3/9/2013, [*] Andrew
Levine, Counterpunch
Traduzido pelo pessoal da
Vila Vudu
Entreouvido
na Vila Vudu: Artigo
que se desatualizou, porque o autor usou, como “gancho”, o que muitos
interpretaram como “um recuo” de Obama – quando de fato Obama tentava avançar e
arrancar do Congresso uma autorização para guerra total (que por hora não
conseguiu, há esperança de que não consiga, mas isso nem interessa, porque Obama
fará o que Israel e os banqueiros mandarem, o mais que puder obedecer-lhes, com
ou sem autorização de seja lá quem for).
Mesmo
assim o artigo nos parece leitura interessante pela quantidade de informação, pela
qualidade da argumentação e pelo uso inteligente da linguagem.
“Informação”
não é “fato” jornalístico vendido pela imprensa-empresa. Nenhum fato
jornalístico nos interessa. Já se conhecem todos os fatos publicáveis sobre o
ataque dos EUA à Síria. E os fatos decisivos não são “fatos” jornalísticos e
jamais chegarão aos jornais da imprensa-empresa, porque são empresas, muito mais
que imprensa.
Por
isso, absolutamente não se encontra, nos jornais, nenhuma informação relevante
que ajude a entender –
“entender” é diferente de tomar
conhecimento – o que realmente está em disputa na Síria ou à custa da
Síria.
Então,
decidimos traduzir e distribuir esse artigo, apesar dos “fatos” ultrapassados.
Guerra civil na Síria (em cores) Clique na imagem para aumentar |
Sobre
a proposta do presidente Obama, de intervenção de tipo bater-e-correr na Síria,
há, como diria Donald Rumsfeld, “os sabidos já sabidos, as coisas que sabemos.
Há os sabidos não sabidos, o que sabemos hoje que não sabemos. E há os não
sabidos não sabidos, o que não sabemos que não sabemos”.
Para
começar pelos “sabidos já sabidos”, é ou deveria ser claro, de um ponto de vista
“pragmático”, que nada poderia ser mais alucinado do que o que Obama tem mente.
Ao
argumentar a favor de ‘'ensinar modos'’ a Bashar Al-Assad, Obama chora
copiosamente as crianças mortas no subúrbio de Damasco – vítimas supostas do gás
venenoso lançado pelo “regime de Assad”. É sabido bem sabido, sem dúvida
possível, que intervir lá com bombas e mísseis norte-americanos, na mistura
inflamável em que se converteu a Síria, é fórmula garantida para matar mais
crianças. Se há criança síria cuja sobrevivência preocupe realmente Obama,
melhor faria ele se as mandasse brincar no quarto, enquanto os adultos se matam.
Sabemos,
sabido, que o melhor que pode acontecer é que as bombas e mísseis de Obama matem
só pouca gente a mais.
Sabemos
também, sabido, que muito mais provável é que as bombas e mísseis de Obama
forcem a guerra a espalhar-se por toda a região – arrastando Israel e, bem
possivelmente, os Estados do Golfo, incluindo a Arábia Saudita, o que complicará
muito mais as relações com o Irã.
A
guerra na Síria começou como episódio da Primavera Árabe, que prossegue. Mas,
por várias razões, pela resistência do regime de Assad e pela intromissão de
Arábia Saudita, Turquia, Kuwait e Qatar, converteu-se em guerra por procuração
entre estados árabes sunitas no Golfo Persa e o Irã. Sabemos, bem sabido, que as
bombas e mísseis de Obama exacerbarão essa situação já perigosa.
Outro
sabido sabido, que não é muito discutido na nossa imprensa-empresa, embora seja
absolutamente claro, é que, de um ponto de vista moral, as intenções de Obama
não são só obscenas por si mesmas: são obscenas também nos pressupostos.
Como
se admitiria que o mais ativo distribuidor de violência – e terror – do planeta,
se autoapresente como defensor da moralidade pública mundial? É hipocrisia além
da humanamente suportável.
À
vista desses sabidos sabidos – dos quais Obama sabe, como todos sabemos – por
que, mesmo assim, Obama ameaça a Síria?
Martin Dempsey |
É
pergunta cercada do mais denso mistério, sobretudo se se sabe que os militares
norte-americanos claramente prefeririam nada ter a ver com isso. O general
Martin Dempsey, Comandante do Estado-Maior das Forças Conjuntas dos EUA, já
falou, e serviu-se dos argumentos mais claros e mais eloquentes que se poderiam
desejar.
Obama
também disse quase a mesma coisa – e repete, repete, repete, e continua a
repetir mesmo agora, quando já ameaça “chocar e apavorar” o regime sírio até
obrigá-lo a obedecer a lei internacional que regula o uso de armas químicas.
