Fala Alexei Pushkov,
presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara de Representantes do
Parlamento da Rússia (fragmentos)
13/4/2014,
The Saker, The Vineyard of the Saker
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
The Saker |
The Saker: Essa é fala que considero histórica.
Aqui se ouve Alexei Pushkov, Presidente
da Comissão de Relações Exteriores da Câmara de Representantes do Parlamento da
Rússia (que não traduziu nem
traduziria evento tão sem importância como uma rápida reunião com repórteres
europeus). A tradução ao inglês foi feita por internautas, a meu pedido, aos
quais agradeço muito, porque, sem ela, os que não falam russo não teriam acesso
às palavras de Pushkov e meu comentário seria impossível. Essa reunião com
repórteres europeus aconteceu logo depois de anunciado o grotesco, repugnante
voto, na Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa [1] [orig. PACE] contra a Rússia.
[Aqui, fragmentos da entrevista, traduzidos do inglês]:
_________________________
Alexei Pushkov |
A. Pushkov: Conferência de imprensa
PUSHKOV: Entendemos que as
pessoas que tomaram parte nessa decisão não têm direito moral de votar o que
votaram. A delegação da Geórgia tem, antes, de explicar como a Geórgia matou 147
pessoas em Tskhinval em agosto de 2008, por ordem de Saakashvilli – os
senhores, com certeza viram pela televisão. Tskhinval foi bombardeada por
sistemas avançados de foguetes. 147 pessoas morreram naquela operação. E o que
dizem hoje os delegados da Geórgia? Dizem que não aconteceu. Aconteceu. E eles
são responsáveis por aquelas mortes.
Vamos dar às coisas os nomes certos. Querem julgar a Rússia por a
Crimeia ter-se reincorporado à Rússia, sem derramar-se uma gota de sangue e por
decisão e escolha do próprio povo da Crimeia. E a Geórgia queria retomar outra
vez para ela os mesmos territórios onde já praticara genocídio em 1991-1992 por
via militar agressiva. Houve mortes, como se sabe que houve, reconhecidas em
documento oficial da (?). E todo mundo sabe o que houve lá.
E assim... [interrupção
no vídeo]...com o resultado de que os mesmos representantes que
apresentaram a proposta para a exclusão da Rússia [nada pensaram em propor] que
impedisse a agressão ao Iraque em 2003. Acho que não vi nenhum daqueles 20
governos que apoiaram a agressão ao Iraque – já declarada ilegal – ser punido
por aquela Assembleia PACE. A Assembleia Parlamentar fecha os olhos para certos
crimes, mesmo que, como no Iraque, o resultado daquela ocupação e daquela
agressão tenha sido a morte de vários milhares de pessoas. E, disso, todo o
mundo já sabe. Pois contra aqueles camaradas, nada de sanções.
Entendo que esses governos que, regularmente, nos últimos 20 anos,
violaram a lei internacional – bombardearam Belgrado, bombardearam a Líbia,
ocuparam o Iraque – não têm qualquer direito moral para tomar decisões sobre a
delegação da Rússia. Discordamos absolutamente daquela decisão.
Quero dizer também aos senhores que entendo que essa crise muito
tensa entre os russos e a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa [PACE]
está conectada a várias outras coisas. Em primeiro lugar, vê-se o império dos
dois pesos e duas medidas. O que ouvimos ontem da delegação da Ucrânia foi,
essa é a verdade, hilário – provocou gargalhadas. A Ucrânia não tem nenhum
problema! Já resolveu todos! O único problema da Ucrânia é a “ameaça russa”.
Por que não vão até lá e veem com seus olhos? Vejam como os ucranianos estão
vivendo. Vejam o que está acontecendo
no leste, no oeste e no sul – vão a Kiev e vejam o que os golpistas fizeram
àquela cidade. Falem com as famílias dos que foram mortos – não só na Praça
Maidan, mas também na invasão da sede do Partido das Regiões. Saibam como os
extremistas de direita chegaram ao prédio, entraram e mataram duas pessoas. Assim. À queima-roupa. Um, um engenheiro; o outro, um soldado –
que não tinham qualquer relação com o Partido. Falem com as pessoas. Falem com o representante dos Comunistas do
Sul da Ucrânia, que foi torturado. Meteram agulhas sob as unhas dele e o
espancaram. Isso, na Ucrânia, todos
sabem. Falem com Simonyanka(?) que
ontem, ou anteontem, foi espancado quando falava na tribuna do Parlamento, por
deputados do Partido Svoboda.
