2/4/2014, The Saker, The Vineyard of the Saker
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
The Saker |
Considerada
a relativa calmaria que parece configurar-se na Ucrânia, o momento parece
propício para examinar o impacto que os dramáticos desenvolvimentos naquele
país tiveram sobre o cenário político interno da Rússia e o que esse impacto,
por sua vez, pode significar para a (des)ordem internacional. Para isso, gostaria
de começar por um breve
resumo de uma tese que já mencionei
antes.
Preparando
a parte russa do palco
Primeiro,
uma lista itemizada dos tópicos que já se discutiram nesse blog:
1. Não há real oposição parlamentar na Rússia. Mas, não, não,
não porque “Putin é um ditador”, nem porque “a Rússia não é uma democracia”,
mas, sim, simplesmente, porque Putin manobrou brilhantemente ou para cooptar ou
para cortar as garras de qualquer oposição. Como? Usou bem sua autoridade
pessoal e carisma para promover uma agenda à qual os demais partidos não se
poderiam opor abertamente. Formalmente, continuam a existir os partidos de
oposição, é claro. Mas absolutamente não têm qualquer credibilidade. É situação
que pode mudar, com a nova Lei dos Partidos Políticos.
2. A única
oposição “dura” a Putin, na Rússia moderna, são os vários indivíduos
abertamente pró-EUA (Nemtov, Novodvorskaia, etc.) e movimentos e partidos
associados a eles. Representam (no máximo!) 5% da população.
3. Putin aplicou “movimento de judô” nos reais opositores
(adiante, mais sobre isso), usando a “Constituição (fortemente) presidencial” aprovada
em 1993, para, basicamente, concentrar todos os poderes na presidência.
4. A “oposição”
*real* a Putin e ao seu projeto só existe *dentro* do Kremlin, no partido
“Rússia Unida” e em algumas figuras influentes. Chamo essa oposição real de “Atlanticistas
Integracionistas” (AI), porque o objetivo-chave deles é integrar a
Rússia à estrutura mundial anglo-sionista de poder.
5. A base
*real* de poder de Putin está no povo russo que o apoia diretamente e
pessoalmente, na Frente de Todos
os Povos Russos, e no grupo que
chamo de “Eurasianos Soberanistas” (ES), cujo objetivo básico é desenvolver
uma nova ordem mundial, multipolar, para livrar-se do atual sistema financeiro
internacional anglo-sionista; reorientar a maior parte possível da antiga URSS
na direção de integrar-se com o Ocidente; e desenvolver o norte da Rússia.
Se quisesse simplificar ainda mais as coisas, poderia dizer que em 1999 os Atlanticistas Integracionistas (AI) e os Eurasianos Soberanistas (ES) uniram-se para levar Putin ao poder, substituindo Ieltsin. Os AI (em termos genéricos, representam os interesses do big Money & big business) queriam burocrata mais cinzento e obscuro, como Putin (era o que eles supunham), que assegurasse o continuísmo e não sacudisse demais o bote depois da partida de Ieltsin. Os Eurasianos Soberanistas (em termos gerais, representantes dos interesses de certa elite da antiga KGB, especialmente seu Primeiro Diretorado-Comando) e o próprio Putin, usaram brilhantemente o poder dado a Putin pela Constituição de 1993 (aprovada no governo de Ieltsin e dos Atlanticistas Integracionistas!), para mudar, lenta mais firmemente, a rota da Rússia: de total submissão e colonização ao/pelos EUA, para um processo que Putin e seus apoiadores chamam de “soberanização”, i.e., de libertação nacional.
O 1o. Ministro, Dmitry Medvedev e o Presidente Vladmir Putin nos jardins do Kremlin |
A partir disso, seguiu-se longa disputa de queda-de-braço, sobretudo nos bastidores, mas com eclosões de tempos em tempos que se veem do lado de fora, como a trombada entre Putin e Medvedev no caso do Irã e da Líbia ou a demissão de Kudrin por Medvedev (os dois foram empurrados para uma mesma rota de colisão, por Putin, claro). Como derradeira super simplificação, posso dizer que Medvedev representa os Atlanticistas Integracionistas; e Putin, os Eurasianos Soberanistas.
Tudo aqui
está muito supersimplificado, para não alongar demais o postado. Todos
encontrarão informação um pouco mais detalhada em outros postados indicados nas
notas, inclusive nos comentários dos leitores do blog.