Ter-se-ia
Obama convertido repentinamente aos neoconservadores? Pouco provável, sobretudo
hoje, quando até neoconservadores começam a pensar duas vezes, por causa de
eleições livres, justas e muito competitivas que terão de enfrentar.
Era
mudança que sempre aparecia no topo da lista do que diziam que queriam, enquanto
os EUA destruíam o Oriente Médio. Mas agora estão percebendo que, nos países
cujos governos tanto queriam derrubar, os resultados não são muito
satisfatórios; e não dão sinais de mudança para melhor, tão cedo. As ilusões que
o Partido da Guerra divulgou e promoveu em 2002 e 2003 já não se sustentam em
pé, dez anos depois.
Terá
acontecido de intervencionistas humanitárias nefandas como Susan Rice e Samantha
Powers terem posto sob coleira o laureado Prêmio Nobel da Paz? É possível.
Talvez Obama não se tenha convertido ao neoconservadorismo, só à sua variante
liberal. Mas Obama é líder fraco e indeciso, que não se exporia ao risco de
ofender mentes mais brilhantes que as que ainda comandam o complexo
militar/segurança nacional que governa o Estado nos EUA. E não o faria por
razões tão frouxas como as que aquelas intervencionistas humanitárias obscenas
têm apresentado.
Samantha Powers (E), Susan Rice (C) e Barack Obama (E) |
Talvez
Obama tenha, repentinamente, redescoberto a lei internacional. Assim se
explicaria a insistência em fazer valer a proibição de armas químicas. Mas essa
é a pior explicação dentre todas – não só porque Obama não faz outra coisa além
de violar o espírito e a letra da lei internacional, mas, também, porque as
ações militares que Obama quer autorizar sem mandado do Conselho de Segurança da
ONU são, também, absolutamente ilegais.
Ou
talvez, por inverossímil que pareça, é o contrário, e Obama virou realista;
talvez o preocupe o fato de que o governo sírio vai-se saindo bem demais na sua
guerra, e Obama queira devolver a vantagem, alistando suas tropas do outro lado.
Pouco
provável. À parte a falência moral de uma política que vise a manter a matança,
é sabido bem sabido que a guerra na Síria já é guerra difícil de conter. A
guerra no Líbano começou em 1975 e prosseguiu, com níveis variados de
intensidade – e sem interferência externa – por quase 15 anos. O Líbano foi
devastado, mas quase nem se viram danos além das fronteiras libanesas. Nenhum
observador bem informado supõe que possa acontecer coisa semelhante no caso da
Síria.
Resta
uma última explicação: que Obama tenha chegado à conclusão de que nada é mais
importante que manter a “credibilidade”. É raciocínio frequente também entre
gângsteres, e eufemismo para o que fazem.
Se
um presidente (ou um capo mafioso) é desafiado, os desafiantes tem de
“levar uma lição” – e não importam as consequências. É tema familiar também na
política exterior dos EUA. Explica o prolongamento dos assassinatos e massacres
no Vietnã por mais quatro ou cinco, mesmo depois de já estar absolutamente claro
também para as elites políticas nos EUA que não conseguiriam “vencer” aquela
guerra.
Por ironia, John Kerry entendia
perfeitamente esse ponto – como todos entendiam – quando, na melhor hora de sua
vida, fez-se uma das vozes da nação americana, no evento “Winter Soldier
Investigations” [1] de 1971, e perguntou quantos mais
teriam ainda de morrer em nome do que, na essência, era uma mentira. Hoje, o
secretário de Estado Kerry é o mais empenhado porta-voz do governo dos EUA, para
fazer exatamente o mesmo tipo de coisa contra a qual soube levantar-se naquele
1971. Vídeo a seguir:
Mas,
então, o que teria levado Obama a recuar – pelo menos o tanto que recuou até
agora? Por hora, só podemos especular. Com o tempo, surgirão memórias escritas,
e talvez venhamos a saber. Até lá, só se pode especular sobre não-sabidos
sabidos e divagar sobre quais não sabidos não sabidos haverá por aí.
Mas
há algumas coisas que se pode dizer, mesmo já, com considerável certeza.
O
que Obama planejava fazer era flagrante, absoluta violação da lei internacional
– porque não há aprovação do Conselho de Segurança e, graças à Rússia e talvez a
China, não há chance de que venha a haver. A única outra justificativa legal
para iniciar guerra contra nação soberana é a autodefesa, e só se entende que a
lei se aplique em caso de ameaça de ataque iminente.
Mas
ninguém ainda disse que a Síria prepara-se para atacar os EUA com armas químicas
ou outras quaisquer.
