17/4/2014, Presidência da
Rússia, Kremlin – Moscou (vídeo)
Traduzido da transcrição em
inglês pelo pessoal da Vila Vudu
“Direct Line with Vladimir Putin”, 17/4/2014, Moscou,
programa anual; foi transmitido ao vivo pelos canais de TV Channel One,
Rossiya-1 e Rossiya-24, pelas rádios FM Mayak e Vesti FM e Radio Rossii.
Introdução: falam a
apresentadora, no estúdio, KIRILL KLEYMENOV e outros jornalistas, em outros
pontos do país, nos estúdios, na rede online e no centro de mídias sociais.
KIRILL KLEYMENOV: Sr. Putin, a
primeira pergunta é perfeitamente óbvia: O que o senhor pensa sobre os eventos
em curso nas regiões de Lugansk e Donetsk?
PRESIDENTE DA RÚSSIA, VLADIMIR
PUTIN: Antes de
responder sua pergunta, gostaria de voltar um pouco sobre os eventos recentes
na Ucrânia.
Como vocês
sabem, o presidente Yanukovich recusou-se a assinar o Acordo de Associação com
a União Europeia. Não, não se recusou a assinar. Disse que não podia aceitar as
condições da UE, porque piorariam dramaticamente a condição socioeconômica na
Ucrânia e afetariam os ucranianos.
Yanukovich
disse que precisava de mais tempo para analisar o documento e discuti-lo com os
europeus. Isso provocou agitação nas ruas que culminou num golpe, não
constitucional, com tomada do poder por força armada. Uns gostaram, outros não
gostaram. O povo das regiões leste e sul da Ucrânia temiam pelo próprio futuro
e o futuro dos filhos, porque viram um rápido crescimento de sentimento
nacionalista, ameaças graves e viram que [as novas autoridades] queriam
invalidar direitos de algumas minorias étnicas, inclusive direitos da minoria
russa. Por outro lado, essa descrição tem de ser relativizada, porque os
falantes de russo são cidadãos da Ucrânia. Mas houve uma tentativa para proibir
o uso da língua russa, primeira língua de muitos cidadãos da Ucrânia. O povo
ficou alarmado, é claro. Em seguida, o que aconteceu?
Em vez
de começar a conversar com essas pessoas, Kiev imediatamente nomeou novos
governadores – todos eles oligarcas e bilionários – para aquelas regiões. O
povo desconfia muito dos oligarcas. Entendem que enriqueceram enganando o povo
e saqueando propriedade pública [bens comprados durante a
“privatização” dos anos 1990s, como também aconteceu no Brasil, nos governos de
Fernando Henrique Cardoso − NTs]. E esses oligarcas lá estavam, nomeados governadores
daquelas regiões. O descontentamento popular aumentou. O povo havia votado, mas
o que o novo governo estava fazendo? Houve muitas prisões, mas os grupos
nacionalistas armados não foram desarmados. Ao contrário, ameaçaram usar a
força contra as populações do leste. Como resposta, a população no leste também
começou a se armar.
Recusando-se
a ver que algo havia de profundamente errado no estado ucraniano e sem tentar
qualquer diálogo, o novo governo ameaçou usar força militar e até enviou
blindados e aviões contra população civil. Esse é o crime mais grave cometido
até agora pelos governantes de Kiev.
Espero
que vejam logo que estão-se metendo num buraco profundo e que estão arrastando
com eles todo o país deles. Nesse sentido, as conversações que começarão hoje
em Genebra são muito importantes, porque creio que se possam aproximar para
conversar sobre outros meios para superar a crise e oferecer ao povo um diálogo
real, não algum falso diálogo.
As
atuais autoridades em Kiev viajaram às regiões do leste, mas, lá chegadas,
reuniram-se com quem? Só com quem eles mesmos nomearam. Ninguém precisa ir ao
Donbass, para fazer isso, bastava convocá-los a Kiev para uma reunião. Teriam,
isso sim, de falar com o povo e seus reais representantes, as pessoas nas quais
a população confia. Deviam ter mandado libertar os membros da oposição que
foram presos, ajudar as pessoas a manifestar seus desejos de forma organizada,
sugerir novos governadores e começar um diálogo.
O povo
nas regiões leste falam sobre federalização. E Kiev, há muito tempo, também já
fala sobre descentralização. Mas o que significa uma coisa e outra, para cada
grupo? Para compreender o que eles desejam, é preciso sentar a uma mesa de
negociação e buscar solução aceitável. Só o diálogo e procedimentos
democráticos conseguirão restaurar a ordem no país, não as forças armadas, tanques
e aviões bombardeiros.
KIRILL KLEYMENOV: O diálogo
entre diplomatas de Rússia, EUA, União Europeia e Ucrânia está acontecendo
nesse momento, em Genebra. A Rússia está representada pelo Ministro Lavrov, das
Relações Exteriores. O senhor pode resumir a posição da Rússia nessas
conversações?
VLADIMIR PUTIN: Acabei de fazer exatamente
isso. Entendo que não pode ser diálogo superficial entre representantes das
autoridades, mas diálogo com os representantes do povo da Ucrânia, para que
cheguem a uma conciliação, como acabei de dizer.
KIRILL KLEYMENOV: Como o senhor
responde a declarações que chegam de Kiev e do ocidente, de que os protestos no
leste da Ucrânia teriam sido montados e pagos por “mão de Moscou”? Dizem até
que há lá unidades russas armadas.
VLADIMIR PUTIN: Nonsense. Não há unidades russas no
leste da Ucrânia – nem serviços especiais, nem conselheiros táticos. Tudo está
sendo feito por residentes lá. Prova disso é que já não se veem rostos
mascarados. O que eu disse aos meus parceiros ocidentais foi: “Eles não têm
para onde ir e não vão sair de lá. Estão na terra deles. Vocês têm de negociar
com eles”.
MARIA SITTEL: Tenho certeza de
que voltaremos aos eventos no sudeste, ao longo dessa conversa. Falemos agora
sobre a Crimeia e como o senhor tomou a decisão. O senhor jamais disse coisa
alguma sobre a Crimeia, em toda a sua carreira política. Deve ter pensado, mas
jamais sequer mencionou a Crimeia, nem em conversas privadas.
Assim sendo... Como foi tomada
essa decisão? Pode nos falar sobre isso? Houve oposição dentro da sua equipe?
Como o senhor avalia os possíveis riscos, de sanções internacionais até à
guerra civil que estamos vendo acontecer agora?
VLADIMIR PUTIN: O risco mais óbvio era que a
população que fala russo estava ameaçada; e as ameaças eram absolutamente
específicas e tangíveis. Os habitantes da Crimeia, quem vive lá, que se
preocupa com o próprio futuro, pediu ajuda à Rússia. Isso guiou nossa decisão.
Eu já
disse, no discurso
do Kremlin, que a Rússia jamais
teve a intenção de anexar qualquer território, ou planejou qualquer operação
militar ali, nunca, em tempo algum. Bem ao contrário, estávamos construindo
nossas relações com a Ucrânia baseados nas atuais realidades geopolíticas. Mas
também pensamos, e sempre esperamos, que todos os russos falantes de russo que
vivem na Crimeia viveriam em ambiente político confortável, que não seriam nem
oprimidos nem ameaçados.
Quando
essa situação mudou, e os russos da Crimeia passaram a enfrentar exatamente
esses perigos, quando os crimeanos começaram a levantar a questão da
autodeterminação – foi aí que sentamos para decidir o que fazer. Foi então,
naquele exato momento, que decidimos apoiar os crimeanos. Não há 5, 10 ou 20
anos.
Discuti
esse problema com o Conselho de Segurança da Rússia e nenhum membro levantou
qualquer objeção. De fato, todos apoiaram a minha posição. E estou
satisfeitíssimo por constatar, hoje, que todos os passos daquela ação foram
executados de modo preciso, rápido, profissionalmente e resolutamente.
KIRILL KLEYMENOV: Eu diria que o
plano executado foi plano único, sem paralelo na história.
Sr. Putin, nós que vivemos na
Rússia sabemos como as coisas são feitas aqui. Mas... foi rápido demais –
organizou-se um referendo complicado, em tempo recorde; todas as questões de
segurança foram resolvidas; unidades ucranianas foram desarmadas – francamente,
a impressão que se teve foi a de que foi ação preparada e planejada há muito
tempo.
VLADIMIR PUTIN: Não. Nada estava pré-planejado
ou preparado. Foi feito na hora, e tivemos de “tocar de ouvido”, baseados na
situação e nas demandas postas. Mas, sim, tenho de conceder que foi bem feito,
profissionalmente bem feito.
Nossa
tarefa não era conduzir ampla operação militar. Tratava-se, só, de garantir a
segurança da população e ambiente confortável para que a população pudesse se manifestar.
Foi o que fizemos. Mas não teria sido possível, sem a firme resolução dos
próprios crimeanos.
Além
disso – e devo acrescentar uma linha, ao que disse no discurso do Kremlin, sobre
ter começado a redigir uma lei sobre a inclusão da Crimeia na Federação Russa
–, até o último dia, o
último momento, porque então eu estava esperando o resultado do referendo.
Pesquisas são uma coisa, e acompanham alguns sentimentos de alguns grupos, mas
um referendo é a expressão do desejo de todos os residentes na área. Era muito
importante para mim saber o que, realmente, os crimeanos desejavam.
Quando
o resultado chegou a 83% da população a favor, com mais de 96% de votos a favor
da inclusão da Crimeia na Federação Russa, ficou claro que a maioria tomara a
decisão, mesmo que não unanimemente. Nessa situação, não poderíamos deixar de
fazer o que fizemos.
KIRILL KLEYMENOV: Adiante,
voltaremos ao seu discurso no Kremlin. Agora, ouçamos o que diz a Crimeia. [Matéria sobre Sebastopol, aqui excluída, e pergunta feita de lá, com
câmera num grupo de pessoas − NTs]
NIKOLAI DOLGACHYOV: Hoje,
moradores de Sebastopol vieram, com muitas perguntas. (...) Por favor,
apresente-se.
LARISA MEDVEDEVA: O pessoal civil
das unidades militares está muito preocupado com o destino da Frota do Mar
Negro. A frota aqui é oportunidade de emprego para muita gente e há aqui a
única oficina para reparos da artilharia. O que vai acontecer com a Frota do
Mar Negro e outras empresas estatais?
VLADIMIR PUTIN: Vocês aí com certeza sabem
melhor que todos na Rússia, que temos acordos com a Ucrânia para manutenção da
frota. Infelizmente, esses acordos não foram corretamente cumpridos, alguns nem
foram cumpridos. Sempre tivemos problemas com a manutenção da frota aí. Espero
que esses problemas desapareçam agora e que a maior parte dos novos navios de
apoio sejam transferidos de Novorossiysk para Sebastopol. Assim, até
economizaremos dinheiro. Esse é o primeiro ponto.
Em
segundo lugar, a Crimeia tem importante potencial para instalação de estaleiros
e oficinas de reparação de navios. Parte considerável desses serviços será
repassada para os estaleiros crimeanos. O Ministro da Defesa já encomendou
serviços, no valor de mais de 5 bilhões de rublos, num dos estaleiros daí.
Vamos aumentar esse potencial, que há na Crimeia e que está ocioso, não está
sendo muito demandado. Demorará um pouco, é claro, mas andaremos nessa direção.
Sevastopol
é cidade, sim, da glória naval dos russos e todos os russos sabem disso.
Seremos guiados por essa compreensão.
[Outra pessoa, também de Sebastopol]
PERGUNTA: Boa tarde, Sr. Putin. A Ucrânia está vivendo situação em que muitas
famílias estão divididas. Moro em Sebastopol, e minhas irmãs moram na Ucrânia.
É o caso de muitas famílias na Crimeia. Como estão as coisas na Ucrânia, já não
nos entendemos com eles e até já somos inimigos. Como fazer para continuarmos a
ser nações irmãs e amigas?
VLADIMIR PUTIN: Você tem toda a razão, com
certeza. Essa questão é muito importante e todos somos guiados hoje por várias
emoções. Mas nos amamos e nos respeitamos e, por isso, temos de encontrar meios
para nos entender. Acho que é mais fácil em família, que entre nações. Mas
mesmo que falemos de relações entre países, tenho certeza de que encontraremos
terreno comum e estaremos aí, para nos ajudar, todos. Espero que o povo na
Ucrânia entenda claramente que a Rússia não poderia ter agido de outro modo, em
relação à Crimeia.
Essa é
questão que eu também queria levantar. Acho que voltará várias vezes na
conversa de hoje. O que quero dizer é que se nos respeitamos uns os outros,
temos de reconhecer que todos devem tomar suas próprias decisões. Os que vivem
na Ucrânia tem de respeitar a decisão dos residentes na Crimeia. Isso em
primeiro lugar.
Em
segundo, a Rússia sempre esteve próxima da Ucrânia e sempre permanecerá muito
ligada a ela. Não falo da ajuda que a Rússia sempre deu à Ucrânia por muitos
anos, e com certeza também voltaremos a essa questão. Mas isso, agora, não é
ponto. O ponto é que temos interesses comuns muito amplos. Para sermos
bem-sucedidos, temos de cooperar, unir esforços. Tenho confiança que
compreenderemos isso, apesar das complicações emocionais que se veem hoje.
