sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Generais e patrões: os militares egípcios-norte-americanos

15/8/2013, [*] Marwan Bishara, Al-Jazeera, Qatar
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


As forças armadas egípcias obedecem tão somente aos interesses dos EUA
Com a situação em escalada rumo a confronto declarado entre os militares egípcios e apoiadores da Fraternidade Muçulmana, Washington brinca mais uma vez de cabra-cega com estados seus fregueses.

Feliz de ver os islamistas de volta, o governo dos EUA resistiu a chamar de golpe a derrubada do Presidente Mursi, nem depois de influentes membros do Congresso a terem identificado como tal.

O governo Obama queria que o golpe prosperasse, mas não queria ser apanhado com sangue nas mãos. Mas se contava com conseguir acalmar os militares e manobrá-los, errou.

Os generais decididos a conter, se não a quebrar a Fraternidade, viram os problemas políticos que o Egito enfrenta como problemas de segurança a exigirem o uso da força.

Impuseram leis de emergência que permitem maior controle, mas o movimento só fez aumentar a violência. Prepararam-se para atacar violentamente os apoiadores de Mursi. E viram Washington permanecer quase integralmente em silêncio.

Os clamores dos EUA por moderação, diálogo e pela volta das urnas pareceram mais retóricos que práticos ou efetivos.

O ex-Secretário de Defesa dos EUA, Leon Panetta, e o ex-general egípcio, Hussein Tantawi
A ansiedade por manter relação íntima com os militares e por continuar relevantes no Egito impediu que os norte-americanos tomassem posição clara.

Investir nos militares egípcios

O Egito é “importante aliado não OTAN”, com as ligações de militares com militares no centro de tudo. As relações entre os militares egípcios e o ocidente começaram depois do Tratado de Paz de 1979 entre Israel e Egito. E fizeram do Egito o segundo maior beneficiário de assistência bilateral, atrás só de Israel.

Para tanto, foi necessário um grande investimento financeiro e militar que totalizou US$66 bilhões desde a assinatura do Tratado de Paz. A corte que os americanos fazem aos generais egípcios custa aos EUA US$ 1,3 bilhão ao ano, desde 1987
 
Presentes caros, como 1.000 tanques e 221 jatos de combate  ao custo de bilhões mostram o quanto os EUA comprometeram-se com o Egito.

Um dos mais de 200 F-16 da Força Aérea egípcia
Em 2011 – ano da revolução – o Egito recebeu quase 1/4 de todos os fundos do Financiamento Norte-americano para Militares Estrangeiros [orig. America’s Foreign Military Financing].  

A colaboração EUA-Egito resultou, dentre muitas outras coisas, numa força egípcia americanizada de defesa.

Anualmente, mais de 500 oficiais egípcios beneficiam-se do sistema norte-americano de educação militar. Entre esses, altos oficiais egípcios, inclusive o comandante da defesa nacional do país, general Abdel Fattah al-Sisi, que se formou na Academia de Guerra dos EUA na Pennsylvania, e o comandante da Força Aérea, Reda Mahmoud.

A educação e a formação dos oficiais egípcios em academias militares norte-americanas, os programas de treinamento e os exercícios militares conjuntos geraram traços duradouros de ligação entre os establishments dos dois países.

Duas posições que são uma

A questão então é: com os militares egípcios convertidos em parceiros que já causavam tantos embaraços – o que os EUA deveriam ter feito? Um ultimato? Cortar a ajuda, depois de anos durante os quais os EUA foram fonte de fundos tão significativos?

A sabedoria convencional no establishment político no Oriente Médio, especialmente entre os aliados de Israel, reza que Washington precisa manter relacionamento íntimo com os militares egípcios, e sempre.

Há quem diga que os militares egípcios são aliados confiáveis e indispensáveis naquele mar revolto; e apoiá-los serve também aos interesses da segurança nacional dos EUA. Para esses, as forças civis emergentes – populares, se for o caso; islamistas ou seculares – não são nem amistosas nem confiáveis.

Outros dizem que calar qualquer crítica permite que Washington exerça alguma influência na tomada de decisão dos militares.

O Secretário de Estado John Kerry (E) e Martin Indyk(D)
O recém nomeado “enviado de paz” de Washington para o Oriente Médio, Martin Indyk diz que os EUA    devem comunicar-se por canais privados com os militares do “maior, militarmente mais poderoso, culturalmente mais influente e geoestrategicamente mais importante país do mundo árabe”, nunca trabalhar contra eles.

Papéis invertidos

Alguns, uma minoria no establishment de Washington, defendem o rompimento de relações com os militares egípcios se não puserem fim à violência. Veem qualquer sinal de cumplicidade entre os EUA e os militares egípcios autoritários como danoso aos interesses dos EUA de longo prazo, sobretudo porque abre caminho para algum tipo de retaliação por islamistas na região.

Mas é ilusório supor que esse tipo de alerta merecerá qualquer atenção em Washington. Que sentido haveria em cortar a ajuda militar, num momento em que os EUA vão rapidamente perdendo a importância na região?

Vendo reduzirem-se o próprio poder de alavancagem e a própria influência, sobretudo se se consideram os eventos dramáticos em curso na Síria, Iraque, Irã, Líbano e em toda a região de modo geral, Washington absolutamente não poderá abrir mão de um dos poucos pilares estratégicos que lhe restam no Oriente Médio.

Os militares egípcios sabem perfeitamente disso tudo e compreendem muito bem a utilidade que têm para os EUA na região. Por exemplo: e se o próprio Egito decidir “separar-se” dos EUA? Com certeza haveria pânico em Washington e não menos pânico em Israel.

Afinal de contas, não é o Egito quem ajuda os EUA a manter a estabilidade  por ali e a preservar a segurança de Israel?

O caminho adiante…

Washington muito apreciaria que os generais pusessem fim à violência, que entregassem o país a governo civil, que admitissem um retorno rápido ao processo democrático e até, talvez, que se recolhessem de volta à caserna.

Violência e destruição provocadas pelo exército egípcio e patrocinada pelo EUA
Mas, se dizem tal coisa, os EUA só o dizem em voz baixa, sem o cuidado de fazer saber aos generais que o fracasso deles terá consequências que lhes serão cobradas. Com a espiral de violência alastrando-se pelas ruas do Egito, os EUA teriam de fazer valer o poder de alavancagem que tenham sobre os militares egípcios.

A declaração da Casa Branca e a fala do secretário de Estado condenando a violência não são, de modo algum, bom começo. Condenar a violência? Mas todos condenaram a violência... Até os generais egípcios!

Não há conversa privada ou com os respectivos botões ou arrependimentos públicos que consiga conter a escalada da violência. Se têm real poder sobre o seu estado-freguês, os EUA têm de começar por dizer aos generais egípcios: acabem com a lei de emergência e reponham em cena as urnas. Não há terceira via. É isso ou isso. 
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[*] Marwan Bishara é analista político sênior da Al Jazeera – Qatar (em inglês) e Editor da revista Empire onde discute as políticas das potências mundiais e suas agendas. Foi professor de Relações Internacionais na American University of Paris e professor convidado na Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales. Escreve e fala extensivamente sobre política global; tornou-se uma autoridade em muitas das questões atuais mais relevantes; a política externa dos EUA e do Grande Oriente Médio. Seu livro mais recente, The Invisible Arab, tem sido elogiado pela crítica por sua visão sobre os fatores que levaram à Primavera Árabe, captando o espírito e a energia do movimento.

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