Quando,
durante o esquartejamento da ex-Iugoslávia, o governo Clinton entendeu que seria
oportuno bombardear populações sérvias no Kosovo e em outros locais, inclusive
em Belgrado – ostensivamente por razões “humanitárias”, mas, de fato, para
mostrar aos europeus, principalmente aos alemães, quem era o chefão – os russos
também impediram que o Conselho de Segurança aprovasse o ataque.
Clinton então buscou a legitimação
pela OTAN, onde os EUA mandam e desmandam. Mas até Clinton insistiu que esse
movimento espantoso não deveria ser definido como “um precedente”. [2]
A
equipe campeã dos especialistas em lei do Professor Obama, de Direito
Constitucional, que deu tratos à bola para encontrar justificação legal para
atacar a Síria com bombas e mísseis, parece ter esquecido essa parte do, pode-se
dizer, precedente Kosovo. Também nisso, como em outros aspectos, o governo Obama
é pior, até, que o de Bill Clinton. Vídeo a seguir:
A
preocupação, nos dias de Clinton, era que o bombardeio de Kosovo, se viesse a
constituir precedente legal, poria em risco o conceito de soberania nacional; e
desfaria acordos construídos e vigentes na Europa desde a Paz de Westphalia em
1648, e que haviam sido subsequentemente adotados, desde então, em todo em todo
o planeta – até por países colhidos no auge das lutas anticoloniais e de
libertação nacional.
As
fronteiras de muitos daqueles países, especialmente na África e no Oriente Médio
eram decisões coloniais arbitrárias. A Síria agora, além de Iraque e muitos
outros estados na região, ainda enfrentam as infortunadas consequências do
sistema de estado que as potências coloniais impuseram. Mas ATÉ CLINTON ainda
entendia que, em quase todos os casos, o melhor é não brincar com isso; porque
os perigos que se criam ultrapassam sempre qualquer vantagem possível.
Não
há dúvidas de que Obama sabe bem disso e é capaz de avaliar a importância do
tema e dos feitos. Mas, em sua mentalidade de gângster, a “credibilidade” é mais
importante que tudo; e para justificar o que quer fazer porque-sim, está
disposto a ir a qualquer extremo.
Ainda
assim, o precedente Kosovo pouco significa porque, hoje, nem a OTAN está
interessada em apoiar o gesto de lançar um fósforo aceso na mistura altamente
combustível. No máximo, talvez a França deixe-se arrastar, mas, se se considera
a opinião pública francesa, é cada dia mais improvável.
Só
resta, portanto, um princípio recentemente “descoberto” (inventado) – a
responsabilidade (e o direito) de proteger (R2P) – ideal admirável, mas política
muito perigosa, se adotada por império em declínio, que age sem ter conseguido,
sequer, algum arremedo de legitimidade internacional.
Talvez
Obama tenha outras ideias, lá com seus botões, sobre converter-se em completo,
perfeito, indesculpável fora-da-lei, e sobre pôr abaixo o próprio cerne da ordem
internacional.
Ou
talvez tenha outras ideias sobre violar tão descaradamente a Constituição dos
EUA, usando força militar não apenas sem declaração de guerra, mas também sem
qualquer tipo de autorização do Congresso [vide epígrafe].
De
fato, desde o governo Nixon, se não antes, o Executivo trabalha para usurpar a
autoridade que a Constituição só dá ao Legislativo nos EUA, para decidir sobre
guerra e paz.
Uma
eventual possível derrota de Obama no Congresso, [antes da semana passada, e
antes que os lobbies árabe e sionista e dos grandes bancos tivessem
podido operar dentro do Congresso] teria atrapalhado o teatro encenado em torno
do 50º aniversário da Marcha para Washington, que Obama comemorou (ao lado de
dois outros presidentes Democratas), com discurso que fez, falando do mesmo
ponto, em frente ao Lincoln Memorial, onde King fez seu famoso discurso “Eu
tenho um sonho”. Vídeo a seguir (em inglês):
Alguém
como King, que teve espinha dorsal para atacar Johnson, na questão do Vietnã,
exatamente quando Johnson dava aos pobres e aos negros mais benefícios do que
qualquer outro presidente dos EUA em toda a história, ficaria horrorizado com a
indefensável, vergonhosa, escandalosa belicosidade de Obama.
Em
certo sentido, Obama – que fez menos que nada pelos negros e pobres (além de
“ter chegado lá”) – teria gostado de ver a indignação adversária no rosto de
King. Nem Obama conseguiria inventar uma guerra sem qualquer sentido, se algo
nele ainda se sentisse aliado de Martin Luther King.
Talvez
Obama não queira cancelar o único traço de suas políticas externa e militar que
ainda é, apesar de tudo, visto como melhor que as políticas de Bush.