Preparando
a parte ucraniana do palco
Antes deste
último inverno, a maior diferença entre Rússia e Ucrânia era que na Rússia, Putin basicamente destruíra a velha oligarquia que EUA e Israel controlavam, e
a substituiu por outra, que ou apoiava o Kremlin ou mantinha-se neutra. A
mensagem de Putin para a oligarquia russa foi simples: “podem ser ricos, mas
não comprometam o bem-estar da nação russa nem tentem intrometer-se na luta
política”. Para os que não entendam por que Putin não eliminou a oligarquia
russa como grupo, tenho de repetir que TUDO que Putin fez desde 1999 até agora,
sempre foi numa relação de acordos e concessões entre os seus Eurasianos
Soberanistas e os ainda muito poderosos Atlanticistas Integracionistas. Putin
de modo algum poderia desafiar diretamente esse grupo muito poderoso, muito
rico, muito bem relacionado; então, teve de andar devagar e com cuidado, passo
a passo.
Na Ucrânia,
bem diferente disso, os oligarcas consumaram o que eu chamaria de “Sonho de
Khodorkovsky”: compraram basicamente tudo, toda a economia, toda a
imprensa-empresa de massa, todo o Parlamento e, claro, também a presidência. Ao
longo dos últimos 22 anos, a Ucrânia viveu basicamente escravizada por vários
oligarcas que fecharam negócio bem simples com o ocidente: vocês nos apoiam e
nós apoiamos vocês.
Resultado
disso, os líderes ocidentais e a imprensa-empresa “não perceberam” que todos os
políticos ucranianos são corruptos até a medula, inclusive Yanukovich e Timoshenko;
que – diferente da Rússia, e ao contrário do que diz a propaganda
anglo-sionista – as desavenças políticas na Ucrânia foram muitas vezes
decididas por assassinatos encomendados; que a plutocracia ucraniana estava,
literalmente, saqueando toda a riqueza da Ucrânia (“toda”, aí, significa
literalmente tudo). Até que a muitíssimo rica Ucrânia ficou miseravelmente
pobre e sem recursos e riqueza para pilhar, e a crise tornou-se visível, e
todos viram.
Além da pilhagem
de recursos e riqueza, outra grande “realização” dos oligarcas ucranianos foi a
total subordinação do estado e de seus instrumentos às necessidades dos
oligarcas: Para eles, o próprio estado tornou-se instrumento de poder e
influência. Por exemplo, o serviço de segurança ucraniano SBU (ex-KGB)
passou todo o tempo e consumiu todos os seus recursos, envolvidos nas lutas de
poder entre vários oligarcas e suas bases de poder. Resultado disso, o SBU, em 22 anos, não capturou
nenhum espião estrangeiro! Para piorar, o SBU foi comandado, de
fato, a partir da base local da CIA-EUA. Essa total destruição do
próprio aparelho do estado teve, ela mesma, papel chave nos eventos desse
inverno e ainda é fator central na situação em campo: para todos os propósitos
práticos, não existe “estado ucraniano”.
Os
euroburocratas e o Tio Sam entram na dança
Banderastão, venha com mamãe... |
Foi nesse
quadro de colapso total da Ucrânia como estado e como nação, que a União
Europeia decidiu entrar com sua jogada: ofereceu à Ucrânia uma associação com a
União Europeia. Tio Sam amou a ideia, especialmente porque incluía um capítulo
político para conduzir a política externa e de segurança da Ucrânia pela pauta
da União Europeia. Essa ideia de uma Ucrânia comandada pela União Europeia
também tinha grande apelo aos olhos dos EUA, que acreditavam que a Ucrânia
seria chave para as sempre pressupostas ambições imperiais da Rússia. Além do
mais, a Casa Branca sabia que, se a Ucrânia fosse governada pela União
Europeia, e a União Europeia governada pelos EUA (como sempre foi), então a
Ucrânia seria governada pelos EUA. E o ocidente pôs-se a balançar uma grande
cenoura no nariz do povo ucraniano: “façam
uma escolha civilizacional” e unam-se à União Europeia e fiquem ricos,
saudáveis e felizes. Quanto à Rússia, nada tem a opinar: a Ucrânia é estado
soberano”.