NIKOLAI DOLGACHYOV [ainda de Sebastopol]:
É muito simbólico que gente de toda a Crimeia esteja aqui conosco, em
Sevastopol. Muitos deles veem a reunificação com a Rússia como o fim do
terceiro cerco a essa Cidade Heroica. Houve dois cercos históricos, um durou
349 dias, durante a Guerra da Crimeia; o outro, 250 dias, durante a Grande
Guerra Patriótica. [1] Muitos veem os últimos 23 anos como o terceiro cerco que
a cidade e toda a região sofreram. Agora, que o sonho da reunificação com a
Rússia está realizado, os crimeanos têm muitas perguntas quanto ao futuro
deles. Vamos ouvi-los.
YEVGENY KOSTYLEV: Quero começar
por agradecer ao senhor, Presidente, em nome de todo o povo da Crimeia, pela
decisão que mostrou, para nos reunir a nossa verdadeira terra. Agora podemos
declarar que somos cidadãos russos.
Isso posto, o que o governo
ucraniano está fazendo é para tornar intolerável a vida para nós, na Crimeia.
Por exemplo, quase todos os bancos saíram daqui, o que significa que temos
problemas para trocar hryvnas (moeda ucraniana − NTs), e as pessoas não conseguem
fazer pagamentos e transferências. Sobretudo os aposentados, que economizaram
durante anos para a velhice, e não podem perder suas economias porque os bancos
ucranianos ignoram seus pedidos e interesses legítimos. Sr. Presidente, minha
pergunta é a seguinte: o que o governo russo planeja fazer para resolver essa
questão?
VLADIMIR PUTIN: Essa é realmente uma das
questões mais urgentes a tratar. Há outras questões, como o senhor sabe, como
fornecimento de água e de energia. Mas os problemas com os bancos ainda não
estão completamente resolvidos. Vamos continuar tentando conversar com nossos
parceiros ucranianos. Até aqui, sem sucesso. Os bancos Oschadbank e Privatbank
e seu proprietário, Sr. Kolomoisky e o presidente do banco na Crimeia, Mr.
Finkelstein recusam-se a discutir. A Hryvna
tem circulação limitada e não nos resta alternativa além de acelerar a
transição para o rublo. A solução é abrir contas para indivíduos e instituições
legais e implantar uma nova rede bancária. Fazer isso, do jeito certo, exige
tempo. Acho que ainda demorará um mês, para que consigamos abrir o número
necessário de novas contas, implantar a nova rede de bancos e equipá-la com
tecnologia moderna.
O
senhor falou dos aposentados e dos empregados do setor público. Sei de alguns
reveses, mas isso vai passar. Superaremos todas as dificuldades.
Como o
senhor sabe, aposentados e funcionalismo público terão salários iguais aos dos
aposentados e funcionários russos, e o governo russo já aprovou lei para isso.
Para impedir saltos na inflação e nos preços, que já estão acontecendo na
Crimeia, mesmo antes das novas medidas, decidimos por um plano de implantação
em quatro etapas: os salários de aposentados e funcionários crimeanos tiveram
aumento de 25% a partir de 1º de abril; mais 25% a partir de 1º de maio; outros
25% dia 1º de junho; e novamente, dia 1º de julho. Para aposentados, aumento de
100%, que fará desaparecer a diferença entre aposentadorias na Rússia e na
Crimeia. Funcionários russos recebem aposentadorias equivalentes ao dobro do
que era pago na Crimeia. Na Rússia, a aposentadoria média, esse ano, é de cerca
de 5.500 rublos. Vale o mesmo para empregados do setor público, que recebem o
dobro, às vezes 2,5 vezes mais na Rússia, que na Crimeia. Os militares russos –
muitos residentes na Crimeia passarão a servir no Exército Russo – têm soldos
quatro vezes superiores aos que havia na Crimeia.
Tudo
considerado, estou confiante, espero e creio que o povo da Crimeia sentirá os
benefícios econômicos de reintegrar-se à Rússia, para nem falar da economia, do
desenvolvimento da infraestrutura no turismo e nas indústrias de viagem na
Crimeia. Voltaremos a essas questões.
MARIA SITTEL: Sr. Presidente, há
mães em Sebastopol que pedem alguns detalhes. Por exemplo, pergunta de Elizaveta
Maslennikova: “Uma mãe na Crimeia ou em Sebastopol, que espera o segundo filho,
terá direito ao auxílio-maternidade?”
VLADIMIR PUTIN: Claro. Acreditamos que todos os
benefícios e preferências acessíveis aos residentes da Crimeia na Ucrânia devem
permanecer. Se alguns programas não existem ou não existiam na Rússia,
garantiremos as mesmas vantagens oferecendo subsídios adicionais para reforçar
o orçamento regional. Além disso, os residentes da Crimeia e de Sebastopol
contarão com todas as leis e alocações sociais que há na Rússia, por leis
aplicáveis.
MARIA SITTEL: Obrigado. Ainda de
Sebastopol, mais uma pergunta, por favor.
NIKOLAI DOLGACHYOV: Há muita
gente aqui. Por favor, apresente-se e faça sua pergunta.
QUESTÃO: Sr. Putin, muita gente pensa que a Crimeia só é boa para férias e
turismo. Mas e nossa indústria e agricultura? Que passos dará a Rússia para
desenvolver todas as indústrias da Crimeia? Outra pergunta: o senhor prometeu
estabelecer uma zona econômica livre na Crimeia. O que significa isso para uma
pessoa comum?
VLADIMIR PUTIN: Você está absolutamente certo:
a Crimeia é sempre associada a férias e turismo, mas isso não é tudo. A Crimeia
tem ótimo potencial industrial e agrícola, e vamos desenvolvê-lo. O que
significa isso? Há negócios viáveis que têm de ser modernizados e receber novos
investimentos, e com certeza cuidaremos disso. Já falei dos estaleiros e
instalações para manutenção de navios, mas há outros centros industriais e
negócios promissores. A infraestrutura tem bom potencial de desenvolvimento,
inclusive o porto; há o setor agrícola e outros
Infelizmente,
a produção agrícola caiu 60% em 2013, na comparação com 1990. Em 2013, as
empresas agrícolas crimeanas produziram apenas 40% do que produziram em 1990. O
setor agrícola também precisa de novos investimentos. Há muitas questões a
serem tratadas. Plantadores de arroz, por exemplo, usam muita água, e a água é
problema atualmente. É preciso tempo e investimentos. Também cuidaremos disso.
Quanto aos serviços, é preciso lembrar que a Crimeia sempre foi famosa, não só
como base da Frota Russa no Mar Negro, mas também como o principal resort para tratamento de saúde, da URSS. Também
desenvolveremos essa área. Infelizmente, toda a infraestrutura, hoteis e
estações, veio decaindo. Nossos especialistas examinaram esses negócios, as
instalações de lazer, resorts e hoteis, e chegaram a conclusão de que
vários, se não todos, podem ser adaptados aos padrões de saúde, sanitários e
epidemiológicos, da Rússia.
Quando
eles perguntaram como as pessoas que frequentavam esses lugares no estado em
que estão, com tão baixa qualidade, ouviram essa estranha – e vergonhosa –
resposta: “Funciona. Aqui, como hóspedes, só vêm mineiros; para eles, não faz
diferença; bebem meio copo de vodka e vão para a praia”. Não pode continuar. A
área, sim, exigirá também novos financiamentos. A zona livre de comércio de que
você falou é algo que pode dar alguns privilégios aos investidores russos, para
estimulá-los a investir na Crimeia e em Sebastopol, e acelerar o
desenvolvimento.
Há
sugestões, também, dos próprios crimeanos. Falei com Alexei Chaly, não faz
muito tempo, e ele sugeriu que estabeleçamos uma agência de desenvolvimento. É
ideia que com certeza apoiamos. Estou confiante de que estamos no caminho certo
para alcançar alguns resultados positivos e visíveis.
MARIA SITTEL: Sr. Putin, nem
tudo são rosas. Há muitas mensagens de pessoas apreensivas com o risco de a
Crimeia vir a perder suas características. Temem a chegada do grande dinheiro,
dos chalés de inverno, das grandes mansões e das grandes cercas e muros, em
locais que são tradicionais áreas de recreação e reservas naturais, em vez da
rede de esgotos, que até hoje não há na Crimeia.
VLADIMIR PUTIN: Já há castelos e muros altos
que chegue, hoje, por lá. Infelizmente, conhecemos esse problema. Os palácios
com muros altos brotaram por todos os lados, ao lado de espantoso descaso com
os veranistas médios. Os proprietários dos castelos e mansões são os oligarcas
e grandes empresários aos quais já me referi. Tudo isso envolveu grandes
violações da legislação ambiental. Conversei hoje com lideranças da Crimeia e
diretores das agências federais russas: temos de fazer o máximo para aprovar
rapidamente decisões que ponham fim a esse tipo de práticas.
MARIA SITTEL: Temos uma mensagem
de texto enviada ao website de nosso programa: “Afinal, quem eram
aqueles rapazes? Pareciam muito ser russos”.
VLADIMIR PUTIN: Que rapazes?
MARIA SITTEL: Aqueles jovens
polidos. [2]
KIRILL KLEYMENOV: Os
“homenzinhos verdes”.
VLADIMIR PUTIN: Já falei sobre isso várias
vezes, talvez não alto o suficiente. Mas, em conversas com meus colegas
estrangeiros não escondi o fato de que nosso objetivo era garantir que o povo
da Crimeia conseguisse manifestar livremente o seu desejo. Para isso, tivemos
de tomar as medidas necessárias para impedir que a situação na Crimeia
evoluísse do mesmo modo como, agora, está evoluindo no sudeste da Ucrânia. Não
queríamos tanques, nem unidades de combate, nem extremistas armados com armas
automáticas. É claro que soldados russos demos apoio às forças de autodefesa da
Crimeia. Agiram com polidez, com profissionalismo e firmeza, como eu já disse.
E foi
possível realizar ali um referendo digno, honesto, aberto, e ajudar o povo a
manifestar-se como bem quisesse. Além do que, não esqueçam que havia mais de 20
mil soldados muito bem armados na Crimeia. Além de lança-mísseis, depósitos de
armas e muita munição. Era absolutamente imperativo prevenir qualquer
possibilidade de alguém vir a usar aquele armamento contra civis.
MARIA SITTEL: Depois de Sebastopol,
ouçamos o Comandante da Frota Russa no Mar Negro, Alexander Vitko. Dmitry
Shchugorev está com ele.
DMITRY SHCHUGOREV: Sr. Vitko,
por favor, faça sua pergunta.
ALEXANDER VITKO [apresenta-se]:
Camarada Comandante-em-chefe, Comandante da Frota do Mar Negro, vice-almirante
Alexander Vitko. Antes de fazer minha pergunta, aproveito a oportunidade para
agradecer ao povo russo, e ao senhor, Camarada Comandante-em-chefe,
pessoalmente, pelo apoio assegurado à nossa frota, durante esse difícil período
na Crimeia.
Eis minha pergunta. Não houve
investimentos na infraestrutura militar da Ucrânia na Crimeia ao longo dos
últimos 23 anos. Está em estado lastimável, para dizer o mínimo. A situação da
moradia é especialmente difícil, sobretudo para os marinheiros da Marinha
ucraniana, agora alistados na Frota do Mar Negro.
Camarada Comandante-em-chefe, os
resultados de seus projetos são motivo de orgulho para o povo russo. Haverá
algum programa presidencial, ou programa federal, orientado para os que servem
na Crimeia, semelhante ao que foi criado para a base de submarinos em
Vilyuchinsk ou para a Geoporta em Novorossiysk? Obrigado.
VLADIMIR PUTIN: Primeiro, haverá um programa
para desenvolvimento da Base Naval de Sebastopol e para toda a Frota do Mar
Negro em geral. Claro, todos os programas sociais hoje implementados nas Forças
Armadas Russas, inclusive moradia permanente, serão aplicados na cidade de Sebastopol
e para a Frota do Mar Negro.
KIRILL KLEYMENOV: Sr. Putin, em
suas respostas anteriores, o senhor mencionou forças de autodefesa da Crimeia.
Vejo aqui no estúdio vários representantes dessas forças. Os oficiais da Berkut [polícia antitumultos] da Crimeia
e, claro, os Cossacos, foram os atores principais. Houve muitos momentos
intensos e dramáticos, como em Perekop, onde a Berkut chegou apenas poucas horas antes dos extremistas mandados de
ônibus para a Crimeia, o que ajudou a evitar uma grande tragédia.
KIRILL KLEYMENOV: Queria pedir a
minha colega Valeriya Korableva, que dê a palavra ao comandante da Berkut na Crimeia, coronel Yury Abisov,
por favor.
VALERIYA KORABLEVA: Antes, quero
dar algumas informações. Os policiais comandados pelo coronel Abisov, além de
outras unidades regionais da Berkut, estiveram em Kiev no período mais difícil.
A certa altura, pararam de receber ordens. Na essência, foram abandonados. O Coronel
Abisov contou-me como tiveram de tomar suas próprias decisões, retirar os seus
policiais sob fogo, tirar os feridos dos hospitais, para recolhê-los em
segurança aos próprios quartéis – com suas ambulâncias sob fogo.
YURY ABISOV: Boa tarde. Sr.
presidente, o que gostaria de dizer é o seguinte. Nosso esquadrão estava em Kiev
quando Maidan derrubou Yanukovich. Eles nos queimaram vivos, jogaram pedras e
atiraram contra nós. Dúzias foram mortos, centenas foram feridos. Nós tínhamos
ordens para não usar armas de fogo. Na sequência, fomos traídos. Tenho uma
pergunta. O senhor conhece o Sr. Yanukovich há muito tempo. O conhecia quando
era presidente. Ele sempre foi fujão e covarde? Obrigado.
