quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Sabra e Chatila: Diário de um massacre - 1ª Parte

Genocídio cometido pelos falangistas (direita) libaneses e sionistas de Israel

Trinta e um anos atrás, mais de 3 mil palestinos foram mortos nos campos de Sabra e Chatila, em Beirute, onde viviam como refugiados desde a fundação de Israel em terras palestinas, em 1948. Até hoje não houve punição aos responsáveis pela chacina: o Partido Falangista libanês e os sionistas israelenses

Por [*] Baby Siqueira Abrão

Em setembro de 1982 o Líbano vivia uma situação política tumultuada, de guerra civil. Facções religiosas e partidos políticos libaneses e da Síria - país ao qual o Líbano esteve anexado até 1943, sob domínio colonial francês - promoviam atentados; a Organização pela Libertação da Palestina (OLP), à época fazendo resistência armada à tomada de seus país pelos sionistas europeus, estava sediada em território libanês; o exército israelense invadira o Líbano em junho de 1982, com sua habitual violência, e instalara bases operacionais em vários locais, incluindo a capital, Beirute.

Bachir Jemayel
Israel dava apoio político e logístico à Falange, partido nacionalista da direita libanesa que mantinha um braço armado também apoiado pelas autoridades israelenses. Com os sionistas na retaguarda, a Falange conseguiu levar seu principal líder, Bachir Jemayel, à presidência do Líbano. Nove dias antes de assumir, porém, Jemayel foi morto num atentado promovido, de acordo com a Falange, por forças sírias de inspiração nazista.

Ariel Sharon, então ministro da Defesa de Israel, reuniu-se com a família de Jemayel dois dias antes do massacre de Sabra e Chatila para conversar sobre a necessidade de o partido vingar-se do assassinato. A revelação foi publicada pela revista Time de 21 de fevereiro de 1983, sob a alegação de que integrava o Apêndice B do relatório final da Comissão Kahane, que investigou a matança de Sabra e Chatila e considerou o ministro "indiretamente" culpado pela ação. Sharon processou a Time, mas a revista manteve a veracidade da informação, dizendo que se enganara apenas quanto à fonte da notícia.

A reunião entre Sharon e a família Jemayel, porém, foi mero protocolo. O ataque aos campos de refugiados de Sabra e Chatila, vizinhos um do outro, já estava acertado. As autoridades sionistas tinham conseguido expulsar dali os membros da OLP, o que deixou a população sem proteção alguma. Por isso seria muito fácil atacá-la. Aquelas pessoas desarmadas não ofereceriam nenhuma resistência, como de fato não ofereceram.

Ariel Sharon
A participação do exército israelense no massacre foi comprovada. E, como ele é subordinado ao Ministério da Defesa de Israel, o ministro à época, Ariel Sharon, não teve como escapar da responsabilidade pelo crime. Mas escapou da punição. Depois de intermináveis idas e vindas na Justiça da Bélgica - país que permitia o julgamento de estrangeiros acusados de crimes de guerra, e a cujos tribunais 23 sobreviventes do massacre apelaram - o caso foi encerrado.

Por quê? Em entrevista a esta jornalista em 2012, o professor Franklin Lamb, diretor das organizações Americans Concerned for Middle East Peace [Estadunidenses interessados na paz para o Oriente Médio] e The Sabra Shatila Foundation and Palestine Civil Rights Campaign afirmou que o encerramento se deveu “à pressão de Israel, por meio de Donald Rumsfeld, então secretário de Defesa dos EUA. Ele ameaçou tirar de Bruxelas o quartel-general da OTAN se o caso fosse adiante”. Rumsfeld foi secretário de Defesa dos governos Gerald Ford e George W. Bush, teve papel destacado na “guerra ao terror” - que eliminou grande parte dos direitos civis dos cidadãos dos EUA, promoveu guerras contra o Afeganistão e o Iraque e ameaça o mundo até hoje - e foi um dos fundadores do PNAC, o Project for the New American Center, think tank neoconservador de inspiração sionista que no final dos anos 1990 elaborou um plano, ainda em execução, para manter o domínio do mundo nas mãos dos Estados Unidos.

Ellen Siegel
O massacre de Sabra e Chatila indignou também os israelenses. Mais de 400 mil deles foram às ruas protestar, obrigando Sharon a renunciar a seu posto de ministro da Defesa. Ele, porém, logo depois voltaria à política, como primeiro-ministro. Em 2006, segundo a versão oficial, sofreu um AVC e desde então encontra-se internado, em coma.

O drama vivido pelos moradores de Sabra e Chatila - a maioria palestinos, mas também libaneses e imigrantes pobres de outras nacionalidades - e a ativa participação dos soldados israelenses ficaram registrados nos relatos dos sobreviventes e de outras pessoas que, de um modo ou de outro, testemunharam a chacina, como a enfermeira estadunidense, Ellen Siegel, o jornalista inglês Robert Fisk, então sediado em Beirute como correspondente no Oriente Médio do jornal The Independent, a modelo Debbie Jackson e os próprios soldados israelenses que participaram da ação e que relatam suas experiências no filme Valsa com Bashir.

Fui atrás de alguns desses testemunhos para dar ao leitor uma ideia do que foram aqueles trágicos dias de 1982 - do ponto de vista de quem sobreviveu para contá-los. É estarrecedor, e vem a seguir.

[*] Baby Siqueira Abrão é jornalista, tradutora, escritora e pós-graduada em filosofia, é correspondente dos veículos Brasil de Fato e Carta Maior no Oriente Médio, além de ativista por direitos humanos e justiça social. É autora de dois livros sobre história da filosofia, para as editoras Moderna e Ática. Eventualmente colabora com a redecastorphoto.

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O Pravda publicará a matéria, que é grande, em três partes. Esta é a introdução, que indica, de maneira resumidíssima, o contexto em que se deu o massacre de Sabra e Chatila. A segunda parte é uma tentativa de reconstruir alguns momentos decisivos da tragédia, dia a dia, com base nos depoimentos de alguns sobreviventes, inclusive os que testemunharam no tribunal belga que julgou o caso. Se qualquer leitor  tiver mais informações, por favor, envie, para que possamos, no ano que vem, apresentar um relato ainda mais completo desse que foi mais um atentado contra o povo palestino.

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