Para
milhões de ucranianos empobrecidos e explorados, foi como sonho que se realiza:
não apenas se tornariam milagrosamente ricos e felizes como supõe-se que os
europeus sejam (só na propaganda, mas... xáprálá), como, além disso, afinal se
livrariam da maldita gangue de corruptos que estavam no poder. E os oligarcas
ucranianos também gostaram muito da ideia: poderiam continuar a explorar a
Ucrânia e seu povo, desde que se posicionassem contra a Rússia; para eles nem
foi difícil, porque os oligarcas ucranianos têm medo pânico de Putin e muito
mais, sim, da ideia de um “Putin ucraniano”.
A grande
explosão
Há um ditado
que diz que se você está com a cabeça enterrada na areia, está com o traseiro
ao vento e, de fato, a realidade voltou para morder o traseiro dos ucranianos
numa estranha vingança: o país estava quebrado, arruinado, a apenas duas
semanas de ter de declarar um calote, e o único lugar onde poderiam encontrar
dinheiro que evitasse o colapso final era a Rússia. Mas os russos impuseram uma
condição para ajudá-los: nada de associarem-se com a União Europeia, porque a
Rússia não podia ter um livre mercado com a Ucrânia ao mesmo tempo em que a
Ucrânia abrisse seu mercado aos bens e serviços da União Europeia (não foi
nenhum “plano maquiavélico” urdido por Putin, mas simples e óbvia necessidade,
compreensível por qualquer um que tenha tido nota 5 em qualquer curso de
“Economia 1”).
Nesse ponto, Yanukovich fez seu giro repentino de 180º, que sinceramente
confundiu muitos ucranianos e pediu socorro a Moscou. E abriram-se as portas do
inferno: ucranianos ultrajados tomaram as ruas, querendo saber por que lhe fora
negado seu sonho de prosperidade. Os EUA também entraram em pânico – se
permitissem que a Rússia salvasse a Ucrânia, a Rússia fatalmente controlaria o
país: “Se você paga, você manda” – ensina a lógica norte-americana.
Stepan Bandera |
Então, os
EUA entraram com sua maior arma: os “Talibã ucranianos”, também conhecidos como
“Setor Direita” (Pravy Sektor), Partido
Liberdade (Svoboda, ex-Partido Social-Nacionalista) e suas falanges de
bandidos neonazistas. O surgimento repentino de Banderistas e outros neonazistas assustaram tanto os
falantes de russo que, enquanto os doidos do novo regime revolucionários
estavam ocupadíssimos proibindo o idioma russo e descriminalizando a propaganda
nazista, a Crimeia separou-se do restante da Ucrânia, no momento em que a
Ucrânia entrou num período de completo caos e nenhuma lei.
Todos
sabemos o que aconteceu a partir daí e não é preciso repetir. Podemos agora
considerar os mesmos eventos do ponto de vista da política interna da Rússia e
o seu provável impacto global.
A visão de
Moscou
Sergei Mironov |
A primeira
coisa a dizer aqui é que a popularidade de Putin alcançou novos
píncaros: está hoje em 71,6% e, isso, apesar de ter havido poucos
progressos no front anticorrupção,
progresso zero na muito necessária reforma do sistema judicial, e com a
economia russa entrando em tempos difíceis. Mesmo assim, apesar dos muitos
problemas ainda não resolvidos que a Rússia enfrenta – Putin é hoje homem
impossível de atacar, dado que se posicionou como o presidente que salvou a
Crimeia e, é possível, até a Rússia (adiante, mais sobre isso).
O segundo
efeito dramático dos eventos na Ucrânia é que polarizaram ainda mais a
sociedade russa. Não estou dizendo que seja justo, mas o fato é que hoje os
políticos russos têm de escolher. Têm de se posicionar:
1) ou são verdadeiros patriotas russos
que apoiam Putin, a reintegração da Crimeia, a política russa de defender o
país contra o ocidente,
2) ou alinham-se com os “liberais” russos, que
são russofóbicos, comprados e pagos pelos EUA, nada além de uma “5ª coluna” (expressão que Putin já usou),
pró-capitalistas, pró-OTAN e até pró-nazistas (lembrem que, agora, o ocidente
já está declaradamente apoiando os nazistas na Ucrânia!).
Alexei Navalnyi |
Desnecessário
dizer, todos os políticos russos estão se atropelando uns os outros para mostrar
que pertencem, firmemente, ao Grupo 1, acima. Até Sergei Mironov, presidente do
Partido “Só Rússia” e último líder da oposição “real” que restava no Parlamento,
já assumiu a liderança da ajuda à Crimeia (o que lhe valeu aparecer incluído na
lista de sanções dos EUA e União Europeia). Os que não fizeram o mesmo são
cachorro morto.