VLADIMIR PUTIN: Sabe, há um ditado russo que
diz: “A coroa sempre pesa”. O peso sobre os ombros de um chefe de estado, seja
grande ou pequeno, é imenso. Nos momentos críticos, cada um ou cada uma só pode
confiar na experiência pessoal e nos próprios valores morais.
Quanto
ao Sr. Yanukovich, cumpriu seu dever como entendeu possível e apropriado.
Claro
que sim, falei com ele várias vezes durante a crise, e depois que chegou à
Federação Russa. Discutimos a possibilidade de usar a força, dentre outras
coisas. Pode haver várias respostas a essa situação, mas a essência do que ele
me respondeu foi que pensou várias vezes em usar a força, mas disse que não
teve condições para assinar a ordem para que a polícia atirasse contra outros
cidadãos.
No que
diga respeito à força Berkut, o
senhor e seus colegas sem dúvida cumpriram seu dever com honestidade,
profissionalmente e com honra. Fazem jus a todo respeito, o senhor e seus
soldados. De fato, o que aconteceu aos senhores e o modo como são tratados
agora em Kiev, voltará a pesar contra o estado ucraniano. Ninguém pode humilhar
soldados que protegem os interesses do estado, torturá-los, privá-los de
assistência médica quando estão num hospital. Sei que há oficiais da Berkut que estão hospitalizados e não
recebem os cuidados necessários, alguns, nem comida.
Nossos
inúmeros contactos com as autoridades de Kiev, para que nos autorizem a
retirá-los de lá não têm recebido resposta. Se um estado trata desse modo
funcionários que cumpriram honestamente o seu dever, esse estado não deve
contar com ser tratado muito respeitosamente no futuro. Na verdade, já estamos
vendo acontecer precisamente isso. Com o tempo, todos entenderão que os
senhores cumpriram com honra o seu dever e lhes agradecerão.
KIRILL KLEYMENOV: Muitas pessoas
estão fazendo comparações históricas com os eventos ucranianos. Valery Klimov,
da Região de Sverdlovsk, fala de uma situação concreta: “O presidente do Chile,
Salvador Allende, morreu lutando por seu país. O presidente da Ucrânia fugiu de
seu país. O senhor lutaria até morrer pela independência de seu país?”.
VLADIMIR PUTIN: Primeiro, não concordo que
Yanukovich tenha fugido. Teve de sair, mas não fugiu de Kiev; estava em viagem,
quando o governo e os prédios do governo foram invadidos em Kiev, rompendo
acordo assinado.
Quando
Yanukovich assinou o acordo de 21 de fevereiro de 2014, testemunhado e
garantido por três ministros europeus, da Polônia, da França e da Alemanha,
acreditava que o acordo seria respeitado. Nos termos desse acordo, Yanukovich
prometera não usar o exército nem qualquer força armada contra os
manifestantes, e retirar de Kiev as forças do Ministério do Interior, incluindo
os policiais Berkut, e a oposição se
comprometera a evacuar os prédios ocupados, desmontar as barricadas e desarmar
seus combatentes. Yanukovich concordou com antecipar as eleições parlamentares
e com eleições presidenciais, e com a volta à Constituição de 2004, com
eleições presidenciais em dezembro de 2014. Se quisessem, poderiam ter
realizado eleições presidenciais em um mês, um mês e meio, porque ele estava
pronto a concordar com qualquer coisa. Mas, no instante em que viajou, deixou
Kiev e retirou da cidade as unidades do Ministério do Interior, a oposição reiniciou
os ataques, tomou o prédio do governo, dentre outros prédios públicos e
consumou um golpe de estado clássico, no pleno e clássico sentido da palavra.
Não se sabe por que fizeram o que fizeram, por que agiram de modo tão pouco profissional
e tão pouco prudente, nem por que empurraram o país para a atual situação. Não
há resposta. Não se sabe.
Quanto
à sua pergunta, sobre o que eu faria, você sabe que as decisões que se tomam em
situação crítica dependem na nossa experiência e dos nossos valores. Você sabe
que trabalhei para a KGB da União Soviética, ou, mais precisamente, no serviço
de inteligência estrangeira, no qual somos treinados de modo específico que se
resume, de fato, em absoluta lealdade ao povo e ao país.
MARIA SITTEL: Segundo pesquisas,
96% dos russos consideram acertada a decisão que o senhor tomou sobre a
Crimeia. E há os que não concordam. Temos hoje aqui representantes desses dois
lados. A favor,
falaram Yury Bashmet, Denis Matsuyev e Karen Shakhnazarov.
KAREN SHAKHNAZAROV: [fala a favor, sem novidades (NTs)]. (...) E tenho
uma pergunta para o senhor, Sr. Putin: Nos últimos dez anos, vimos forjando
laços com a República Popular da China, e vejo que a convergência existe e é
mútua. Na atual situação, é possível formalizar essa parceria, como união
militar e política?
VLADIMIR PUTIN: Primeiro, obrigado por seu
apoio e por sua posição sobre a Crimeia. Sobre nossas relações com a China,
estão progredindo com sucesso, em termos de confiança e colaboração, o que é
sem precedentes. Inclui cooperação política e nossas ideias partilhadas sobre
assuntos internacionais e segurança global, que é a base para essas relações
entre governos. Somos também vizinhos e aliados, num sentido. Não levantamos a
questão de uma união militar e política.
Em termos
gerais, acho que a mentalidade de bloco é coisa do passado. A OTAN foi criada
como contrapeso à União Soviética e à política da União Soviética no leste da
Europa. O Pacto de Varsóvia foi assinado, como resposta. A União Soviética
desapareceu, mas a OTAN permanece. Dizem que está mudando e se tornando
organização mais política. Mas o Artigo 5 continua vigente, e é artigo sobre
apoio militar mútuo. Contra quem a OTAN age? Por que insiste em expandir-se na
direção de nossas fronteiras? Há planos para criar novos blocos? Não sei; não
pensamos sobre isso.
Mas é
absolutamente claro que estamos expandindo nossa colaboração com a China. Nosso
comércio com os EUA é de 27,5 [bilhões de dólares], mas nosso comércio com a
China é de 87 bilhões e continua a crescer. Para os especialistas, a China está
se aproximando de ser a maior potência econômica do planeta. Só discutem quando
acontecerá: em 15, 20 ou 25 anos. Mas todos entendem que é inevitável que
aconteça. Com a população da China já chegando quase a 1,5 bilhão e a economia
modernizada, pode-se dizer que, de fato, já está acontecendo.
Assim
sendo, com certeza continuaremos a desenvolver relações com a China. Nunca
antes tivemos relação como essas, baseadas na confiança mútua na indústria
militar. Começamos a fazer exercícios conjuntos em terra e mar, na Federação
Russa e na China. Há razões pois para assumir que relações russo-chinesas serão
fator significativo na política global e influenciarão substancialmente as modernas
relações internacionais.
MARIA SITTEL: Sr. Presidente,
voltemos à questão da carta aberta de apoio ao senhor assinada por destacadas
figuras da cultura russa, intelectuais e artistas. O que pensa o senhor sobre
cartas abertas em geral, e, pessoalmente, dessa específica situação, que parece
muito situação dos tempos soviéticos: artistas, onde depositam suas lealdades?
VLADIMIR PUTIN: Primeiro, permita-me repetir
que muito agradeço o apoio às minhas políticas para a Crimeia e em outras
questões. Quanto a declarações pública, acho que cada um decide o que fazer.
Veja, por exemplo, o Sr. [Karen] Shakhnazarov – eu o conheço há anos, mas,
sinceramente, não sabia de suas ideias políticas. Para mim, foi grande surpresa
vê-lo expor posição exatamente equivalente à minha, com tanta clareza, com tanta
firmeza e eloquência, e com muito mais emoção e elegância do que eu.
Sobre
cartas coletivas – bem, acho que não fazem mal algum, mas sempre prefiro as que
não são orquestradas. Quando se ouve manifestação pessoal, emocional e
espontânea, é sempre melhor que documentos frio, que alguém organiza friamente
e os demais só assinam. Isso, sinceramente, é coisa que detesto e sempre
detestarei.
KIRILL KLEYMENOV: Voltemos ao
debate público em curso sobre a reintegração da Crimeia e Sebastopol à Rússia.
Vejo aqui no estúdio Andrei Norkin, jornalista muito conhecido e meu colega há
20 anos. As palavras dele sobre essa questão merecem ser ouvidas. Olga, por
favor.
OLGA USHAKOVA: Estou aqui com
Andrei Norkin, jornalista, apresentador da rádio Kommersant FM. Sr. Norkin,
gostaria de perguntar-lhe o seguinte: o senhor é conhecido por suas posições
independentes em várias questões, mas, dessa vez, o senhor apoiou
declaradamente as ações do governo russo na Crimeia, o que gerou uma avalanche
de críticas de seus colegas, que preferem jornalismo mais isento. Por que o
senhor entende que sua opinião dessa vez tenha sido tão criticada por tantas
pessoas que tantas vezes partilharam e reproduziram suas opiniões?
ANDREI NORKIN: Não acho que
tenha sido só por causa da Crimeia; as maiores críticas vieram depois dos
eventos do canal Dozhd TV. Você sabe que as questões geopolíticas não são minha
principal preocupação com a Ucrânia. Estou mais preocupado é com o modo como
esses eventos estão sendo discutidos na Rússia, e o que eu ouço é prova ainda
mais clara do problema que encontrei pela primeira vez há vários anos e que
ainda está aí. Estou muito alarmado é com uma visão distorcida do mundo que
muitos jovens estão desenvolvendo.
Eu trabalho como jornalista, mas
também dou aulas de jornalismo. E posso garantir que é preciso muito trabalho
para convencer meus alunos e futuros colegas de que, por exemplo, a palavra
“patriota” não é sinônimo de “idiota”; que o Dia da Vitória não é o dia da
Barata do Colorado, [3] como
já é moda chamá-la nas redes sociais. Sei que são adolescentes, e que, para
eles, é crucial ‘estar na moda’ – e fazer tudo igual ao que faz o grupo de
amigos. O governo parece que decidiu não se intrometer nessas “tendências”. E
defender a terra onde nascemos não “está na moda” hoje. Sr. Presidente, o
senhor falou rapidamente sobre como foi criado e educado. Quando eu vinha para
cá, vinha pensando em falar sobre isso, sua formação. Aqui, passamos logo à
discussão sobre os eventos na Ucrânia, e fui-me convencendo de que o assunto é
importante. Eu tenho quatro filhos; dois – filho e filha – já são adultos; os
outros dois ainda estão na escola. Sei muito bem que as escolas delegaram as
funções de criar os filhos, aos pais. Mas os pais não passam o dia todo com os
filhos. Então, com meus meninos ainda menores, pensei muito sobre como resolver
esse problema e, finalmente, matriculei o mais velho numa escola de formação de
cadetes numa cidade próxima; e o mais novo também irá para lá. É escola que
respeita as tradições históricas. Todos os professores são militares ou, pelo
menos, da reserva, a maioria são homens. Os cadetes não recebem apenas educação
mais sólida – há cinco alunos por classe, não 35 – eles também recebem
orientação melhor que a que teriam em casa. São ensinados a amar a terra em que
nasceram e sua história, a respeitar mulheres e idosos e os próprios
companheiros, a não temer trabalho físico ou cansaço ou dor. São criados para
ser gente honesta, decente, cidadãos honrados do lugar onde nasceram e onde
vivem. O problema é que essas escolas são raras, muito poucas – se lembro bem,
há cerca de 15 em Moscou e na Região de Moscou.
Assim sendo, minha pergunta é: o
senhor não acha que seria boa ideia criar leis que favoreçam esse tipo de
educação, de formação de cadetes? Sei que essas coisas não se fazem do dia para
a noite, mas talvez seja possível prover, digamos, no orçamento regional, algum
meio de garantir subsídios às famílias que queiram mandar os filhos para
escolas de cadetes? Talvez assim o amor à própria terra volte à moda.
VLADIMIR PUTIN: Para começar, sobre o que você
disse, de não estar na moda amar a própria terra – talvez você esteja falando
de algum grupo específico de jovens mais próximos de você.
ANDREI NORKIN: Eu disse que dou
aulas de jornalismo e falei também como jornalista.
VLADIMIR PUTIN: Veja o quanto os eventos na
Crimeia e em Sebastopol sacudiram a sociedade. O que se viu é que o patriotismo
está aí, em algum lugar. Mas nós não sabíamos. Sim, o amor à Rússia é parte de
nosso povo, de nossa identidade. Por outro lado, é sintomático que, você,
jornalista, esteja alarmado com a falta de amor à própria terra, ou ao ver que
esse amor é visto como valor fora de moda. Se incomoda você, é sinal de que o
valor existe e está vivo em você; e você mandou seu filho para uma escola de
cadetes.
Será
preciso lei especial sobre isso? Temos de examinar a legislação sobre educação que
temos. Concordo que seja trabalho na direção certa, mas temos de ver se
realmente precisamos de nova lei. Não estou preparado para responder-lhe agora.
Mas prometo que vou examinar sua ideia que, sim, é boa ideia, desenvolver mais
esse tipo de educação. Você está certo. Sua família está bem e você mandou seu
filho para a escola que escolheu. Mas mais importante, para as famílias, por
exemplo, que perderam seu arrimo de família – especialmente se o pai é militar
– criar os filhos, alimentá-los, vesti-los e ensinar-lhes a atitude certa. Com
certeza examinaremos sua ideia, também do ponto de vista do financiamento.
Posso dizer, desde já, que estamos planejando criar mais escolas na Crimeia,
inclusive escolas de cadetes. Obrigado.
