Nós não fizemos isso.
De
fato, quando aquela primeira missão deixou a Síria há algumas semanas, queríamos
que ficassem e completassem a inspeção também na outra área onde foram usadas
armas químicas. Os EUA é que insistiram em que saíssem daqui antes de completar
o trabalho. Agora, estão de volta. O governo sírio apoia a missão e o trabalho
dos inspetores. Como já disse, não há obstáculo algum ao trabalho dos
inspetores, se não quando os terroristas impedem que a missão trabalhe, o que
acontece, especialmente, em locais onde ainda há grande número de terroristas.
TeleSUR: Apesar
de alegações de que o governo sírio teria usado armas químicas, o governo russo
entregou à ONU provas de que as armas químicas foram usadas por grupos de
milicianos armados. Que provas o senhor tem? E o que estão fazendo os governos
russo e sírio para provar que foram as milícias, não o governo sírio, que usaram
armas químicas?
Presidente
Assad: É
claro que temos provas e indícios. Quanto às provas, quando os terroristas
usaram gases tóxicos em Khan al-Assal, recolhemos amostras de solo, de sangue
das vítimas e também fragmentos dos projéteis usados para lançar o material
tóxico naquela área. Mais adiante, durante operações realizadas pelo Exército
Sírio, descobrimos vários arsenais secretos, onde foram localizados diferentes
tipos de dispositivos carregados com agentes químicos – em alguns casos,
materiais tóxicos e instrumentos necessários para produzi-los. Entregamos as
provas ao governo russo, antes da chegada da missão da ONU à Síria. Temos também
confissões de terroristas que trouxeram alguns agentes químicos de países
vizinhos. As confissões foram divulgadas por televisão, há cerca de uma semana.
Por
que o governo sírio não usou aquelas armas? Em primeiro lugar, as forças sírias
estavam avançando: não usaram armas químicas há um ano, quando os terroristas
estavam ainda fortes; por que as usaríamos agora? As forças sírias não usaram
armas químicas em áreas remotas, onde há número muito maior de terroristas que
nos subúrbios de Damasco; por que usariam aqui? Não se podem usar esses
materiais em áreas residenciais, onde haveria dezenas de milhares, não centenas,
ou mesmo milhares, de vítimas. Não se podem usar armas químicas, se seus
próprios soldados estão em áreas próximas, porque os soldados também seriam
atingidos. Por tudo isso, por critérios lógicos, práticos, militares, o exército
sírio não usou nem usaria armas químicas naquelas circunstâncias.
Em
todos os casos, se há crime, a primeira questão a esclarecer é quem se
beneficiaria do crime. Na questão das armas químicas, é evidente que os
terroristas teriam interesse naquele crime, sobretudo quando as acusações
coincidem com o trabalho de uma comissão de inspetores que trabalhava na Síria.
Que sentido há em supor que o governo sírio convocaria uma missão de inspetores,
se tivesse usado armas químicas? Não é razoável, não faz sentido algum, não tem
lógica. Todos os sinais e provas mostram que o governo sírio não usou armas
químicas; e todas as provas materiais demonstram que os terroristas, sim, usaram
armas químicas em área próxima de Damasco.
TeleSUR: Nesse
contexto, qual o papel da Arábia Saudita e do Qatar, de distribuir armas
químicas, dentro da Síria, a grupos armados?
Presidente
Assad: É
preciso deixar bem claro que nós não temos provas de que esses países tenham
passado armas químicas a esses grupos. Mas é bem sabido que esses países há
muito tempo apoiam os terroristas, desde o início da crise na Síria. Sabe-se
também que fornecem todos os tipos de armas sofisticadas; não há dúvidas sobre
isso, e isso está bem documentado. Por isso, cabe suspeitar – se esses países
apoiam abertamente, publicamente, os grupos terroristas, e se lhes fornecem
todos os tipos de armamento, a suspeita não é infundada – que, sim, que sejam
acusados, especialmente a Arábia Saudita, de fornecer também armas químicas aos
terroristas, para serem usadas contra o Exército Sírio.
Ainda
mais, se se pensa que aqueles grupos terroristas, naquele momento, não estavam
conseguindo exibir qualquer sucesso militar aos seus patrões fora da Síria.