O mais
confiável de todos, Alexei Navalnyi, o único
líder de oposição não associado ao
regime de Ieltsin dos anos 1990s, escreveu artigo no NYT intitulado “Como
castigar Putin”, no qual chega a oferecer uma lista de nomes que os EUA
devem punir. No atual clima político na Rússia é praticamente suicídio político
e a carreira política de Navalnyi está acabada. É provável que emigre para
Londres ou para os EUA.
Mas o maior
resultado da crise na Ucrânia foi ter posto Rússia e EUA em rota aberta de
colisão. Vistos os eventos do ponto de vista da Rússia, eis o que o
ocidente fez:
1) organizou um golpe armado
ilegal;
2) derrubou um governo legítimo
(embora corrupto);
3) apoiou neonazistas;
4) pôs suas políticas anti-Rússia
acima dos valores democráticos;
5) pôs suas políticas anti-Rússia
acima do direito à autodeterminação;
6) recusou-se a reconhecer o
desejo do povo russo na Crimeia;
7) recusou-se a reconhecer o
desejo dos falantes de russo na Ucrânia;
8) puniu a Rússia com sanções (só
simbólicas, porque não pôde fazer mais);
9) só não interveio militarmente
porque se acovardou ante a força militar russa;
10) ativou pesadamente o mundo, na ONU,
contra a Rússia.
Sergey Glazyev |
Nesse
quadro – que chance têm os Atlanticistas Integracionistas de obter qualquer
apoio para suas políticas? Claramente: nenhuma.
Não só
isso, mas mais que isso, as sanções usadas pelo ocidente permitiram a Putin
fazer o que jamais antes conseguira: assustar os russos e espantá-los para bem
longe dos bancos ocidentais (ou correm para as off-shores ou para os
bancos russos); criar um sistema russo de tipo SWIFT, de pagamento interbancário; facilitar os
esforços para exportar mais gás para a China e o resto da Ásia; diminuir a
participação dos russos em corpos nos quais os EUA mandam, como o G8 ou a OTAN;
forçar a Rússia a deslocar mais capacidades militares, e mais poderosas, para
as fronteiras ocidentais (pôr Iskanders em Kaliningrad, Tu-22M3s na Crimeia); reduzir o turismo russo para o
exterior e direcioná-lo para dentro da própria Rússia. E afinal, mas não menos
importante, reduzir ainda
mais o uso do dólar norte-americano pelos russos. Tudo isso é como
sonho realizado para economistas como Glazyev ou políticos como Rogozin, que muito trabalharam a favor dessas
medidas, há muitos anos, mas cujos conselhos Putin teve de ignorar, para não se
expor ao contra-ataque dos Atlanticistas Integracionistas. Agora, há conversas
ainda mais sérias que essas, na Rússia, sobre o país retirar-se de muitos
tratados militares chaves (estratégicos nucleares, estratégicos convencionais,
de supervisão nuclear, etc.) ou até da Organização Mundial do Comércio (pouco
provável).
Sistema de lançamento de mísseis 9K720 Iskander |
Agora se
tornou extremamente fácil para Putin demitir qualquer um, sob o argumento de
que alguém não esteja efetivamente implementando as decisões do presidente.
Agora, todos sabem que todo e qualquer Atlanticista Integracionista está
exposto ao risco de ser sumariamente descartado. Na verdade, é preciso
dizer que BaraCk Obama ajudou Putin imensamente e que, graças à política absolutamente
ensandecida dos EUA na Ucrânia, a posição dos Atlanticistas Integracionistas
(em geral, pró-EUA) foi destruída e assim permanecerá por muitos e muitos anos.
Tupolev Tu-22M3 Beltyukov |
Piadinha
contada pela primeira vez na TV russa, pelo (é quase inacreditável, mas é verdade)
porta-voz da Comissão Russa de Investigação (uma espécie de “FBI russo”,
pode-se dizer), personagem não conhecido pelo senso de humor, está hoje, já,
nas ruas. É a seguinte:
Barack
Obama boicotou os Jogos de Sochi e não apareceu – e os russos saímos de lá
cobertos de medalhas, nos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos. Obrigado,
camarada Obama!
Obama
depois apoiou muito os extremistas da Junta em Kiev – e a Crimeia voltou
correndo para nós. Obrigado, Camarada Obama!