Diferente
do antecessor, Obama sempre se esforçou para agir multilateralmente – ao ponto
de, como na Líbia, unir-se e decisivamente, mas “liderando pela retaguarda”, às
depredações iniciadas por aliados chaves. Agora, quando os britânicos pularam
fora da canoa, até a falsidade do multilateralismo evaporou-se. Isso, sim, deve
ter levado Obama a concentrar-se ainda mais, lá com seus botões.
É
possível também que Obama e seus conselheiros tenham começado a achar que
alistar-se ao lado dos próprios terroristas islamistas que eles mesmos combatem
por todo o mundo não seria movimento inteligente.
Não
importa. Nada que os botões de Obama lhe sugiram bastou para a decisão de
atacar, até – precisamente, o último minuto (na 6ª-feira à noite, 30/8, conforme
os noticiários), quando Obama recuou. O que mudou naquele
instante?
***
Aqui
é necessário entrar ainda mais na especulação, mas é justo sugerir que três
considerações, pelo menos em parte, pesaram na reflexão de Obama.
Primeiro,
dúvidas sobre a qualidade da inteligência na qual os EUA estão confiando tanto
podem afinal ter penetrado a bolha dentro da qual se movimenta o Líder do Mundo
Livre.
GW Bush (E) e Dick Cheney (D) |
Afinal de contas, verdade seja
dita: há dez anos, quando Bush e Cheney preparavam-se para lançar a guerra deles
contra o Iraque, todo mundo dizia que as provas disponíveis eram “uma
enterrada”. [3] Hoje, não.
Há
alguns indícios que apontam para o governo sírio. Mas há também outra
consideração circunstancial, mas que aponta na direção dos “rebeldes”: o governo
Assad teria tudo a perder se usasse gás venenoso; e os rebeldes teriam tudo a
ganhar se conseguissem convencer o mundo (ou, pelo menos, o governo Obama) de
que Assad usara as tais armas.
Além
do mais, já há fortes evidências de ataques com armas químicas feitos por forças
do lado “rebelde”. E há quem diga também que, se os ataques vieram do lado do
governo Assad, vieram de maus elementos ativos dentro do governo, contra Assad.
Se
se pode dar crédito ao que a imprensa-empresa publica, muitos “sinais” de
inteligência, nesse caso, partiram de Israel e Turquia – países que têm suas
próprias agendas, como Obama e seus conselheiros compreendem muito bem, é claro.
Por
tudo isso, é possível que Obama tenha recuado, porque não quis correr o risco de
descobrir-se na posição em que George Bush descobriu-se, depois que a fraude das
armas de destruição em massa explodiu-lhe na cara.
É verdade, e talvez seja
relevante, que Bush e Cheney providenciaram para que a CIA preparasse as coisas
de modo a que os dois provassem o que queriam provar. Obama não fez nem isso! O
que não significa que não esteja sendo manipulado – se não por Israel ou
Turquia, então por elementos bandidos ativos dentro de seu próprio
establishment nacional-militar-de-segurança & grandes bancos.
[4]
Condoleezza Rice |
Há
outra diferença entre a fábula das armas de destruição em massa de Bush, só
raramente mencionada, mas que, nem por isso, deve permanecer esquecida; e não
ajuda Obama. O governo Bush forjou informações de segurança para justificar que
haveria ameaça grave aos EUA e seus aliados; uma ameaça que poderia surgir de
repente aos olhos do mundo, nas palavras de Condoleezza Rice, como uma nuvem em
forma de cogumelo.
Os
esforços de Obama para usar o mesmo raciocínio – por exemplo, na entrevista que
deu à rede PBS, dia 28/8 – são tão ridículos, que é difícil crer que um homem
inteligente como Obama, tenha realmente pronunciado aquelas palavras.
Fato
é que Obama não tem imaginação suficiente para inventar uma fábula na qual
alguém consiga ver alguma ameaça aos EUA, a partir de armas químicas usadas na
Síria; nem Obama, nem ninguém. Daí que tantos tenham concluído que o que Obama e
os que colaboram com ele dizem nada tem a ver com perigos iminentes que ameacem
os EUA ou seus interesses. E por isso, afinal, tantos já concluíram que se trate
de “dar uma lição” ao governo sírio.
Um
segundo fato que pode ter pesado para o recuo de Obama foi o resultado da
votação no Parlamento britânico, que tirou a Grã-Bretanha dos planos de guerra
de Obama. E não foi golpe contra, apenas, o seu “multilateralismo”: foi golpe
também contra o “relacionamento especial” que se tornou tão crucialmente
importante para os planos imperiais dos EUA depois do Vietnã.
Poderia
o Parlamento Britânico ter lançado sua própria Declaração de Independência, ao
decidir não ir junto? Talvez Obama tenha medo de descobrir.
