13/9/2013, Entrevista ao canal Rossiya-24 TV (vídeo em russo)
Entrevista traduzida da
transcrição em inglês pelo pessoal da Vila Vudu
Rossiya-24:
Senhor
presidente, obrigado por receber o canal Rossiya-24. Para começarmos com a
pergunta mais importante: por que a Síria concordou com a iniciativa da Rússia
de pôr armas químicas sob controle internacional, e por que se chegou tão
rapidamente a esse acordo?
Presidente
Bashar al-Assad:
A Síria já apresentara essa proposta à ONU há mais de dez anos – para livrar a
região do Oriente Médio de armas de destruição em massa, especificamente, porque
essa é região caracterizada por instabilidades e guerras que, algumas, duraram
anos. Tudo isso começou há séculos.
Remover
daqui todas as armas de destruição em massa teria impacto importante para
estabilizar a região. Só os EUA opuseram-se à nossa proposta. Não gostamos de
saber que há armas de destruição em massa no Oriente Médio. Sempre nos
interessou mais a estabilidade e a paz na região.
Esse
é um lado. O outro lado da questão tem a ver com a situação atual. Não há como
não ver que o estado sírio tem empreendido todos os esforços para impedir que
nosso país e outros países da região sejamos arrastados para outra guerra
insana, que alguns dos que pregam guerra nos EUA querem desencadear no Oriente
Médio.
Até
hoje, os sírios pagamos o preço por guerras que os EUA fizeram, por exemplo no
Afeganistão – mesmo sendo país distante da Síria – ou no Iraque, que está aí,
num país aqui bem próximo.
Minha
opinião é que qualquer guerra contra a Síria afetará muito negativamente toda a
região, com o Oriente Médio inteiro empurrado para décadas de instabilidade e de
problemas. Haverá guerra até para as nossas futuras gerações.
A
terceira razão pela qual nos interessa a proposta que volta, agora, com os
russos, e a mais importante, é a própria proposta. Não tivesse havido agora essa
iniciativa, seria muito difícil para a Síria, só ela, obter o mesmo resultado e
caminhar nessa direção. Nossas relações com a Rússia são construídas a partir de
mútua confiança, e essa confiança só cresceu durante a crise síria, nos últimos
dois anos e meio. A Rússia confirmou que merece a confiança dos sírios, por suas
ações. Mostrou que tem compreensão clara sobre o que está acontecendo em nossa
região. A Rússia fez prova de que é confiável, provou que é governo sério, no
qual se pode confiar.
Por
todas essas razões, a Síria aceitou assinar a Convenção para Proibição de Armas
Químicas.
Rossiya-24:
O
presidente dos EUA, Sr. Obama, e o secretário de Estado dos EUA, Kerry, creem
que a Síria decidiu entregar suas armas químicas ao controle internacional
exclusivamente porque foi ameaçada militarmente. O que lhe
parece?
Presidente
Bashar al-Assad: Se
se pensa sobre os eventos e as ameaças dos EUA, que duraram semanas, vê-se que
as ameaças nada tinham a ver com garantir que as armas químicas fossem bem
guardadas. As ameaças não passaram de provocação. E a provocação começou quando
foram usadas armas químicas num subúrbio de Damasco, Al-Ghouta.
Aquela
provocação foi organizada pelo governo dos EUA. Em outras palavras, ninguém
ameaçou a Síria pensando em conseguir que nós entregássemos armas químicas. Nada
disso é verdade. Só depois do encontro do G-20 na Rússia, os norte-americanos
começaram a falar sobre a entrega das armas químicas à guarda internacional. Nós
só começamos a considerar a possibilidade depois da iniciativa dos russos e das
negociações relacionadas a isso que mantivemos com os russos.
Quero
sublinhar bem, mais uma vez, que, se não fosse por essa iniciativa dos russos,
sequer discutiríamos a questão com o outro lado. Os norte-americanos tentam
agora uma espécie de golpe de propaganda. Kerry e o governo, inclusive Obama,
sempre querem aparecer como vencedores, como se tivessem obtido alguma coisa com
suas ameaças. Mas nada disso nos interessa, nem nos diz respeito.
Rossiya-24:
Ontem,
surgiu a notícia de que a Rússia apresentou ao senhor um plano para a
transferência das armas químicas para supervisão internacional. Que mecanismos
estão sendo considerados para esse processo?
Presidente
Bashar al-Assad: A
Síria entrará em contato com a ONU e a Organização para a Proibição de Armas
Químicas nos próximos dias. Nesse processo há documentos técnicos, necessários
para a assinatura do acordo. Depois começará o trabalho para a assinatura da
Convenção das Armas Químicas.
Essa
Convenção inclui vários pontos. Um deles dispõe sobre a proibição de produzir
armas químicas, armazenamento e uso. Depois, a Convenção passa a ter vigência.
Pelo que sei até agora, a Convenção passará a ter vigência um mês depois de
assinada. E a Síria começará a transmitir informações sobre suas armas químicas
para aquela organização internacional. São processos padronizados. E nos
pautaremos por eles.