Obama impôs
sanções contra os malditos oligarcas – e o dinheiro deles voltou, do Ocidente,
onde estava, para a Rússia. Obrigado, Camarada Obama!
Agora, quer
dizer... Se pudermos pedir mais uma coisinha... Camarada Obama! Consiga para
nós a Copa do Mundo, aquela, a do Brasil, plízzz... [pano rápido]
Piadas à
parte, há muita verdade nessa piada: quanto mais os EUA tentam maximizar as
apostas para esmagar a Rússia, mais forte a Rússia fica, e mais forte fica
Putin, na Rússia.
Quanto aos
poucos fracos ativistas pró-EUA deixados na Rússia, a situação deles é
desesperadora: ao longo de anos tiveram de reagir contra acusações de terem
sido parceiros nos horrores do regime de Ieltsin nos anos 1990s, e agora, a
esse legado terrível, têm de somar o peso das acusações de serem
“pró-Banderastão”. Sinceramente: que tratem de fazer as malas e partir para o
ocidente. Na Rússia, estão acabados.
Barack Obama, o Rei do Banderastão |
O que
significa isso, para o resto do mundo?
Várias
vezes escrevi sobre a luta oculta entre os Atlanticistas Integracionistas e os
Eurasianos Soberanistas como luta “interna” ou “por trás das cortinas”, o que
era verdade, no geral, até agora.
Os eventos
na Ucrânia mudaram isso, e o tipo de questões às quais os Eurasianos
Soberanistas até agora só aludiam em termos mais ou menos oblíquos, já são
abertamente discutidas pela TV russa: como coexistir com um ocidente
histericamente anti-Rússia e abertamente pró-nazistas? Como reduzir a
participação russa no – e a dependência russa do – sistema financeiro
internacional controlado por anglo-sionistas? Que tipo de medidas tomar para
assegurar que EUA e OTAN jamais tenham opção militar viável? Como lidar com a
“5a. Coluna interna” dentro da Rússia, para evitar uma “Maidan em Moscou”? Como
lidar com o tipo de organizações subversivas patrocinadas pelos EUA (como NED,
Carnegie, etc.) que ainda operam na Rússia? Como garantir que nenhum governo
pervertidamente anti-Rússia sobreviva economicamente e socialmente em Kiev?
Etc.
Pessoalmente,
acho que o “parecer
Nuland” deva ser aplicado, não
à União Europeia, mas aos EUA. E isso significa uma nova Guerra Fria?
Ah, sim.
Podem apostar que sim, significa!
Victoria Nuland |
Mas é
preciso dizer já, imediatamente, que essa nova Guerra Fria é completamente,
inteiramente, 100%, invenção dos EUA e o que a Rússia fez foi, apenas, aceitar
a nova realidade e operar dentro dela. Nem Putin nem ninguém na Rússia jamais
quis essa nova Guerra Fria. Ela lhes foi unilateralmente imposta pelos EUA e
suas colônias na União Europeia já há 20 anos ou mais.
Pensem bem:
a verdadeira principal razão pela qual EUA e União Europeia não estão
impondo nenhuma sanção realmente significativa à Rússia é que já fizeram isso
no passado e, hoje, já não há o que impor além de sanções que ferirão o
ocidente, tanto quanto e provavelmente mais, que a Rússia. O mesmo vale para a
chamada “imagem internacional da Rússia”. Alguém esqueceu os ditos idiotas e
canalhas sistematicamente repetidos e promovidos como mantras pela
imprensa-empresa de propaganda ocidental sobre a Rússia antes da crise na Ucrânia? Listei algumas, de meu artigo anterior
sobre o tema:
–
Berezovsky apresentado como empresário “processado”
–
Politkovskaya “assassinada pelos assassinos da KGB”
– Khodorkovsky
na cadeia, por amar a “liberdade”
– A “agressão”
da Rússia contra a Geórgia
– As
guerras “genocidas” dos russos contra o povo checheno
– “Pussy
Riot” [Agito das Bucetas] como “prisioneiras de consciência
– Litvinenko
“assassinado por Putin”
–
Homossexuais russos “perseguidos” e “maltratados” pelo estado
– Magnitsky
e, na sequência, a “Lei Magnitsky”
– Snowden
como “traidor escondido na Rússia”
– “Eleições
roubadas” para a Duma e para a presidência
– A “Revolução
Branca” na praça Bolotnaya
– O “novo
Sakharov” (Alexei Navalnyi)
– O “apoio
da Rússia” a “Assad, o “açougueiro (químico) de Damasco”
– A
constante “intervenção dos russos” em assuntos da Ucrânia
– O “total
controle”, pelo Kremlin, sobre a mídia russa
Diria que a
lista já está longa que chegue, e que ninguém na Rússia precisa se preocupar,
porque nada que o Kremlin venha a fazer doravante poderá ser pior que isso. E
em vez de fazerem guerra à Rússia, fizeram guerra ao Iraque, ao Afeganistão, ao
Paquistão, à Bósnia, à Croácia, ao Kosovo, à Líbia, à Síria – os EUA inflaram o
mais que puderam suas políticas anti-Rússia, e fato é que não obtiveram grande
coisa.