E aqui, na Assembleia Parlamentar do Conselho Europeu, vemos o
quê? Vemos aprovada alguma resolução para condenar o Partido Svoboda e o Setor Direita por racismo, por
antissemitismo, como o próprio Parlamento Europeu pediu, em dezembro de 2012?
(E não fomos os russos que pedimos.) Não. Aqui não se viu nada de semelhante a
isso. Aprovaram, sim, uma resolução contra a Rússia!
O que se sabe é que essa resolução não tem o apoio de nem um terço
dos delegados. Foi aprovada por 51, 52
votos. O que se tem aqui, para discutir? Só
temos uma questão: a Assembleia Europeia opera por dois pesos e duas medidas, o
“duplo padrão”. O que se vê naquela assembleia é o odioso triunfo do duplo
padrão.
Vê-se também aqui que o respeito a lei passa longe dessa
Assembleia de Deputados do Conselho da Europa. O governo da Ucrânia foi derrubado por
golpe. É óbvio. Todos sabem. É
questão já analisada pelos maiores especialistas, não só na Rússia, mas também
no resto da Europa. Todo mundo sabe que a Constituição foi violada. Como é
possível que, ao falar da Crimeia, nossos colegas da delegação da Ucrânia
invoquem a Constituição? Como podem falar de Constituição, se derrubaram o
presidente?! Quando se quer discutir a violação da Constituição, dentre outras
decisões ilegais... eles não discutem. Como é possível? A Constituição às vezes
vale, às vezes não vale? Assim sendo, o que, afinal, estamos discutindo aqui? O
grupo Euro Left [euro-esquerda] que há nessa Assembleia
Parlamentar foi o único que levantou a questão da legalidade do que aconteceu
dia 22 de fevereiro na Ucrânia. No mínimo, é decisão que teria de ser discutida
aqui, para que se definisse se o que houve lá foi ou não constitucional. A Assembleia Parlamentar Europeia discutiu
alguma coisa? Não. Nos disseram que tudo foi constitucional. Como assim? Quem
disse?! Quem decidiu?!
A Constituição Ucraniana declara como o presidente pode ser
removido do poder. Uma comissão especial tem de ser designada para investigar
se há razão para o impeachment.
Depois, há audiências numa Corte Constitucional sobre a questão. E, depois, o Parlamento vota o impeachment. Não há outro procedimento possível, na
Ucrânia, só esse. E se tudo tivesse sido feito assim, garanto-lhes, senhores,
que a Rússia não teria protestado. Mas
aconteceu o quê? A Corte Constitucional foi desmontada. Cinco juízes foram demitidos da Corte
Constitucional, inclusive o juiz presidente – que tem imunidade constitucional. Não fez diferença alguma. E, agora, essa
mesma gente quer nos convencer de que seu novo poder é legal e legítimo?
O pior, dessa vez, é que a Assembleia de Deputados Europeus traiu
seus próprios princípios. A maioria da Assembleia de Deputados do Conselho
Europeu traiu seus próprios princípios de respeito à lei, à supremacia dos
direitos humanos, à supremacia da lei. A própria Assembleia dos Deputados
Europeus assumiu a tarefa de defender interesses políticos dos governos que
querem operar, por qualquer meio, a assimilação geopolítica da Ucrânia. Sinto
muito ter de dizer isso, porque a Assembleia dos Deputados Europeus foi criada
como organização acima da política corriqueira, encarregada de criar padrões
melhores que...
JORNALISTA NÃO IDENTIFICADO, na plateia: Desculpe interrompê-lo, senhor. Estamos
numa conferência de imprensa. Não viemos para ouvir uma declaração política.
PUSHKOV: Quem falou?
O MESMO JORNALISTA, sem se identificar: Eu, aqui.
PUSHKOV: Onde?
O MESMO JORNALISTA, sem se identificar: Aqui.
PUSHKOV: Se o que estou dizendo não o agrada
[ininteligível]...