Claro que conseguiram promover grande destruição na Síria. Destruíram a
infraestrutura, conseguiram afetar a economia síria e afetaram de modo muito
negativo a vida da população civil na Síria. Ninguém duvida de que os grupos
terroristas causaram sofrimento terrível. Mas me refiro aqui a sucesso militar,
em campo. Nesse quesito, os terroristas fracassaram miseravelmente. Faz sentido
que tenham recorrido a outro tipo de arma. Com armas químicas em maior escala,
ele poderiam esperar derrotar o Exército Sírio ou fazer pressão política na
direção de algum acordo que levasse à intervenção estrangeira; e os EUA e seus
aliados teriam encontrado um modo para atacar militarmente a Síria, e contra o
Exército Sírio. Essa via, é claro, é o cenário mais provável.
“Israel
é estado agressor. Foi criado sobre o expansionismo.”
TeleSUR: Há
um tabuleiro de xadrez por baixo da mesa. Sabe-se que há acordos feitos por
baixo da mesa, que alguém move as peças, por baixo da mesa. E esse alguém é
Israel. Israel tem um papel em tudo que está acontecendo na Síria. Por que tanto
se fala de armas químicas na Síria e de armas nucleares no Irã, mas ninguém fala
das armas nucleares israelenses?
Presidente
Assad: Israel
é estado agressor. Foi criado sobre o expansionismo. Ocupa terra de outros povos
e mata quem vive nas terras ocupadas. Em seis décadas, Israel já matou número
incalculável de palestinos. Já matou libaneses, egípcios, sírios e outros,
servindo-se de operações de assassinato, bombardeios, terrorismo e outros
métodos. Hoje, Israel faz o que sempre fez, está no mesmo papel, apoiando
terroristas diretamente, nas áreas adjacentes do front sírio, perto do Golan
ocupado. Ali Israel fornece apoio logístico, assistência médica, além de
informação, armas e munições aos grupos terroristas.
TeleSUR: Há
também notícias de que Israel tem interesses no petróleo em algumas áreas da
Síria?
Presidente
Assad: Há
notícias. Fala-se sobretudo do petróleo da costa leste do Mediterrâneo. Mas são
só análises, e não temos informação concreta sobre isso. Quanto às armas
nucleares israelenses, como o senhor disse, ninguém fala delas porque Israel, o
estado agressor, o estado bandido, recebe integral apoio dos EUA em todas as
suas políticas. Israel tem cobertura para todos os seus crimes. Enquanto
perdurar esse processo de garantir cobertura aos crimes de Israel, nos EUA, no
Conselho de Segurança e na ONU, nas organizações internacionais, inclusive na
Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), ninguém se surpreenda ante o
fato de que se pode discutir qualquer arma, em qualquer lugar do mundo, exceto
as armas de Israel. É a lógica que ainda prevalece no mundo, a lógica
hegemonista, do colonialismo, a lógica da violência e da força.
“O
diálogo entre os sírios acontecerá, entre todos os partidos sírios, entre todos
os sírios sobre o futuro da Síria”
TeleSUR: Senhor
presidente, enquanto eles buscam uma solução política para a Síria no plano
internacional, o que o senhor está fazendo dentro da Síria, para reduzir a
tensão? Há tentativas para engajar os diferentes partidos na Síria? Há esperança
de uma solução interna na Síria, que leve à Conferência de Genebra?
Presidente
Assad: Não
importa o quanto seja intensa a ação terrorista, e por mais difícil que seja a
situação, temos de insistir na ação política para resolver esse e qualquer
problema. Acreditamos nisso e insistimos nisso desde o começo, apesar da recente
escalada dos atos terroristas. A ação política exige, em primeiro lugar, pôr fim
ao contrabando de armas para os terroristas, vindas de países vizinhos; e pôr
fim ao apoio aos grupos terroristas, que ainda recebem armas, dinheiro e apoio
logístico para viabilizar suas operações de terrorismo.
Ao
mesmo tempo, é inevitável o diálogo entre os sírios, entre todos os partidos
sírios, sobre o futuro do país. Esse diálogo deve começar por decidir que
sistema político os sírios desejam ter; em seguida, consequentemente, vem a
questão das leis e regulações que brotam desse sistema. Há muitos outros
elementos e detalhes: quando os sírios, na mesa de negociações, chegarem a uma
determinada conclusão, essa conclusão terá de ser apresentada à população, que
se manifestará num referendo popular.