Como se diz
de pequena porção de mal, insuficiente para realmente ferir você? Nietzsche
diria que o que não me destrói me fortalece. A medicina moderna fala de
imunização. As palavras não importam aqui, só o fenômeno: EUA e União Europeia
infligiram dor considerável à Rússia, sim, mas não suficiente para quebrá-la, e
por consequência direta disso, a Rússia recebeu poderosa dose de “imunização
anti-anglo-sionista, que a fará mais forte do que antes.
E essa é
boa notícia para todos.
Para melhor
ou para pior, a Rússia é objetivamente líder incontestável da resistência
mundial contra o Império Anglo-sionista. Sim, a economia chinesa é muito maior,
mas o exército chinesa não é, e a China depende crucialmente da Rússia para energia,
armas e alta tecnologia. Creio firmemente que, inevitavelmente, a China
assumirá a liderança na luta contra o Império Anglo-sionista, mas não é para
já: a China precisa de mais tempo.
O Irã é,
definitivamente, o país que há mais tempo, foi o primeiro, a abertamente
desafiar os anglo-sionistas (além de Cuba e da República Popular Democrática da
Coreia, mas são países muito fracos), e as ambições do Irã são primariamente
regionais (o que, sim, é sinal de sabedoria da liderança iraniana).
Hassan Nasrallah |
Quanto ao
Hezbollah, é, na minha avaliação, o líder moral da Resistência mundial,
não só por seus feitos militares realmente fenomenais, mas, principalmente,
pela disposição para lutar completamente sozinhos, se necessário. Mas ser um
farol moral não implica ser capaz de desafiar globalmente o Império. Rússia,
China, Irã e o Hezbollah são o que eu
chamaria, parafraseando Dábliu Bush, o “Eixo da Resistência ao Império”, e a
Rússia tem o papel chave nessa forte, embora informal, aliança.
A outra
parte do mundo onde “isso” está acontecendo é, é claro, a América Latina, mas a
recente votação na Assembleia Geral da ONU mostrou que Bolívia, Venezuela,
Nicarágua e Cuba são os únicos países latino-americanos que ousaram desafiar
abertamente a hegemonia dos EUA (e, na Venezuela, hoje, o regime luta pela
própria sobrevivência). Vê-se que, embora a América Latina tenha enorme
potencial, ele está longe de realizar-se, pelo menos nesse ponto do tempo.
Conclusão
Uma Nova
Guerra Fria começou a ser construída no minuto em que a Guerra Fria de antes
foi oficialmente encerrada. Assim, só se pode receber como bem vinda a nova
realidade introduzida pela crise na Ucrânia: agora, a Rússia aceitou
abertamente o desafio dos EUA, e todas as encenações de alguma espécie de
parceria estratégica EUA-Rússia são passado remoto.
Quanto à
União Europeia, teve papel tão vergonhoso e desgraçado, que será tratada pela
Rússia como merece ser tratada: como protetorado submisso dos EUA, sem
políticas nem ideias próprias. Agora, aquela falsa “parceria” foi afinal
desmascarada, e podemos esperar uma Rússia mais assertiva, se não confrontacional,
no cenário internacional.
Evidentemente,
não estou dizendo que Putin pôr-se-á a bater com o próprio sapato na bancada da
ONU, como se diz que Krushchev teria feito, nem Putin ameaça “enterrar” o
ocidente. Putin, Lavrov e Churkin são estadistas e diplomatas e manter-se-ão
impecavelmente elegantes. Mas podem esperar muitos mais votos “não” na ONU e
muitos mais “lamentamos, mas, não” em questões bilaterais.