O MESMO JORNALISTA, sem se identificar: O problema não é o que o senhor está
dizendo...
PUSHKOV: Se não quer ouvir o que estou
dizendo, pode sair.
PUSHKOV: A Assembleia Parlamentar do Conselho
da Europa (PACE)... [PUSHKOV
faz um movimento com a mão]...
PUSHKOV: Não
diga que não disse o que disse.
O MESMO JORNALISTA, sem se identificar: [ininteligível]
PUSHKOV: Como eu estava dizendo, a Assembleia
dos Deputados Europeus (PACE) traiu todos os princípios que deveria defender.
Devo dizer que nem todos os deputados agiram mal. Os deputados que ouviram o que nós
dissemos, que refletiram sobre a posição da Rússia; os que votaram contra a
decisão contra a Rússia...
...[Tumulto na plateia]...
JORNALISTA ALEMÃ:
O senhor pode falar inglês? Pode falar inglês, por favor? Gostaríamos de
entender o que o senhor diz. Por favor.
PUSHKOV faz um movimento com a mão. ais tumulto na plateia]...
JORNALISTA ALEMÃ:
Por favor… pode falar inglês?
PUSHKOV: Os que votaram depois de refletir,
são os que entenderam que não seria admissível negar à Rússia uma oportunidade
de trabalhar na Assembleia da Europa – esses, me parece, merecem todo o apoio.
Os que votaram a favor de retirar da delegação russa todos os seus poderes
sabiam o que estavam fazendo. A presença da delegação russa naquela Assembleia
já não faz sentido algum. Isso tem de ficar bem entendido. Se a maioria da Assembleia
dos Deputados Europeus entende que poderia fazer e desfazer a história como bem
entendam, aquela maioria erra. A Assembleia de Deputados Europeus não é o único
espaço onde se tomam decisões. A Rússia também está ponderando e decidirá se
deve permanecer como membro dessa Assembleia. Ficar ou sair é algo que a Rússia
decidirá. E, claro, a qualquer momento, poderemos revisar nossa posição. Obrigado.
JORNALISTA ALEMÃ: Pode falar inglês? Por favor?
Gostaríamos de entender o que o senhor diz. Meu nome é Petra Klingbar(?) da
Agência German Press [imprensa alemã].
...[ PUSHKOV conversa com outros, na mesa]...
JORNALISTA ALEMÃ: Pode falar inglês, por favor? Para
compreendermos o que o senhor diz. Obrigada.
DEPUTADO RUSSO à Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa: Queria dizer algumas palavras. Aqui,
nós...
JORNALISTA DA GEÓRGIA: [2]
Posso fazer uma pergunta? Televisão da Geórgia.
DEPUTADO RUSSO à Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa:
Mais tarde. Se for possível, haverá tempo para perguntas.
Nós, nessa Assembleia, representamos um grande país, a Rússia.
Tudo que ouvimos aqui, durante dois dias, é muito grave e perturba gravemente
os russos. Isso, em primeiro lugar. Em segundo lugar, quero dizer que nenhuma
proposta ou emenda que propus nessa Assembleia foi jamais aceita. A impressão
que tenho é que, se, amanhã, eu apresentar uma proposta de resolução que
declare que o [rio] Volga corre para o [mar] Cáspio, minha proposta será
rejeitada. A responsabilidade...
JORNALISTA DA GEÓRGIA: O senhor acha impossível que a Rússia
esteja errada e mereça as sanções?
DEPUTADO RUSSO à Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa: Por
favor, deixe-me concluir. Parece-me
que estou aqui…
JORNALISTA DA GEÓRGIA: O senhor está pensando que o mundo
inteiro está errado?
OUTRO DEPUTADO RUSSO à Assembleia Parlamentar do Conselho da
Europa: O sr. Potyomka(?) é mais velho que você. Deixe-o acabar de
falar.
JORNALISTA DA GEÓRGIA: Não posso nem fazer uma pergunta? É
uma conferência de imprensa.
PUSHKOV: Com licença, mas, se houver mais
tumulto entre os jornalistas, acabamos com essa conferência e saímos. Vocês
ficam donos da sala, com suas opiniões e perguntas.