MARIA SITTEL: Sr. Putin, como o
senhor certamente sabe, os que não concordam com o senhor estão falando alto e
usando várias plataformas. Alguns assumiram posição muito agressiva, pedindo
que o ocidente aplique lição sangrenta à Rússia...
VLADIMIR PUTIN: Sangrenta? É mesmo?
MARIA SITTEL: Sim. Há pessoas
exigindo publicamente que atirem contra nossos soldados, outros publicam em
jornais dos EUA listas de russos que devem receber sanções.
VLADIMIR PUTIN: É verdade.
MARIA SITTEL: Para dizer que,
sim, há opiniões diferentes. Temos aqui no estúdio pessoas que não aprovam o
que o senhor está fazendo. Vamos ouvi-los.
TATYANA STOLYAROVA: Quero lembrar que os que se manifestaram contra a posição da Rússia na
Crimeia são uma pequena minoria. Já falamos das pesquisas. Mas, sim, nessa minoria
há políticos, músicos, atores, gente cuja voz ecoa amplamente. Aqui temos Irina
Khakamada. Qual é sua opinião?
IRINA KHAKAMADA: A questão é...
VLADIMIR PUTIN: Ira, você está realmente contra
nossa posição na Crimeia? Por que há tanta gente dizendo isso?
IRINA KHAKAMADA: Sr. Putin, não
é a primeira vez que rotulam o que digo ou faço, portanto, não se preocupe. Por
falar nisso, é sinal de que temos de pôr fim à guerra da informação.
Simplesmente não se pode usar esses estereótipos e rotular pessoas que estão,
simplesmente, tentando fazer uma oposição inteligente.
O que eu quis dizer é que a
Crimeia sempre aspirou a uma identidade russa. Estive várias vezes na Crimeia.
Mesmo em anos de relativa calma, quando o “azul” era substituído pelo “laranja”
e vice-versa, ninguém jamais realmente tocou na Crimeia, mas os residentes
sempre procuraram ser parte da Rússia. O que aconteceu já aconteceu. O senhor é
o vencedor. O senhor comandou fantástica operação, sem disparar um tiro. Quero
cumprimentá-lo pela declaração honesta de que os “homens verdes” eram militares
russos, que protegeram os russos, de modo pacífico.
É muito importante dizer isso em
público, para evitar especulações. Como vencedor, o senhor fez mesmo muito
mais, sempre buscando algum acordo. Hoje, pela primeira vez, seu representante,
o Ministro de Relações Exteriores, está falando com o representante das
autoridades ucranianas, ou chamem como preferirem, mas é a única contraparte
acessível para discutir a paz. A revista Time disse que o senhor é o político mais
influente do mundo.
Não acho que nós tenhamos
iniciado essa guerra. Mas quem venceu a guerra, sem a ter iniciado, pode pôr
fim a ela. Quanto antes, melhor, porque as pessoas comuns logo começarão a
perceber, também na Crimeia, que a vida delas depende enormemente do que está
acontecendo na Ucrânia. As pessoas comuns estão sofrendo e sentindo as
consequências de ter de lutar contra seu próprio povo. Entendo que, agora, tudo
depende do senhor, da Rússia. Agora é o momento crucial. Digo-lhe isso como
ex-política, porque tenho uma espécie de instinto para sentir o momento, quando
a hora chegou, o momento politicamente certo.
Minha questão é a seguinte. A
Europa foi deixada de lado. Jamais resolveu problema algum. A Europa não gosta
de resolver problemas, porque cresceu habituada a viver em paz. O diálogo é
entre Rússia e EUA. Os EUA estão dispostos a pagar um bilhão de dólares para
garantir que haja eleições dia 25 de maio. A Rússia insiste num referendo ou na
regionalização, ou que se convoque uma Assembleia Constituinte para redigir uma
nova Constituição para a Ucrânia, com eleições só depois de haver nova
Constituição.
Creio firmemente que a guerra se
espalhará para todo o espaço pós-soviético, se os dois lados insistirem nas
atuais posições. Ninguém precisa disso – nem os russos, nem o povo da Crimeia,
que agora é parte da Rússia, nem os ucranianos, nem o leste da Ucrânia. A
regionalização da Ucrânia é um acordo, que implica o direito de o leste e o sul
da Ucrânia falarem russo, eleger governos locais e viver em paz. Ao mesmo
tempo, há um entendimento de que se devem fazer eleições o mais rapidamente
possível, para acalmar as tensões.
Em sua opinião, a Rússia pode
apresentar alguma proposta que facilite um acordo com os EUA? Que haja eleições
dia 25 de maio, garantindo-se, ao mesmo tempo, que todos os partidos concordem,
antes de 25 de maio, com a regionalização da Ucrânia, a ser feita mediante
negociações ou por outros meios diplomáticos.
VLADIMIR PUTIN: Se é possível um acordo entre
Rússia e EUA sobre a Ucrânia? Esse acordo tem de ser alcançado, mas entre as
forças políticas na Ucrânia, sem outras partes. Essa é, na verdade, a questão
chave. Só podemos apoiar e acompanhar esse processo.
Sobre o
que deve vir antes – um referendo constitucional, em seguida as eleições, ou
eleições antes, para estabilizar a situação, e o referendo depois.
A
questão essencial aqui é como garantir os direitos e interesses legítimos dos
russos étnicos e falantes do russo no sudeste da Ucrânia. Quero lembrar que o
que hoje se chama Novorossiya (Nova Rússia) – Carcóvia, Lugansk, Donetsk,
Kherson, Nikolayev e Odessa – não era parte da Ucrânia nos tempos do czarismo.
Esses territórios foram dados à Ucrânia nos anos 1920 pelo governo soviético
[Lênin]. Por quê? Não sei. Foram conquistados por Potyomkin e Catarina, a
Grande, numa série de guerras bem conhecidas. O centro daquele território era
Novorossiysk, por isso a região ainda é chamada Novorossiya. A Rússia perdeu
aqueles territórios por várias razões. Mas o povo que vive ali sempre foi o
mesmo povo.
Hoje,
vivem na Ucrânia e devem ser cidadãos plenos do próprio país. É disso que se
trata. A questão não é se o referendo ou a descentralização ou a federalização
deve acontecer antes de eleições, ou que se façam eleições antes de mudar a
arquitetura do estado. A questão é dar garantias a quem vive lá.
Nosso
papel é facilitar uma solução na Ucrânia, para assegurar que haja garantias
para quem vive lá. As pessoas do sudeste da Ucrânia perguntarão a você, a nós,
às atuais autoridades em Kiev: “OK, haverá eleições dia 25 de maio. Mas querem
que nós aceitemos o resultado? Vocês prometem num dia e esquecem as promessas,
no dia seguinte, e mandam para cá novos oligarcas, para Donetsk, Carcóvia,
Lugansk etc. E que garantias nos dão? Nós queremos respostas.” Minha esperança
é que se encontre resposta
KIRILL KLEYMENOV: Irina
Prokhorova está conosco e tem posição clara.
MARIA SITTEL: Irina Prokhorova,
líder do partido Plataforma Cívica e editora-em-chefe da revista New Literary Review
IRINA PROKHOROVA: Boa-tarde, Sr.
presidente. [bobagens (parece a D. Dora Kramer
discursando (NTs)] Afinal, o senhor admitiu que a decisão sobre a Crimeia foi
difícil. Não foi decisão celebratória, mas passo necessário. Portanto, os medos
das pessoas preocupadas com novas complicações para seu próprio país são
compreensíveis. O senhor não acha que a amargura interna que se vê na
sociedade, infelizmente muitas vezes inflada por políticos, deputados
apaixonados pelas próprias palavras, minam as fundações de nossa cultura
realmente multiétnica? A Rússia não perderá seu status de grande potência
cultural, se as coisas seguirem o rumo atual?
VLADIMIR PUTIN: Obrigado por sua pergunta.
Francamente,
não vejo qualquer mudança especial com essa situação. Nada que chame a atenção,
mesmo em conexão com os eventos na Crimeia e Sebastopol. Admito que há conflito
de motivos e pontos de vista, ninguém está impedindo alguém de expô-los.
Ninguém está sendo preso, encarcerado ou mandado para campos de trabalho
forçado como em 1937. As pessoas que manifestam a própria opinião estão, graças
a Deus, vivas e em boa saúde e trabalhando normalmente. Mas alguns elementos da
intelligentsia russa não estão habituados ao fato de que pode haver resistência
às suas opiniões, e que alguém pode ter posição diferente da deles e discordar
da posição deles. Há pessoas que creem que o que elas dizem seria a verdade
final, e não há modo de as coisas serem diferentes. Nessas pessoas, quando
ouvem resposta discordante, acontece uma forte reação emocional.
Quanto
à situação na Crimeia em meses recentes, ouvi e li que há alguns que querem que
seu país perca e entendem que seria boa coisa. Aqui, também, vê-se uma certa
continuidade. Como se sabe, durante a Iª Guerra Mundial, os bolcheviques também
queriam que o governo da Rússia e a Rússia em geral fossem rapidamente
derrotados, e a situação saiu rapidamente de controle, o que levou à Revolução.
Há uma certa continuidade histórica aqui, mas não a melhor possível. Contudo,
concordo que em nenhum caso devemos escorregar para formas extremas de lidar
com os diferentes pontos de vista, nem separar as pessoas por suas opiniões.
Farei o melhor que eu puder para impedir que isso aconteça.
KIRILL KLEYMENOV: Já estamos no
ar há uma hora. Temos mensagens de texto, também. Tatyana, por favor, é com
você.
TATYANA REMEZOVA: [...] Temos
aqui um telefonema da vila de Pivovarikha, na Região de Irkutsk. Roman
Kuznetzov, boa-tarde. Você está ao vivo.
ROMAN KUZNETSOV: Boa-tarde, Sr.
Presidente. O senhor está planejando enviar contingente limitado de tropas para
o sudeste da Ucrânia para proteger a população que fala russo? Obrigado.
VLADIMIR PUTIN: Você sabe, apesar dos eventos
na Crimeia, não podemos perder a cabeça, temos de agir a partir da realidade.
Quais as realidades, hoje? Primeiro, temos de admitir que a composição étnica
da Crimeia é diferente da do sudeste da Ucrânia. Esses territórios, como já
disse, foram transferidos para a Ucrânia em meados dos anos 1920s, e em 1954 a Crimeia foi anexada
também, por algumas razões, à Ucrânia.
A
composição étnica da população ali é aproximadamente 50-50. Já mencionei que a
decisão final de reintegrar a Crimeia à Federação Russa foi baseada
exclusivamente nos resultados do referendo. Quando vi aqueles resultados, vi, eu
mesmo, que praticamente todos os habitantes votaram a favor da reintegração à
Rússia, repito, não tivemos escolha e nem poderia haver qualquer outra escolha.
Quanto
ao que está acontecendo no sudeste da Ucrânia, não sabemos, ainda, com certeza.
Mas acreditamos que temos de fazer tudo que esteja ao nosso alcance para ajudar
essas pessoas a defender seus direitos e determinar o próprio destino. É por
isso que lutamos. Permita-me lembrá-lo que o Conselho da Federação Russa deu ao
presidente o direito de usar as Forças Armadas na Ucrânia. Espero muito não ter
de usar esse direito e que, por meios políticos e diplomáticos, seremos capazes
de resolver todas as difíceis, para não dizer candentes, questões na Ucrânia.
MARIA SITTEL: Sr. Presidente, há
uma situação difícil agora, não só no sudeste da Ucrânia, mas também na
Transdnistria. Está bloqueada pela Moldóvia por um lado, e pelas recém
autoproclamadas autoridades de Kiev, pelo outro. Recebemos a seguinte mensagem
de texto: “Que meios há para resolver a atual situação na Transdnistria e qual
a posição da Rússia sobre isso?” Quero lembrar que, ontem, o Parlamento da
Transdnistria pediu que a Rússia reconheça a independência de mais essa
república.
VLADIMIR PUTIN: Esse é um dos problemas mais
complexos que herdamos, depois do colapso da União Soviética. Em primeiro
lugar, vivem ali mais de 500 mil pessoas, se não estou enganado. Essa população
expressa sentimentos pró-Rússia e vivem na Transdnistria, além disso, grande
número de cidadãos russos. Todos lá têm suas próprias ideias de como construir
o próprio futuro e o próprio destino. É manifestação de espírito democrático
admitir que aquelas pessoas façam o que decidirem fazer. Claro, temos de
dialogar com ambas, a Moldávia e a Ucrânia, promover conversações no formato
5+2, que inclui a Moldávia, a Transdnistria e cinco outros estados que estão
participando do processo desse acordo. Acho que o bloqueio deve ser levantado
sem demora; os residentes da república sentem as consequências negativas do
bloqueio, tanto do lado da Moldávia como da Ucrânia. Grupos nacionalistas
armados já se reuniram na fronteira entre a Transdnistria e a Ucrânia; são
desenvolvimentos que têm de ser detidos sem demora. No longo prazo, as pessoas
devem poder decidir sobre o próprio destino. Nós e nossos parceiros
trabalharemos nessa direção, levando em consideração, é claro, o desejo dos
residentes na Transdnistria.
TATYANA REMEZOVA: Sr.
Presidente, outro ouvinte mandou pergunta muito interessante. Leio a mensagem:
“A Rússia anexou a Crimeia à força. Significa que, hoje, o poder é a única
garantia da soberania de um estado?”