Finalmente, alguma influência pode
ter tido, também, o fato de que a mais augusta catedral de estudos muçulmanos
sunitas avançados de todo o planeta, a mesquita Al-Azhar no Cairo, a mais alta
autoridade do Islã sunita, TAMBÉM condenou categoricamente os planos de Obama
para atacar a Síria. [5]
Mesquita de Al-Azhar, Cairo-Egito |
A
condenação não caiu bem, para alguém que parece tanto esperar das animosidades
entre sunitas e xiitas, para obter ainda algum apoio, qualquer, apoio, pelo
menos dos muçulmanos religiosos sunitas – para somar-se, é claro, ao apoio que
já recebe do governo sunita da Arábia Saudita e de outros ditadores anti-Irã na
Península Arábica e da (só oficialmente) secular Turquia.
Embora
pouca preocupação lhe causasse a oposição católica, Stálin ganhou fama por
descartar declaradamente a importância da Igreja, ao perguntar, desdenhosamente,
quantos esquadrões o Papa comandava. Depois da condenação que receberam de
Al-Azhar, Obama e seus conselheiros bem podem ter começado a preocupar-se: a
opinião dos clérigos muçulmanos pode vir a comprovar-se muito mais importante e
decisiva que a de Stálin.
***
O Congresso dos EUA só volta das
férias de verão na segunda semana de setembro. Assim, a menos que Obama mude de
opinião sobre esperar pela aprovação do Congresso, o mundo terá alívio de uma
semana e meia [aconteceu, só em parte: Obama encaminhou proposta de autorização
para guerra total, à Comissão de Relações Exteriores do Senado; recebeu, como
resposta, uma contraproposta, para autorização “limitada”; essa contraproposta é
que será votada dia 9/9 próximo [6]].
Talvez
Obama mude de ideia. Na opinião do próprio Obama, segundo relato de gente que
fala com ele, Obama tem autoridade para fazer o que lhe dê na telha; não está
pedindo nada; está só “consultando” o Congresso. O que o Congresso diga ou deixe
de dizer não teria qualquer importância perante a lei.
Câmara dos Deputados dos EUA |
Desnecessário
dizer: Obama erra. Erra o suficiente para que se desconfie do que teria
aprendido em Harvard e ensinou em Chicago. Mas tem razão ao preocupar-se com a
derrota política, uma vez que, pior, nisso, até que David Cameron, Obama ignora
o que pensem ou decidam os representantes (eleitos) do povo.
A
sabedoria convencional, no pé em que está hoje, acha que o presidente
conseguirá. Mas isso a sabedoria convencional achava também na Grã-Bretanha.
Já
há notícias de que o governo Obama jogará a carta “Israel” para puxar votos para
o seu lado. Faz sentido: no Congresso dos EUA, os desejos de Israel atropelam
tudo. Mas talvez, dessa vez, não atropelem.
Dessa
vez, a opinião da elite israelense também está dividida. Automaticamente, a
opinião pró-Israel nos EUA também está dividida. Depois de muito hesitar, o
governo Netanyahu afinal decidiu que quer que os EUA intervenham como aliados
dos ‘'rebeldes". Mas, do ponto de vista de Israel, não está ainda claro se uma
vitória dos ‘'rebeldes'’ ou, mesmo, uma guerra prolongada, mais ajudam, ou mais
atrapalham.
Os
“rebeldes”, afinal, englobam elementos islamistas que nunca deram sinal de
interesse em entender-se com Israel e nunca houve acordo sobre o que Israel
algum dia teria feito a favor deles; e o governo Assad, esse sim, muito ajudou
Israel, mantendo a paz na fronteira norte – até no Golan ocupado.
Claro
que a principal preocupação de Israel nos últimos tempos, depois do Irã, é o
Hezbollah – em boa parte porque Israel vê o Hezbollah como principal aliado do
Irã na vizinhança, mas também porque o Hezbollah já várias vezes combateu Israel
de igual para igual, não poucas vezes, inclusive, com impressionante sucesso, no
passado recente. A intervenção norte-americana pode enfraquecer o Hezbollah; ou
é o que Netanyahu espera. Por outro lado, pode fortalecer muito a imagem e o
apelo popular do Hezbollah. Rapidamente, isso pode vir a ser um pesadelo para o
estado israelense.
A
carta “Israel” é fria. E rapidamente será exposta como tal. Outras frias
surgirão. Mas não importa o que Obama e seus puxa-sacos inventem, o mais
provável é que os esforços para um assalto à Síria encontrem enorme resistência
e podem bem fracassar. A razão disso já começa a aparecer, e a ironia é
impressionante.
Obama
pode afinal estar às vésperas do obter o que mais procura desde que chegou à
Casa Branca: um consenso “bipartidário”. Mas não será o consenso que esperava:
será consenso contra ele.