Mas
é preciso que todos entendam bem o seguinte ponto: esses mecanismos não
funcionam só para um lado. Nada disso implica que a Síria assina, preenche as
condições estipuladas e está feito. Esse é um processo de duas mãos, que visa,
em primeiro lugar, a que os EUA suspendam essa política de ameaçar a Síria.
Depende também de até que ponto se implemente a proposta dos russos.
Tão
logo os sírios estejamos convencidos de que os EUA estão realmente interessados
na estabilidade de nossa região, e suspendam as ameaças e as tentativas de
atacar a Síria, quando cortarem o suprimento de armas para os terroristas,
então, sim, entenderemos que podemos dar andamento aos processos até o fim, que
o processo todo é efetivo e aceitável para a Síria.
Todos
esses mecanismos, como já disse, não são mecanismos a serem usados de um lado
só. A Rússia tem papel muito importante a desempenhar nesse processo, porque não
temos nem confiança nem conexões com os EUA. A Rússia é o único país que pode
assumir esse papel.
Rossiya-24: Consideremos
a questão de implementar a iniciativa russa: que organização internacional
interagirá com a estrutura da República Árabe Síria para assumir o controle das
armas químicas? Essa não é uma situação padrão, que se vê todos os
dias.
Presidente
Bashar al-Assad: Entendemos
que a estrutura lógica apropriada para esse papel é a Organização para a
Proibição de Armas Químicas, porque só ela reúne os especialistas nessa área e
também monitora o cumprimento da Convenção para Armas Químicas em todos os
países do mundo.
Todos
sabemos que Israel assinou a Convenção para Armas Químicas, mas ainda não a
ratificou. A Síria exigirá e insistirá para que Israel afinal implemente a
assinatura da Convenção.
Quando
a Síria, antes, apresentou um projeto para abolir as armas de destruição em
massa no Oriente Médio, os EUA impediram a aprovação. Uma das razões pelas quais
fizeram isso foi para permitir que Israel continuasse autorizado a possuir essas
armas de destruição em massa. Se queremos realmente estabilizar o Oriente Médio,
todos os países têm de aderir à Convenção.
E
o primeiro país que tem de aderir é Israel, porque Israel tem armas químicas,
biológicas e nucleares, em termos gerais, Israel tem todos os tipos catalogados
de armas de destruição em massa. É importante assegurar que nenhum país tenha
essas armas. Só assim todos ficaremos protegidos contra guerras futuras,
devastadoras e muito custosas – não só no Oriente Médio, mas em todo o mundo.
Rossiya-24: A
Síria põe suas armas químicas sob controle internacional. Mas já se sabe, com
certeza absoluta, porque a inteligência russa já comprovou, que grupos
terroristas rebeldes usaram armas químicas num subúrbio de Aleppo. Na sua
opinião, o que terá de ser feito para proteger o povo sírio e de países vizinhos
contra esses terroristas que já usaram armas químicas, pelo menos, com certeza,
uma vez?
Presidente
Bashar al-Assad: O
incidente a que você se refere aconteceu em março passado, quando os moradores
da região de Khan al-Assal, perto de Aleppo foram atacados por terroristas, com
foguetes carregados com toxinas químicas. Houve dúzias de vítimas. Recorremos à
ONU. Pedimos que a ONU enviasse especialistas para esclarecer esse incidente e
determinar que grupo fora responsável por aquele ataque. Para nós, a situação é
bem clara: foi trabalho de terroristas.
Mas
naquele momento, os EUA opuseram-se ao envio de especialistas da ONU à Síria.
Consequentemente, trabalhamos com especialistas russos, que receberam todas as
provas que havíamos reunido. Ficou fartamente provado que os terroristas que
ainda operam no norte da Síria cometeram aquele ataque químico.
Necessário
agora é que a delegação de especialistas que estiveram na Síria até a semana
passada, retornem e retomem as investigações. Terão de voltar à Síria, porque
ficou acordado que voltariam, há esse acordo entre o governo sírio e aqueles
especialistas. Esse acordo diz respeito a investigações ainda a fazer em várias
províncias, principalmente em Khan al-Assal.
É
preciso examinar cuidadosamente tudo isso, para determinar, por exemplo, a
composição química dos venenos usados e, a partir daí, as condições do solo onde
as armas químicas foram usadas. Também é importante determinar de onde vieram
aquelas substâncias químicas, como chegaram aos grupos terroristas. Os
responsáveis têm de ser julgados.
Rossiya-24:
Senhor
presidente, permita que lhe faça uma pergunta indispensável: é realista supor
que se consiga realmente tomar todas as armas químicas que ainda estejam em mãos
de grupos terroristas?
Presidente
Bashar al-Assad: Tudo
depende de se saber que países, dos que mantêm relações com os terroristas,
estão envolvidos na venda ou no contrabando das armas químicas. Todos os países
dizem que não apoiam terroristas, mas sabemos, com certeza, que o ocidente lhes
dá apoio logístico – embora digam que seriam coisas “não letais” ou, até, “ajuda
humanitária”.
De
fato, já não há dúvidas de que o ocidente e alguns países da região – Turquia,
Arábia Saudita, antes também o Qatar – mantêm contato direto com grupos
terroristas, aos quais apoiam com todos os tipos de armas. Trabalhamos com a
ideia de que um desses países forneceu armas químicas aos terroristas.
