domingo, 11 de agosto de 2013

Conversações Israel-Palestinos: Washington faz a alcoviteira... Entre o estuprador e a vítima

3/8/2013, [*] Finian Cunningham, Strategic Culture
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Negociações Israel - Palestinos (charge de Fadi Abou Hassan)
Depois de dois dias de intercurso em Washington entre negociadores israelenses e palestinos, o secretário de Estado, John Kerry emergiu como agenciador benevolente de encontros, satisfeito com o fruto prometido dos seus esforços para negociar um casamento.

Kerry anunciou que as equipes de negociadores israelenses e palestinos aceitaram iniciar (outra vez) conversações para obter um acordo final de paz que resolva todas as importantes “questões do status final”. Kerry disse que a próxima rodada de negociações ficou marcada para daqui a nove meses.

O período gestacional de nove meses é, claro, um número como outro qualquer. Mas convida fatalmente à comparação com um parto. Infelizmente, é praticamente certo que esse nascituro será natimorto. É o que ensina a história.

John Kerry
por Nicola Jennings
Todos os governos dos EUA, desde o presidente Jimmy Carter nos anos 1970s, até o governo Obama, hoje, periodicamente sobem ao palco e anunciam alguma iminente “paz justa” entre palestinos e israelenses. E sempre, cruelmente, a promessa dá em nada. Bem... De fato, até que dá em alguma coisa: os territórios e os direitos dos palestinos continuam a ser devorados e desaparecem, enquanto as violações cometidas pelo estado de Israel só aumentam.

Um dos mais longos conflitos da história moderna cresceu e entrou em metástase ao longo de décadas, por causa de um problema fundamental: os EUA jamais são intermediário honesto na busca por alguma paz justa. Washington é parte do problema. John Kerry, como tantos antes dele, pode até posar como agenciador de encontros entre partes em conflito. Mas o fato simples é que os EUA não são árbitro neutro. Os EUA são patrão, patrocinador, advogado e cúmplice de um dos lados – Israel.

Para levar os palestinos de volta à mesa de negociações, o secretário Kerry, como foi noticiado, acenou com a promessa de $4 bilhões em investimentos privados, para a Autoridade Palestina do presidente Mahmoud Abbas. Mas, calma. É preciso analisar comparativamente esse incentivo. $4 bilhões é o valor anual da ajuda financeira e militar que Washington dá a Israel, há décadas.

Na abertura das “conversações sobre conversações”, no início da semana, Kerry exortava:

Se os líderes dos dois lados continuam a mostrar liderança firme e disposição para fazer essas difíceis escolhas e para fazer concessões razoáveis, então a paz é possível.

É alucinante, quase inacreditável, o cinismo dessas palavras. Disposição para fazer concessões razoáveis? Até hoje, o único lado forçado a fazer concessões – até as menos razoáveis – é sempre o lado palestino.

Para começar, a Autoridade Palestina não tem mandado legítimo, do povo palestino, para representá-lo na discussão de suas questões nacionais vitais. A Autoridade Palestina governa a Cisjordânia sem eleições. Tem fraquíssimo apoio entre os palestinos do segundo maior território ocupado, a faixa de Gaza, na costa mediterrânea. O partido Hamás eleito em Gaza opõe-se à atual rodada de negociações de paz e foi posto em ostracismo pelo governo de Israel já há seis anos, porque, mais do que ser movimento armado, é movimento político ativo, com apoio popular e votos.

Mahmoud Abbas
A Autoridade Palestina de Mahmoud Abbas é vista como participante mais dócil em conversações com os israelenses e, portanto, é consagrada por Washington como legítima representante da causa palestina – por menos que o seja, como muitos entendem que não é. O golpe militar no Egito que derrubou o presidente Mohamed Mursi, da Fraternidade Muçulmana, dia 3 de julho, foi um duro golpe político também contra o Hamás, seu aliado. Washington, provavelmente, viu aí uma janela de oportunidade para “conversar” a Autoridade Palestina, rival do Hamás, e empurrá-la, outra vez, para mais uma encenação do tal “processo de paz”.

