terça-feira, 13 de agosto de 2013

Pepe Escobar – “Bandar Bush, “libertador” da Síria”

13/8/2013, [*] Pepe Escobar, Asia Times Online – The Roving Eye
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Bandar bin Sultan
O espião voltou. O príncipe Bandar bin Sultan, também conhecido como Bandar Bush (para Dábliu, Bandar era da família), reapareceu espetacularmente à tona, depois de um ano de limbo atapetado de especulações (teria morrido, teria sobrevivido, a uma tentativa de assassinato  em julho de 2012). E estava de volta ao palco, bem ali, nada mais, nada menos: em encontro cara a cara  com o presidente da Rússia, Vladimir Putin.

Rei Abdullah
Arábia Saudita
O rei Abdullah da Arábia Saudita, para citar Bob Dylan, “não está ocupado em nascer: está ocupado em morrer” [1].  Pelo menos, foi capaz de pegar da pena e, recentemente, nomeou Bandar para comandar o Diretorado Geral da Inteligência Saudita; Bandar está encarregado, pois, do grande plano conjunto EUA-Sauditas para a Síria.

O encontro de quatro horas entre Bandar Bush e Vlad - a Marreta, já alcançou status mítico. Na essência, segundo vazamentos diplomáticos, Bandar pediu que Vlad abandonasse o presidente sírio Bashar al-Assad e esquecesse a coisa de bloquear uma possível resolução do Conselho de Segurança da ONU para que se implante uma zona aérea de exclusão (como se Moscou algum dia admitirá o replay da Resolução n. 1.973 da ONU contra a Líbia). Em troca, a Casa de Saud compraria carregamentos e mais carregamentos de armas russas.   

Vlad, previsivelmente, não se deixou embasbacar. Nem quando Bandar audazmente garantiu que, qualquer que seja a configuração de um quadro pós-Assad, os Sauditas permanecerão “completamente” no controle. Vlad – a inteligência russa – já sabia de tudo. Não se embasbacou, nem Bandar extrapolou, prometendo que a Arábia Saudita não permitirá que nenhum membro do Conselho de Cooperação do Golfo – o Qatar, no caso – invista no oleogasodutostão que atravesse a Síria para vender gás natural na Europa e, assim, prejudique interesses russos (da Gazprom).

Quando Bandar viu que não estava conseguindo coisa alguma, voltou à posição anterior: a única saída do caso sírio é a guerra – e Moscou que esqueça a sempre adiada conferência de paz de Genebra II, porque os “rebeldes” não aparecerão.

Vijay Prashad
De novo, ninguém precisaria lembrar Vlad de que os sauditas – em “cooperação” com Washington – não têm qualquer controle sobre a galáxia “rebelde”. O Qatar foi confinado à lata (cara) de lixo, como Vijay Prashad comenta. É parte do plano de Washington – se é que há plano – para isolar a Fraternidade Muçulmana Síria e suas sombrias ramificações / conexões jihadistas.

Bandar, o dissimulado, por sua vez, não é tolo a ponto de acreditar na própria propaganda. Ele sabe que Moscou tem interesses geoestratégicos mais complexos que apenas manter a Síria como compradora de armas. E deve ter desconfiado de que Moscou simplesmente não se incomoda com concorrentes do Golfo que ataquem mercados-alvos europeus no oleogasodutostão.

É instrutivo lembrar que em 2009 Damasco não assinou acordo com o Qatar para construir um oleogasoduto através da Síria; mas assinaram o memorando de entendimento, ano passado, para construir o oleogasoduto Irã-Iraque-Síria, de US$10 bilhões. Implica que, para Damasco, o negócio com o Irã é muito melhor; e se o oleogasoduto chegar a ser construído, a Gazprom poderá até participar do negócio, na infraestrutura e na distribuição. O caso é que Moscou já concluiu que a Gazprom russa não perderá o controle sobre a energia europeia em benefício do gás natural qatari. Pode-se até dizer que a Gazprom tem mais poder sobre a eurozona – em tumulto, decadente, virtualmente insolvente – que o Banco Central Europeu [European Central Bank (ECB)].