O grande
beneficiário dessa nova Guerra Fria será o Irã, é claro, mas também a China.
Não apenas Irã e China provavelmente obterão as armas de que tanto precisam
(S-300 e Su-35 respectivamente). A China também obterá excelentes bons negócios
nos preços da energia russa (os chineses são suficientemente espertos para não
tentar superexplorar essa nova situação; farão tudo “na medida certa”). Síria e
Hezbollah terão mais dinheiro, mais armas e mais apoio político. Países que
eventualmente aspirem a tornar-se membros do “Eixo da Resistência contra o
Império” terão mais ajuda financeira e política (Cuba, Nicarágua, Bolívia e,
especialmente, a Venezuela precisam de toda a ajuda que possam obter); e o
mesmo se diga de países mais ou menos pragmáticos que não se venderam
completamente aos EUA (os países BRICS, claro, mas também países menores como Argentina,
Iraque, Afeganistão, Paquistão e todos os demais que se abstiveram naquela
infame votação na ONU, recentemente). Ninguém tampouco deve subestimar a
importância da assistência que a China pode dar a esses países ou todos os
benefícios que esses países podem obter da cooperação com os demais países
BRICS.
Presidentes dos BRICS (Brasil, Índia, Rússia, China e Africa do Sul (2014) |
Quanto à
União Europeia, terá o gás que comprar e pagar, e terá de lidar com as ondas de
pós-choque econômico de seu envolvimento na crise ucraniana: terá de manter à
tona a economia ucraniana, com o queixo acima d’água, pelo menos, e terá de
lidar com o inevitável fluxo de refugiados econômicos; além de caber-lhe o
duvidoso prazer de resolver o problema dos “Talibã ucranianos”, hoje soltos sem
rédea no Banderastão lá deles. A União Europeia terá de lidar com tudo isso sob
o alto patrocínio de EUA que mal consegue disfarçar o desprezo pela Europa, ou
que, como no caso Nuland, já nem se dá ao trabalho de disfarçar coisa alguma.
O Tio Sam –
que queima sempre tudo em que põe a mão, terá de fazer exatamente isso no seu
Banderastão: convertê-lo num Kosovo maior – grande dor para seus vizinhos, e
quintal que a máquina militar norte-americana poderá usar a seu bel prazer. Mas,
diferente do Kosovo, a Ucrânia fatalmente se partirá em mil pedaços, de um modo
ou de outro, embora a ficção de estado funcional possa ser mantida por longo
tempo. Especialmente se houver consenso entre as plutocracias que governam o
ocidente, de que a forma sempre conta mais que a substância, enquanto se
mantiver a aparência de um estado ucraniano unitário, tudo bem.
Francamente,
e sem intenção de ofender nenhum ucraniano nacionalista que me leia, o Tio Sam
tem peixe muito maior na frigideira, e não se ocupará de problemas de um
“Kosovo versão 2”
na Europa Central.
As linhas
que esbocei acima são, é claro, apenas tendências gerais. Haverá alguns “zigs”
e alguns “zags” nesse processo, mas, exceto por algum grande evento
imprevisível, esse é, me parece o rumo que as coisas tomarão. Sim, haverá uma
eleição presidencial a ser disputada em condições grotescas, um oligarca
completamente corrupto como Poroshenko
comprará a própria vitória, enquanto os regime de Kiev apoiado pelos EUA e os
“Talibã ucranianos” acertam as contas e matam-se entre eles. O mais provável é
que a Rússia não intervenha militarmente, a menos que a situação vire loucura
absolutamente total. Haverá, mais provavelmente, alguma espécie de acordo
EUA-Rússia; e o leste da Ucrânia tentará achar meio de fazer mais dinheiro com
a Rússia. A Crimeia viverá um boom econômico sem precedentes, que
atrairá muita atenção na falida Ucrânia, que estará desesperada para obter
qualquer pequena porção da catarata de financiamentos de que a Crimeia se
beneficiará. Como se diz, “dinheiro conversa com dinheiro”.
Quanto a
Obama, entrará para a história como o pior presidente dos EUA em todos os
tempos. Exceto o seguinte, claro.
The
Saker
mestre do xadres e judô!!! putyn
ResponderExcluirMestre do xadres e do judô - Putyn
ResponderExcluirRússia de hoje a maior potencia militar e política que surge o urso acordou.
ResponderExcluir