24/4/2014, [*] Pepe Escobar, Asia Times Online – The Roving Eye
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
A demência dos EUA encarnada no "Projeto para o Novo Século Americano" |
Para
começar, um flashback até fevereiro de 1992 – dois meses depois da
dissolução da União Soviética. Primeira versão das Orientações para
Planejamento da Defesa [orig. Defense
Planning Guidance]. Adiante, foi suavizado, mas ainda serviu como
base para a demência excepcionalista encarnada no “Projeto para o Novo Século
Americano”; e reapareceu em toda sua glória em O Grande Tabuleiro de Xadrez
do Dr. Zbig “Vamos tomar a Eurásia” Brzezinski, de 1997.
Está tudo
lá, cru, azedo e acabado:
Nosso primeiro objetivo é impedir a
reemergência de novo rival, seja no território da ex-União Soviética ou onde
for, que gere ameaça da ordem que a União Soviética gerou. Isso (...) exige nos
empenharmos para impedir que qualquer potência hostil venha a dominar uma
região cujos recursos, sob controle consolidado, seriam suficientes para gerar
poder global. Essas regiões incluem a Europa Oriental, o Leste da Ásia, o
território da ex-União Soviética e o sudoeste da Ásia.
Aí está tudo
que é preciso saber sobre o “pivoteamento” para a Ásia, do governo Obama, e
também sobre o “pivoteamento” para o Irã (“já que não iremos à guerra”, como o
Secretário de Estado, John Kerry deixou escapar), e sobre o “pivoteamento” para
a Guerra Fria 2.0, usando a Ucrânia como um “novo Vietnã” remix, logo
ali, ao pé da porta da Rússia. E esse é também o contexto crucial da coleção de
primavera Pax Americana de Obama atualmente em exibição em seletas
passarelas asiáticas (Japão, Coreia do Sul, Malásia e Filipinas).
O tour
asiático de Obama começou essa semana em todo seu esplendor no afamado restaurante
“Jiro” (vídeo-trailer no fim do parágrafo) em Ginza, Tóquio, ingerindo nigiri sushi,
tomara que não de Fukushima, nem radioativos (furo: estive lá, em 1998, quando
o mestre dos sushis, Jiro Ono, não era absolutamente celebridade e os sushis
não eram absolutamente atômicos).
O anfitrião
de Obama, militarista/nacionalista linha-duríssima Primeiro-Ministro, Shinzo
Abe, obviamente pagou a conta. Mas a verdadeira conta chegou depois, com o
Japão curvado a todas as duras demandas dos EUA – no comércio, nos
investimentos, na nova lei para empresas e de propriedade intelectual –
reunidas na Parceria Trans-Pacífico [orig. Trans-Pacific Partnership (TPP)] de 12 nações, que é codinome de
“o Big Business norte-americano
afinal meteu o pé na porta e entrou no super protegido mercado japonês”.
Abe é
freguês durão. Tem retórica pesada sobre “escapar ao regime pós-guerra”,
rearmar o Japão e deixar de servir como jogador de alambrado, em termos
militares, para Washington na Ásia. O Pentágono, claro, tem outras ideias. Na
era pós-sushi no Jiro, o que interessa a Obama é forçar o Japão a curvar-se,
não só ante a TPP como, também, ante a necessidade de manter subordinado
à agenda norte-americana mais ampla o movimento de armar o Japão.
Pequim, como se poderia prever facilmente, vê tudo isso como tudo isso
realmente é – como se lê em coluna publicada na rede Xinhua: ações de uma
superpotência “anacrônica”, “esclerosada” e “míope”, que bem fará se “livrar-se
das algemas históricas e filosóficas que a mantêm cativa” (“Dinamismo
da Ásia exige que EUA reformatem suas políticas anacrônicas”,
23/4/2014, Deng Yushan, Xinhua, Pequim, traduzido na redecastorphoto).
Barack Obama e Shinzo Abe cumprimentam-se à entrada do restaurante Jiro |
O braço
sudeste-asiático do pivô e desfile de Obama para apresentar a Coleção Primavera [“Pivoting” também se aplica aquela “voltinha”
altamente científica que as modelos dão nas passarelas de moda. Vê-se (e
aprende-se) em vídeo no fim do parágrafo] tem a ver, todo ele, com garantir
a Malásia e Filipinas, não militarmente tão fortes quanto o Vietnã, que a
Marinha dos EUA jamais será substituída como o hegemon do Mar do Sul da
China; e que não se admitirá, sequer, que a China torne-se equivalente.
Esse afinal
é o coração da matéria da pivotagem para a Ásia, como ferramenta para conter a
China: impedir que a China venha a tornar-se potência naval simultaneamente no
Oceano Índico e no Pacífico Ocidental.
O
Pentágono, previsivelmente, está tomado de surto paranoico, acusando a China de
fazer, não uma, mas “três
guerras” contra os EUA.
O caso é
que Pequim está desenvolvendo uma base subterrânea hiper-mega-super high
tech para 20 submarinos nucleares na ilha Hainan, enquanto a Malásia amplia
sua própria base de submarinos em Bornéu, e as Filipinas só fazem suplicar a
Washington que mande mais aviões, mais navios, mais largura de banda e
ciber-capacidades, como proteção para fazer o que veem como sua absoluta
prioridade: procurar petróleo e gás no Mar do Oeste das Filipinas para
estimular a economia.