Assim sendo, a primeira concessão que os palestinos já foram obrigados a fazer é que sequer lhes foi permitido pôr à mesa das negociações um partido legitimamente eleito, que tivesse robustez (e votos) para defender sua causa e seus altos interesses históricos.

Outras concessões decorrem imediatamente dessa primeira concessão. Desde sempre, a posição palestina é insistir em obter reconhecimento explícito de algumas situações bem concretas. Por exemplo, os palestinos sempre exigem que Israel volte às fronteiras existentes antes da Guerra dos Seis Dias, em 1967. É demanda razoável, apoiada em Resoluções do Conselho de Segurança da ONU e por leis e tratados internacionais como a 4ª Convenção de Genebra e a Carta da ONU.

Outras das demandas substantivas dos palestinos são: que lhe seja assegurado direito sobre Jerusalém Leste (Al Quds), a ser declarada capital de um futuro estado palestino; que cesse completamente a construção de colônias israelenses em territórios ocupados; que seja assegurado o direito de retorno para mais de quatro milhões de palestinos expulsos de suas terras, quando da violenta invasão de terras palestinas, por Israel, em 1948; e que sejam libertados os mais de 5.000 prisioneiros políticos palestinos hoje presos em prisões israelenses – como foi estipulado nos Acordos de Paz de Oslo assinados há 20 anos, em 1993. (Não há prisioneiros israelenses em prisões palestinas).


No primeiro governo do presidente Barack Obama, Washington exigiu ostensivamente o reconhecimento das fronteiras de 1967 e o fim das construções israelenses nos territórios ocupados.

O governo israelense do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu deu de ombros e depois deu as costas a Washington e aos palestinos. A ininterrupta construção de colônias israelenses em terra palestina ocupada, inclusive, provocativamente, também em Jerusalém Leste, foi a principal razão do fracasso de outras tentativas de negociação, ao longo dos três últimos anos. Hoje, há mais de 500 mil israelenses vivendo ilegalmente em mais de 120 novas construções ilegais que os israelenses erigiram ilegalmente, no período, em territórios palestinos ocupados.

O governo Obama silenciosamente, voltou atrás e desistiu do que exigira. Agora, palestinos e israelenses voltam à mesa de negociações, sem que Israel tenha cedido coisa alguma de suas posições anteriores e sem qualquer alteração na situação anterior. De fato, enquanto se encenavam novas negociações em Washington essa semana, a mídia noticiava que Netanyahu já autorizara a construção de mil novas moradias para colonos israelenses na Cisjordânia e em Jerusalém Leste.

A mais patética realidade é que os palestinos foram tantas vezes repetidamente traídos e violados pelo estado de Israel e tantas vezes traídos por Washington, que seus negociadores já desistiram até das demandas mais básicas, mais razoáveis, sem as quais nenhum acordo de paz jamais significará coisa alguma.

Mediante força bruta e intransigência cega e surda, o estado de Israel zomba da lei internacional, como zomba de quaisquer negociações. Já nem se trata de negociação – trata-se de ocupação e colonização, com assalto e roubo de terras e propriedades dos árabes nativos, sem qualquer limite. Netanyahu e outros líderes israelenses já se cansaram de dizer a que vieram e continuam vindo, até nos jornais e pelas televisões. Para eles, o “processo de paz” é engodo, cobertura para ganharem tempo, enquanto vão criando mais e mais “realidades em campo”, quer dizer, enquanto continuam a roubar mais e mais terras palestinas.


Nessa disputa entre desiguais, Washington fez o mais que pôde para aumentar a desigualdade. Em vez de trabalhar para preparar algum tipo de campo nivelado para qualquer tipo de negociação, o suposto ‘árbitro’ desnivelou ainda mais o campo, até torná-lo mortalmente perigoso para os palestinos, ao mesmo tempo em que afasta, para distâncias inalcançáveis, todas as metas e objetivos legítimos dos palestinos.