A
conferência de Genebra é ideia importante, e nos dá uma oportunidade de diálogo
entre os diferentes partidos sírios. Claro, não se considera a participação de
grupos terroristas, que mataram e ainda matam. Nem aceitamos que o diálogo seja
conduzido com entidades que clamaram pela intervenção externa. Por lei e
considerando o sentimento popular na Síria, os que clamaram por intervenção
externa são traidores e não serão aceitos por ninguém, em nenhuma negociação.
Pelo
próprio princípio, a conferência de Genebra é passo importante e necessário para
preparar o caminho para o diálogo entre os eleitores sírios. Mas a conferência
de Genebra não pode substituir o diálogo interno sírio; nem, com certeza,
substitui as eleições e o referendo. Essas são as linhas gerais do que pensamos
sobre ação política para superar a crise síria. Esses elementos nada significam
e não levarão a resultados reais, em campo, se não for suspenso o apoio ao
terrorismo.
TeleSUR: O
senhor tem repetido que não negociará com grupos armados e terroristas em
Genebra. Quais são os partidos com os quais o senhor negociará? Como se pode
alcançar esse diálogo no plano internacional, e qual o cronograma para alcançar
uma solução política para a crise síria?
“Os
partidos fora da Síria não falam pelo povo sírio”
Presidente
Assad: Posso
responder a parte da pergunta relativa aos partidos dentro da Síria, que
representam o eleitorado sírio. Há diferentes tipos de partidos – partidos de
oposição, de centro e partidos de apoio ao governo. Sobre os partidos fora da
Síria, para saber o que pensam, seria preciso interrogar os estados que os
apoiam, porque aqueles estados – EUA, França, Grã-Bretanha, Arábia Saudita,
Qatar e outros – reuniram indivíduos que não representam o povo sírio. Se
aqueles estados os mandarem ir a Genebra, eles vão; é gente que diz e faz o que
é mandada dizer e fazer. Para saber o que esses grupos pensam ou farão, seria
preciso consultar aqueles estados e perguntar se mandarão ou não os seus
prepostos a Genebra. Nem o povo sírio nem o governo sírio os mandaremos fazer ou
dizer coisa alguma e eles não nos representam, nem em Genebra nem em lugar
algum.
Por
isso eu falo em diálogo: falo de engajar os vários partidos e grupos de oposição
que há na Síria, e outros movimentos e formadores de opinião ativos na Síria,
que não são, todos, de oposição.
“Somos
todos, a Síria e a América Latina, parte do mundo em
desenvolvimento”
TeleSUR: Não
posso encerrar essa entrevista sem falar do presidente Hugo Chávez, que visitou
a Síria e foi com o senhor a Maaloula, cidade que há alguns dias foi atacada por
terroristas.
Quando
esteve em Maaloula, o presidente Chávez disse que “Nada de humano ou de
humanitário poderá jamais ser usado para justificar um ataque ou alguma agressão
contra a Síria. Como poderíamos não apoiar o governo sírio? Como poderíamos não
apoiar o governo do presidente Bashar al-Assad? Como é possível que outros
estados apoiem grupos armados contra a Síria?”
O
senhor poderia, por favor, falar de suas lembranças daquela visita do presidente
Chávez à Síria? O que pensa da posição da Venezuela e dos países da ALBA, na
defesa da liberdade e na defesa da Síria e na defesa dos direitos do povo sírio?
Presidente
Assad: Sempre
dissemos que o mundo em desenvolvimento, do qual fazem parte os nossos dois
países, avança por várias etapas na busca da independência. A primeira etapa foi
a evacuação de forças estrangeiras que ocupavam nossos países, pela qual muitos
países alcançaram a independência. O segundo estágio, mais importante, é a
independência para tomar decisões independentes no campo político, econômico e
militar – a independência para a tomada nacional de decisões, digamos assim. Foi
o que a América Latina e a América Central alcançaram nas duas últimas décadas.
Há dois símbolos dessa independência: o presidente Castro, há 50 anos; e o
presidente Chávez. Ao recordar o presidente Chávez lembro dessa segunda etapa,
porque os trabalhos que temos pela frente na nossa região, o Oriente Médio, é
similar aos que vocês enfrentaram antes, na América Latina.