Não
há qualquer dúvida de que, se Mitt Romney tivesse sido eleito, os Democratas se
levantariam na oposição, se Romney se atrevesse a propor qualquer coisa
semelhante ao que Obama está propondo hoje.
Mas
o mal (supostamente) menor venceu as eleições, e a vasta maioria dos Democratas
continuaram obamistas. Vários deles o seguirão como lêmures. Mesmo assim, ainda
há uns poucos deputados progressistas nas fileiras Democráticas, e alguns poucos
centristas que podem ser seduzidos a ouvir seus eleitores, mais que o chefão.
Pode-se assim esperar que pelo menos alguns Democratas “liberais” verão o
caminho para separar-se do rebanho.
John McCain (E) e Lindsay Graham (D) |
Por
décadas, os Republicanos foram o cerne do Partido da Guerra dos EUA. Para
tristeza de muitos líderes democratas, são eles, não Hillary Clinton, que são
considerados fortes na “defesa”. Mas nesse caso, é provável que haja mais
“pombas” entre os Republicanos, que entre os Democratas.
Alguns
daqueles Republicanos – John McCain e Lindsey Graham são lamentáveis exemplos –
já disseram, bem razoavelmente, que a tal de intervenção “cirúrgica” que Obama e
Kerry estão propondo não faz sentido algum; que ou os EUA atacam e intervêm com
decisão, ou não atacam. Como inabaláveis amantes das guerras, preferem que a
ação militar dos EUA seja mais decisiva. Mas não farão concessões: votarão
contra medidas parciais que não ajudam a promover nenhum interesse imperial
consistente.
Rand Paul |
Há
também os Republicanos, como Rand Paul, que sempre se opõem a envolvimentos
imperialistas, embora não por motivos anti-imperialistas. Para esses, onde há
império, há governo “grande”, e isso atrapalha o livre mercado e a propriedade
privada exclusiva da vida econômica, que muito pregam. Com certeza votarão
contra a proposta de Obama para a Síria.
E,
por fim, há os Republicanos portadores de necessidades especiais no campo moral
(moral zero) e intelectual (idem), os do Tea Party e seus companheiros de
jornada política, que odeiam Obama, embora por todas as razões erradas, e cujo
ódio não conhece limite. Votarão contra o pedido de autorização de Obama para
atacar a Síria pela exclusiva razão de que quem pede é Obama.
Sim,
sim, semana que vem tudo poderá acontecer. Mas já é sabido bem sabido que Obama,
até aqui, tirou nota zero na prova de ‘'lobbear'’ o Congresso. Assim sendo, há
motivo para cauteloso otimismo nesse caso de só-deus-sabe-o-que-acontecerá.
(...)
Cameron
perdeu. Obama pode perder. Cameron cedeu. E vai que Obama cede?
Por
tudo isso, agora é hora de os norte-americanos pressionarmos o Congresso. Não só
o punhado de Democratas que são suscetíveis a argumento racional, mas também as
hordas de Republicanos aos quais não chega nenhum argumento racional. (...)
É
possível que já nada detenha Obama, mas a tentativa de conter Obama já será um
passo na direção de restaurar a ordem mundial e a lei civilizada. No mundo de
hoje, esse objetivo, eminentemente conservador, talvez tenha de ser um muito
genuíno objetivo progressista básico: derrotar princípios de gangsterismo e
impor, pelo menos, os princípios da Carta das Nações Unidas.
_________________________________________
ANDREW LEVINE é um Senior
Scholar do Institute
for Policy Studies e, mais recentemente, autor dos livros THE
AMERICAN IDEOLOGY (Ed.
Routledge) e POLITICAL KEY
WORDS
(Ed. Blackwell), bem como de muitos outros livros e artigos em filosofia
política. Seu livro mais recente é In Bad Faith: What’s Wrong With the Opium of the
People. Foi professor (filosofia) da University of Wisconsin-Madison e professor pesquisador
(filosofia) da University of
Maryland, College Park.
É co-autor do livro Hopeless: Barack Obama and the Politics of
Illusion
(AK Press).
Notas
dos tradutores
[1]
“Winter Soldier Investigation”
foi um evento patrocinado pela organização “Veteranos do Vietnã Contra a Guerra”
[orig. Vietnam Veterans Against the War (VVAW)], realizado em três dias,
de 31/1/1971 a 2/2/1971, em Detroit, Michigan, para expor à opinião pública dos
EUA os crimes e atrocidades que as Forças Armadas dos EUA e aliados haviam
cometido no Vietnã. Durante os três dias, 109 veteranos [entre os quais Kerry,
atual secretário de Obama, como se lê acima] e 16 civis – soldados da reserva de
todas as armas, empresários, pessoal médico e professores apresentaram
testemunhos dos crimes que cometeram ou que viram ser cometidos nos anos
1963-1970. O evento não teve cobertura da empresa-imprensa (só foi transmitido
pela Pacifica Radio, de Detroit), mas muitos jornalistas filmaram os
depoimentos, imagens reunidas no documentário Winter Soldier, lançado em
1972.