VLADIMIR PUTIN: A Rússia não anexou a Crimeia à
força. A Rússia criou condições – com a ajuda de grupos armados de forças
especiais e das Forças Armadas, digo-o claramente – mas só para garantir
condições necessárias para a livre manifestação do desejo do povo que vive na
Crimeia e em Sebastopol. A decisão foi dos crimeanos. A Rússia respondeu ao
chamado deles e acolheu a decisão tomada pelos cidadãos da Crimeia e Sebastopol.
Normal. E não poderia ter sido feito de outro modo.
Quanto
ao fator poder nas relações internacionais, sempre existiu e sempre existirá.
Essa é questão diferente. A coisa é que os países, levando em conta que o poder
tem papel significativo nos assuntos internacionais, devem desenvolver e
fortalecer, baseados no seu próprio senso comum, regras tais, de conduta, que
garantam a estabilidade e permitam negociar, firmar compromissos e concessões,
e manter equilibrados os interesses de um estado e dos seus cidadãos, na arena
internacional, sem usar a força.
Os
eventos na Crimeia nada têm a ver com isso. Lembremos o que aconteceu no
Iraque, no Afeganistão, na Líbia e em outras regiões do mundo. Em minha
opinião, quando o mundo se torna unipolar – ou quando alguém tenta fazê-lo
unipolar –, acontece que esse polo ‘único’ passa a viver sob a ilusão de que
todas as questões podem ser resolvidos pelo poder, pela força bruta. De fato, o
desejo de negociar só aparece quando há equilíbrio de poderes. Temos esperança de
que avançaremos na trilha de fortalecer a lei internacional.
MARIA SITTEL: Obrigada.
MARIA SITTEL: Sr. Putin, agora,
por favor, algumas perguntas por vídeo. Nossa repórter é Anna Pavlova.
ANNA PAVLOVA: Obrigada. Nosso
centro de vídeo também está recebendo muitas perguntas sobre a crise ucraniana.
Eis o vídeo que nos foi mandado por Sergei Lukas, de São Petersburgo.
SERGEI LUKAS: Sr. Putin, quem
quer lucrar com o mito super divulgado de que Forças Armadas russas se estariam
preparando para invadir a Ucrânia? Quais os objetivos desses que querem nos pôr
contra nossos irmãos, vizinhos e parceiros europeus? E podemos convidar todo
esse pessoal a visitar nossas fronteiras? Obrigado.
VLADIMIR PUTIN: A intenção de dividir Rússia e
Ucrânia, de separar o que é essencialmente em vários sentidos uma só nação, tem
sido questão de política internacional há séculos. Se você recorda as
declarações dos líderes do movimento Branco, verá que, apesar de todos os
desacordos políticos contra os Bolcheviques, eles jamais pensaram ou disseram
uma linha sobre alguma possível divisão entre Ucrânia e Rússia. Porque sempre
se viram eles mesmos como parte de um espaço comum e de uma única nação. E
estavam absolutamente certos.
Mas
hoje vivemos em países separados. E, infelizmente, essa política de dividir, de
separar e enfraquecer duas partes de uma única nação, prossegue. Há gente
demais no mundo que temem nosso pder “nossa imensidade”, como disse um dos reis
russos. Então, querem nos dividir em partes, é fato bem conhecido. Observe o
que fizeram com a Iugoslávia: cortaram o país em pequenos pedaços e agora
manipulam o que conseguem manipular ali, e é quase tudo. Agora, parece que
alguém está querendo fazer a mesma coisa conosco. E se você examinar o que está
acontecendo, logo verá quem está tentando fazer isso.
MARIA SITTEL: Sr. Presidente, há
milhões de russos étnicos que vivem na Ucrânia. Para as novas autoridades, são
marginais. A Sra. Timoshenko até mandou seus apoiadores pegarem em armas e
liquidá-los.
KIRILL KLEYMYONOV: Os “malditos
russos”.
MARIA SITTEL: Exatamente. Há
muitas manifestações semelhantes a essa. Mas a maioria das perguntas é sobre o
destino dos russos étnicos na Ucrânia. Aqui, fala o Sr. Lukyanenko, escritor.
DMITRY SHCHUGOREV: Sergei
Lukyanenko é escritor conhecido, que declarou “amaldiçoada” a terra da Ucrânia,
depois dos eventos sangrentos em Maidan em fevereiro, que ninguém quer
investigar. E Lukyanenko também respondeu a escritores ucranianos, e proibiu
que seus livros sejam traduzidos e publicados na Ucrânia. Qual é sua pergunta,
Sr. Lukyanenko?
SERGEI LUKYANENKO: A Ucrânia
desenvolveu-se como estado hostil à Rússia ao longo dos últimos 23 anos. Há até
um slogan: “Ucrânia não é Rússia”. O mais horrível é que essas sementes deram
frutos. Vemos o que está acontecendo: o país mergulhado em histeria
nacionalista, se não fascista. Autoridades estão mandando unidades armadas e
esquadrões punitivos, para o sudeste da Ucrânia. E o que mais chama a atenção,
como vejo as coisas, é que a posição da Rússia está sendo ignorada pelo Ocidente
e apagada na Ucrânia.
Como, na sua opinião, podemos
fazer ouvir lá o nosso ponto de vista? É possível, pelo menos? Podemos
convencer o Ocidente a nos ouvir e compreender o que estamos dizendo? Às vezes,
tenho a impressão de que não conseguimos chegar até eles.
VLADIMIR PUTIN: Sabe, Sergei (permite que o
chame assim, Sergei?), não concordo com você. Sei que você é um dos melhores
escritores modernos, muito lido e publicado. Mas não concordo que a Ucrânia
seja terra amaldiçoada; por favor, não use essa expressão aplicada à Ucrânia. A
Ucrânia é terra que sofre há muito tempo; é uma comunidade complexa, que padece
há muito tempo, no sentido direto dessa palavra. Agora, está havendo uma
ressurgência de nacionalismo e até de neonazismo no oeste da Ucrânia. Mas você
conhece bem a história desse território e de seu povo. Alguns daqueles
territórios foram parte da Tchecoslováquia, alguns da Hungria, alguns dos
austro-húngaros e alguns da Polônia, países dos quais os ucranianos jamais foram
cidadãos plenos. Você sabe, no fundo do coração deles, sempre havia algum
ressentimento fermentando.
Há quem
creia que nessas circunstâncias – porque aqueles territórios foram
ex-possessões de vários poderes que hoje são países da União Europeia – isso
imbuiria os ucranianos de alguma espécie de ‘substância’ europeia. O fato de os
ucranianos sempre terem sido vistos como cidadãos de segunda classe naqueles
estados parece estar sendo esquecido, mas ainda fermenta na memória histórica
dos ucranianos, por baixo da casca, no fundo do coração. Disso, me parece, nasce
aquele nacionalismo deles.
Outro
assunto é a Ucrânia central, do leste e do sudeste. Já falei dessa área, a Nova
Rússia, cujas raízes misturam-se com as do estado russo. O povo local tem
mentalidade um pouco diferente. Veem-se como parte da Ucrânia que há hoje, que
foi “montada” no período soviético. Claro, é difícil para eles estabelecer
relações adequadas entres todas aquelas partes e compreenderem-se umas as
outras. Mas temos de ajudá-los a conseguir isso, o mais que pudermos. Qual
outro, nessas circunstâncias, poderia ser o nosso papel, o papel de bom
vizinho, de parente mais próximo?
Se
nossos parceiros europeus e do outro lado do mundo nos ouvirão? Espero que sim.
Mas, ao mesmo tempo – e já falei há pouco sobre isso – há algumas apreensões
relacionadas à própria Rússia, território gigantesco, potencial de crescimento
gigantesco, potencial de poder gigantesco. Por isso, eles preferem nos ter
fatiados, cortados aos pedaços, e servir-se de nós assim, aos pedaços.
Se
nossos parceiros nos ouvirão, nesse caso? Acabo de falar sobre o que, em larga
medida, os está guiando, mas acho que sim, que devem nos ouvir, porque no
fervilhante mundo contemporâneo, tendo em mente suas tendências no curto prazo
histórico e também no longo prazo histórico, esse mundo, toda a Europa – como
eu disse, de Lisboa a Vladivostok – deve unir-se para ser competitivo e viável,
num mundo em rápido desenvolvimento. A circunstância atual é extremamente
importante. Espero que nossos parceiros nos ouçam e nos entendam.
KIRILL KLEYMENOV: No website “Linha Direta”, predominam perguntas sobre
a Ucrânia, reuni as mais frequentes...
VLADIMIR PUTIN: Só um momento.
Sergei,
por favor, não concordo com você proibir os seus livros, em lugar algum,
inclusive na Ucrânia. Não é questão de dinheiro, mas você é um dos mais
destacados autores russos, é parte da cultura russa. Temos de promover a
cultura russa, em vez de retirá-la de cena, certo?
SERGEI LUKYANENKO: Certo. Então
concordo.
VLADIMIR PUTIN: Obrigado.
KIRILL KLEYMENOV: Encontrei
outra pergunta muito repetida no website do programa. É a pergunta de Alexander
Zhabinsky, Região de Moscou: “Nos recusamos a negociar com as atuais
autoridades em Kiev. Entendemos que não têm legitimidade. Não reconhecemos a
legitimidade da eleição presidencial marcada para maio. Continuamos a
ignorá-los, mas a Ucrânia não navegará, simplesmente, para longe da fronteira
russa. Mais cedo ou mais tarde teremos de conversar com eles, legítimos ou
ilegítimos. Não seria melhor não perder tempo e iniciar as conversas com
possíveis vencedores das eleições presidenciais?”
VLADIMIR PUTIN: Realmente entendemos que as
autoridades atuais não têm legitimidade. Não podem ser legítimas, posto que não
foram eleitas e não têm mandato legal para governar o país – o que já fala por
si só. Ao mesmo tempo, nós não nos recusamos a negociar com eles. Estamos em
contato no nível ministerial. Nossos ministros mantêm contatos com o pessoal
ucraniano. O Primeiro-Ministro Medvedev falou com o Sr. Yatsenyuk. O Sr.
Naryshkin falou com o Sr. Turchynov. Eles estão em contato.
Sobre
os candidatos à presidência, você sabe o que está acontecendo com essas
eleições. O que está acontecendo é absolutamente inaceitável. Se continuar como
até aqui, não poderemos reconhecer como legítimo o que quer que aconteça depois
de 25 de maio/21014.
Como
pode ser legítima uma eleição, quando os candidatos do leste são espancados,
agredidos com tinta e impedidos de falar aos eleitores? Que tipo de campanha é essa?
E, isso, sem nem falar da Constituição ucraniana. Irina Khakamada tinha uma
pergunta sobre a legitimidade da eleição nos termos da Constituição ucraniana.
Sem mudanças na Constituição, não pode acontecer novas eleições, porque o Sr.
Yanukovich ainda é o presidente eleito. A Constituição vigente diz que não se
podem fazer novas eleições se há presidente eleito vivo. Portanto, se querem
fazer eleições legítimas, é preciso, antes, que mudem a Constituição. Só depois
disso se pode falar sobre federalização e descentralização. É o que me diz o
bom-senso.
Claro
que sempre se pode continuar a agir contra o bom-senso, mas não sei a que isso
nos levaria. Mas, sim, continuamos em contato com todos. Atualmente, o
candidato que está liderando nas pesquisas é o Sr. Poroshenko. Parte
substancial das suas empresas e negócios estão na Rússia. A empresa dele
fabrica doces que vocês com certeza já comeram, sem nem saber que Poroshenko é
dono da fábrica e candidato à presidência.
Conheço
muito bem a Sra. Timoshenko. Sei que ela disse que os russos devem ser
“destruídos por arma nuclear”, mas acho que disse isso em alguma espécie de
surto, de crise emocional. Mas a conheço bastante bem. Foi ela, vale lembrar,
quem assinou o contrato de gás que, hoje, outras partes também signatárias
recusam-se a honrar. Mas a Rússia já manteve boas relações comerciais com ela.
Ainda não encontrei nenhum dos candidatos do leste – Tsarev e o ex-governador
da Carcóvia – mas, de modo geral, compreendemos que tipo de pessoas são. E,
sim, com certeza, trabalharemos com todos eles.
MARIA SITTEL: Queria falar, por
favor. Sr. Presidente, a campanha de Maidan contra o sudeste também é
inconstitucional. Também é contra...
VLADIMIR PUTIN: Com licença. Agora há essa
pressão sobre o povo do sudeste, para que entreguem as armas, mas o que digo
aos nossos parceiros é: “Essa é a abordagem correta, apropriada, mas, se é esse
o caso, tirem também os militares que estão por trás dos civis”. Eles
enlouqueceram completamente: tanques? Blindados? (estou vendo na tela da
televisão) E canhões? O que querem fazer com esses canhões? Enlouqueceram
completamente?
KIRILL KLEYMENOV: O sistema de
lançamento múltiplo de foguetes.
VLADIMIR PUTIN: O sistema de lançamento
múltiplo de foguetes, artilharia para combate antiaéreo e jatos de combate no
céu. Perderam a cabeça? E depois, o que virá depois? Há grupos nacionalistas
armados. OK. Suponhamos que o leste se desarme, entregue as armas, suponhamos
que o exército se retire. E os grupos nacionalistas armados? Por que os grupos
nacionalistas ainda não foram desarmados? Depois, dizem que não podem fazer
nada.
Como é
possível falar de desarmar o povo no leste, se policiais da Berkut [polícia antitumultos ucraniana], guardas
do Ministério do Interior e até unidades militares inteiras estão desertando e
mudando de lado, levando as próprias armas, é claro? Toda essa questão tem de
ser resolvida de outro modo. Tem de ser resolvida mediante acordo, compromisso,
concessões e com plena garantia aos direitos legítimos das pessoas.