Evidentemente, quem dava pode parar de dar. Mas há também grupos terroristas
que não ouvem nenhum dos lados. Esses grupos, quando têm acesso a armas e,
portanto, à capacidade de destruir, não se acham obrigados a respeitar acordos,
nem a obedecer a nada e ninguém, nem aos que lhes tenham dado dinheiro e aquelas
armas.
Rossiya-24:
Alguns
veículos nos EUA noticiaram que oficiais do Exército Sírio Árabe teriam pedido
sua aprovação para usar armas químicas contra gangues da oposição armada. Dizem
que o senhor negou a autorização, mas que apesar disso aqueles oficiais teriam
usado armas químicas contra sírios, especialmente em Ghouta Leste. É verdade?
Essas operações são possíveis na Síria?
Presidente
Bashar al-Assad: Não
passa de propaganda americana. Esse tipo de propaganda serve-se de todos os
tipos de mentiras para justificar suas guerras. É conversa parecida com a de
Colin Powell, no governo de George Bush Jr., para justificar a guerra contra o
Iraque, há pouco menos de dez anos. Naquela ocasião, apresentaram o que diziam
que seriam provas de que Saddam Hussein produzia armas de destruição em massa.
Mais adiante se soube que era mentira. Hoje as mentiras mudaram um pouco, como
essa que você acaba de mencionar.
A
verdade é que conversa desse tipo jamais aconteceu, nem comigo nem com ninguém
na Síria. Essas armas são administradas de modo centralizado em vários países e
exércitos do mundo, sempre pelas forças armadas. Nenhum soldado raso, ou
comandante de escalão inferior manuseia essas armas, nem forças terrestres, nem
as unidades blindadas ou quaisquer outras. São um tipo especial de arma de uso
restrito de Forças Especiais. Essa notícia é mentirosa e nem faz sequer sentido.
Ninguém acreditaria numa história dessas.
Rossiya-24:
Recentemente
apareceram no Congresso dos EUA o que para alguns seriam “provas convincentes” e
“indubitáveis” – vídeos, que comprovariam que se usaram armas químicas no
subúrbio de Damasco, em Ghouta, e que foram usadas pelo Exército Sírio. O que o
senhor tem a dizer sobre essa versão americana?
Presidente
Bashar al-Assad: Não
têm prova alguma, nem o Congresso, nem a imprensa, nem o povo, ninguém jamais
viu ou mostrou prova alguma de coisa alguma. Nem nenhum outro país conseguiu
exibir prova alguma, nem a Rússia, que participou do processo de negociação.
Nada disso jamais aconteceu. São só palavras, sempre e só, mais propaganda
norte-americana.
A
mais elementar lógica, por outro lado, diz que ninguém usaria armas de
destruição em massa a poucas centenas de metros de onde esteja o seu próprio
exército. Ninguém usaria armas de destruição em massa em áreas densamente
habitadas, sem causar centenas de milhares de vítimas. Ninguém jamais usaria
armas de destruição em massa no mesmo local e momento em que seus próprios
soldados estão avançando em terra. Nada disso faz sentido. Agora, as lideranças
políticas nos EUA meteram-se numa posição difícil. Mentiram de modo ainda menos
convincente, até, do que as mentiras contadas pelo governo George Bush.
O
governo anterior, nos EUA, mentiu muito, mas mentiu mentiras que, pelo menos num
primeiro momento, tinham alguma chance de convencer pelo menos uma parte da
opinião pública mundial. O atual governo dos EUA, com suas mentiras, não
conseguiu convencer nem os seus próprios aliados. Nada do que disseram faz
qualquer sentido. Não é lógico. É implausível.
Rossiya-24: Tenho
de lhe fazer mais uma pergunta, porque diz respeito à segurança de toda a
região. A imprensa russa noticiou recentemente que as gangues armadas de
oposição ao seu governo planejam provavelmente outra provocação, que poderia
envolver uso de armas químicas contra Israel, que seria desencadeada a partir de
um território controlado pelo Exército Sírio. O que o senhor sabe sobre isso,
como comandante-em-chefe?
Presidente
Bashar al-Assad::
Já há confirmação de que grupos terroristas têm armas químicas, dado que até já
as usaram na Síria, contra nossos soldados e civis. É claro que têm. Além disso,
também sabemos que aquelas gangues terroristas e os que os controlam, sim,
querem provocar um ataque aéreo dos norte-americanos. Já em ocasiões anteriores
tentaram envolver Israel na crise síria. Não se pode excluir a possibilidade de
que essa informação seja correta e que vise, outra vez, aos mesmos objetivos.
Se
há guerra numa região, o caos se expande. Mas, para que o caos se expanda, é
essencial que os territórios sejam permeáveis às gangues terroristas, para que
possam causar o máximo de dano e destruição. Esses são riscos reais, não são
ameaças inventadas, porque, sim, os terroristas têm armas químicas, que recebem
de outros países.
Rossiya-24:
Obrigado
por nos receber e responder nossas perguntas.
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