Depois
que vocês alcançaram a independência para a tomada nacional de decisões, a
situação na América do Sul e, mesmo, na América Central, melhorou muito e a
estabilidade política trouxe com ela benefícios econômicos para toda a
população. Quando vocês começaram o processo de desenvolvimento econômico
regional, alguns países emergiram como potências industriais importantes.
Pode-se dizer que esse é um dos efeitos naturais da independência. Até hoje, na
região árabe, mal conseguimos uma mínima independência política para tomar
decisões nacionais, e só em pequeno número de países.
O
conflito com o ocidente que vivemos hoje é, em parte, relacionado, em outras
palavras, a alcançar independência para a tomada nacional de decisões. Entendo
que o presidente Chávez da Venezuela e, antes dele, o presidente Castro, em
Cuba, são importantes modelos a serem seguidos na estrada em direção à
independência e à liberdade que tanto buscam as nações que ainda lutam para
livrar-se do jugo ocidental, que nos chega sob a forma de longas décadas de
colonização direta e, hoje, sob a forma de colonização indireta.
Há
semelhanças de temperamento, nas emoções e no afeto que liga os cidadãos na
mesma nação e entre o seu país e o nosso. Nossa história também tem semelhanças.
E há outros presidentes, além do presidente Castro e do presidente Chávez que
seguem, hoje, a mesma linha do presidente Chávez.
Mas
quero fazer também uma referência especial ao meu amigo e companheiro, o
presidente Maduro, que conheci em inúmeras reuniões e conversas quando eu
visitei a Venezuela e nas várias visitas que ele fez à Síria. Muito nos alegrou
que o povo venezuelano tenha escolhido esse homem para representá-lo e persistir
na linha assumida pelo presidente Chávez. Maduro é governante resistente, com
clara compreensão sobre a nossa região; tenho certeza de que continuará a guiar
a Venezuela na trilha da independência. Todos nós sabemos que os EUA e alguns de
seus aliados tinham grandes esperanças de que a Venezuela voltasse ao regaço dos
EUA, na ausência do presidente Chávez. Com a eleição do presidente Maduro,
aqueles sonhos evaporaram. Entendo que, como estados árabes, nós devemos seguir
o rumo que a América Latina escolheu, se queremos deixar nossa marca no mundo,
independentes e avançados.
“A
Síria está defendendo o futuro dos nossos filhos e o futuro de toda a
região”
TeleSUR: Muito
obrigado, senhor presidente, por suas palavras. E dê-nos mais uma mensagem para
a América Latina: a Síria persistirá na resistência? A Síria vencerá?
Presidente
Assad: Se
tivéssemos outra escolha, além de resistir, eu lhe diria, mas não temos. Nossa
única possibilidade é resistir, porque o futuro político dessa região é atado ao
que está acontecendo na Síria. Não estamos defendendo só a Síria, nem estamos
defendendo só nossos interesses e nossos princípios. Estamos defendendo o futuro
de nossos filhos e o futuro de toda essa região – e essa região é o coração do
mundo.
Um
Oriente Médio instável compromete a estabilidade de todo o mundo, até das partes
mais remotas do mundo. Já nem se pode falar em regiões ‘distantes’, como a
América Latina, a América do Norte ou o leste da Ásia. O mundo hoje é uma
pequena vila, e o que está acontecendo na Síria afetará toda a região e afetará
também as partes mais remotas do mundo. Nem preciso dizer que desejamos que os
povos da América Latina apoiem nossas causas, porque eles sempre apoiaram as
causas árabes com tanto empenho, calor e objetividade quanto os povos daqui, que
estão inseridos nas causas árabes. Esperamos poder aprofundar as relações entre
nossos povos, para assim ampliarmos o espaço de independência e reduzirmos o
espaço da colonização representado pelo ocidente e, em particular, pelos EUA.
TeleSUR: Muito
obrigado, senhor presidente. Essa é uma entrevista especial com Sua Excelência,
presidente Bashar al-Assad, em Damasco, Síria. Obrigado aos amigos da TeleSUR e
na América Latina, pela audiência. O objetivo da TeleSUR é aproximar os
povos.
Presidente
Assad:
Obrigado.
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