[2]
Aí está conhecimento que nós agora temos, e que Demétrio Magnoli, em sua
infinita arrogância de ‘'eu-sei-tudo'’ uspeano, ainda não tem. Dia desses,
‘'comentando'’ (só rindo) os eventos na Síria, Magnoli declarou, como se fosse o
rei da ONU e da OTAN, que “os EUA atacarão com autorização da OTAN, porque não
obterão autorização da ONU”. Se soubesse que NEM CLINTON (amigão do ex-FHC,
atual NADA e patrão do Magnoli) não achou que “autorização da OTAN” fosse coisa
recomendável... Magnoli ter-se-ia poupado de enunciar (mais) uma
besteira.
[3]
Orig. slam dunk; é expressão usada no
basquetebol para o que se considera “bela jogada”, “jogada perfeitamente
executada”, “os pontos e a glória” (e tem também uma acepção pornográfica, para
“coito anal”). Em 2002, o então diretor geral da CIA George Tenets repetiu
várias vezes que as provas da inteligência sobre as armas de destruição em massa
seriam “uma enterrada”, significando que seriam perfeitas, definitivas,
certeiras. Mas, em 2013, muitos agentes da inteligência dos EUA têm dito
exatamente o contrário: que as provas, no caso da Síria, “não são uma
enterrada”.
[4]
Ver, sobre isso, 5/9/2013,
redecastorphoto, Ellen Brown em: “O nome do jogo da guerra norte-americana: Um mundo mais
seguro para os banqueiros”, Counterpunch,
traduzido.
[5]
“Azhar
disse que esse ataque é uma agressão e uma ameaça a toda a nação árabe e
islâmica e desafio à comunidade internacional, que porá em risco a paz e a
segurança internacionais” (Mais em 1/9/2013,
Egypt Independent)
[6]
A proposta que começará a ser votada dia 9/9 pode ser lida, traduzida, na redecastorphoto.
Comentário enviado por e-mail e postado por Castor
ResponderExcluirNão, dessa vez Obama não fará o que os banqueiros sionistas mandam. E sim, ele recuou -- adiou por 2 vezes o ataque que ocorreria na semana passada e, ao jogar a decisão nas mãos do Congresso, adiou ainda mais. Se isso não for recuo, não sei como chamá-lo.
Os sionistas são loucos mas algumas cabeças no Pentágono não são. Elas sabem que as consequências são imprevisíveis e que só os banqueiros e a indústria da guerra lucrarão com o ataque militar à Síria. A economia mundial vai colapsar ainda mais -- hoje mesmo a China divulgou seus estudos sobre isso, prevendo um aumento de U$ 10, no mínimo, por barril de óleo (multipliquem pelos milhões da barris utilizados diariamente no mundo...) -- e a dos EUA vai pro brejo, pq nenhum financista vai injetar dinheiro num Estado que só não faliu pq ainda tem algum cacife militar.
Obama virou o cavaleiro da triste figura, chapeuzinho na mão, mendigando apoio no G20 para que "não fique impune" o "ataque com gás sarin perpetrado por Assad". Caramba, acho que só ele não lê jornais... O mundo todo já sabe que os próprios rebeldes assumiram a culpa no cartório; a Comissão de Investigação da ONU, a Rússia e a Síria têm provas de que foram mesmo os rebeldes e só Obama, qual fantoche de circo, segue repetindo a ladainha. Ele ainda não se tocou que os EUA não têm mais nenhuma credibilidade no mundo, e que ninguém mais acredita no amontoado de mentiras que eles inventam. A história mostra que essas mentiras e a perda de credibilidade são diretamente proporcionais ao controle sionista do aparelho de Estado estadunidense. Pai de peixinho... peixe é.
Os mais recentes golpes no EUA/Israel Terrorismo S/A: Hollande decidiu aguardar as conclusões da CI da ONU; envio de quatro grandes navios de guerra russos, com "carregamento especial" (secreto) à costa da Síria; pedido da Rússia para que a ONU proteja o reator nuclear próximo a Damasco, com aceite; confirmação da Rússia de apoio total à Síria e defesa do país árabe em caso de ataque; criação do fundo comum dos BRICS, para sair da zona de influência econômica do dólar e das invencionices dos EUA para manter sua moeda podre à superfície do caos -- e mandar ao caos o mundo INTEIRO.