Me irradie
com negócios, baby
A Coleção
Primavera não está conseguindo tirar de cenas outras pivotagens – cujos modelos
mais recentes se veem na atual campanha “antiterroristas” no leste da Ucrânia,
pelos mudadores-de-regimes em Kiev, e que seguem um calendário estranhíssimo.
John Brennan da CIA passa por Kiev... e os mudadores-de-regime lançam
seu primeiro ataque ali mesmo contra o “terô” [terror], como dizia Bush.
Vergonhoso fracasso. O vice-presidente Joe Biden aparece em Kiev... e os
mudadores-de-regime, na horinha, já vêm com mais guerra ao “terô”.
Assim a
pivotagem para a Guerra Fria 2.0 segue inabalável, com Washington trabalhando
duro para erguer uma cortina de ferro entre Berlin e Moscou – impedindo que se
integrem ainda mais pela Eurásia – mediante a instigação de uma guerra civil na
Ucrânia. A Chanceler alemã, Angela Merkel continua equilibrando-se no arame: ou
alta-fidelidade atlântica, ou sua Ostpolitik – e Washington quer que ela
fique bem onde está, por um fio.
Ilhas Senkaku/Diaioyu disputadas por China e Japão (uma nova Crimeia) |
Quanto às
facções de doidos-pirados-totais que circulam nas portas giratórias que
conectam think-tanks-governo-imprensa-empresas em Washington, vale tudo,
desde “alertar” a China para não “tentar
uma de Crimeia”, até pregar a
favor de guerra à Síria e, até, que a OTAN entre em guerra nuclear, como
se lê em coluna assinada por alguém que muito apropriadamente atende
pelo nome de Anne Marie Massacre [orig. Slaughter]. É o que essa senhora
ensina a seus alunos excepcionalistas em Princeton.
E como
Pequim está reagindo a essa histeria toda? Simples: Pequim recolhe os
dividendos. Pequim ganha com a ofensiva dos EUA que tentam separar Moscou e os
mercados ocidentais, porque assim consegue melhor preço para o gás
leste-siberiano que compra. Pequim ganha com o medo, na União Europeia, de
perderem negócios com a Rússia, porque assim negocia acordo de livre-comércio
com seu principal parceiro comercial que acontece de ser, precisamente, a União
Europeia.
Wang Yi - MRE da China |
E, sim,
vejam o exemplo mais definitivamente claro: comparem o desfile da Coleção
Primavera de Obama, com coda de pivoteamento, à recente viagem por Cuba, Venezuela,
Brasil e Argentina, do Ministro de Relações Exteriores da China, Wang Yi. Pura
bonança de negócios, focada em financiamentos bilaterais e, claro, acordos e
mais acordos comerciais.
Há de tudo
no pacote: cobre peruano e chileno; soja e ferro brasileiros; apoio aos
projetos sociais venezuelanos e desenvolvimento energético; apoio a Cuba, que
promove maior envolvimento dos chineses na Venezuela, o que gera energia a
preço subsidiado para Cuba.
E, isso,
num contexto em que Washington só faz repetir, excitadíssima, que a economia
chinesa enfrenta terríveis dificuldades. Nada disso. A economia chinesa cresceu
7,4% ao ano, no primeiro trimestre de 2014. A demanda por ferro e cobre não diminuirá
significativamente – porque a urbanização comandada por Pequim ainda não
chegou, sequer, à velocidade máxima. O mesmo vale para a soja – com milhões de
chineses começando a comer carne regularmente (os produtos de soja são itens
cruciais para a alimentação do gado). E, claro, o apetite insaciável das
empresas chinesas, que se querem diversificar por toda a América do Sul.
Quanto à
grande e crescente classe média chinesa – a caminho de se tornar membro de
pleno direito da primeira economia do planeta já em 2018 – essa Coleção
Primavera de Obama é nada. Ele/ela podem perfeitamente ir a Hong Kong e fazer
filas em Canton Road para comprar
MUITO de Hermès e Prada. Na sequência, podem estrategicamente celebrar com sushi
padrão Jiro (não os radioativos, à Fukushima).
[*] Pepe Escobar (1954)
é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica
exclusivamente em inglês. Mantém coluna (The Roving Eye) no Asia Times Online; é também analista de política de blogs e sites como: Tom
Dispatch, Information Clearing
House,
Red Voltaire e outros; é
correspondente/ articulista das redes Russia Today, The
Real News Network Televison e Al-Jazeera. Seus artigos podem
ser lidos, traduzidos para o português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu
e João Aroldo, no blog redecastorphoto.
Livros:
− Globalistan:
How the Globalized World is Dissolving into Liquid War, Nimble Books, 2007.
− Red
Zone Blues: A Snapshot of Baghdad During the Surge, Nimble Books, 2007.
− Obama
Does Globalistan, Nimble Books, 2009.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Registre seus comentários com seu nome ou apelido. Não utilize o anonimato. Não serão permitidos comentários com "links" ou que contenham o símbolo @.