MARIA SITTEL: Sim, mas ninguém
quer conceder nada. Fazer acordo com quem? O senhor diz que tem de haver
garantias, mas quem dará essas garantias? Os EUA, o Ocidente, os líderes da
União Europeia, as autoridades autoimpostas de Kiev? Quem?
VLADIMIR PUTIN: É necessário encontrar um
acordo com os que pensam que estão no poder em Kiev agora. Eles têm de ter bom-senso
e senso de realidade.
KIRILL KLEYMENOV: No nosso
estúdio a gente da lista dos sancionados. Talvez alguns nem saibam que foram
listados. Mas Dmitry Kiselev sabe, com certeza absoluta, que seu nome está na
lista.
VALERIA KORABLEVA: Dmitry
Kiselev, diretor-geral da Agência [de notícias] Rossiya Segodnya Information.
DMITRY KISELEV: Boa-tarde, Sr.
Putin. Nos prometeram o vídeo, e eu queria apoiar, de algum modo. Mas estamos
tendo problemas técnicos, e mostrarei com os dedos.
Aqui, temos um anel. E parece
que nosso país está dentro. Tenho a sensação de que alguma coisa me aperta, me
sufoca. Acho que é a OTAN, porque se espalha como tumor canceroso. Nos últimos
25 anos, esse bloco literalmente engoliu nossos aliados do Tratado de Varsóvia,
depois partes da União Soviética e os estados do Báltico. Também abriu a
bocarra para engolir a Geórgia e agora também a Ucrânia.
Oficiais, nos quarteis-generais
da OTAN dizem que também faria sentido admitir a Ucrânia na OTAN, e o senhor
está dizendo que o sistema de blocos está morrendo. Não posso concordar com
isso, porque sinto esse bloco ainda a me sufocar.
Claro, o senhor pode dizer que
sou paranoico, atribuir minha sensação a uma paranoia. Mas mesmo que alguém
seja paranoico, não quer dizer que não esteja sofrendo e que não esteja sendo
agredido. Não se trata portanto de mim, mas da expansão da OTAN. Onde está a
linha vermelha? Há alguma linha vermelha? O que o senhor, como presidente,
sente? Nada pessoal, Sr. Putin. Obrigado.
VLADIMIR PUTIN: Nós sufocaremos todos eles, nós
mesmos! Por que você está tão temeroso? (Aplausos)
DMITRY KISELEV: Não, não estou
com medo algum. Só quero saber é onde está a linha vermelha, onde parar. Há
limites. O senhor os definirá? Obrigado.
VLADIMIR PUTIN: Não estamos com medo – nem eu
nem ninguém. Ninguém deve temer, mas temos de trabalhar a partir dos dados da
realidade. Quanto à realidade, você acaba de descrevê-la bem vividamente ao seu
modo brilhante, e nos fez sentir calafrios, ou quase. Repito: não tenho medo de
coisa alguma, mas temos de ser realistas ao avaliar a situação. E qual é a situação.
Você mostrou a imagem.
Primeiro,
nos prometeram (falei sobre isso na Conferência de Segurança de Munique) que,
depois da unificação da Alemanha, a OTAN não avançaria na direção do leste. O
então secretário-geral da OTAN disse aos russos que a aliança não avançaria
além da fronteira leste. Mas começou a expandir-se, incorporando os ex-países
do Tratado de Varsóvia e, depois, os estados do Báltico, ex-repúblicas
soviéticas.
A certa
altura, eu costumava dizer “Por que estão fazendo isso? Querem dar segurança a
esses países? Pensam que alguém possa atacá-los? Ora, basta assinar um tratado
bilateral de amizade e assistência mútua, inclusive ajuda militar, e a segurança
deles estará garantida”. Ouvi, de resposta que “Não lhe diz respeito. Nações e
países têm o direito de escolher como proteger a própria segurança”.
Certo,
é verdade. Mas também é verdade que quando a infraestrutura de um bloco militar
aproxima-se das nossas fronteiras, temos motivos para apreensões e perguntas.
Temos de tomar certos passos, e isso também é verdade; ninguém nos pode negar
esse direito. O que nos compele a reagir.
Vou
usar essa oportunidade para dizer algumas palavras sobre nossas conversações
sobre mísseis de defesa. Essa questão não é menos, e provavelmente é até mais
importante que a expansão da OTAN para o leste. A propósito, nossa decisão
sobre a Crimeia foi parcialmente provocada por isso.
Desnecessário
dizer, antes de tudo e mais importante que tudo, quisemos apoiar os residentes
da Crimeia. Mas também seguimos certa lógica: se não fizermos nada, a Ucrânia
será arrastada para a OTAN, em algum momento, no futuro. Vão nos dizer que “Não
lhes diz respeito” e navios da OTAN atracarão em Sebastopol, a cidade da glória
naval russa.
Mas nem
é o lado emocional da questão. O ponto é que a Crimeia avança dentro do Mar
Negro, está no meio dele. Mas, em termos militares, não tem a importância que
teve nos séculos 18 e 19 – refiro-me às modernas forças de ataque, inclusive
costeiras.
Mas se
as tropas da OTAN entrarem, imediatamente instalarão aquelas forças ali. Esse
seria movimento geopoliticamente sensível para nós, porque, nesse caso, a
Rússia seria praticamente empurrada para fora da área do Mar Negro. Ficaremos
só com pequeno litoral de 450 ou 600km. E pronto.
Desse
modo, a Rússia pode ser realmente afastada dessa região que é extremamente
importante para nós, uma região pela qual tantos russos deram a vida ao longo
de séculos. É assunto muito sério. Não devemos temer nada, mas temos de
considerar essas circunstâncias da realidade e reagir de acordo.
Como
acabo de dizer, o mesmo está acontecendo com nossas conversas sobre a
instalação de elementos dos mísseis de defesa dos EUA. Não é sistema de defesa,
mas parte do potencial ofensivo, instalado muito longe dos EUA. Outra vez,
estão nos dizendo que “não é contra vocês”.
Mas,
entre os especialistas, todos compreendem muito bem que se esses sistemas são
instalados perto de nossas fronteiras, nossas bases de mísseis estratégicos em
terra estarão dentro da área de ataque deles. Todos sabem perfeitamente que é
assim, mas nos dizem “Por favor, acreditem, não é contra vocês.”
Nossos
parceiros norte-americanos rejeitaram nossa proposta para assinar um simples
papel, com valor legal, que dissesse que esses sistemas não estarão dirigidos
contra nós. Por surpreendente que seja, é pura verdade. Naturalmente, estamos
em posição de perguntar “E por que vocês recusam-se a assinar seja o que for,
se dizem que nada está ali dirigido contra nós?”.
Parece
trivial – um papel que pode ser assinado hoje e rasgado amanhã – mas nem isso
querem assinar. Se instalarem esses elementos na Europa, teremos de fazer
alguma coisa em resposta, como já dissemos tantas vezes. Mas isso implica
escalar na corrida armamentista! Por que fazer isso?
Muito
melhor seria examinar a questão e determinar se há ou não ameaças de mísseis
vindas de algumas direções e decidir como esse sistema pode ser controlado ou
como se pode ter acesso a ele. O melhor seria fazer isso todos juntos, mas não,
eles não querem.
Naturalmente,
continuaremos essas conversações com paciência e persistência, mas, acontecendo
alguma coisa, faremos todo o necessário para garantir a segurança do povo
russo, e não há dúvida alguma de que teremos sucesso.
KIRILL KLEYMENOV: Sr.
Presidente, o público, que continua a telefonar e escrever, quer saber o preço
de nossa vitória na Crimeia. A Rússia assumiu peso insuportável, ao aceitar a
incorporação da Crimeia?
VLADIMIR PUTIN: Estão perguntando por despesas,
gastos?
KIRILL KLEYMENOV: Sim,
basicamente dinheiro gasto ou a ser gasto lá.
VLADIMIR PUTIN: Bem, falando em preço da
vitória e gastos, devo dizer que, infelizmente, a infraestrutura da Crimeia,
inclusive as estações de férias, está em péssimo estado, e teremos de investir
pesadamente em infraestrutura. Também haverá gastos pesados no aumento dos
salários e aposentadorias do setor público; e para desenvolver a economia,
inclusive a agricultura, da Crimeia.
Estamos
falando de quanto? Tome os aposentados, pensionistas e empregados do setor
público. Os gastos do Fundo de Pensões da Rússia são de cerca de 6 trilhões de
rublos. Sem contar alocações para auxílio-maternidade e outros benefícios
sociais, só as aposentadorias somam 4,5 trilhões de rublos. Quando alocaremos
esse ano, para ajudar os aposentados da Crimeia? 28 bilhões de rublos. É muito?
É pouco? Pode parecer muito, mas comparado a 4,5 trilhões, nem é tanto. O gasto
para pagar funcionários do setor público [na Crimeia] alcança apenas 16,5
bilhões, perfeitamente viável, para nós. Além da infraestrutura, teremos também
outros gastos necessários. Não será necessário tirar dinheiro de outros
programas, porque temos um fundo adicional de reserva do governo, de 245
bilhões, um pouco menos esse ano, 240 bilhões de rublos. Acho que todos os
subsídios para os programas na Crimeia não ultrapassarão 100 bilhões.
KIRILL KLEYMENOV: Mas e a ponte,
a eletricidade e outras coisas?
VLADIMIR PUTIN: Uma ponte é elemento vital, ou
pode ser talvez um túnel – ainda não decidimos, porque é questão a ser
analisada por especialistas. Uns dizem que o túnel tem estrutura mais flexível;
outros falam de falhas tectônicas na área. É questão a ser considerada e
analisada com muito cuidado, porque, seja qual for a decisão – uma ponte,
várias pontes ou um túnel – é projeto que exige não só financiamento, mas
também tempo. Não estará construído em um ano. Estamos falando de gastos, mas
tenho confiança de que, no futuro, e mesmo no curto ou médio prazo, a Crimeia
se tornará geradora de riquezas. Passará, de região que carece de subsídios
federais, para região autossuficiente e doadora de riqueza.
Posso
dizer francamente – acho que meus ex-colegas, ex-governantes da Ucrânia, não
terão o que lamentar: muitos me disseram que deliberadamente converteram sua
Região em região ‘pagante’, tirando dinheiro da Crimeia para redistribuí-lo a
outras partes mais carentes do país, onde a situação é especialmente difícil.
KIRILL KLEIMENOV: A questão da
Crimeia ganhou dimensões que ninguém esperava. Temos várias mensagens
semelhantes. Leio uma, enviada por Sergei Bibartsev, aposentado que vive na
Região de Krasnoyarsk: “Numa reunião de professores hoje, disseram à minha
esposa – ela é professora na Escola Secundária n. 71, na vila de Kedrovy – que
os salários dos professores serão reduzidos em 20% já em maio, por causa da
reunificação da Crimeia à Federação Russa”.
VLADIMIR PUTIN: Escroques.
KIRILL KLEIMENOV: “É verdade ou
não? E por que 20%?” Os professores, como se sabe, estão sob a jurisdição das
autoridades locais. Talvez...
VLADIMIR PUTIN: Não. As escolas são geridas no
nível municipal, com apoio do governo da Regiões. Claro que mentiram. Essa “explicação”
nada tem a ver com a realidade.
KIRILL KLEIMENOV: Recebemos
várias mensagens semelhantes a essa, de várias Regiões.
VLADIMIR PUTIN: Quero que todos escutem o que
estou dizendo aqui. Depois, examinaremos toda a informação que vocês mandaram e
organizaremos as coisas e responderemos. Como eu já disse, não há necessidade
de reduzir nenhum dos nossos programas sociais, nem as garantias que os russos
têm. Quero repetir com toda a seriedade e assumindo plena responsabilidade pelo
que digo, que nenhum programa social vigente na Rússia, com financiamento
previsto no orçamento russo, será reduzido. Temos recursos para continuar a
fazer tudo o que fizemos até hoje. Todo o dinheiro necessário para ajudar o
povo da Crimeia virá dos fundos de reserva do governo, e nenhum de nossos programas
sociais será afetado.
KIRILL KLEIMENOV: E onde devem
ir os que queiram reclamar, caso aconteça...
VLADIMIR PUTIN: Reclamem em todos os lugares.
Já reclamaram aqui, agora. Tentaremos responder sempre.
KIRILL KLEIMENOV: Bom. Os
aposentados também estão preocupados. Um deles diz: “Nos prometeram aumento de
3% nas aposentadorias, para abril, mas o aumento foi só de 1,7%. Acho que tem a
ver com a Crimeia” – quem escreve é Irina Shalygina, da Área Autônoma de
Khanty-Mansi.
VLADIMIR PUTIN: Repito: o aumento menor nada
tem a ver com a Crimeia ou Sebastopol. Está ligado à inflação, ao nível da
inflação e ao nível dos rendimentos do Fundo de Pensões. Pelas leis da
Federação Russa, as aposentadorias são ajustadas pela inflação duas vezes por
ano – em fevereiro e em abril. Não me lembro de o governo tem anunciado
oficialmente aumento de 3% nas aposentadorias em abril.
As
opiniões estão divididas dentro do governo, quanto a esses cálculos. Debateram
a questão e, no final, fizeram o que diz a lei.
Nos
termos da lei russa, o ajuste das aposentadorias pela inflação é calculado pela
inflação e pelos rendimentos do Fundo de Pensões. Em fevereiro, as
aposentadorias tiveram aumento de 6,5% e em abril, de 1,7%. Claro que é aumento
pequeno, mas sempre é melhor que nada. Isso, em primeiro lugar.