Oleogasoduto Síria - Iraque - Irã (setas verdes)
O que Vlad, sim, realmente, teme, é que algum super caos, que se instale em algum período pós-Assad, venha a ser explorado pelos jihadistas-salafistas.

Nunca será demais lembrar que de Aleppo a Grozny são apenas 900 quilômetros. A próxima parada da Jihad Global na Síria seria o Cáucaso. E quanto a isso, sim, Bandar Bush e Vlad - a Marreta podem ter interesses convergentes; o interesse estratégico que os aproxima é controlar os jihadis – apesar de Bandar, de fato, também já os estar armando.

O novo Afeganistão

Moscou não abandonará Damasco. Ponto. Parágrafo. Ao mesmo tempo, como Bandar ameaçou, é mais difícil acontecer Genebra II, do que o governo Obama parar de “dronar” o Iêmen até a morte.

"Rebelde" na Síria dispara arma fornecida pela Arábia Saudita
Como Asia Times Online já noticiou extensamente, o nome do jogo, na prática, ainda é a Síria, como o novo Afeganistão, com a Casa de Saud no controle de todos os aspectos da jihad (com Washington “liderando pela retaguarda”). A mais mortal ironia da história também se aplica aqui: em vez de colidir de frente com a União Soviética, agora os sauditas colidem de frente com a Federação Russa. Bandar é simultaneamente o novo fornecedor-de-armas-em-chefe   e o libertador-em-chefe da Síria. Mas o espião-de-volta-à-cena não dá sinais de estar atento à inevitável, terrível volta do chicote sobre o lombo do chicoteador. Ainda mais alarmante é que o governo Obama está ali, exatamente na cola dele.

A visita de Bandar Bush a Moscou jamais teria acontecido sem luz verde de Washington. Então, qual é o (atrapalhado) master plan? O governo Obama parece acreditar num Acordo Sykes-Picot remixado – quase um século depois do original. O problema é que não tem nem a mais remota ideia de como configurar novas zonas de influência. Enquanto isso, os sauditas que carreguem o piano! O primeiro passo foi eliminar do quadro o Qatar. É inacreditável o quão rapidamente o emirado, que há dois meses era aspirante a mini superpotência, está hoje reduzido a menos que uma quinta, sexta via a (talvez) considerar.

Bashar al-Assad
Mas é possível que Bandar, agora, já tenha captado a mensagem escrita (com sangue) no muro: Bashar al-Assad permanecerá no poder na Síria até as eleições de 2014; é possível que vença as eleições. Os sauditas talvez possam aceitar alguma forma de compensação no Líbano, com seu protegido, o cosmicamente incompetente Saad al-Hariri, de volta ao poder, numa coalizão de governo que incluirá o braço político do Hezbollah – não o outro, que os poodles europeus chamam de “terrorista”. Mas até isso parece pouco provável.

Então... o que fará Bandar “O Libertador”? Bem... Sempre poderá dirigir seu jato particular para Dallas e afogar as mágoas num mar de uísque single malt, cortesia da Casa de Dábliu.


[*] Pepe Escobar (1954) é jornalista brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna (“The Roving Eye”) no Asia Times Online; é também analista e correspondente das redes The Real News Network TV e Al-Jazeera. Seus artigos podem ser lidos, traduzidos para o português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu, no blog redecastorphoto.

Livros
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Nota dos Tradutores
[1] It’s alraight, Ma (I’m only bleeding). Ouve-se, com legenda . A seguir:

A expressão aparece também, retraduzida, em verso de Caetano Veloso em “Panis et circencis” (com os Mutantes): “Mas as pessoas na sala de jantar / são ocupadas em nascer e em morrer”.
A seguir:

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