3/9/2013, [*] MK Bhadrakumar, Indian Punchline
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Recrutas de uma organização
paramilitar da Região Autônoma de Xinjiang, China
fazem exercício de marcha
|
A
China vê a questão síria como desafio ou como oportunidade? O Wall
Street Journal, numa análise curiosa, escreve que a China, hoje,
estaria, de fato, num “dilema”. Mudança de regime deixaria nervosos os
governantes chineses, e isso teria a ver em parte com a “falta de legitimidade”
do sistema chinês; o torvelinho no Oriente Médio destacaria a “realidade” de que
os EUA seriam a única superpotência; e de que a China ainda terá de percorrer
longo caminho para alcançá-los. Mas a China tem interesses econômicos crescentes
no Oriente Médio, dentre os quais a segurança energética, altamente estratégica,
e isso, por sua vez, forçaria a China a escolhas existenciais. Isso, em resumo,
é o que pensa o Wall Street Journal.
Para
o WSJ, esse dilema agudo teria deixado Pequim “sem saída” na Líbia, e
pensando em recolher qualquer benefício possível, teria jogado a China para o
lado da Rússia, na questão síria. Há nuances. O ministério de Relações
Exteriores da China “registrou” as provas que os EUA “exibiram” de que o regime
de Assad usara armas químicas, mas não as “avaliou”; e a imprensa oficial
chinesa continuaria a criticar qualquer recurso à opção militar, pelos EUA.
O que
tudo isso indicaria? O Wall Street Journal conclui:
A China é
hoje suficiente poderosa para que os EUA deem alguma atenção às suas
preocupações [sobre a
Síria] – mas ainda não tem poder
suficiente para afetar o resultado.
A
verdade é que a China tem-se mantido deliberadamente afastada das grandes
discussões sobre o Oriente Médio – observando atentamente, mas sem se envolver,
diligentemente cuidando dos próprios interesses e sem se deixar desviar do
próprio caminho.
Mas
pretender, como faz o WSJ que a China temeria alguma primavera árabe, ou
alguma “revolução colorida” não faz sentido algum. Nem os EUA ou seus aliados
cogitam arriscar-se a tentar alguma “mudança de regime” como fazem no Oriente
Médio, na China. Dito de outro modo: a “legitimidade” da China é questão
completamente diferente; tem de ser tratada em outros termos e será.
Mas
há outro modo de considerar as coisas: quem está do lado certo da história no
Oriente Médio – a China ou os EUA? Os EUA não se cansam de gritar freneticamente
que seriam eles. A China está calada.
O
que Pequim realmente pensa sobre tudo isso é que os EUA insistem, futilmente, num
caminho errado no Oriente Médio, dado que, como muitos especialistas
norte-americanos também já têm dito, “há muitas coisas que ultrapassam em muito
a força militar dos EUA”.
Iraque - instalações chinesas de extração de petróleo |
Se se vê em retrospectiva, a China
teve papel passivo em 2003, durante a invasão dos EUA ao Iraque. Hoje, já foi
declarada “vencedora
incontestável da Guerra do Iraque”, porque está comandando o
boom do petróleo naquela área.
A
abertura com que os jornais e especialistas chineses discutem os
desenvolvimentos no Egito mostra que não interessa a Pequim manter perspectiva
unidimensional – como a perspectiva, por exemplo, que a Rússia adota contra a
Fraternidade Muçulmana. Dado que as exatas dimensões e a natureza do papel dos
EUA no golpe de Estado no Egito permanecerão para sempre secretas, não se pode
saber se o governo Obama mentia ou não, quando disse que a junta egípcia deveria
acomodar-se com os Irmãos, para governar. Mas a China sempre foi muito
transparente sobre o papel
legítimo do Islamismo.
Deve-se
creditar à diplomacia chinesa que essa transparência na posição sobre o Egito
não perturbou, nem a Arábia Saudita, nem a junta militar no Cairo. Fato é que a
China está, isso sim, cuidando
dos seus negócios no Cairo, até que com bastante sucesso, apesar de
terrível confusão em que o país se debate.
Quanto
à Síria, o Wall Street Journal não vê que, hoje, os EUA estão isolados
contra a opinião pública mundial; e a China pode alinhar-se confortavelmente ao
lado da maioria do mundo. Bem feitas as contas, não resta alternativa aos EUA do
que, mais dia menos dia, voltar ao Conselho de Segurança da ONU.
Mesmo
depois de resolvida militarmente a questão do Kosovo, até Bill Clinton teve de
voltar ao Conselho de Segurança. Quem, em sã consciência, pode dizer que a China
dá-se por garantida para sempre?
De
fato, em última análise, tudo gira em torno do muito específico conceito de tempo
dos chineses. A China não se surpreende com a evidência de que os EUA,
nação muito jovem, dê excessiva importância e dedique excessivo empenho ao
presente, e que não cuide adequadamente nem do próprio passado, nem do próprio
futuro.
[*] MK Bhadrakumar
foi diplomata de
carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética,
Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e
Turquia. É especialista em questões do Irã,
Afeganistão e Paquistão e escreve
sobre temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as
quais The
Hindu, Asia Times Online e
Indian Punchline. É o filho mais velho
de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de
Kerala.
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