Número
dois. Claro que não é suficiente, mas se se somam 6,5% e 1,7%, temos 8,2%, o que
é mais que a inflação do ano. A meta é 6%, talvez tenhamos 6.5%. Seja como for,
a inflação está abaixo do aumento de 8,2% para os aposentados. É a isso que o
governo tem de ficar atento. De modo geral, temos de continuar pensando e
trabalhando para aumentar os ganhos de nossos aposentados. É óbvio.
MARIA SITTEL: Mais uma mensagem,
de aposentados aflitos. “Se o Ocidente se recusar a comprar gás da Rússia, como
isso afetará o bem-estar das pessoas, especialmente dos aposentados?” – Lyudmila
Budarina, Região de Tambov.
VLADIMIR PUTIN: Tenho de dizer que petróleo e
gás são parte muito importante do orçamento da Rússia. É componente pesado para
nós, para que possamos promover desenvolvimento, financiar nossos programas de
desenvolvimento e, claro, cumprir nossos compromissos com os cidadãos. Mas
vocês precisam lembrar de uma coisa. Não tenho certeza dos números. Mas a parte
maior da renda de petróleo e gás não vem do gás, mas do petróleo. Se minha
memória não falha, nossos ganhos com petróleo, em dólares, no ano passado,
somaram $191-194 bilhões; do gás, cerca de $28 bilhões. 191 do petróleo, contra
28 do gás.
O
petróleo é negociado em mercados mundiais. Há meio para nos prejudicar? Podem
tentar, sim, mas que resultado obteriam? Para começar, como fariam? De todos os
países do mundo, só a Arábia Saudita tem potencial para aumentar a produção e
derrubar os preços mundiais. O orçamento da Arábia Saudita assume um preço de
$85-$90 por mil metros cúbicos de gás...
KIRILL KLEYMENOV: O presidente Obama
já esteve lá, visitando.
VLADIMIR PUTIN: ... perdão, me enganei, quis
dizer: de petróleo. O orçamento saudita assume um preço de $85-$90 por barril;
o nosso orçamento, me parece, assume preço de $90. Quer dizer: se o petróleo
cai abaixo de $85, os sauditas começam a ter problemas, antes de nós. Para nós,
se cai de $90 para $85 não é crítico. Isso, em primeiro lugar.
Em
segundo lugar, temos muito boas relações com a Arábia Saudita. Divergimos, por
exemplo, em temos de nossas posições sobre a Síria, mas pensamos praticamente
do mesmo modo sobre o desenrolar da situação no Egito. E em muitos outros
assuntos concordamos integralmente. Tenho grande respeito pelo guardião dos
dois locais sagrados dos muçulmanos, o rei da Arábia Saudita. É inteligente e
equilibrado. Não me parece que nossos amigos sauditas farão mudanças bruscas
para ferirem-se eles mesmos e a economia russa
Além do
mais, são membros da OPEP, onde temos vários apoiadores. Não que tenham
simpatia por nós, mas têm seus próprios interesses econômicos e reduzir
fortemente a produção – o só pode ser feito de modo acordado dentro da OPEP – é
negócio muito complicado.
Por fim
, nos EUA, que estão desenvolvendo o gás de xisto e a produção de petróleo
extraído do xisto, a produção é muito cara. São projetos caros. Se o preço
mundial desaba, esses projetos se tornam não lucrativos, os lucros caem e a
nascente indústria pode simplesmente desaparecer.
E um
último ponto. O petróleo é precificado e comercializado no mundo, em dólares.
Se os preços desabam, a demanda por dólares desaba e o dólar começará a perder
importância como moeda mundial. Há muitos fatos envolvidos. O desejo de nos
morder está lá, mas as oportunidades são limitadas. Isso posto, sim, algum dano
podem provocar.
Agora,
sobre o gás. Nós vendemos gás por gasoduto (a maior parte de nossas vendas são
por gasoduto) principalmente para países europeus que dependem de fornecimento
russo para cobrir cerca de 30-35, 34 % de suas carências. Podem parar
completamente de comprar gás russo? Não acho que seja possível.
Alguns
dos nossos vizinhos, muito bons vizinhos com os quais temos sólidas relações,
como, por exemplo, a Finlândia... A Finlândia recebe da Rússia 90% do gás que
consome. Alguns países que se costumava chamar de Democracias Populares do
Leste Europeu dependem do gás russo, se não para 90%, então para 60, 50 ou 70%
de suas necessidades.
O fornecimento
pode parar completamente? A mim, essa ideia parece totalmente irrealista. Mas é
possível fazer, se alguém quiser, como autoagressão, para se autoatingir. Mas
nem consigo imaginar tal situação. Entretanto, é claro, todos têm interesse em
diversificar suas fontes de suprimento. A Europa está falando em tornar-se mais
independente da Rússia, como fornecedora, e nós, também, estamos começando a
falar e agir para nos tornarmos menos dependentes de nossos consumidores.
Até
aqui, contudo, há equilíbrio, em certa medida, entre consumidores e
fornecedores. O único problema é os países de trânsito. E a parte mais perigosa
é, claro, o trânsito pela Ucrânia, com a qual temos dificuldades tremendas para
acordar nossas questões energéticas. Mas espero que conseguiremos trazer as
coisas de volta ao normal, considerando os contratos já assinados e que estão
funcionando.
MARIA SITTEL: Obrigada. Os
aposentados russos estão muito ativos. Aqui, a pergunta seguinte: “Há planos
para a anexação do Alasca? Ficaríamos muito contentes de ver acontecer isso.
Obrigada. Aposentada Faina Ivanovna.”
KIRILL KLEYMENOV: É uma piada
popular, Sr. Putin. Chamam o Alasca de nossa próxima “Crimeia Gelada”.
VLADIMIR PUTIN: É. Já ouvi. Faina Ivanovna,
mas... para que você precisa do Alasca? O Alasca foi vendido num certo momento
do século 19. A
Louisiana foi vendia aos EUA, pelos franceses, mais ou menos na mesma época.
Milhares de quilômetros quadrados foram vendidos por $7,2 milhões, verdade que
em ouro. Pode-se calcular o valor equivalente, mas não há dúvida de que foi
vendido muito barato.
A
Rússia é país setentrional, com 70% de seu território localizado no norte e no
extremo norte. O Alasca tampouco é meridional, não é? É muito frio, lá, também.
Não vamos nos preocupar com isso, certo?
KIRILL KLEYMENOV: Voltemos à
Crimeia.
VLADIMIR PUTIN: Deveríamos pagar a eles para
viverem no norte. Temos de calcular o quanto estamos economizando. [Risos]
KIRILL KLEYMENOV: Temos uma
pergunta chegada agora mesmo. Rishat Akhmadiyev diz “Gostaria de saber que
passos serão dados para reabilitar os tártaros da Crimeia?”.
VLADIMIR PUTIN: Os tártaros da Crimeia sofreram
muito durante os ataques stalinistas, e foram deportados da Crimeia, que é seu
local tradicional de residência, o lar deles. Com certeza temos de fazer tudo
que pudermos para reabilitar e restaurar os legítimos direitos e interesses dos
tártaros crimeanos, e restaurar os legítimos direitos e interesses do povo
tártaro crimeano, agora quando a Crimeia está-se incorporando à Federação
Russa.
Aliás,
imediatamente depois da anexação da Crimeia ao Império Russo, em 1783, se bem
me lembro, perdoem-se se estiver errado, e não posso citar palavra a palavra –
Catarina II assinou um decreto para... não sei repetir exatamente − mas o
significado é o seguinte: os tártaros crimeanos serão considerados pela Rússia
como seus cidadãos plenos, com todas as consequências dessa decisão. Os
direitos deles, suas mesquitas e sua religião serão integralmente respeitados –
o que é extremamente importante.
Foi
política muito sábia e adequada, e planejamos seguir hoje também essa política.
Por isso, eu e meus colegas no governo e o Gabinete Executivo da Presidência e
eu estamos preparando uma ordem executiva sobre a reabilitação dos tártaros
crimeanos. Não só dos tártaros crimeanos, aliás, porque os armênios, os alemães
e gregos também sofreram durante os ataques de Stálin. E os representantes
desses povos também devem ser incluídos.
[Estúdio: “temos Berlim na
linha”]
VLADIMIR PUTIN: Bem na hora.
KIRILL KLEYMENOV: Nosso
correspondente Ivan Blagoi trabalha no mais influente país da Europa. Mas antes
de passar a palavra a ele, eu gostaria de pedir que o senhor voltasse ao
discurso que discutimos no início, o discurso que o senhor fez antes de assinar
o tratado da integração da Crimeia e Sebastopol à Rússia. Muitas pessoas
ficaram muito impressionadas e o compararam ao seu discurso de Munique. Para muitos,
foi seu melhor discurso.
Gostaria de saber por que o
senhor fez aquele discurso. Por quê? Primeiro, o protocolo não exigia que o
senhor falasse; e, segundo, o formato foi muito pouco usual – o senhor falou a
pessoas e povos, em vez de falar a países e governantes como é praxe.
VLADIMIR PUTIN: O formato foi escolhido baseado
na importância do evento e da situação. Era evento não usual na vida de nosso
povo, de nosso país e de nosso estado. Por isso, entendi que era meu dever
falar à Assembleia Federal e ao povo da Federação Russa, na presença de membros
do Parlamento e do Conselho da Federação. Isso, em primeiro lugar.
Em
segundo lugar, por que o discurso foi dirigido aos povos de outros países, não
aos governantes de lá? Como você sabe, o mundo moderno, especialmente o mundo
ocidental é altamente monopolizado e muitos países ocidentais – gostem ou não
de ouvir isso – cederam voluntariamente parte da própria soberania. Em certa
medida, é resultado da política de blocos. Às vezes parece muito difícil entrar
em sintonia com eles, em questões geopolíticas. É difícil alcançar algum acordo
com gente que sussurra até dentro de casa, de medo de ser ouvida pelos
norte-americanos. Não é piada, nem é só modo de falar. Escutem, prestem
atenção, estou falando sério, não é brincadeira... Seja como for, são nossos
principais parceiros em questões econômicas e várias outras.
Mas
falei diretamente aos povos daqueles países, primeiramente, porque homens e
mulheres comuns, na Alemanha, França ou Itália sempre sentem, imediatamente, se
uma declaração, um discurso, é falso. E nossa posição é absolutamente aberta,
honesta e transparente, e por isso é mais fácil falar diretamente às pessoas
comuns, que a alguns líderes. Tenho a impressão de que nosso plano funcionou em
certa medida. Não importa que governo controle um país, ele sempre terá de
levar em consideração a opinião de seus eleitores. Por isso, naquele fala,
dirigi-me às pessoas.
MARIA SITTEL: Temos uma pergunta
de Berlin, de nosso correspondente Ivan Blagoi, que trabalha num dos países
mais influentes da Europa.
IVAN BLAGOI: Boa tarde. Minha
pergunta é: O quanto unido está o ocidente, no desejo de castigar a Rússia? Que
países da União Europeia estão a favor de isolar a Rússia? Isso é, pelo menos,
possível? E, finalmente, o que se passa na Ucrânia? São as questões que os
especialistas do Clube de Discussão
Internacional Valdai
têm discutido. Alguns deles estão nesse estúdio: Alexander Rahr,
Alemanha; Nicolai Petro, EUA; Gabor Stier, Hungria; Gerhard Mangott, Áustria; e
Arnaud Dubien, França. A primeira pergunta é de Alexander Rahr, do Comitê de
Aconselhamento do Valdai Discussion Club. Sr. Rahr, sua pergunta.
ALEXANDER RAHR: Saudações de
Berlin. O Valdai Club teve uma reunião de várias horas, ontem, e muitos membros
do Clube, inclusive nossos colegas alemães, manifestaram suas preocupações
sobre o tipo de Europa em que viveremos – além de discutirem a tarefa
partilhada de estabilizar a Ucrânia, que, enquanto falamos, vai-se partindo em
cacos. Afinal, é país de 45 milhões de habitantes e nossa preocupação comum.
Que futuro o senhor visualiza
para a Europa em, digamos, cinco, dez anos? Viveremos numa Europa comum, do
Atlântico ao Oceano Pacífico? Ou viveremos em duas diferentes Europas? Lembro
que o senhor disse, no Valdai Club, em
setembro passado, que a Rússia é um tipo um pouco diferente de Europa, cujos
valores diferem dos do ocidente pós-moderno. É possível conciliar essas duas
visadas? O que a Alemanha pode fazer, para construir uma Europa comum?
VLADIMIR PUTIN: Boa-tarde, Alexander, em
primeiro lugar. Em segundo, gostaria de dizer que não há contradição com o que
eu disse no Valdai Club. Os valores da Rússia não são
dramaticamente diferentes dos valores europeus. Pertencemos à mesma civilização.
Somos diferentes e temos traços que são só nossos, mas temos integrados os
mesmos valores. Creio que temos de lutar para criar uma Europa maior, de Lisboa
a Vladivostok, como já disse mais de uma vez, inclusive aqui, hoje. Se
completarmos essa tarefa, poderemos assumir o lugar que nos cabe, por direito,
no mundo futuro. Mas se escolhermos via diferente, se dividimos a Europa, os
valores e os povos europeus, se promovermos o separatismo, no sentido amplo da
palavra, significará que teremos sido derrotados pelos atores mais
insignificantes e medíocres que não terão qualquer influência nem sobre o
próprio desenvolvimento, muito menos pelo desenvolvimento global.