JORNALISTA ALEMÃ: Não há tradução. Gostaríamos de
entender o que o senhor diz.
...[ PUSHKOV faz um gesto de “esse problema não é meu”]...
JORNALISTA ALEMÃ: Mas o senhor fala excelente inglês.
(Fim da tradução)
_________________________
O QUE ME PARECE TÃO
IMPORTANTE NESSA FALA DE PUSHKOV?
Primeiro, é a
primeira vez que diplomata russo de alto escalão expõe-se declaradamente
“farto” e decide “meter um espelho”, digamos assim, no nariz dos funcionários
da União Europeia, para que vejam a própria (feia) cara. Passou o tempo dos
cerimoniais de amizade. Pushkov disse,
claramente, que os deputados europeus são gente sem princípios, hipócritas e
mentirosos, sem qualquer mínima dose de decência ou competência para a política
civilizada.
Em segundo lugar, Pushkov
claramente diz à imprensa-empresa ocidental que vá se danar, não, é claro,
nesses termos, mas essa é a substância de todos os seus gestos (a começar por
falar russo, sem tradução), quando os jornalistas-empregados tentam, primeiro,
calá-lo, depois, pôr palavras em sua boca; e, claro, quando sai da sala.
Em outras palavras, Pushkov
manifesta absoluto desprezo pelos “serviçais” que cumprem qualquer ordem dos patrões,
repetem qualquer mentira e negam qualquer fato, por óbvio que seja.
Claro que
Pushkov não usou o colorido vocabulário da sra. Nuland, mas a mensagem é a
mesma.
Agora,
portanto, os EUA e a Rússia já manifestaram clara e perfeitamente o mais
irrestrito desprezo pela União Europeia – a qual, convenhamos, fez, mesmo,
MUITO por merecer o que está recebendo.
Quem é Alexei
Pushkov
É homem
muito, muito importante, tipo “campeão”, na Rússia. Além de ocupar posição de
muito poder, como presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara de
Representantes do Parlamento Russo, mantém um importante programa semanal de
análise de questões políticas na televisão russa, chamado “Post-scriptum”, que
tem importante audiência. É inteligentíssimo, impecavelmente bem educado,
poliglota, muito lido e muito viajado. É diplomata, dos melhores, do mesmo
nível de profissionalismo e expertise
de Sergey Lavrov. Tudo isso para dizer que o que Pushkov diz tem muito peso, tanto
entre os intelectuais quanto entre seu público de televisão e, também, nos
círculos próximos ao Kremlin.
Por falar de
Lavrov, também falou durante uma hora à televisão russa, no programa “Domingo à
noite com Vladimir Soloviev” (jornalista muito conhecido) e a mensagem de
Lavrov é a mesma: a União Europeia perdeu a cabeça, enlouqueceu, de vez; se
querem confronto com a Rússia, que venham. A Rússia está pronta.
Quanto a
Putin, teve um encontro público com o seu movimento “Frente Popular Russa” e
está preparando uma convenção popular, espécie de “townhall meeting”, pela
televisão. Tudo indica que sua mensagem será a mesma.
Dia 1º de
março desse ano, avisei que a Rússia
estava pronta para guerra. Agora, parece que não será guerra
quente (graças a Deus!), mas “fria” e, primariamente, econômica. Acho que a
votação na Assembleia dos Deputados Europeus (PACE) e a reação dos
russos aí estão para marcar o início das hostilidades ativas.
Vai ser
interessante ver o que a União Europeia tem em termos de “poder de fogo”, que
não sejam bolhas de sabão; e o quanto de poder para fazer acontecer esses cães
e cadelas europeus realmente têm.
The Saker
Notas dos tradutores
[1] Sobre decisão da Assembleia
Parlamentar do Conselho da Europa [orig.Parliamentary
Assembly of the Council of Europe (PACE)] que “pôs a Rússia de
castigo”: não pode falar, não pode votar... Europa RIDÍCULA! O vídeo desta
fala, em russo, a seguir:
[2] A proposta para “castigar” a Rússia,
cassando-lhe o direito de falar e de votar na Assembleia de Deputados do
Conselho da Europa, foi apresentada pelo representante da Geórgia e aprovada
pelos 50 e poucos deputados presentes.
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