26/4/2014, [*] Pepe Escobar, Russia Today
Traduzido pelo pessoal
da Vila Vudu
Os Presidentes Xi Jinping da China e Barack Obama dos EUA |
Pivoteando-se
e pivoteando-se feito um giroscópio, para parafrasear Yeats, que gira cada vez
até mais longe, o atual tour do presidente Barack Obama dos
EUA pelo nordeste e sul da Ásia esconde no motor um invisível dragão: a China.
Tudo, aí, tem
a ver com a China, contra cujos “abusos comerciais” e “beligerância
militarista”, o benigno e doce império norte-americano jura proteger seus
aliados asiáticos.
Depois de
comer sushis que, esperemos, não sejam radioativos pós-Fukushima, em Tóquio,
com o militarista/nacionalista primeiro-ministro Shinzo Abe, Obama – bem pouco
diplomaticamente – tratou logo de dar razão ao Japão na grave disputa pelas
ilhas Senkaku/Diayou, referindo-se a um suspeitíssimo acordo de segurança que
permitiria que os EUA ajudem o Japão, em caso de ataque externo.
A resposta do
Ministério de Relações Exteriores da China veio rápida e precisa – chamaram o
Tratado de “produto da era da Guerra Fria” e tratado “não vigente contra
terceiros, que não se aplica a agressões à soberania territorial da China”.
A resposta da
Agência Xinhua foi, como é característico, rombuda: é tudo parte de “um esquema
cuidadosamente calculado para engaiolar o rápido desenvolvimento do gigante da
Ásia” (a China, claro).
No Japão, o
foco de Obama foi, essencialmente, a Parceria Trans-Pacífico (PTP) [orig. Trans-Pacific Partnership (TPP)], acordo
corporativo (secreto) de negócios, que, se o examine por seja qual lado for, só
tem a ver com o Big Business dos EUA entrar, afinal, no pesadamente
protegido mercado japonês. Abe já disse que a PTP é “a terceira flecha” de seu
ressuscitamento econômico do Japão. Está mais para flecha da morte. Mesmo
assim, não há como a PTP acontecer sem, antes, um pacto bilateral EUA-Japão –
e, nisso, os problemas continuam impenetráveis.
Agora, vamos
à agenda secreta
Quando Obama
chegar ao Mar do Sul da China, as águas ficarão ainda encapeladas. O Mar do Sul
da China é o coração naval da Eurásia – pelo qual flui um terço da ação naval
global e, claro, milhões de toneladas de petróleo transportadas do Oceano
Índico pelo mega-estratégico Estreito de Malaca e pelo Mar do Sul da China em
direção ao leste da Ásia (incluídos aí cruciais 80% do petróleo que a China
importa).
A agenda
secreta aqui visa a conseguir que a Marinha dos EUA continue perpetuamente como
a hiperpotência no Mar do Sul da China – negando a Pequim até a mais ínfima
possibilidade de alcançar a paridade. Daí a propaganda cuidadosamente
orquestrada pelo Pentágono, para vender o mito de que o Mar do Sul da China,
sem EUA hegemônicos, viraria um caos de todos os diabos.
Obama está
visitando a Malásia e as Filipinas, dois pontos opostos no sudeste da Ásia.
Para começar, a Malásia fica entre o Oriente Médio e a China, no coração de
complexas redes comerciais globais. Sob muitos aspectos, a Malásia pode ser
vista como o coração da Ásia.
Barack Obama, em Kuala Lumpur, passa tropas em revista (26/4/2014) |
Diferente do
Vietnã – que é hiper nacionalista – a Malásia, sobretudo, não quer problemas
com a China. Navios de guerra dos EUA já “visitam” a Malásia pelo menos 50 vezes
por ano – o que inclui submarinos nucleares para lá e para cá pelos portos em
Bornéu.
Dois
submarinos franco-espanhóis comprados pela Malásia estão atracados numa base em
Sabah, perto das ilhas Spratly – onde a Malásia reclama a soberania sobre 12
ilhas ou rochas.
A guerra
global ao terror [orig. global war on terror (GWOT)] foi o pretexto
perfeito para que o Pentágono presenteasse a Malásia com o estado da arte em
matéria de equipamento de radar. Assim, em resumo, depois de Cingapura – que se
pode descrever como um porta-aviões norte-americano amigo-das-corporações
posicionado perto do Estreito de Malaca – a Malásia é, de fato, aliado muito
confiável dos EUA no Mar do Sul da China.
Aquele belo e
confuso arquipélago
As Filipinas
são imensa confusão. Para começar, o arquipélago de mais de 7 mil ilhas é
grosseiramente dividido em três grupos.
Em Luzon, no
norte, o povo fala Tagalog. Em Mindanao e no arquipélago Sulu, no sul, há
muitos moros muçulmanos – culturalmente, têm mais a ver com os malaios, que com
os indonésios. E ali, no meio, estão as Visayas, entre as quais, Cebu. Ao todo,
são nada menos que 35 mil quilômetros de costas a patrulhar, e, isso, em país
extremamente pobre.
A China é o
terceiro maior parceiro comercial das Filipinas. A diáspora chinesa é muito
influente nos negócios e no comércio. As Filipinas importam por mar todo o
petróleo que consomem – daí que a possibilidade de prospectar novas reservas de
petróleo e gás nas Spratlys e na furiosamente disputada Scarborough Shoal é questão
de segurança nacional.
As Spratlys –
150 rochedos ou ilhas, dos quais só 48 permanecem perenemente acima da linha
d’água – receberam esse nome em 1843, homenagem a um baleeiro britânico,
Richard Spratly. Mas os filipinos as conhecem como Kalayaan (“Terra da
Liberdade”). Há até um prefeito de Kalayaan.