IVAN BLAGOI: Sr. Nicolai Petro,
por favor, sua pergunta ao presidente.
NICOLAI PETRO: Boa tarde, Sr.
presidente. Minha pergunta tem a ver com as relações Rússia-EUA. As relações
entre Rússia e os EUA vem piorando muito e recentemente atingiram nível
crítico. A imprensa-empresa dos EUA fala unanimemente da total desconfiança que
há entre os governantes de EUA e Rússia. Mas as questões globais mesmo assim
têm de ser resolvidos, o que exige cooperação mais próxima e direta entre EUA e
Rússia.
Assim sendo, pergunto: Como se
poderá recuperar essa confiança? Que passos específicos têm de ser dados para
que EUA e Rússia convertam-se, de rivais em aliados, para encntrar solução para
os problemas globais?
VLADIMIR PUTIN: Você sabe que a resposta é
simples. Concordo com você que perdemos a confiança. Mas por que isso
aconteceu? Acreditamos que não aconteceu por nossa culpa, porque aqueles “duplos
padrões”, como os chamamos, sempre provocaram desapontamento.
Vemos
uma situação na qual é apropriado agir do modo como os EUA agiram na
Iugoslávia, Iraque, Afeganistão, Líbia... mas não é apropriado que a Rússia defenda
os próprios interesses. Dei-lhes o exemplo do Kosovo, que é totalmente óbvio e
claro para o homem médio não versado em política. Tudo está virado de pernas
para cima. A posição dos EUA não é lógica, no sentido de que não tem qualquer
lógica, nenhuma lógica.
Acabamos
de falar que me dirigi ao povo europeu e de outras nações, diretamente ao povo,
porque gente comum tem uma espécie de instinto que “sente” a insinceridade, a
mentira. Para restaurar a confiança, temos de respeitar os interesses uns dos outros,
falar a mesma língua, evitar o “duplifalar”, os duplos padrões e as mentiras,
na política internacional, nos manter focados nas leis internacional, não na
força e na política da força, da qual também já falamos aqui.
KIRILL KLEYMENOV: Sr. presidente,
o senhor lembra da história de um broche que a Sra. Clinton deu de presente ao
Ministro Lavrov? A frase sobre aquele “reset” de que então se falava foi
traduzida ao russo, mas com um erro: em vez de “reset reload” [acionar
novamente o reset], o que se lia
em russo era “reset overload” [reset sobrecarregado, em curto circuito]. O curto
circuito que, afinal, aconteceu.
VLADIMIR PUTIN: Mas não aconteceu só agora, por
causa da Crimeia. Acho que aconteceu muito antes, logo depois dos eventos na
Líbia. Dmitry Medvedev, que era Presidente da Rússia naquele momento, apoiou
nossos parceiros ocidentais e defendeu a resolução sobre a Líbia. Tratava de
impedir que a força aérea do governo líbio decolasse de suas bases.
O
resultado real do “movimento” foi bombardeio aéreo intenso, derrubada de
Gaddafi, assassinato de Gaddafi, assassinato de um embaixador dos EUA e colapso
do país. Daí começou a desconfiança. O “overload” [curto-circuito] aconteceu
ali. Mas quero enfatizar mais uma vez: a Rússia tem interesse em melhorar sua
relações com os EUA e fará o que for preciso para restaurar a confiança entre
esses países.
IVAN BLAGOI: Mais uma pergunta
de Berlin. Sr. Stier, sua pergunta, por favor.
GABOR STIER: Boa-tarde, Sr.
presidente. Estamos testemunhando agora, não só uma reformatação da ordem
mundial, mas uma reformatação também das visões. Estamos testemunhando na
Rússia um renascimento conservador. Em muitos países europeus, visões
tradicionais ganham espaço; da Hungria à França, as pessoas estão votando em
políticos que defendem interesses nacionais de seus países sem sempre
considerar Bruxelas. Essa abordagem não é sempre apreciada na Europa.
O que o senhor pensa, será
possível construir relações, construir um diálogo entre Rússia e Europe baseado
em interesses? O senhor não tema que os EUA danifiquem a relação Rússia-UE, por
muito tempo para o futuro?
VLADIMIR PUTIN: Seja como for, nós não queremos
danificar nossas relações com a Europa, e espero que nossos parceiros europeus
tampouco tenham planos nessa direção.
Quanto
a repensarem-se os valores, nos países europeus, sim, concordo que estamos
assistindo a esse processo. Valores ditos conservadores estão adquirindo novo
significado. Falei sobre isso em mais de uma ocasião. A vitória de Viktor Orban
na Hungria, o sucesso de forças conservadoras nas recentes eleições lá, o
sucesso de Marine Le Pen na França (o partido dela foi o terceiro, nas eleições
municipais), o crescimento dessas tendências em outros países é óbvio.
Como
vejo, isso está associado ao desejo de fortalecer a soberania nacional, com a
convicção de que algumas questões que são vitalmente importantes para os
cidadãos podem ser tratadas mais efetivamente no plano nacional do que,
digamos, em Bruxelas. Mas há também uma compreensão de que é importante unir
esforços para enfrentar alguns desafios que concernem a todos. Mas, sim, está
em andamento um certo processo de reformatação, e espero que o resultado seja
positivo.
Como
para nossas relações com o ocidente, eu já havia mencionado anteriormente, é
uma questão de confiança. De fato, nós já falamos sobre isso. Você sabe, é vital
que haja confiança de ambos os lados, não só em nível pessoal como também
governamental.
Sabem do
que estou lembrando? O atual Secretário-Geral da OTAN, Sr. Rasmussen, foi,
antes, Primeiro-Ministro da Dinamarca, pais maravilhoso, com povo maravilhoso.
Tínhamos ótimas relações com a Dinamarca, pelo menos tínhamos, naquele momento,
e espero que assim continue para o futuro. Quando o Sr. Rasmussen era
primeiro-ministro, ele uma vez solicitou-me uma reunião não programada.
Concordei e nos encontramos.
Mais
tarde revelou-se que ele gravou nossa conversa e publicou tudo. Eu não
conseguia acreditar nos meus olhos e ouvidos. Parece mesmo inacreditável, não
é? Ele explicou que gravara tudo “para a história”. Sim, sinto-me lisonjeado,
mas ainda que fosse para a história, não seria o caso de me prevenir e pedir
minha autorização para publicar nossas conversas? Como alguém pode falar de
confiança, depois de uma coisa dessas?
Vocês
sabem, relações – entre pessoas, como entre governos – têm de ser mais
estáveis, transparentes e colaborativas.
MARIA SITTEL: Berlin, muito
obrigada pela participação e por suas perguntas. Permaneçam conosco; vamos
continuar a discutir questões internacionais em nosso estúdio em Moscou.
Temos uma pergunta em vídeo, que
chega do nosso call center.
Anna, por favor.
ANNA PAVLOVA: Temos um vídeo
surpresa, que me parece sensacional. Foi enviado pela pessoa que provocou uma
revolução na informação, ao expor o programa de vigilância em massa que afetou
milhões de pessoas em todo o mundo. Sr. Presidente, há uma pergunta do ex-agente
de segurança, Edward Snowden.
VLADIMIR PUTIN: É mesmo?
EDWARD SNOWDEN: Zdravstvuyte. Queria perguntar-lhe
sobre a vigilância em massa de comunicações online e sobre a coleção gigante de gravações
privadas, feita por serviços policiais e de inteligência.
Recentemente, os EUA, duas
investigações independentes da Casa Branca, além de uma corte federal
norte-americana concluíram que esses programas não têm efeito no trabalho de
conter o terrorismo. Declararam também que são intromissão inaceitável na vida
privada dos cidadãos – indivíduos que jamais foram suspeitos de ter feito
qualquer coisa errada ou de qualquer atividade criminosa; e que esses programas
não são o meio menos intrusivo acessível para aquelas agências, em seu trabalho
de investigação.
Tenho ouvido alguma discussão
pública sobre o envolvimento também da Rússia em políticas de vigilância em
massa. Por isso, gostaria de perguntar ao senhor:
A Rússia intercepta, armazena ou
analisa, seja pelo método que for, as comunicações de milhões de indivíduos? E
o senhor acredita que o simples objetivo de aumentar a efetividade da
inteligência ou de investigações policiais justificaria pôr sociedades inteiras
– não só alguns indivíduos – sob vigilância? Obrigado.
KIRILL KLEYMENOV: Sr.
Presidente, o senhor entendeu a pergunta?
VLADIMIR PUTIN: Sim, alto e claro.
KIRILL KLEYMENOV: É pergunta
técnica, profissional, do Sr. Snowden. O senhor fala inglês, como vemos, nos
encontros com governantes estrangeiros. Mas tentarei traduzir a pergunta para o
público que nos assiste.
VLADIMIR PUTIN: O inglês norte-americano é um
pouco diferente...
KIRILL KLEYMENOV: Tentei
escrever a pergunta, que tem alguns aspectos técnicos...
VLADIMIR PUTIN: Pelo que compreendi, ele quer
saber se os russos fazemos vigilância eletrônica em massa.
KIRILL KLEYMENOV: Ele falou de
vigilância em massa das comunicações online e da coleção, no sentido de arquivarem e
guardarem gravações privadas. Disse que uma corte federal nos EUA concluiu que
esses programas não são efetivos para conter o terrorismo. É importante
admissão de um fato. Disse também algo sobre intromissão na vida privada dos
cidadãos comuns. O Sr. Snowden também disse que tem visto a discussão pública
lançada na Rússia, sobre esse tópico. No final, pergunta ao senhor se a Rússia
intercepta, armazena ou analisa, seja pelo método que for, as comunicações de
milhões de indivíduos. E quer saber se o senhor crê que essa vigilância em
massa seja justificável
VLADIMIR PUTIN: Sr. Snowden, o senhor é
ex-funcionário de inteligência, e eu também trabalhei para uma agência de
inteligência. Falemos como profissionais que sabem do que falam. Para começar,
a Rússia tem leis que regulam estritamente o uso de equipamento especial pelos
serviços de segurança, incluindo equipamento para gravar conversas privadas e
para vigilância de comunicações online.
Todos os agentes têm de obter uma ordem de corte de justiça para poder usar
aquele equipamento num caso específico. Assim sendo, pelo que determina a lei
russa, não há, nem pode haver, vigilância em massa, indiscriminada.
Dado
que os criminosos, inclusive os terroristas, usam esses modernos sistemas de
comunicação para sua atividade criminosa, os serviços de segurança têm de ter
meios para poder responder adequadamente, e usam equipamento moderno para
combater o crime, inclusive o terrorismo. Sim, nós fazemos isso. Mas não em
vasta escala, nem arbitrariamente.
Espero
– desejo sinceramente – que nós jamais venhamos a agir desse modo. Além do
mais, nós não temos, nem todas as capacidades técnicas, nem todo o dinheiro com
que os EUA contam para essa finalidade.
Mas o
aspecto principal é que, felizmente, os serviços de segurança russos são
rigorosamente controlados pelo estado e pela sociedade, e a operação desses
serviços é estritamente regulada por lei.
KIRILL KLEYMENOV: Sr. Putin, até
aqui falamos de alta política, já há mais de três horas. Mas nossos
telespectadores também se interessam por outras questões. Um de nossos
telespectadores perguntou “Quando o país verá sua Primeira Dama?”
VLADIMIR PUTIN: Tenho de concluir o divórcio de
meu primeiro casamento com Lyudmila, minha primeira esposa. Depois poderei
pensar em mim [aplausos].
Fim da
entrevista
Notas dos tradutores
[1] É como se
designa, na Rússia, o que o ocidente chama de “o front oriental” da IIª Guerra
Mundial, quando os russos suportaram o ataque da Alemanha e aliados do Eixo
Ocidental, de 22/6/1941 a 9/5/1945.
[2] “Homens armados, não identificados, muito polidos, vestidos de
verde, tomaram o prédio do Parlamento da Crimeia às 4h da madrugada, só para
assegurar que, dessa vez, os membros eleitos daquele Parlamento pudessem entrar
e reunir-se. Uma bandeira russa foi hasteada no topo do prédio do Parlamento” (27/2/2014, redecastorphoto: “Aos
poucos, a resposta do Kremlin vai-se tornando mais visível”, The Vineyard of the Saker, traduzido).
[3] O “Dia da
Vitória” é comemorado dia 9 de maio, dia da vitória dos russos contra os
nazistas, na Grande Guerra Heroica, que é como os russos designam a IIª Guerra
Mundial. Nesse dia, os russos prendem na roupa, nas casas, nos carros, uma fita
listrada, laranja e preto, chamada “Fita de São Jorge”, com as cores das
medalhas que soldados russos recebem por bravura em combate desde o Império. Na
Ucrânia, onde houve 10 milhões de mortos na guerra contra os nazistas alemães,
milhões de ucranianos foram condecorados com a Medalha de Bravura em Combate,
com aquelas cores. A Fita de São Jorge (que pode ser vista
na lapela de Putin - 2007), reapareceu
agora na Ucrânia e na Crimeia, como símbolo do movimento contra o golpe em Kiev
e pode ser vista no blog
do Saker.
Nos EUA, desde a Guerra Fria, a Fita de São Jorge é chamada de “Barata do Colorado”, por ter
as cores de uma barata comum naquele estado. A expressão já está reaparecendo
hoje, novamente, como na Guerra Fria, nos EUA, reaproveitada para efeitos de
propaganda. (p. ex., em: “An orange-black ribbon holds a clue
to eastern Ukraine’s chaos”,
matéria de 16/4/2014).
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