Indicação clara de que os EUA têm lado, e é o lado israelense, os EUA acabam de nomear Martin Indyk como interlocutor de Washington nas próximas negociações. Indyk foi embaixador dos EUA em Israel nos governos dos presidentes Clinton e Bush Junior. É homem carnalmente alinhado com o poderoso lobby israelense em Washington. Kerry disse, essa semana, sobre Indyk:

Traz uma apreciação profunda pela arte da diplomacia dos EUA no Oriente Médio.

Sim. “Arte da diplomacia dos EUA no Oriente Médio” significa, então, dar carta branca a Israel para que faça o que bem entenda em matéria de atropelar direitos dos palestinos, além da própria vida, é claro, dos mesmos palestinos. Israel faz chover bombas e mísseis sobre Gaza, como no início de 2009 e no final de 2012, mata centenas de mulheres e crianças, e tudo que Washington faz é reiterar que Israel teria o “direito de defender-se”. Não é papel de intermediário sério, de negociador confiável; é papel de cúmplice do terrorismo de estado que Israel pratica.

Essa política dos EUA para Israel não é efeito só de mera fraqueza ante o lobby israelense, como querem alguns analistas. De fato, decorre do papel essencial que Israel desempenha na projeção dos interesses imperialistas dos EUA em toda a região estrategicamente crucial, do Oriente Médio. Acordo justo que resolva o conflito israelense-palestinos não interessa aos objetivos da hegemonia imperialista dos EUA na região. Por isso, não por outra razão, os EUA trabalham a favor do expansionismo militarista de Israel, que lhe serve como estado-sentinela, ali posto para impedir que prospere qualquer esforço de desenvolvimento democrático genuíno de árabes e palestinos.

A diplomacia dos EUA não é, portanto, ingrediente que possa catalisar alguma solução de paz. O imperialismo norte-americano tudo domina, e só cresce, como problema, sempre presente. Mas a retórica desgastada de Washington, sobre os “duros desafios para alcançar a paz” foi encampada por uma imprensa-empresa ocidental venal, ganhou credibilidade e implantou-se quase como se fosse verdade.

Cartão de Natal (por Polyp)
A premissa para um adequado acordo de paz entre israelenses e palestinos que se ouve em Washington é fundamentalmente sem substrato. Não passa de retórica ilusória, ideias que jamais, em tempo algum, foram realmente cogitadas como fundamento para qualquer acordo sustentável. Não passam de engodo, para dar aos partidos políticos nos EUA e em Israel um travestimento de seriedade, por trás do qual possam prosseguir em suas perniciosas políticas e projeções imperialistas.

O lugar certo para negociar qualquer genuíno processo de paz entre Israel e os palestinos é a Corte Criminal Internacional, onde os crimes passados e em andamento, e as violações que Israel cometeu e comete, acobertada pelos chefões em Washington, possam ser processados e julgados e, talvez, então, resolvidos.

Já há décadas, Washington atua como alcoviteira entre dois que não se entendem. De fato, Washington só fez e continua a fazer uma coisa: ajuda um estado estuprador a violar a mesma vítima, outra e outra vez, sem parar.
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[*] Finian Cunningham nasceu Belfast, Irlanda do Norte, em 1963. Especialista em política internacional. Autor de artigos para várias publicações e comentarista de mídia. Recentemente foi expulso do Bahrain (em 6/2011) por seu jornalismo crítico no qual destacou as violações dos direitos humanos por parte do regime barahini apoiado pelo Ocidente. É pós-graduado com mestrado em Química Agrícola e trabalhou como editor científico da Royal Society of Chemistry, Cambridge, Inglaterra, antes de seguir carreira no jornalismo. Também é músico e compositor. Por muitos anos, trabalhou como editor e articulista nos meios de comunicação tradicionais, incluindo os jornais Irish Times e The Independent. Atualmente está baseado na África Oriental, onde escreve um livro sobre o Bahrain e a Primavera Árabe. Anima um programa semanal de variedades aos  domingos, às 03:00 GMT na Rádio Bandung.

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