Obama sabe que a Rússia não é o Iraque. O Pentágono também sabe. Tanto que já avisou Obama que não há possibilidade de manter uma guerra longa. O que eu diria que é óbvio, pq basta explodir uns brinquedinhos nucleares e a guerra acaba no ato, por falta de contendores. WO. Mas Israel quer pq quer destruir na Síria as armas que podem varrer o país do mapa. Esses brinquedinhos, e não as armas sírias, é que varrerão Israel do mapa. Os sionistas são uns broncos e nada entendem de estratégia militar. Nem de geografia. Sionistas são completamente sem noção. Falta-lhes massa cinzenta.
Se eu fosse presidente da China, inundava o mercado com todos os dólares que o país tem como reserva (a maior do mundo) e afogava a economia dos EUA de uma vez. O dólar passaria ao sinal negativo, os banqueiros perderiam muuuuuita grana e Obama passaria a falar fino com o mundo.
Em tempo: haverá vigília contra a guerra em vários estados dos EUA. Em frente ao Congresso, as meninas do Codepink levarão sleeping bags, cadeiras, fogõezinhos, petições. E prometem visitar todos os congressistas, um a um, assim que eles voltarem ao batente, na segunda-feira.
O império nunca foi tão desafiado como agora.
BSA
Comentário enviado por e-mail e postado por Castor
ResponderExcluirNão, dessa vez Obama não fará o que os banqueiros sionistas mandam. E sim, ele recuou -- adiou por 2 vezes o ataque que ocorreria na semana passada e, ao jogar a decisão nas mãos do Congresso, adiou ainda mais. Se isso não for recuo, não sei como chamá-lo.
Os sionistas são loucos mas algumas cabeças no Pentágono não são. Elas sabem que as consequências são imprevisíveis e que só os banqueiros e a indústria da guerra lucrarão com o ataque militar à Síria. A economia mundial vai colapsar ainda mais -- hoje mesmo a China divulgou seus estudos sobre isso, prevendo um aumento de U$ 10, no mínimo, por barril de óleo (multipliquem pelos milhões da barris utilizados diariamente no mundo...) -- e a dos EUA vai pro brejo, pq nenhum financista vai injetar dinheiro num Estado que só não faliu pq ainda tem algum cacife militar.
Obama virou o cavaleiro da triste figura, chapeuzinho na mão, mendigando apoio no G20 para que "não fique impune" o "ataque com gás sarin perpetrado por Assad". Caramba, acho que só ele não lê jornais... O mundo todo já sabe que os próprios rebeldes assumiram a culpa no cartório; a Comissão de Investigação da ONU, a Rússia e a Síria têm provas de que foram mesmo os rebeldes e só Obama, qual fantoche de circo, segue repetindo a ladainha. Ele ainda não se tocou que os EUA não têm mais nenhuma credibilidade no mundo, e que ninguém mais acredita no amontoado de mentiras que eles inventam. A história mostra que essas mentiras e a perda de credibilidade são diretamente proporcionais ao controle sionista do aparelho de Estado estadunidense. Pai de peixinho... peixe é.
Os mais recentes golpes no EUA/Israel Terrorismo S/A: Hollande decidiu aguardar as conclusões da CI da ONU; envio de quatro grandes navios de guerra russos, com "carregamento especial" (secreto) à costa da Síria; pedido da Rússia para que a ONU proteja o reator nuclear próximo a Damasco, com aceite; confirmação da Rússia de apoio total à Síria e defesa do país árabe em caso de ataque; criação do fundo comum dos BRICS, para sair da zona de influência econômica do dólar e das invencionices dos EUA para manter sua moeda podre à superfície do caos -- e mandar ao caos o mundo INTEIRO.
Obama sabe que a Rússia não é o Iraque. O Pentágono também sabe. Tanto que já avisou Obama que não há possibilidade de manter uma guerra longa. O que eu diria que é óbvio, pq basta explodir uns brinquedinhos nucleares e a guerra acaba no ato, por falta de contendores. WO. Mas Israel quer pq quer destruir na Síria as armas que podem varrer o país do mapa. Esses brinquedinhos, e não as armas sírias, é que varrerão Israel do mapa. Os sionistas são uns broncos e nada entendem de estratégia militar. Nem de geografia. Sionistas são completamente sem noção. Falta-lhes massa cinzenta.
Se eu fosse presidente da China, inundava o mercado com todos os dólares que o país tem como reserva (a maior do mundo) e afogava a economia dos EUA de uma vez. O dólar passaria ao sinal negativo, os banqueiros perderiam muuuuuita grana e Obama passaria a falar fino com o mundo.
Em tempo: haverá vigília contra a guerra em vários estados dos EUA. Em frente ao Congresso, as meninas do Codepink levarão sleeping bags, cadeiras, fogõezinhos, petições. E prometem visitar todos os congressistas, um a um, assim que eles voltarem ao batente, na segunda-feira.
O império nunca foi tão desafiado como agora.
BSA