O que Obama
está arrancando de Manila é um acordo para maior acesso de navios e aviões dos
EUA a bases militares, depois que o Pentágono convenceu os locais a prestarem
atenção à “consciência do domínio marítimo” com o objetivo – e o que mais
seria?! – de conter a China.
Esperem pois
presença “rotativa” dos EUA nos portos filipinos, e até a conversão da Baía
Ulugan, área virgem, intocada, na ilha de Palawan, no oeste das Filipinas –
muito próxima das Spratlys – numa futura base naval, para total desespero dos
ambientalistas.
E assim lá se
vão os dias (soberanos) quando Washington foi forçada a devolver a sempre
crescente Baía Subic em 1992 (antes, Manila recebia $200 milhões por ano, em
ajuda militar de Washington). Há um consenso em Manila de que o único modo
possível de fazer frente às exigências chinesas no Mar do Sul da China é uma
aliança com os EUA – que, em si, já é assimétrica. Mesmo assim, querem navios
norte-americanos em suas águas – seguindo o modelo de Cingapura (e do Vietnã);
construamos portos para os norte-americanos, e eles virão.
Os filipinos
são gravemente paranoicos sobre os chineses predarem tudo o que eles conhecem
como Mar das Filipinas Ocidentais – em locais como Ilha Woody e Douglas Bank –
e que planejam ocupar cada partícula de rocha acima do nível do mar. Por quê?
Segundo a versão filipina, porque Pequim precisa de, e muito quer, apropriar-se
do petróleo e do gás filipinos.
Não
surpreende que a Marinha dos EUA se tenha apressado para explorar o alto nível
de insegurança filipino, para forjar o que, afinal, não passa de uma relação
neocolonial.
Barack Obama e o rei Abdul Halim da Malasia (em primeiro plano) na cerimônia de boas vindas na Praça do Parlamento em Kuala Lumpur (26/4/2014) |
E quanto à
Lei do Mar?
O
“pivoteamento para a Ásia” do governo Obama – leia-se “conter a China” – sempre
atropela a questão chave: para Pequim, uma coalizão de pequenas potências do
sudeste asiático aliada com os EUA é anátema absoluto. Se acontecer, esperem o
fogaréu.
Washington –
como sempre – vive a exaltar o respeito à lei internacional, mas os EUA sequer
assinaram a Convenção da ONU sobre a Lei do Mar de 1982. Pequim quer uma ordem
regional – afinal, é a potência regional dominante. E não cede: suas demandas
históricas são fatos no mar acontecidos muito antes da Lei do Mar.
Mas é
discussão em que todos falam muito e poucos têm razão. Por exemplo, a China
reclama para elas as águas, e alguém encontra os campos de gás natural filipino
de Malampaya e Camago.
As atuais
zonas econômicas exclusivas, impostas por qualquer um, levaram a que todos os
atores ganhem áreas rasas próximas do litoral, teoricamente ricas em energia,
enquanto a China, ao sul de seu litoral, não está muito separada das ilhas
Pratas, Macclesfield Bank e Scarborough Shoal.
Mesmo assim,
não importa o que consigam extrair e vender, a Malásia e as Filipinas terão
ainda de importar petróleo e gás. Assim, o Mar do Sul da China permanece sempre
crucial, seja como possível repositório de petróleo e gás, seja por suas cada
vez mais congestionadas rotas de trânsito de navios.
Quanto aos
EUA invocarem um mecanismo legal para proteger a “liberdade de navegação”, é
conversa fiada; o que interessa aos EUA é a moderníssima base chinesa de
submarinos na ilha Hainan, que abriga submarinos movidos a diesel-eletricidade
e submarinos nucleares armados com mísseis balísticos. Esse é o verdadeiro
segredo da perna sudeste-asiática da “curva em pivô” de Obama para a Ásia. E
contribuiu para lançar toda a pivoteação, em 2011.
Só há uma
solução para o Mar do Sul da China: negociar, negociar, negociar, acordo a
acordo, negócio a negócio. Tudo tem de ser negociado no quadro das dez nações
reunidas na Associação de Nações do Sudeste Asiático [orig. Association of Southeast Nations
(ASEAN)] – mesmo considerando que Pequim pode explorar divisões internas, e
explora.
Num mundo não
Hobbesiano, a solução ideal, realista, seria administrável para benefício de
todos os atores, de modo que todos pudessem prospectar petróleo e gás. Mas o
problema é que todos os atores – exceto a Malásia – fazem política hardcore
com tons emocionais nacionalistas sobrecarregados. E nesse ambiente só um ator
tem a ganhar: os EUA, a “nação pacífica (do Pacífico)”.
__________________
[*] Pepe Escobar (1954) é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna (The Roving Eye) no Asia Times Online; é também analista de política de blogs e sites como: Tom Dispatch,Information Clearing House, Red Voltaire e outros; é correspondente/ articulista das redes Russia Today, The Real News Network Televison e Al-Jazeera. Seus artigos podem ser lidos, traduzidos para o português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu e João Aroldo, no blog redecastorphoto.
Livros:
− Globalistan: How the Globalized World is Dissolving into Liquid War, Nimble Books, 2007.
− Red Zone Blues: A Snapshot of Baghdad During the Surge, Nimble Books, 2007.
− Obama Does Globalistan, Nimble Books, 2009.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Registre seus comentários com seu nome ou apelido. Não utilize o anonimato. Não serão permitidos comentários com "links" ou que contenham o símbolo @.